1. Acedi prontamente ao convite para participar na apresentação da obra do Professor Rui Bebiano, No Labirinto de Outubro – Cem anos de revolução e dissidência, por ser uma obra importante, por várias razões. A obra considera a Revolução Russa de 1917 quanto ao seu impacto no mundo, sem visões fechadas, sem muros preconcebidos, sem medo de uma visão crítica e, também, sem medo do reconhecimento. É um trabalho que considera uma vasta gama de variações que povos e forças políticas de todo o mundo foram ensaiando em relação com esse processo revolucionário, acabando por constituir um guia de estudo que relembra muitos vértices da figura da revolução em mais de um século. Oferece-nos uma visão pluralista, sem procurar fechar as respostas às inúmeras questões que incorpora, deixando-nos muitas pistas de problematização. E, ainda, é uma obra atual, na medida em que continua a ser preciso entender “o que é afinal a esquerda para o século XXI”, questão que arrasta muita desta história. Este ponto é particularmente relevante na valoração que faço do interesse deste livro, na medida em que, para mim, se, indubitavelmente, a casa do socialismo democrático é a esquerda, creio que temos à esquerda um problema que foi uma doença no passado e é um escolho para o futuro: à esquerda, a unidade está excessivamente sobrevalorizada, enquanto a pluralidade está perigosamente desvalorizada. Ora, esta obra oferece material abundante para uma reflexão sobre esse problema.
Sobre a obra, e para estimular a sua leitura, farei três observações (duas um pouco mais detalhadas, a terceira mais breve) que resultam deste meu interesse pela pluralidade da esquerda. Começarei por perguntar, sobre figuras históricas concretas, “é ele comunista?”; depois, assinalarei a questão da violência política no campo da esquerda; finalmente, direi umas poucas palavras sobre a questão da utopia em relação com estas dinâmicas.
2. A arquitetura central desta obra de Rui Bebiano assenta na operação de tomar a Revolução de Outubro como paradigma de uma via resoluta para uma transformação social em busca de maior justiça, desenhar esse paradigma (no sentido mais modesto que Thomas Khun acabou por dar ao termo “paradigma”, e que é um caso que serve de exemplo) por meio de uma listagem de características e, depois, identificar variações desse caso. As variações (dissidências, as mais das vezes, no dizer do Autor) fazem a riqueza do percurso histórico das consequências daquele acontecimento, quer porque ilustram a adaptabilidade do modelo central a diferentes contextos, quer porque fazem ver algumas das consequências práticas do caminho aberto por aquela experiência histórica.
Só se pode entender todo o exercício contido nesta obra a partir, precisamente, da forma como o Autor elenca as características do paradigma “Revolução de Outubro de 1917”, pelo que damos aqui nota desse elenco (seguindo o mais de perto possível as palavras do Autor, mas não em toda a sua extensão, que se encontra nas páginas 212-220 da obra):
(i) o poder político obtém-se e conserva-se com o recurso necessário à violência revolucionária, através da ação insurrecional liderada por revolucionários profissionais (tese bolchevique contra a tese menchevique da transformação gradual e do aumento da representação parlamentar);
(ii) a ditadura do proletariado, imposta pelo Partido Comunista, como necessidade para conter a contrarrevolução, contra a democracia representativa pluripartidária (que seria uma concessão à velha ordem);
(iii) recurso ao afastamento compulsivo das forças concorrentes, com outras ideias acerca do rumo do processo revolucionário (outras forças progressistas), incluindo a exclusão de militantes comunistas que discordassem da linha oficial, e subalternização de outras formas de organização dos trabalhadores (como os conselhos operários ou sovietes, que o Partido Comunista quis controlar);
(iv) o fundamento da transformação social é a economia e as forças produtivas;
(v) combate à propriedade privada e prioridade à coletivização (apesar da Nova Política Económica, menos dura durante um período com Lenine, mas que não lhe sobrevive, tendo dado lugar, sob Estaline, a uma total estatização e submissão da economia a diretrizes políticas);
(vi) constantes iniciativas de engenharia social (redistribuição territorial forçada de grupos étnicos e setores sociais);
(vii) transformação do ideal de revolução mundial num ideal de “socialismo num só país”, cavalgando a ideia imperial grã-russa;
(viii) definição de uma política internacional vinculada aos interesses da URSS como grande potência;
(ix) o centralismo democrático como modelo político do partido que exerce a ditadura do proletariado: unidade de ferro controlada a partir da cúpula partidária, excluindo a exposição pública de divergências ou a organização de correntes alternativas, até ao ponto da sua criminalização;
(x) propaganda intensa e omnipresente para instilar as orientações e visões do partido, sem dispensar a censura e a repressão policial;
(xi) vigilância, rígido controlo da palavra e da imprensa, repressão policial, vasto sistema penal, aparelho repressivo intenso para evitar qualquer desvio da linha política oficial;
(xii) controlo estreito de todo o tipo de criação artística;
(xiii) criação de uma vasta burocracia profissional de controlo partidário ao serviço da respetiva direção, destinada a uniformizar a vida do partido e a descartar desvios e formas alternativas de pensar ou de fazer;
(xiv) valorização social do trabalho: integração na classe revolucionária, forma de afirmação material das capacidades do socialismo, purificador ideológico, prática emancipatória;
(xv) ideal de uma nova sociedade, um “homem novo”, sem antigos vícios e prometendo novas virtudes;
(xvi) ideal do domínio da natureza pelos humanos, um novo patamar de controlo da realidade, envolvendo a ciência como força de progresso;
(xvii) uma conceção única do marxismo, do mundo e da história, como um dogma.
Este é, portanto, em resumo, o “paradigma” central da classe de variantes que se ordenam em relação aos acontecimentos de 1917 na Rússia e aos desenvolvimentos que, com maior ou menor margem interpretativa, são deles seguimento. Curiosamente, este trabalho de fixar um conjunto de características do modelo é feito, na obra em causa, em primeiro lugar para o estalinismo, com quinze características (apresentadas nas páginas 151-155). Estas duas listas sugerem, aliás, uma tarefa (que não vamos aqui cumprir) de confrontar as características de um e de outro fenómeno histórico, tal como o Autor as fixou, e procurar, a partir daí, entender se Rui Bebiano tem uma tese clara acerca de saber se o estalinismo é ou não uma continuidade histórica do leninismo (com ou sem rutura).
3. Face a este “paradigma” para uma revolução, a primeira observação que proponho consiste no que considero ser uma pergunta fundamental para toda a esquerda, tanto na perspetiva da história como na perspetiva do futuro: é preciso aderir a este modelo para ser comunista?
A obra que ora apreciamos historia muitas dissidências – e é significativo que tenham sido entendidas historicamente como dissidências e não apenas como variações. É que, na verdade, o “movimento dos trabalhadores pela emancipação” contém, desde cedo, oposições fortes no seu seio. A alternativa “reforma ou revolução” é o resumo mais clássico de uma das oposições mais significativas (deixando, aqui, de lado as correntes menos estatistas, ou mais libertárias), a tal ponto que muitos militantes de esquerda ajuizarão que aí se trata de duas famílias políticas diferentes e não de uma única família desavinda. Ora, o modelo bolchevique de partido e de revolução segue uma política e uma estratégia de separação e de exclusão desde o início, desde o Partido Operário Social Democrata da Rússia, desde logo com a divisão entre bolcheviques e mencheviques, com os mencheviques (minoritários) a serem perseguidos como se fossem mais perigosos do que o inimigo de classe, mas prosseguindo ao longo dos anos com diversas oposições dentro do próprio Partido Bolchevique (Oposição Operária, Oposição de Esquerda, Oposição Unificada, o fenómeno Trotsky, …), numa dinâmica permanente de exclusão violenta que foi alimentando purgas sucessivas (como Rui Bebiano lembra no subcapítulo “Divergências e Paradoxos”).
A história da sequência da Revolução Russa de 1917 é, pois, uma história de bifurcações, como sabíamos e como o Autor ilustra nesta obra: a China, a Jugoslávia, Cuba, as diversas esquerdas radicais no Ocidente. Devemos, aqui, não obstante, expor uma crítica a um enviesamento notável na forma como Rui Bebiano distribui a atenção mais por uns do que por outros comunistas desta história longa e complexa. Vejamos.
As invasões que a União Soviética e o Pacto de Varsóvia perpetraram contra a Hungria, em 1956, e contra a Checoslováquia, em 1968, merecem uma atenção menos do que minimalista nesta obra. O processo da Hungria merece, no conjunto, 24 linhas (pp. 286-287) e o processo de Praga 1968 só dá para 26 linhas (pp. 289-290).
Não só o espaço é pouco, como a problematização é, neste ponto, incipiente. Poderemos interpretar esse facto como uma tese (implícita, mas claramente detetável) acerca das forças políticas liderantes dos processos húngaro e checoslovaco, classificando-as como não pertencentes ao movimento comunista, em sentido lato, não merecendo sequer uma adequada problematização como “variante” da revolução-paradigma?
Então, exemplifico a minha pergunta em curso, nesta concretização: Imre Nagy era comunista? Imre Nagy, primeiro-ministro da Hungria entre 23 de outubro de 1956 e 4 de novembro desse ano, em nome do partido dos comunistas, que caiu por força da intervenção soviética, que acabou por ser executado em 1958 por alta traição, embora János Kádár, seu sucessor “normalizador”, tenha dito de Nagy que era um comunista honesto, que nunca tinha sido um contrarrevolucionário – era ou não era comunista? Esta obra deixa por dar uma resposta a essa questão, fundamental para entendermos em toda a sua extensão qual é a leitura que se faz do movimento comunista internacional. Nesta obra, face ao somatório de 50 linhas dedicadas aos dois processos mencionados (Hungria, 1956; Praga, 1968), dedicam-se 49 linhas ao filósofo húngaro György Lukács (pp. 299-300), lembrando que ele foi ministro da República Soviética da Hungria em 1919, mas esquecendo que voltou a ser ministro de Nagy em 1956 (e da mesma pasta, a Educação). Parece uma escolha desequilibrada, um enviesamento, que poderíamos, polemicamente, ou provocadoramente, considerar uma concessão do Autor a um interdito próprio do “modelo central” em análise.
E Alexander Dubcek, foi comunista ou não foi comunista, ao tempo em que foi derrubado por uma agressão armada da União Soviética e do Pacto de Varsóvia? A eleição de Dubcek para secretário-geral do Partido Comunista Checo, em Janeiro de 1968, e a aprovação do Programa de Ação do PCC, em Abril seguinte, traduziu o impacto no seio dos comunistas de um profundo movimento de reflexão, que durou vários anos, no seio do Partido, da Academia e da sociedade, para responder aos desafios da estagnação económica em que o país tinha caído. Essa reflexão tinha tido, nos anos anteriores, expressões claramente produzidas no contexto institucional do regime, como a obra “Civilização na Encruzilhada”, com mais de meia centena de autores, publicada pela Academia das Ciências Checa, e que se inseria numa procura de respostas para as novas exigências de desenvolvimento de uma economia cada vez mais baseada na ciência e que, por isso, teria de adotar um princípio de participação – e, portanto, um princípio democrático: melhor economia com mais democracia, sem propriedade privada do capital. Foi o desenvolvimento deste processo no plano político, com eliminação de um conjunto de restrições a liberdades básicas, um processo conduzido dentro do Partido Comunista, que espoletou os medos soviéticos e a invasão. Aquele PC era, ou não, um partido comunista? Faz sentido, numa obra deste tipo, não seguir a pista de procurar compreender o que o comunismo poderia ter ganho (ou perdido!) se tivesse seguido esta pista?
Podemos fazer a mesma pergunta para outros dirigentes comunistas, mais próximos de nós no tempo e na geografia: Santiago Carrillo, era comunista? Henrico Berlinguer, era comunista?
Continuar com nomes portugueses, excluídos do Partido Comunista Português, também faria sentido.
Mas essas perguntas são delicadas, porque tocam nas nossas mais profundas incapacidades para resolver o sectarismo que está na base da continuação das grandes divisões da esquerda. Antes da divisão institucional rígida entre socialistas e comunistas, entre reformistas e revolucionários, éramos todos social-democratas (quer na Rússia, quer na Alemanha – embora, como demonstra a fracassada Revolução Alemã, a coexistência debaixo do mesmo rótulo social-democrata não tenha facilitado nada). Social-democratas de diferentes tendências, mas todos social-democratas. Foi a pretensão da unidade – contra a pluralidade –, e o cortejo de erros cometidos por todas as partes nesse processo, que transformou a social-democracia na parteira de irmãos inimigos e incapazes de combinar progresso e democracia.
4. A segunda observação que queria fazer a esta obra é sobre a questão da violência em política. O Autor sublinha por várias vezes a importância dessa questão, o papel que a violência revolucionária assume no “modelo central” que se desenvolve a partir do “paradigma” (caso exemplar) da Revolução de Outubro (por exemplo, pp. 92-96, 121-136, 267-269). A violência revolucionária, como violência sistemática (violência que tem um lugar no sistema de ideias e de práticas, que não é uma deriva nem um erro tático epifenomenal), é, nesta tradição, “parteira da história”, elemento imprescindível da transformação social.
Um dos problemas com a questão da violência, tal como ela é apresentada, é que ela (violência) se torna omnidirecional: a partir de certo ponto, não há distinção entre a violência dirigida aos contrarrevolucionários e a violência contra os próprios correligionários, sendo usada, no seio do partido, como método de direção política. Queremos com isto dizer que absolveríamos uma violência que fosse exercida apenas contra o “outro”? Não; quer dizer que a assunção de uma violência suscetível de ser dirigida contra qualquer um é uma violência que impregna todo o tecido político: cada um deve, se pensar nisso, assumir-se desde logo como outro potencial alvo da sua violência, amanhã, se passar a ser, em algum sentido, oposição, porque passa a haver uma sobreposição total entre ter uma existência política e ser um possível alvo de violência partidária.
A expressão extrema da violência na “pátria do socialismo” é o Gulag, o sistema concentracionário que se tornou um elemento central quer na política quer na economia do regime. Só que a violência política nunca é exterior à própria política, a violência política molda a política que dela se serve. A centralidade da violência na revolução torna-a definidora do método político, como diz Bebiano (p. 133): “contribui, em larga medida, para a construção e a ampliação de um modelo centralista, autoritário e unívoco do processo revolucionário que 1917 abrira” e “ajudou a legitimar e a definir um modelo de governação autoritária e repressiva”, modelo que será replicado, sob diferentes formas, nas experiências de socialismo de Estado pós-Segunda Guerra Mundial – e, acrescento eu, autoriza politicamente a violência “internacionalista” “entre irmãos”, como nos casos referidos das invasões da Hungria e da Checoslováquia em 1956 e em 1968.
Ora, para aquilo que do passado vem alimentar a nossa prática presente, a questão da violência como ferramenta política é um obstáculo importante à esquerda. Por um lado, a violência mata a dimensão utópica – e, creio eu, todas as esquerdas “tradicionais” que subsistem no “Ocidente” com acesso (efetivo ou potencial) ao poder de Estado, no momento presente, estão enfraquecidas por falta de contacto com formas ditas utópicas de conceber a transformação social.
Por outro lado – e dilucidar isto seria importante para aclararmos até que ponto queremos que o passado assombre o nosso futuro – a velha dicotomia reforma/revolução está provavelmente hoje subsumida na questão da violência. Isto é: a esquerda que resta (incluindo os comunistas) é toda social-democrata para todas as opções relativas a políticas públicas, mas continua por rever de forma explícita a questão da violência revolucionária como fronteira entre a “esquerda” e o “centro-esquerda”, que continua a pesar como herança. Entre uma rejeição absoluta (quase metafísica) da violência e, de outros lados, uma aceitação demasiado ligeira de formas inorgânicas ou falsamente espontâneas de violência como forma de ação política (que, por exemplo, tiveram importância, em muitas sociedades, no período mais pesado da austeridade imposta em nome do “ajustamento” na última grande crise financeira internacional antes da pandemia, com ou sem troika), a questão da violência em política continua a pesar na esquerda.
A divergência em torno da questão da violência não tem a saída fácil de sermos simplesmente contra a violência revolucionária – que somos. Mas não chega como resposta. Até porque não há soluções simples para enquadrar a violência na política democrática: porque não podemos aceitar acriticamente toda a violência exercida em nome da legalidade, tal como não podemos aceitar formas de ação violenta destinadas a ferir a legalidade democrática (e, muito menos, aceitar a explicação de que é só contra a “democracia formal”). A importância das barreiras contra o recurso à violência como ferramenta política fica bem sublinhada, hoje em dia, pelo facto de a extrema-direita ter como estratégia básica a introdução dessa arma no seu arsenal de combate político, começando por formas não armadas de violência (práticas de racismo e de xenofobia, por exemplo), mas tendo sempre à espreita a via possível de uma escalada.
A questão da violência política é um teste decisivo para a legalidade democrática, na exata medida em que, em democracia, a legalidade só pode sustentar-se na legitimidade: não há forma legal de apurar a legitimidade ou ilegitimidade, a distinção entre legítimo e ilegítimo é radicalmente política, é radicalmente original. É por isso que ações fisicamente idênticas (ações violentas) são, por uns, atribuídas a terroristas e, por outros, a combatentes pela liberdade. Assim, a questão da violência – que é, afinal, a questão da legitimidade da violência, até porque nenhuma violência revolucionária tem a pretensão de ser legal – é capaz de perturbar o consenso mínimo indispensável para que nos entendamos acerca da legitimidade da própria democracia. Não podemos, simultaneamente, reconhecer legitimidade a um regime democrático e reconhecer legitimidade a uma ação violenta contra esse regime democrático. Mas, ao mesmo tempo, e para que a questão não pareça menos difícil do que é, há ações hoje perfeitamente legais numa democracia (como as greves) que foram ilegais e foram violentamente reprimidas em nome da legalidade. Não saímos facilmente do problema que Brecht nos deixou: do rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem.
5. A terceira e última observação que queria fazer sobre esta obra de Rui Bebiano, No Labirinto de Outubro – Cem anos de revolução e dissidência, é uma nota breve sobre uma região do mundo que está fora do seu âmbito.
O modelo central, o paradigma descrito pelo Autor, expulsa do seu campo o “socialismo utópico” – ou, mais precisamente, integra, no processo da sua constituição como campo, uma oposição clara e explícita ao socialismo dito utópico, onde “utópico” é pejorativo, é acusação, é desprezo (cf. pp. 221ss). O socialismo “científico” expulsa o “socialismo utópico”. Curiosamente, creio que a social-democracia europeia foi, até certo ponto e em certos tempos, mais capaz de acolher (ou, talvez, apenas tolerar) no seu seio as correntes que valorizam mais as ideias de auto-organização, de organização de baixo para cima, menos centralistas, menos estatistas, mais próximas do pensamento libertário. Mas esse tempo passou e a margem de abertura para essas heterodoxias é hoje quase tão estreita nos partidos social-democratas, socialistas e trabalhistas como sempre foi nos partidos do “modelo central” (comunistas). É um problema, de certo modo, excêntrico ao núcleo desta obra, embora aí seja assinalado, mas é, provavelmente, um problema relevante para pensar, em termos de futuro, uma esquerda plural, democrática, não violenta, radical (que vai à raiz dos problemas) – uma esquerda onde ganhe mais sentido falar, mais de cem anos depois de Outubro, num comunismo democrático. Utopias?