Estive esta manhã a intervir no Ciência 2017, tal como os demais representantes dos diferentes grupos parlamentares na Comissão Parlamentar de Educação e Ciência.Nos poucos minutos que nos foram dados, procurei focar os seguintes pontos:
1. A ciência atinge o seu melhor quando não está fechada em fronteiras, quando se abre ao mundo - e isso coloca a questão da internacionalização da actividade científica. Também por aqui somos europeístas, porque não será produtivo estarmos sozinhos no mundo global: participando no espaço da UE, estaremos de forma mais proveitosa no mundo global.
2. Não obstante, no plano dos diferentes territórios no país, é preciso democratizar o acesso à internacionalização. Não pode haver outra divisão litoral/interior no acesso do conhecimento à internacionalização, não podemos aceitar que viver em certos territórios implique ficar para trás no acesso da investigação à internacionalização. Por isso é importante, por exemplo, o actual investimento em intensificar o esforço de investigação feito nos Politécnicos.
3. Outro caminho que é preciso traçar, ao mesmo tempo, é aprofundar a interacção entre ensino e investigação. Há espaços onde essa interacção é forte, mas também há espaços de resistência a essa interacção. Precisamos que o ensino (e a aprendizagem) seja mais robustecido com a prática da investigação, precisamos que a investigação contribua para robustecer o ensino (e a aprendizagem). Essa questão coloca-se no plano das carreiras (de docência e de investigação), mas também se coloca como desafio às próprias instituições, em termos de estratégia e de governação. Esse acréscimo de interacção entre ensino e investigação deve ser benéfico quer para os profissionais, quer para o desenvolvimento institucional.
4. Precisamos também ultrapassar algumas dicotomias improdutivas. Por exemplo, excessiva insistência na utilidade da investigação aplicada, com menor apoio à investigação fundamental, seria um erro. Apostar só (ou quase só) em investigação aplicada seria, a prazo, matar a ciência como um todo. Os sistemas de produção de conhecimento não podem guiar-se quase exclusivamente pela “competitividade à vista”, imediata – mesmo que esse enviesamento nos seja apresentado com as roupagens da inovação.
5. O chamado “mercado” não pode ser o único, ou quase exclusivo, destinatário da produção científica. A comunidade nacional organizada, o Estado, precisa de recorrer mais assídua e intensamente ao conhecimento, para que tenha oportunidade de melhorar a qualidade da decisão. Isto implica escolhas acertadas quanto à configuração da rede de unidades de investigação, na sua diversidade e coerência.
6. Aprofundar a ligação entre conhecimento e sociedade passa, também, por responder ao desafio da multidisciplinaridade – pelo menos, quando essa multidisciplinaridade é necessária para considerar os aspectos societais dos problemas. Neste Ciência 2017 já houve um interessante debate em torno da questão dos incêndios – e esse é um bom exemplo para o que quero dizer. A questão dos incêndios não é só a questão da propagação do fogo, nem só a questão da meteorologia. Como muitos já assinalaram, também é a questão da organização territorial do país, a questão social das transformações do mundo rural, a questão do ambiente no sentido mais vasto. E aqui já precisamos de uma ampla multidisciplinaridade para compreender o que está em causa. Mas há também – e aqui temos outro alargamento – a questão política da forma como uma comunidade nacional se organiza para resolver problemas complexos e que só podem ser enfrentados com sucesso num prazo longo. Há a responsabilidade política (como é que não resolvemos isto depois de 30 anos?), mas é uma responsabilidade política que não é só dos chamados políticos. É uma questão da comunidade como um todo, como é que organizamos um processo de decisão tão complexo – e esta questão também deve mobilizar conhecimento, provavelmente de áreas de conhecimento que alguns tendem a desvalorizar.
#Ciencia2017PT
Porfírio Silva, 5 de Julho de 2017