30.6.08

um choque eléctrico no populismo de sacristia


A Nissan-Renault e o Governo português estão a discutir um projecto de investimento ligado aos carros eléctricos, mas, sem a luz verde da União Europeia para a concessão de apoios públicos excepcionais para o desenvolvimento de uma nova geração de veículos automóveis a energias alternativas, a negociação dificilmente chegará a bom porto.


Ponto 1: Afinal o papão do Estado, quer dizer: os poderes e dinheiros públicos, servem para alguma coisa, designadamente para alavancar mudanças necessárias mas que não surgem espontaneamente (nem são produzidas miraculosamente pelo mercado).
Ponto 2: São projectos destes, se concretizados, que significam enfrentar a crise nos seus fundamentos. Não é o novo assistencialismo da caridadezinha, descoberto por motivos meramente eleitoralistas, que pode fazer esse papel. O populismo de sacristia é completamente caricato porque esquece uma coisa simples: se não criarmos mais riqueza não podemos distribuir mais riqueza. Não obstante ser importante melhorar a distribuição da que existe, a tentação de pensar só nesse aspecto nunca deu bom resultado.

27.6.08

matar o Estado-providência com pequenas colheres de chá


Provedoria põe em causa legalidade da lei que mudou o cálculo das pensões.


De inconstitucionalidade em inconstitucionalidade até à vitória final. Quer dizer: até à destruição final do "Estado-Providência". Nenhuma putativa expectativa individual pode deixar de ser satisfeita, em teoria - porque, na prática, levamos todo o sistema à falência e, nessa altura, cada um por si e o último a sair que feche a porta... se ainda não tiverem roubado a própria porta. Se o cacau caísse do céu... não fazia mal nenhum torpedear as tentativas para tornar o sistema menos vulnerável à fraude. Assim, estamos a fazer a vida das futuras gerações um cenário mais triste - mas sempre em nome dos melhores "direitos adquiridos".


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escrevemos aqui anteriormente... (acariciar com o rato para ver, clicar para ler)



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26.6.08

o trabalho que dá trabalhar


Conselho de Ministros aprova proposta de lei da revisão do código do trabalho.


Estou convencido, ainda sem uma leitura adequada do material, que não se terá ido tão longe como teria sido possível.
Por exemplo, acho que a proposta devia preocupar-se mais com a valorização dos parceiros organizados no diálogo estruturado sobre as condições de trabalho. As dúvidas que foram levantadas sobre a possibilidade de certas modificações de última hora incentivarem a não sindicalização, a confirmarem-se (não estou certo da boa interpretação que funda essa opinião) a confirmarem-se seriam negativas por acentuarem a tendência para a desestruturação individualista do mercado de trabalho. Essa desestruturação é um maná para os mais fortes do momento, mas é uma dificuldade séria para quantos acreditam que um mercado de trabalho mais justo pode ser mais qualificado e mais gerador de competitividade. A prazo, claro: de imediatismos estamos todos fartinhos de padecer.
Pena que a CGTP, em vez de se limitar a marcar o habitual terreno do "deixar estar o que está", como se o que está fosse bom, não tenha feito o trabalho de casa negocial de apresentar as "pequenas propostas" que poderiam levar as coisas para outro lado. Mas como a CGTP aposta sempre em que as boas empresas são as empresas fracas, mais uma vez, com o seu maximalismo, não serviu para nada. Uma pena.


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escrevemos aqui anteriormente... (acariciar com o rato para ver, clicar para ler)



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25.6.08

qual é a notícia?


Patrões e UGT chegaram a acordo sobre novo Código do Trabalho. A CGTP demarcou-se do compromisso.


Qual é a notícia: que a CGTP não assina? Mas a CGTP não assina nada nunca! A CGTP não é um parceiro negocial, porque a sua posição é sempre a mesma: "quedos". E é pena, porque isso significa que uma parte dos trabalhadores estão representados por um cego-surdo-mudo incapaz de interacção com o resto do mundo.

Entretanto, o estudo da OCDE mostra os maus resultados obtidos pela legislação laboral que temos. A CGTP deve gostar dos resultados: se não gostasse empenhava-se mais em alterar a situação. Ora isso, sem intervenção divina, talvez só negociando, não será? É no que dá as organizações sindicais estarem ao serviço de agendas partidárias. Radicais, ainda por cima.

OCDE diz que situação do mercado de trabalho em Portugal é preocupante. A organização entende que a legislação laboral continua a ser "restritiva" em Portugal, aconselha a liberalização do mercado de trabalho, alerta para a necessidade de "apoiar as pessoas que perdem o emprego" e de melhorar a adaptabilidade dos trabalhadores.



o método


Universidade de Aveiro vai usar dinheiro da investigação para subsídios de férias.


Concordo que as universidades têm de se reformar. É importante, contudo, que o método para alcançar tal desiderato não seja o método da fome. O método de as matar à fome com a ficção de que elas têm demasiados meios. Note-se: não estamos a falar de uma qualquer universidade de vão de escada. Estamos a falar de uma das universidades com provas dadas.

o ministro, a confederação, e a toma de reféns


CAP abandona negociação sobre Código de Trabalho em protesto contra declarações de Jaime Silva.


A meu ver o ministro andou mal com aquelas declarações sobre a CNA e sobre a CAP. Não tem nada a ver com ele ter ou não ter razão em matéria de facto. Nem significa que não lhe reconheça o direito a expressar aquela opinião política. Tem a ver com a necessidade de um governante se concentrar nos problemas, e em preservar as condições para negociar as respectivas soluções, deixando para outrém outros níveis de dialéctica política.
Agora, a CAP que não nos tome por tolos: a violência da CAP contra Jaime Silva tem sido mais frequente e mais dura do que o contrário. Não vale a pena virem agora fazer-se de anjinhos. Principalmente quando pegam na moda de toda a gente entender que pode tomar as estruturas públicas como reféns. Zangaram-se e auto-suspendem-se da concertação social, precisamente num momento central da negociação sobre a legislação do trabalho. E se o governo também se suspendesse da concertação social quando os parceiros dizem cobras e lagartos disto e daquilo, deste e daquele ministro?
Talvez mais grave do que tomar a rua pela força e fora da lei - é tentar tomar os mecanismos de funcionamento da polis por dentro, por meio da violência política.

CAP recebe garantias do Governo e vai participar na reunião de Concertação Social.

23.6.08

imigração: porque em assuntos sérios é preciso cuidado com as palavras oblíquas...


... é aconselhável, se não queremos ser comidos pelos cordeirinhos de palavras mansas que nos couberam na rifa, ir lendo quem sabe sobre estas coisas e, além de saber, não se cala nem mastigas as palavras, nem se rende às conveniências.
De novo, e sempre, deixo aqui dito que vale a pena ler, com tempo e atenção, no blogue Inclusão e cidadania, o que lá vai contribuindo José Leitão. Desta vez, em concreto, o artigo A UNIÃO EUROPEIA, A IMIGRAÇÃO E O MUNDO.
Cidadania - também pode passar por ler, é claro.

"A vida era mais cara antigamente"


No passado dia 19 de Junho, o Público dava à estampa, na secção "Cartas ao Director", um pequeno texto subscrito por Ricardo Charters de Azevedo, intitulado "A vida era mais cara antigamente". Vamos reproduzir aqui essa "carta", porque ela nos dá uma ideia das ilusões em que caímos por vezes devido à incapacidade de colocarmos em perspectiva o nosso presente. Gostaríamos de ver as mesmas contas feitas para o nosso país, mas, em geral, a tendência deve ser a mesma.

«Objectivar a perda do poder de compra, a fim de ultrapassar o estado das impressões e ideias feitas é uma tarefa delicada. Tal é devido a uma simples e boa razão: as comparações onde o tempo é um parâmetro são difíceis. Não é porque um pão custa hoje muito mais que custava há 25anos que podemos concluir que ele é mais caro. Tudo depende da evolução dos salários durante esse lapso de tempo. Será que o poder"de compra ficou intacto através destes25anos? O economista Philippe Defeyt, do Instituto para um Desenvolvimento Durável, estudou o problema no contexto belga e calculou o tempo que era necessário trabalhar para adquirir 13produtos de grande consumo em três momentos: 1983, 1988 e 2008. E baseou-se sobre a evolução do salário médio a preços constantes e a duração do tempo médio do trabalho. Quanto ganhávamos à hora há 25 anos e quanto ganhamos hoje?
Conclusão? Não há uma verdadeira perda do poder aquisitivo. A maioria dos produtos são menos caros ou têm o mesmo preço que em 1983. Alguns resultados são impressionantes. Era necessário, a um belga, trabalhar 1h02 para poder adquirir um quilo de manteiga em 1983contra 34 minutos em Abril de2008. O pão, por exemplo, contrariamente ao que se possa pensar, custa hoje o mesmo (em termos relativos) que há 25anos, i.e, 11 minutos de trabalho. Os ovos, o leite, ou o pão são mais baratos. E um automóvel utilitário, ou um electrodoméstico, são muito mais baratos que há 25anos.
Há 25 anos, um belga necessitava de trabalhar 6h15para encher um depósito de 40 litros de gasolina, quando em Abril deste ano tinha somente de trabalhar 5h25.
A longo prazo, para os produtos de consumo base, podemos dizer que ganhamos poder de compra. Mas como explicar estes factos e a percepção de que pagamos mais e que o dinheiro não chega ate ao final do mês? Esquecemo-nos da existência de despesas que não tínhamos há 25anos, como o telemóvel, as férias, a Internet, o consumo de electricidade e de água devido a novos electrodomésticos e a ida ao restaurante, por um lado. Por outro... a nossa má memória.
»
Assina: Ricardo Charters de Azevedo

o problema dos ideais


« ...será que vos haveis já interrogado suficientemente quanto ao preço que foi preciso pagar cada vez que um ideal foi erigido na Terra? Sobre a quantidade de realidade que foi preciso esconder e iludir, sobre a quantidade de mentira que foi preciso santificar, sobre a quantidade de consciência que foi preciso destruir, sobre a quantidade de "deus" que foi preciso sacrificar?»

Nietzsche, Para a genealogia da moral, segundo ensaio, § 24

21.6.08

The Trap: What Happened to Our Dream of Freedom, Episódio 2



The Trap: What Happened to Our Dream of Freedom é um documentário de Adam Curtis que passou pela primeira vez na BBC em Março de 2007. O documentário faz uma viagem por algumas ideias "bizarras" (embora muito "científicas") que estão presentes em ferramentas muito aceites como úteis para pensar a sociedade dos humanos. Trata-se, por exemplo, de reflectir sobre a "teoria dos jogos" como modelo da natureza humana em sociedade.
O documentário passou em três sessões de cerca de 60 minutos cada. Estamos aqui a divulgar, um de cada vez, esses três episódios (cada um dividido em 6 peças de cerca de 10 minutos cada). A publicação de cada episódio incluirá uma "introdução" ao mesmo, editada a partir daqui.

Estamos a fazer isto espaçadamente, porque sabemos que os nossos leitores têm mais que fazer do que passar horas frente a este blogue.
Divulgámos aqui o primeiro episódio.
Hoje é a vez do segundo de três episódios.



Segundo episódio: "The Lonely Robot" (18 de Março 2007)

O segundo episódio defende a teoria de que uma combinação de drogas como Prozac e de listas de sintomas psicológicos de depressão ou ansiedade são instrumentos para normalizar comportamentos e tornar os seres humanos mais previsíveis, como máquinas. Isso seria consequência do “mercado do auto-diagnóstico”, baseado em sintomas e não em causas reais. O que se passa é que pessoas com flutuações humorais perfeitamente normais se diagnosticam a si próprias como anormais, apresentando-se depois em consultórios psiquiátricos com esses diagnósticos onde, sem serem estudadas as suas histórias pessoais, são medicadas. O resultado é que muitas pessoas foram objecto de modificação comportamental e mental, por meio de drogas, sem qualquer necessidade médica rigorosa.

O Ax Fight - um famoso estudo antropológico do povo Yanomamo, da Venezuela, realizado por Tim Asch e Napoleon Chagnon - foi reexaminado e as suas conclusões baseadas num determinismo genético foram postas em causa. Outros investigadores foram chamados para verificar as conclusões e sugeriram que o que foi observado eram comportamentos alterados pela presença de uma equipa de filmagem e pela entrega (por esses estranhos) de catanas a apenas algunsdos homens da tribo. Curtis, o autor do documentário, questionou Chagnon mas este ficou irritado e abandonou a entrevista protestando.

O episódio também mostra Richard Dawkins propondo a sua teoria do "gene egoísta". Mostrando imagens produzidas ao longo de duas décadas, torna patente como essas ideias reducionistas acerca do comportamento têm sido absorvidas pela cultura dominante. Curtis explica como, com a descrição "robótica" da humanidade, junto com a aparente validação dada pelos geneticistas, a Teoria dos Jogos ganhou cada vez mais peso juntos dos “engenheiros de sociedade”.


O programa entra depois em aspectos mais directamente políticos (dos EUA e do Reino Unido), procurando mostrar aspectos negativos, na prática, de concepções teóricas acerca do “mercado livre”. Por exemplo, é analisado o uso indiscriminado de metas cuja quantificação é puramente artificial. Isso acontece quando (exemplos no episódio) a polícia reclassifica dezenas de infracções penais como "ocorrências suspeitas" para baixar as estatísticas do crime. Ou com alguns expedientes dos hospitais NHS, quando criaram um lugar não oficial de "Enfermeira Olá", cuja única tarefa era saudar os recém-chegados a fim de reivindicar para fins estatísticos que o doente tinha sido "visto", embora nenhum tratamento ou mesmo exame tivesse ocorrido durante o encontro; ou quando tiraram as rodas de carrinhos de transporte de doentes para os reclassificar como camas; ou quando reclassificaram corredores como enfermarias – tudo para embelezar as estatísticas.
Na secção "A morte da mobilidade social", Curtis também descreve a forma como a teoria do mercado livre foi aplicada à educação: como os “rankings” de estabelecimentos desvirtuaram o lugar da escola no tecido social.

Curtis conclui este episódio lembrando os únicos seres humanos cujo comportamento pode ser conforme aos pressupostos da Teoria dos Jogos: os economistas – e, talvez, alguns psicopatas.






The Trap #2 - The Lonely Robot (part 1 of 6)





The Trap #2 - The Lonely Robot (part 2 of 6)






The Trap #2 - The Lonely Robot (part 3 of 6)





The Trap #2 - The Lonely Robot (part 4 of 6)





The Trap #2 - The Lonely Robot (part 5 of 6)





The Trap #2 - The Lonely Robot (part 6 of 6)




20.6.08

estudantada


Comissão Europeia vai estudar medidas fiscais para combater aumento do preço do crude.


O que é certo é que a cimeira dos líderes europeus mostrou que não há líderes na Europa actualmente. Há muitos capazes de fazer muito barulho, como o presidente francês, que continua o estilo chiraquiano de distribuir ameaças por toda a gente (países que ele considera mais pequenos) como método para resolver os problemas do mundo. Mas esse barulho, se serve para alguma coisa, será apenas para calar os que tinham algumas ideias viáveis e necessárias, como o PM português que parece que queria propor uma resposta ousada à crise dos combustíveis - mas ficou embrulhado na fumaça.
A meu ver isto mostra que eu tinha alguma razão quando desconfiava da pressa com que se estava a fazer um alargamento tão grande em tão pouco tempo. Os inimigos da Europa, que apostaram no alargamento para evitar o aprofundamento, jogaram bem. E podem estar a ganhar.
Entretanto, encomendam-se estudos à Comissão Europeia. Que estudem, que estudem...

imigrantes: é preciso avisar toda a gente


Porque a Europa anda a fazer tolices graves em matéria de imigração, cedendo à facilidade de alisar o pêlo aos que andam na história às arrecuas, é preciso estar alerta.
Indo por quem sabe mais disso do que eu, aconselho vivamente uma visita ao blogue Inclusão e Cidadania e a leitura atenta do post NÃO À DIRECTIVA RETORNO.

sondagem pós-referendo na Irlanda...


..., realizada para avaliar das razões dos que votaram "sim" ou "não", e dos que se abstiveram, mostra algumas coisas interessantes.
Para me concentrar apenas num exemplo, a larga maioria dos que votaram "não" são de opinião que esse resultado negativo coloca a Irlanda numa posição de força negocial face aos outros Estados Membros na óptica de uma renegociação do Tratado.
Comentário: esse é um método que outros Estados Membros (por exemplo o Reino Unido) seguem à mesa das negociações no seio das próprias instituições: negociar até ao fim um equilíbrio cuja aceitação muitas vezes custa os olhos da cara às outras partes e - depois do "fim" - colocar novas exigências como "tudo ou nada" (se não me dão mais isto e aquilo, nada feito). Basicamente, uma atitude negocial de permanente chantagem. Esse método, transposto para o suporte do mecanismo referendário, é ainda mais perverso. A razão pela qual desejo que não se dê de novo um prémio ao "não" irlandês é esta: premiar os que fazem chantagem connosco é dar-lhes luz verde para prosseguirem na mesma via em novas ocasiões.

[UE vai ter de esperar até Outubro para solução do caso irlandês.]

operações encobertas


Unidade Especial de Polícia sem dinheiro para comprar fardas .

O detalhe da notícia corre assim: «Está instalada a polémica na Unidade Especial de Polícia (UEP) da PSP. O fardamento é a causa principal de um caso caricato que não se sabe até quando irá durar. A UEP é constituída por cinco forças policiais que recentemente foram unificadas. Cada uma dessas forças possui uma farda exclusiva, que irá continuar a envergar, uma vez que não há orçamento para vestir de igual os cerca de dois mil polícias que integram este novo corpo.»

Caramba, mas esse método é o ideal para operações encobertas! Quando a Unidade Especial de Polícia intervir ninguém ficará a saber que são eles! Genial (mas não contem a ninguém, se não lá vai o truque).

(Já agora: quando se está sempre a reclamar cortes no orçamento, pode também estar-se sempre a protestar por faltar dinheiro aqui e ali? Ou, ao contrário, quando se está sempre a protestar por faltar dinheiro aqui e ali, pode depois estar-se sempre a pedir contenção na despesa? De onde pensam as pessoas que vem o dinheiro? Do céu?)

Gilberto Madaíl...



..., presidente da Federação Portuguesa de Futebol, vai agora começar a pensar se deve renovar o contrato com Scolari, cometendo mais uma vez a proeza de ter um grande seleccionador de nível internacional e dar-se ao luxo de tratá-lo como um potencial desempregado à espera da compaixão do patrão.
Ah, já me esquecia: desta vez Scolari tratou da vida dele a tempo e horas e deixou Madail com a sua mania das grandezas a abanar a cabeça no deserto da sua pequenez.
Parabéns, Scolari.

Post Scriptum aos meus amigos intelectuais: eu posso gostar de futebol, posso. Também não sei tocar piano e gosto de ouvir.

machina speculatrix em vídeo


As tartarugas artificiais de Grey Walter, às quais está directamente ligado o título deste blogue, foram aqui apresentadas logo no início deste projecto: aqui e aqui. Contudo, esses animats (animais artificiais) só se compreendem bem quando os vemos em movimento. Mas são raras as imagens em movimento dessas criaturas artificias. São raras - mas existem!
Deixamos aqui um pequeno excerto de um programa de televisão, "Future Shock", de 1972, da autoria de Alvin Toffler (com narração de Orson Wells!) em que vemos pequenas amostras da "vida" das tartarugas.




19.6.08

euro 2008: a minha táctica...


... teria sido esta!


(Numa igreja em Buenos Aires. Foto de Porfírio Silva.)

governo italiano aprova imposto "Robin dos Bosques"...


... sobre as empresas petrolíferas, destinado ao financiamento de famílias de baixos rendimentos atingidas pelo aumento dos preços da energia e dos alimentos. O governo Berlusconi incluíu a medida numa proposta de orçamento trienal aprovada ontem, mas que ainda terá de ser apresentada ao parlamento. O ministro da Economia disse aos jornalistas que o dinheiro obtido por via deste imposto será utilizado em parte para ajudar os idosos a comprar comida e a pagar menos pela electricidade. A associação de empresas petrolíferas da Itália denunciou a medida como "punitiva".
Só os governos da direita populista é que podem fazer estas coisas?
Os governos de esquerda estão proibidos de tal coisa?

[Igreja sente falta de capacidade para responder às famílias necessitadas.]

mouseland


Sugiro uma espreitadela ao blogue mouseland_jogos e cultura digital_cinema_música.

Uma janela sobre as tentativas para compreender algumas relações entre real e virtual, natural e artificial, corpos-mentalizados e mentes-corpóreas. Talvez uma passagem para a outra margem. Algumas afinidades com os temas de base desta Machina Speculatrix, apesar dos "temas de base" por vezes ficarem um bocado na retaguarda. Tudo por culpa da realidade, desta vez...

18.6.08

guerras da memória


[Além do mais, que sirva esta posta de saudação ao projecto
Caminhos da Memória.]


Há quem pense que a memória é uma espécie de "armazém" onde estão guardadas umas entidades ou registos, as memórias, e que recordar é ir buscar tais registos de modo a poder recuperar algum tipo de descrição objectiva do que se passou em algum momento no passado. Muito se tem estudado, ao nível da memória individual, como essa ideia é simplista, mesmo errada. O que recordamos depende muito dos processos de reelaboração que estão virados mais para as nossas perspectivas actuais do que para um passado histórico objectivo a que poderíamos aceder como quem "vai buscar coisas ao armazém". Também ao nível da memória colectiva se tem procurado compreender esses mecanismos em que o passado (como nos lembramos do passado) é mediado pelo presente e pelas nossas perspectivas. Damos de seguida um exemplo.

No final dos anos 1970, poucos anos depois da derrota americana no Vietname, foi decidido construir um Memorial aos respectivos Veteranos. O concurso de projectos para o efeito foi ganho por Maya Lin, uma estudante de arquitectura de 21 anos que assim ficou em primeiro lugar num lote imenso de 1421 projectos apresentados.
O Memorial viria a ser construído em Washington, D.C. segundo a ideia de Maya Lin: uma enorme estrutura de granito polido com a forma de um V alongado, semi-enterrada, com a inscrição dos nomes dos mortos na guerra. Uma espécie de grande lápide tumular.





Mas a polémica já tinha sido incendiada: alguns, nomeadamente veteranos, consideravam que o Memorial partilhava a visão crítica da guerra que tinha alimentado enormes movimentações durante o decurso da mesma. O “V” parcialmente enterrado lembrava uma horrenda cicatriz e parecia recordar mais as fracturas causada na sociedade americana pela participação na guerra do que propriamente o esforço dos militares. O projecto inicial apresentado por Lin (imagem seguinte) talvez pudesse de facto ser lido desse modo.



Criaram-se organizações contra e a favor das diferentes visões do que devia ser o memorial. O resultado foi a construção de uma “adenda” ao memorial: uma estátua mais convencional representando três soldados combatentes, de origens diferentes: um branco, um negro, um hispânico.



Contudo, esta guerra da memória não ficaria por aqui. Gleena Goodacre viria a suscitar a questão: então e as mulheres que também fizeram a guerra? Dessa questão nasceu o terceiro componente do memorial, já no princípio dos anos 1990: o Memorial às Mulheres na guerra do Vietname.



Este é um dos exemplos que William Hirst e David Manier (*) dão do que se chama “guerras da memória”, que surgem quando memória e identidade se embrenham fortemente: quando a forma como recordamos o passado tem muito a ver com o que queremos no presente e no futuro para a nossa comunidade.

(*) HIRST, William, e MANIER, David, “Towards a psychology of collective memory”, in Memory, 16(3), pp. 183-200 (2008)

17.6.08

www.enxuto.org


O Enxuto apareceu pela primeira vez a dar palavra no passado dia 15 de Abril (pelo menos é o que devemos deduzir se fizermos confiança no que lá consta e está registado). Depois ainda andou em manobras de estabilização, mas agora corre como qualquer atleta de primeiro plano.

Apresentava este programa singelo na primeira mensagem urbi et orbi: «Este blogue destina-se a tratar assuntos relacionados com a língua portuguesa. Para além de ligações a outros blogues e páginas idênticas, pretendemos fazer aqui campanhas mensais para melhorar a qualidade do português e promover debates sobre questões de actualidade.»
E vem subscrito por alguém que de si apenas diz: «Miguel RM - licenciado em História; linguista na administração pública desde 1977.» Sabe a pouco, para quem o conhece. Mas, enfim, é o que ele quer dar a saber ali naquele espaço público.
O que acrescentamos é: se não vos incomoda a qualidade, não percam o enriquecimento de uma visita. Só aconselhamos a primeira. As demais virão pelo gosto dos visitantes.

harakiri


[Mais de 70 buzinões de norte a sul contra aumento dos combustíveis.]

Porque é que eu não participo? Porque ando de transportes públicos colectivos. E a pé. E não me dá jeito comprar uma buzina para apitar nessas circunstâncias.
A racionalidade das massas é tão fina como a psicologia dessas mesmas massas.

a estratégia da aranha


[Médicos espanhóis estão a abandonar o interior do país. "Agora, os espanhóis estão a procurar oportunidades de trabalho na sua região de origem", diz o vice-presidente de Profissionais de Saúde Espanhóis em Portugal.]

A crónica falta de médicos em Portugal, que se arrasta há longos anos, é um bom exemplo de um fenómeno que alguns tardam em entender.
Quer dizer: aqueles a quem interessava que houvesse menos médicos do que os necessários (menos oferta do que a procura) conseguiram durante muitos anos condicionar as opções das políticas públicas no sentido de não expandir o sistema de formação desses profissionais. Associados à escassez, assim produzida, vêm outros fenómenos, como o facto de qualquer consulta em Portugal ser muito mais cara do que em muitos países da "Europa rica".
Ora, isto é um exemplo, que todos pagamos, de algo que acontece muitas vezes: o interesse público, na medida em que ele pode ser servido pelo Estado, é maltratado por haver um grupo restrito de interesses que captura os mecanismos de decisão e leva a políticas que são erradas quanto aos seus efeitos para a generalidade das pessoas.
E isto não acontece apenas neste caso. Acontece sempre que algum grupo restrito, que por qualquer razão consegue condicionar o Estado num dado momento, força decisões que todos pagamos apenas em benefício de alguns. Há formas "doces" de fazer esse curto-circuito ao bem comum: influenciar os gabinetes ministeriais, por exemplo. Mas também há formas "abruptas" de fazer o mesmo descaradamente: por exemplo bloquear as vias de comnunicação do país e, sob a ameaça do caos, extrair concessões que todos pagaremos apesar da sua irrazoabilidade.

jardim zen em paris


MONUMENTA 2008, no espaço Promenade do Grand Palais, Paris, entre 7 de Maio e 15 de Junho deste ano. Visita in extremis, na véspera do fim. (Explicação do conceito aqui.)

Esta edição apresenta um trabalho de Richard Serra.
O próprio autor apresenta um paralelo que, para mim, dá uma chave de leitura desta sua obra que me basta. É o paralelo com o jardim zen, em que o nosso ponto de visão do jardim é que dá a leitura do jardim como paisagem múltipla e em devir.


O que vemos a seguir é o jardim zen do templo Ryoan-ji (Quioto, Japão). Jardim de paisagem seca radical. Trata-se de uma composição de quinze rochas rodeadas de pequenas áreas de musgo e uma grande superfície de gravilha penteada, tudo cercado por muros, dentro dos quais não existe qualquer outra vegetação. É um exemplo cimeiro do jardim kare-sansui, jardim seco em que as rochas e a gravilha penteada simbolizam água ou elementos paisagísticos.


(Foto de Porfírio Silva. Novembro de 2005. Clicar para aumentar.)


Temos aqui a planta desse jardim. Aqui se percebe como a composição foi concebida para que nunca se consigam ver ao mesmo tempo todas as quinze rochas, qualquer que seja o ponto de observação escolhido.



Com estes elementos podemos ver a escultura-paisagem-jardim de Serra como uma proposta paralela ao jardim zen, no sentido em que fazemos diversas leituras do que lá está procurando diferentes posicionamentos e experimentando as mudanças no espaço e no tempo que resultam desses diferentes posicionamentos.


(Foto de Porfírio Silva. Junho de 2008. Clicar para aumentar.)


O que, enquanto conjunto de objectos fixos ao solo, parece ter pouco de desafio - ganha outra dinâmica quando nos pomos a experimentar o que muda pelo simples efeito do nosso andarilhar.



(Foto de Porfírio Silva. Junho de 2008. Clicar para aumentar.)

Imagine o que consegue obter deambulando neste espaço. E assim tem o seu jardim-zen de ferro, pois.

Mas talvez com a falta de um elemento: o silêncio.

(Mais sobre jardins zen, e outros jardins japoneses, em Jardins Metafísicos.)

16.6.08

deliciosos revolucionários


Um dos deliciosos revolucionários desta blogosfera do nosso contentamento escrevia recentemente sobre o referendo da Irlanda: E não me venham com a conversa da treta de que a participação não foi elevada… Opinaram agora mais pessoas que todos os parlamentares da Europa postos juntos!!!.

Alguém pode explicar aos deliciosos revolucionários, que continuam a tradição de desprezo pela democracia representativa, a diferença entre um indivíduo-enquanto-indivíduo e um indivíduo-a-desempenhar-uma-função, nomeadamente quando essa função é de representação?
Seria útil, especialmente quando esses mesmos deliciosos revolucionários reivindicam "mais seriedade e humildade" a considerar os seus argumentos. Se o exemplar acima é o protótipo dessa seriedade, estamos conversados, n'est-ce-pas?

quando os filósofos falavam


Recebi, por bons serviços da "lista filosófica" Lekton, a seguinte mensagem.

Num momento em que a Europa marca passo, a LusoSofia.net acaba de disponibilizar On-Line (mais) um texto já «Clássico do Pensamento Contemporâneo»: A Crise da Humanidade Europeia e a Filosofia [PDF], de Edmund Husserl. É também desta chamada «Conferência de Viena», proferida no dia 7 de Maio de 1935, no Österreicher Museum (Viena), que nasce a derradeira, e para muitos decisiva, obra de E. Husserl, «o seu Testamento Filosófico»: A Crise das Ciências Europeias e a Fenomenologia Transcendental (1936).

É aproveitar.

lógica do diabo


Presidência da UE considera “arriscado” afirmar que será possível salvar Tratado de Lisboa .

Como nos defendemos dessa realidade simples, de invenção certamente diabólica, que faz com que seja imensamente mais simples destruir do que construir? Quem, se não o diabo, podia ter inventado um mecanismo em que estão sempre em desvantagem os que se movem e em vantagem os que apenas fazem força para travar? Quem? Ninguém melhor do que os humanos, quando enterrados em comunidades políticas que perderam a noção do que isso seja.

14.6.08

morte


A morte é a promessa: estar todo num lugar,
permanecer na transparência rápida do ser
E perguntar será para ti responder

Ruy Belo, alguns verso em Ácidos e Óxidos

13.6.08

tristeza


Feliz aquele que administra sabiamente
a tristeza e aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os meses e os anos nunca lhe faltará


Ruy Belo, a começar A Mão no Arado

12.6.08

a luta continua


Sócrates admite que sentiu "o Estado vulnerável" durante a paralisação dos camionistas. Mota Amaral explicou que, por opção, o PSD "nada disse" durante a crise dos combustíveis para "não dificultar o trabalho do Governo" e por o partido "não cavalgar a onda de todos os descontentamentos" na rua. E depois criticou o Executivo pela incapacidade em prever as consequências dos consecutivos aumentos dos preços dos combustíveis e de ficar, a partir de agora, "vulnerável a pressões idênticas". Para o ex-presidente da Assembleia da República, Sócrates deveria ter "formulado, a tempo, um plano de contingência".

O tão católico João Bosco, que um dia disse do alto da presidência do Parlamento que o 69 era um número curioso, deu, a crer nos relatos, uma lição de hipocrisia política em vários andamentos.
Primeiro, o PSD não falou para não atrapalhar o governo. Mas podia ter falado para o apoiar - ou, contra o que declarou anteriormente a dama de ferro, o PSD é capaz de criticar mas não é capaz de apoiar o governo quando isso é necessário?
Segundo, criticou a falta de previsão do governo num ponto - crise da energia e dos bens alimentares - em que, pelos vistos, todo o mundo, e não só Portugal, teve "falta de previsão". Só quem pode ficar calado, como o PSD, é que pode falar da falta de previsão dos que estão montados no cavalo e têm de fazer alguma coisa.
Terceiro, e para acabar bem, lembra que a partir de agora o governo está sujeito a pressões idênticas - quer dizer: se mais algum sector quer aproveitar, venha também para a rua fazer o mesmo, porque o governo está vulnerável. Não se esqueçam! Olhem a oportunidade! É assim como quando o Professor Marcelo diz: "eu não diria isto e aquilo, mas alguém pode vir e dizer isso mesmo". E entretanto já disse. E lembrou. E deu a dica. E mostrou como se pode continuar o circo.
Os deputados do PS parece que aplaudiram. Eles lá sabem. Melhor do que eu, certamente, que ando aqui aos bonés.

retóricas


Alguns me dizem que eu adiro à "retórica do esforço" e que ela é uma retórica de direita. Chamam retórica do esforço aquela minha conversa sobre a necessidade de trabalhar mais e melhor, produtividade, exigência, rigor, patati patata...
Duas coisas sobre isso.
Primeiro ponto, atendendo a que costuma haver uma certa conotação negativa para o uso do termo "retórica". "Retórica" remete para o facto de, por vezes, na comunicação não importar apenas o conteúdo (o que se diz) mas também a forma (como se diz). Assim sendo, "retórica" é coisa que, mais ou menos elaborada, tem de acontecer sempre na comunicação entre humanos.
Segundo ponto, e este é o meu ponto. É um curioso sinal dos tempos que a "retórica do esforço" seja considerada de direita. É que a esquerda (uma parte da esquerda) há muitos anos que tinha/teve/tem uma retórica de esforço. Lembram-se da "emulação socialista"? Era o conceito operacionalizado pelo leninismo para ensinar o proletariado que era preciso dar o litro para aumentar sempre e mais a produtividade para acelerar a construção do socialismo e, logo logo logo, o próprio comunismo. Mas isso era quando a esquerda comunista estava (ou se preparava para estar) no poder. E quando, por isso, queria obter resultados. Agora, essa mesma esquerda, porque vive apenas do poder de ser contra o poder, porque não ambiciona a nenhuma verdadeira responsabilidade de concretizar, acha que a "retórica do esforço" é de direita.
Outro conceito das esquerdas originadas em formas várias de comunismo é um conceito que também pode ser considerado próximo da "retórica do esforço". É o conceito de "homem novo". Mas este, sendo (quase?) metafísico, vai mais longe do que a própria emulação socialista.
Um ponto interessante para reflexão é o seguinte: uma das coisas que distinguia a social-democracia (ou socialismo democrático) das correntes mais infectadas pelo leninismo era que as correntes social-democratas eram muito mais cépticas quanto a essas teses (ía escrever tretas) de emulação socialista e homem novo. Agora está a coisa virada de pernas para o ar. Será?

a derrota dos vencedores


[Camionistas suspendem paralisação.]

Mas muitas maleitas continuam.

Em termos económicos, muitas empresas vão continuar durante muito tempo a pagar o rombo que estes dias representaram.

Em termos de sociedade, continua vivo mais um sinal das nossas fraquezas. Além de um Estado fraco, temos uma "sociedade civil" fraca. Quer dizer: temos poucos meios de permitir às pessoas "comuns" que pensem em conjunto e em conjunto procurem soluções para os problemas.

Os sindicatos são, na sua maioria, débeis e míopes. As associações patronais estão, na sua maioria, atrasadas duas revoluções industriais.
Para sair do âmbito da luta de classes: quando falamos de ambiente ou defesa do consumidor temos uma situação bizarra. Os ecologistas começam a ser vítimas do seu sucesso, porque por vezes usam a força que têm (e ainda bem) com excessiva ligeireza e não parecem inclinados a prestar contas, mais tarde, do bom fundamento do barulho que fizeram contra certos projectos. E talvez as pessoas já tenham começado a contabilizar também os seus excessos. Na defesa do consumidor encontramos um contra-exemplo da miséria nacional em termos de capacidade associativa: a DECO, que se impôs ao longo dos anos a partir de meia dúzia de boas vontades esclarecidas e se tornou uma instituição.

Mas há poucas instituições dessas. As pessoas não se dão ao trabalho de investir na força de se associarem, o que implica estudar os assuntos, considerar os interesses diversos, conceber e testar soluções, apresentar propostas - e deixar escrutinar tudo isso.

Ora, o que há em vez disso? A rua. As manifestações legítimas, um direito inalienável. As manifestações ilegítimas, incluindo os atentados às liberdades que se exercem no espaço público, atentados que deviam ser reprimidos. Mas, como não são, ainda parecem uma alternativa funcional à participação da cidadania responsável. E, aparecendo este acordo com os camionistas como uma vitória (mesmo que parcial) desse uso ilegítmo da rua, isto é uma derrota do Estado de direito, da democracia, da cidadania. Uma derrota celebrada, do lado partidário, pelos irresponsáveis que gostam de brincar às barricadas como método caça-votos.

11.6.08

futebol e o resto


Portugal é a primeira equipa nos quartos-de-final.

Fico contente.
Mas convém lembrar: isso não é fruto da sorte, é fruto do trabalho. Trabalho continuado, não apenas nos 90 minutos. Esforço e qualidade. É assim em outros sectores da vida nacional. Mas não é assim nos sectores onde só se pensa em protestar e solicitar... um apoiozinho se faz favor.

"Para uma ecologia dos ambientes institucionais"


A quinta conferência do Ciclo "Das Sociedades Humanas às Sociedades Artificiais" terá lugar na próxima segunda-feira, 16 de Junho, pelas 17:30. Intitulada "Para uma ecologia dos ambientes institucionais", será proferida por Viriato Soromenho Marques, Professor Catedrático de Filosofia na Universidade de Lisboa.

A conferência terá lugar no Anfiteatro do Complexo Interdisciplinar, Instituto Superior Técnico (campus da Alameda). Mais informação sobre localização aqui.


Mais informações sobre o ciclo de conferências.


Enquadramento desta conferência na temática do Ciclo



Está actualmente em desenvolvimento no ISR/IST uma abordagem aos sistemas de múltiplos robots que procura ultrapassar três grandes esquecimentos da Inteligência Artificial clássica: o esquecimento do corpo, o esquecimento dos outros, o esquecimento do mundo. Essa abordagem assenta na ideia de que um “ambiente institucional” pode representar parte significativa da “inteligência acumulada” de uma comunidade: aquilo que a comunidade foi construindo como conjunto de soluções para lidar com os seus condicionalismos e objectivos. Isso inclui instituições formais, organizações, normas, convenções, “visões do mundo” ou “ideologias”, por exemplo. Falamos de “ambiente institucional” para referir o conjunto de formas de coordenação (instituições) de que uma dada sociedade se dotou para que a actividade dos indivíduos seja, além de compatível com a sobrevivência da comunidade, convergente para a prossecução de objectivos comuns.

Uma questão central nesta visão é o tempo. A acumulação de experiência colectiva no “ambiente institucional” faz-se lentamente, geração após geração. Nem tudo o que acumula resultou de deliberação explícita: há normas, ou convenções, ou até organizações, que “emergem” de forma não planeada. Não é possível mudar tudo de um momento para o outro, até porque se pode destruir em pouco tempo o que levou muito tempo a burilar – e talvez nem sempre seja possível recuperar posteriormente certos erros de “rearranjo institucional” apressado. Muitas vezes é difícil antecipar todas as consequências de modificar o ambiente institucional, os riscos de desequilíbrio. Mas isso não deve querer dizer que nada pode ser mudado…

Na economia do Ciclo, esta conferência foi concebida para aprofundar esta problemática a partir de um possível paralelo entre “ambiente natural” e “ambiente institucional”: se o ambiente natural precisa de ser compreendido para ser respeitado, e para não sermos tentados a fazer com ele tudo aquilo que as possibilidades técnicas permitem, não haverá essa necessidade também perante o “ambiente institucional”? Se o ambiente institucional é, até certo ponto, o resultado de uma sedimentação da experiência passada das nossas comunidades, não temos também de ter cuidado com os efeitos perniciosos que poderão ter acções que desgastem esse património? O que podemos aprender, a esse propósito, do que sabemos acerca de civilizações desaparecidas?

então não era um assassino a soldo?


[Camionista que atropelou elemento do piquete foi constituído arguido. Fonte da GNR disse à Lusa que o procurador de serviço terça-feira no Tribunal de Torres Novas entendeu não haver motivo para primeiro interrogatório judicial, uma vez que tudo indica que não se tratou de homicídio premeditado.]

Espero que alguém dê apoio jurídico a este homem que lhe permita demandar nos tribunais os caluniadores que o acusaram publicamente de assassínio cometido voluntariamente. Refiro-me aos que repetidamente declararam que "ele fez de propósito, foi mesmo para matar".

brincar com coisas sérias


Não vou citar endereços na blogosfera, porque não me dou ao trabalho de fazer publicidade a certas coisas. Mas, para os que julgam que exagero quando falo da aliança de várias violências e de vários populismos, de variadas proveniências ideológicas a cozinhar o mesmo caldo - os que julgam que exagero deviam ver um blogue com uma curiosa combinação de ligações ("teoria anti-capitalista", Palestina, Venezuela, "informação alternativa") com uma espécie de cartaz do IRA (Irlanda do Norte, lembram-se?) e, claro, o apoio "revolucionário" à gloriosa luta dos camionistas. E, depois, em rodapé, porque o ecletismo é isso mesmo, não se esquece o ecologismo: pois, e tal, vamos ter de viver sem esta maluqueira do petróleo consumido à toa, mas tem de ser devagar. Ah, claro: neste contexto, que o tal blogue me apelide de nacional-totó até me cheira a elogio. (Mas, claro, vou esforçar-me por chegar a internacional-totó, que sempre será mais fino: talvez algum "exército revolucionário" me queira raptar para fazer avançar esse upgrade...)

a ferrugem da dama de ferro


[Camiões apedrejados na Figueira da Foz e em Cantanhede.]

A violência organizada no espaço público para coagir os que não têm a mesma opinião que nós, contrariando direitos fundamentais protegidos pela Constituição e pelas leis, é um sinal de barbárie. É um sinal daqueles tempos em que mandam os que mais facilmente recorrem à força bruta. E os que gostam de rebanho: os que, a coberto do grupo, mesmo que sejam ovelhas se tornam lobos.
O grave é que isto vem sendo tolerado há demasiado tempo. Demasiados anos. Com cumplicidades de todos. Desde os partidos dos extremos do arco parlamentar, que gostam de brincar às revoluções para tentar medrar eleitoralmente. Alguns sonhando com revoluções de trazer por casa (os da esquerda). Outros simplesmente sonhando com mais votos (os Paulos Portas). Até aos partidos do centrão, que, quando na oposição, toleram quase tudo o que entala o governo.
Na verdade, o PS não estava bem nessa fotografia: não se esqueçam da figura que fizeram dirigentes desse partido que foram para a ponte juntar-se aos camionistas contra Cavaco. Mas, passado todo este tempo, podíamos ter a esperança de que o PSD ainda fosse "o garante da lei e da ordem" no imaginário dos portugueses. Pelo menos num certo imaginário que só vê lei e ordem em algo que possa ser associado a conservadorismo ou até direita. Podíamos esperar uma atitude pronta e clara do novo PSD. Uma palavra que mostrasse sentido de Estado: a traçar uma fronteira entre o que é admissível num estado de direito e o que não pode ser tolerado. A separar águas. A dizer que o PSD e o trotskismo caviar não esperam o mesmo da rua.
Mas Ferreira Leite fracassou na oportunidade que tinha para uma primeira boa impressão. Mostrou ao que vem: emboscada no silêncio, calada como um rato à espera que o governo não lide facilmente com esta complicação. Apertada entre o populismo reaccionário e o populismo pseudo-revolucionário, deixou passar a hora em que poderia mostrar que raciocina melhor e mais rápido do que Sócrates quando as situações são difíceis. A crise atingiu até aqueles que vêm vestidos de branco, montados num corcel, vender esperanças contra a esperança de uma ética de esforço que tarda em vingar.
"Quem sabe faz a hora, não espera acontecer", nas palavras de outrém. Manuela não sabe, percebeu-se cedo demais. A dama de ferro enferrujou.

10.6.08

violência revolucionária?



Paralisação dos camionistas vai continuar.

Como vampiros, os "revolucionários das barricadas" não hesitam em explorar a morte do colega para ganhar um suplemento de mobilização. Até o filho do homem que morreu (infelizmente: nada consola a perda de uma vida humana) se presta a esse jogo, fazendo acusações que, a não serem provadas, lhe deviam custar caro pela leviandade. Lamento, mas é mesmo assim: este é o resultado da estratégia de promover todo o tipo de convulsões sociais para tentar ganhar uns votos.
Entretanto, a corajosa, valente, arrojada, "dama de ferro" - a nóvel presidente do PSD - está a mostrar todo o esplendor do seu sentido de Estado. Terá Manuela também o seu Pulo do Lobo?

onde está o Estado?


Participante num piquete de camionistas atropelado mortalmente em Alcanena .

Neste país são muitos os que abusam facilmente da violência. Frontalmente contra a lei. Bloquear estradas ou cortar a circulação ferroviária e partir a cara a quem resiste, ameaçar condutores de veículos que querem usar o direito a circular, montar milícias populares para aterrorizar todos em nomes de boas causas - estamos fartos de ver tudo isso.

Coluna de camiões da Jerónimo Martins escoltada pela polícia na zona da Azambuja.

Infelizmente, a maior parte das vezes, o Estado acobarda-se e não protege os direitos dos que assim são submetidos ao terror da força. É claro que não ajuda o facto de, no passado, dirigentes do PS se terem solidarizado com esse tipo de acções quando o governo era outro. Mas é tempo de o Estado deixar de se esconder e agir: destruir as milícias populares, mesmo que elas se acobertem sob a designação de piquetes de greve, porque elas são apenas o afloramento dos que confundem liberdade com anarquia.
Morreu já um homem. Um atropelamento. Uma violência que gera violência. Ou será que alguém ignora as ameaçam que se fazem, nesses "piquetes de lockout", contra os que não se rendem aos desejos dos manifestantes? Sim. A violência não está na rua apenas hoje, mas já há alguns dias. Com mais conivências do aquelas que seria de esperar.


raças humanas: à atenção de Cavaco Silva

O texto que se segue é um artigo de Francisco Dionísio, Isabele Gordo, Lounés Chiki, Mónica Bettencourt Dias, Rui Martinho, Sara Magalhães, todos Doutorados em Biologia e investigadores no Instituto Gulbenkian de Ciência, publicado no Público de 3-11-2007, p. 43. Cavaco Silva poderia lê-lo, com vantagem suponho eu: é curto, claro, fundamentado. E talvez possa fazer compreender a certas cabeças que a gravidade do que Cavaco disse não está ao nível da mera gaffe político-divertida.

James Watson, prémio Nobel da Medicina, agitou recentemente o mundo ao afirmar que os negros teriam inteligência inferior. A intensidade do debate que se seguiu, com diferentes entidades e personalidades a tomar posição sobre estas afirmações, terá impedido os esclarecimentos necessários sobre o principal conceito subjacente às suas palavras, o de grupos humanos distintos e facilmente identificáveis, em linguagem leiga, o conceito de raças humanas.
Sabemos que há grupos distintos de cães. Um doberman, por exemplo, tem características diferentes das de um caniche. Estas características morfológicas são definidas por informação genética diferente, que é mantida porque cães de um grupo só são cruzados com cães desse mesmo grupo. Estes grupos resultaram de uma vontade humana de separar conjuntos de cães diferentes por várias gerações, impedindo assim o cruzamento entre esses indivíduos, o que levou a uma diferenciação das características de cada grupo, tornada mais óbvia ao longo do tempo. Um outro exemplo de grupos ainda mais distintos é o da couve-de-bruxelas e da couve-flor. Neste campo, como a diferenciação genética é maior, feita ao longo de mais gerações, alguns geneticistas até aceitariam que se trata de “raças diferentes” da mesma espécie de couve.
Mas nenhum grupo humano foi sujeito a estas condições de isolamento. De facto, todos os dados científicos mostram que temos um ancestral comum em África e que desde sempre o constante movimento e a consequente troca de bens, informação cultural e genética impedem que se gerem grupos humanos isolados. É sabido que basta haver migração de poucos indivíduos em cada geração para homogeneizar potenciais diferenças genéticas entre grupos.
A cor da pele é das características mais fáceis de reconhecer nas pessoas e provavelmente por essa razão foi erroneamente utilizada para tentar organizar os humanos por grupos, raças. No entanto, não é por uma característica ser fácil de visualizar, como é o caso da cor da pele, que isso a torna representativa de todo o património genético dessa pessoa, reflectindo todo um leque de outras características com uma componente genética, como, por exemplo, a cor dos olhos. Dependendo da característica genética em questão, um português poderia ser agrupado mais facilmente com um chinês ou um etíope do que com o seu vizinho do lado. Por exemplo, poderá ser melhor para si receber sangue de um etíope que partilha consigo o mesmo grupo sanguíneo, do que receber sangue do seu vizinho do lado pertencente a outro grupo sanguíneo. São tantas as nossas características genéticas e tão variadas que é impossível agrupar-nos em raças.
O conceito de raças humanas ainda faz menos sentido desde que, de há uns 40 anos para cá, os dados mostram que no continente africano está representada quase toda a informação genética dos humanos do nosso planeta. Dado este facto, faz pouco sentido dizer que os negros são um grupo geneticamente diferente de qualquer outro. Assim, se hoje houvesse uma doença que devastasse todos os continentes, a sobrevivência dos africanos garantiria a preservação de quase todo o património genético da nossa espécie. Todos os outros continentes têm uma menor representação daquilo que nós, seres humanos, somos geneticamente. Assim, antropólogos e geneticistas juntam-se hoje em dia para dizer que o conceito de raças humanas não faz sentido.


[PCP quer explicações de Cavaco Silva pela utilização da expressão "dia da raça". ]

9.6.08

de que raça é Cavaco?


Numa insólita confusão entre a designação actual e a que era adoptada pelo anterior regime, o Presidente da República diz que “Hoje eu tenho que sublinhar, acima de tudo, a raça, o dia da raça, o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas”.

Cavaco Silva faz prédicas a torto e a direito mas vai à Madeira dar o braço ao ditador Jardim, mostra compreensão por tudo que é concepção assistencialista do Estado - e, agora, mostra ignorância (não existem raças humanas, só há uma raça humana) e, ainda por cima, confunde as celebrações do regime salazar-marcelista com as celebrações do regime democrático. Será que estava no Pulo do Lobo quando foi o 25 de Abril e não leu jornais?
Já agora, que raça é que Cavaco pensa que está a comemorar?
Se esta notícia se confirmar, o caso não é para menos: Cavaco devia pedir desculpa aos portugueses. Pelo menos aos que ele pensam que são de "outras raças".

6.6.08

Lello, o farol do disparate


José Lello acusou Manuel Alegre de “parasitar o grupo parlamentar” do PS, viajando às suas custas para lançar um livro nos Açores.

José Lello continua a prestar bons serviços ao PS. O mesmo tipo de serviços que tem prestado frequentemente no passado. A saber: se Lello falou e disse, isso quer dizer que o que ele disse é exactamente o tipo de coisa que só prejudica o PS. Quer dizer: Lello é uma espécie de farol do disparate.
Mais uma vez, em mais um "caso Alegre", Lello mostra tudo o que o PS não deve fazer: pessoalizar, ignorar o significado político do que se está a passar, descer o nível. Infelizmente, a direcção do PS costuma acobardar-se perante Lello - em vez de condenar publicamente as suas atoardas, que era o que devia fazer. É que assim até pode parecer que Sócrates gosta que Lello continue a fazer estas palhaçadas. O que seria grave.

recado aos liberais apressados (na saúde e nem só)


Correia de Campos, em entrevista ao Diário Económico, mostra como estão enganados os que invocam o seu santo nome em vão para o erigir em mártir do bom liberalismo às mãos dos estúpidos dos estatistas.


Há uma certa tendência para mostrar Correia de Campos como exemplo do santo mártir cuja mera existência condena os cuidados do actual governo com o equilíbrio entre o público e o privado. A actual ministra da saúde, por exemplo, seria um "desvio de esquerda" desenhado com fins eleitorais e estaria a desfazer as boas coisas que Correia de Campos deixara. Essa crítica brilhou, por exemplo, quando o governo decidiu não ir tão longe como o previsto na partilha com os privados da gestão de novos hospitais. E, como de costume, os comentadores dessa onda tratavam os interesses privados como os "pobres coitados" que eram tão maltratados pelo governo e eram tão virgens inocentes que até fazia pena.

O próprio Correia de Campo, o tal que os defensores dos interesses privados como máximo da boa fé e da eficiência tratam como santo, explica, preto no branco, que isso não é bem assim. Que há razões para ter cuidado. Que há comportamentos dos privados que suscitam e justificam preocupação (talvez mesmo desconfiança). Que os servidores públicos têm razão em se sentirem escaldados com certos acontecimentos passados nessa relação público-privado. Em suma: que o respeito pelo papel dos privados não autoriza que se prescinda de defender o interesse público nem equivale a ser ingénuo com aqueles que usam a "comunicação" para obter do governo concessões que não devem ser feitas. Tanto por causa dos dinheiros dos portugueses como por causa da sua saúde.

Uma entrevista a não perder, que está disponível em linha aqui.

5.6.08

um estado mais pelintra que pilantra


[Especialistas dizem que a ASAE pode ser inconstitucional.]

[Ministério da Economia recusa inconstitucionalidade da ASAE.]

Não faltam recursos intelectuais a este país. Uma das suas ocupações mais interessantes consiste em tentar escrutinar todas as vias possíveis para bloquear qualquer parte do Estado que funcione. De qualquer modo, num Estado de direito as leis, e em primeiro lugar a Constituição, são para cumprir. Não se pode criar uma polícia para perseguir os governantes e legisladores que fazem as leis tão cheias de buracos que até parecem estar a formular convites ao seu desrespeito? (Não, não me digam que não é este o caso: pode não ser este, mas muitos outros são o caso.)


{Sobre isto escrevi antes: A ASAE das condições de trabalho ; Notícias de um país a funcionar ; O ódio à ASAE tem explicação ; Coisas limpas (duas sugestões à ASAE do espírito ; Boca do Inferno }

4.6.08

biocapitalismo


Ed Schafer, secretário da agricultura dos Estados Unidos, declarou na cimeira das Nações Unidas sobre alimentação que a biotecnologia podia ajudar a resolver a crise alimentar mundial, nomeadamente por via dos organismos geneticamente modificados.
Concordo: não seria possível modificar geneticamente os (futuros) governantes das principais potências mundiais para deixarem de ser favoráveis a políticas que consistem em pagar aos grandes agricultores dos países ricos para não produzirem, ao mesmo tempo que os pobres morrem de fome no resto do mundo?
Atenção: não vejam nisto uma atitude contra os pobres agricultores americanos e europeus - porque quem realmente ganha com a PAC na UE e com o proteccionismo americano não são os "pobres agricultores", mas sim os "ricos agricultores".
Menos biotecnologia e um bocadinho mais de políticas apropriadas, se faz favor.

uma religião


[FC Porto suspenso da Liga dos Campeões durante um ano .]

Independentemente do valor jurídico (ou desportivo) da decisão, uma coisa é certa: algumas pessoas, ou grupos, só começam a perceber o que está certo e o que está errado quando começam a perder dinheiro. E, nesse sentido, isto pode ser bom para ajudar a pôr alguma ordem num campo onde alguns parecem julgar-se acima de tudo e de todos.
Alguns, no lugar de Pinto da Costa, pensariam: vou criar um partido para dar algum uso à clientela.
Se fosse nos EUA, Pinto da Costa poderia, para ficar praticamente imune a qualquer controlo, criar antes... uma religião.

alegre política espectáculo


Manuel Alegre declarou estar no comício para "quebrar o tabu e o preconceito segundo o qual as esquerdas não se podem unir".

Manuel Alegre foi à "coisa". Uns diziam que era um comício, outros que era uma festa. Não importa muito. Uns diziam que era do Bloco, outros que era de Alegre. Devia ser de Alegre, porque há muito tempo que Alegre só vai a missas em que ele seja o oficiante: essa é a sua noção de "colectivo". Alguns tinham a esperança de que fosse para avançar ideias acerca de como remar contra os males do mundo. Outros achavam, com esperança ou com estratégia, que a coisa fosse para tentar travar o PS, o seu governo e a sua política. Destes, certamente estavam errados os que esperavam que dali saísse alguma ideia nova acerca de como melhorar o mundo.
Terá Alegre proposto que a União Europeia, num momento em que a ameaça de fome aumenta por todo o mundo, deixe de pagar aos seus agricultores para NÃO produzirem?
Terá Alegre proposto que a pesca deixe de ser asfixiada pelos pequenos monopólios efectivos que controlam as lotas, em prejuízo dos pescadores e dos consumidores, sob a protecção de regulamentos estalinistas que abençoam a especulação?
Terá Alegre explicado como as famílias condenam os seus filhos à mediocridade quando os protegem no desprezo pela educação e pela escola?
Terá Alegre feito sentir que os funcionários públicos que dormem à sombra da bananeira, porque não querem ou não sabem fazer a sua parte, estão a matar o "Estado social"?
Terá Alegre alertado para a necessidade de a legislação laboral contribuir equilibradamente para o progresso das empresas e para a melhor fortuna dos trabalhadores, abandonando o actual estado de modorra indiferente aos desafios comuns?
Isso é que seriam assuntos para mostrar que a esquerda existe. E, se Alegre dissesse isso, e muito mais, eu apoiaria - fosse a favor ou contra o governo. O meu ponto não é a lealdade a um governo ou a um partido. O meu ponto é a exploração populista da pobreza (dos outros), pelos políticos que repetem a mesma receita anos atrás de anos - mas sem nunca provarem do caldo que resulta da sua própria receita.
Nada há ao cimo da terra que faça tanto mal à esquerda como os auto-proclamados profetas da esquerda que permanecem indiferentes à realidade.
Entretanto, os meus parabéns a Louçã, o trotskista que, passados todos estes anos, reinventa as velhas tácticas trotskistas para parasitar os grandes partidos de esquerda enquanto os acusa de desvios de direita. Ao menos esse, com a velha superioridade moral dos revolucionários, sabe ao que anda.

3.6.08

a esquerda alegre


O porta-voz do PS talvez não seja propriamente pessoa com que seja fácil simpatizar em termos pessoais. Contudo, quando Manuel Alegre reage às declarações do porta-voz do PS acerca de certas acções políticas do mesmo Alegre com a declaração «Antes do Dr. Vitalino Canas saber o que era a política, já eu tinha sido preso por lutar pela liberdade», o que Manuel Alegre está a mostrar é arrogância.
Um tipo de arrogância compósita:
- a arrogância individualista que não sabe reconhecer quando um indivíduo age em nome de uma instituição (Vitalino Canas falava em nome de um partido político, uma instituição central numa democracia, e foi para isso escolhido pelos órgãos legítimos - mas Alegre só reconhece legitimidade a si próprio pela graça de deus);
- a arrogância dos pretensos revolucionários que se acham donos dos frutos da revolução (Alegre ter-se-á batido pela liberdade, logo está acima de qualquer crítica);
- a arrogância dos populistas (que recorrem frequentemente a qualificações pessoalizadas para desviar os argumentos políticos, que são argumentos acerca do que fazer na vida pública);
- a arrogância dos aristrocratas de qualquer coisa: "eu pertenço à velha guarda, calem-se os recém-chegados".
Tanto fumo, afinal, apenas para mostrar não tem nada de novo a propôr - como aliás nunca teve. A única coisa que Alegre tem de esquerda é a voz. O resto que tem para dar é da mesma matéria: ar.
E isso é especialmente grave, porque em situações de crise é que se precisa de quem pense e invente novas saídas para velhos problemas. A esquerda alegre, pelo contrário, apenas trata de sobreviver agitando slogans. Essa esquerda é, aliás, a que mais convém à direita.


A imagem de um partido que alguma malta "de esquerda" apreciaria

(que me desculpem Wania Corredo e os Unidos da Tijuca e O Globo)

biodiversidade


Ministros do ambiente da União Europeia discutem a biodiversidade à hora do almoço...



(Clicar para aumentar. Cartoon de Marc S.)

2.6.08

o que nos ensinam Hillary e Obama



(Clicar para ampliar. Cartoon de Marc S.)


A disputa entre Hillary e Obama nas primárias democráticas americanas é um bom espelho da política dos nossos dias.
O senador Obama nunca explicou ao que vem e apoia-se em chavões vazios para espalhar o seu charme. Tanto o vazio como o charme são coisas que vendem bem no mercado das aparências que domina a política ocidental.
A senadora Clinton preparou-se a vida toda para o posto que mais ambiciona, coisa que é aconselhável em qualquer político sério. Mas tornou-se tão nítido o seu profissionalismo que afastou os que pensam com o coração (e o coração importa muito). E, provavelmente, está a pensar mais nela mesmo do que no país.
E, mais uma vez, uma parte da questão política decide-se na secretaria: estados importantes vão estar subrepresentados na convenção democrata por razões formais. É claro que o respeito pela "forma" é parte importante da democracia, mas é arriscado dar a ideia de que os democratas não são imunes ao tipo de expediente que deu a (falsa) vitória a Bush sobre Al Gore.
Pior do que isso só a evidência de que o racismo e o sexismo continuam decisivos: muitos não votariam Obama por ele ser preto, muitos não votariam Hillary por ela ser mulher.
E essa é para mim a questão "civilizacional" que está em causa. Há tempos uma amiga chocou-se quando lhe perguntei: é mais interessante ter o primeiro preto como presidente dos States ou ter a primeira mulher no lugar? Mas essa é a minha questão. E é pena se não for nem um caso nem o outro. Como provavelmente não será, no final das contas.

nem todas as operações plásticas são iguais...


Dos jornais: "Uma estudante francesa muçulmana mentiu sobre a sua virgindade. O homem com quem casou,engenheiro francês convertido ao Islão, quis anular a união. Um tribunal deu-lhe razão e a polémica estalou em França."




Umas vão ao planeamento familiar, outras à cirurgia reconstitutiva... do hímen.
(Cartoon de Marc S.)

1.6.08

a eleição de Manuela...


... para Presidente do PSD é a que menos dificulta um governo do Bloco Central na próxima legislatura. Isso pode ser bom para o país, se essa for a única maneira de fazer as reformas necessárias e acerca das quais a "esquerda" (BE, PCP e Alegristas) se recusa a pensar. E isso também pode ser bom para o PS, se Sócrates não fechar de tal modo as portas à esquerda que fique refém do PSD.
Quero eu dizer: se o PS ganhar as próximas eleições com maioria relativa é impensável que não faça as alianças que garantam a maioria absoluta para continuar o ciclo reformista. A melhor maneira de negociar alianças é ter várias opções: se for evidente que o PS não pode aliar-se à esquerda, o PSD terá mais força para exigir preço de leão em qualquer acordo; se a aliança à esquerda estiver em aberto, e for a tal dita esquerda a rejeitá-la, essa esquerda terá de pagar pela oportunidade perdida. Para tal é preciso menos simplismo na forma como a direcção do PS trata o problema da relação com o BE e o PCP.
Ou, então, será Manuela a futura vice-primeira-ministra. E depois virá Passos Coelho derrubá-la, derrubar o Bloco Central e levar o PSD às futuras vitórias - como Cavaco fez a Soares há uns largos anos, lembram-se?