30.9.11

um Estado às arrecuas.


Eni e Amorim chumbam novo ‘chairman’ da Galp Energia.

O Estado, sob esta concepção agora dominante, deve retirar-se das empresas. Sim, em certos casos isso pode ser ajuizado, não queremos uma economia estatizada, nem pouco mais ou menos. Só que não é isso que os "liberais" de serviço querem: querem empurrar o Estado para fora de quase tudo, até por haver muito "país amigo" à espera de "entrar". (Aquela declaração de PPC em Nova Iorque, a dizer que havia vários países interessados nas nossas privatizações, é esclarecedora: o PM não disse "várias empresas", disse "vários países", o que devia ajudar a perceber. Mas, enfim.) Portanto, expulsar o Estado. Começou-se pelo extermínio dos "direitos especiais" em empresas onde, realmente, seria importante que o país tivesse uma palavra a dizer. De futuro veremos o que isso custa ao nosso músculo, mas desde já aparecem os episódios caricatos.
É o caso da GALP. O Estado atirou às urtigas os direitos especiais. Aparentemente, os interesses públicos mantinham lá um pé, por via do acordo parassocial, até 2014, um pequeno período de transição. Com esse guarda-chuva, o Estado queria continuar a designar o "chairman", um direito que o tal acordo parassocial lhe reservava, tendo já apresentado ao mundo o nome de Freitas do Amaral. Esqueceram-se foi de um "pormenor". O subscritor público do acordo parassocial é a CGD, que se mantém na empresa - mas que o governo quer que saia da GALP até ao fim do ano. Ora, se a Caixa sai, não pode continuar a beneficiar do acordo parassocial, ficando o Estado fora da carruagem. Nestas condições, os outros accionistas dizem ao Estado para meter a viola no saco, porque não vai agora nomear um "chairman" que fica suspenso no ar a partir do fim do ano, quando a CGD sair e riscar o último traço do Estado naquela pequena empresa que não interessa nada aos altos interesses do país que se chama GALP.
Isto não é nada. São apenas as pequenas misérias de um Estado às arrecuas. As verdadeiras questões dizem respeito à capacidade que temos, como país, de decidir por nós. Mas os pequenos episódios ajudam a ver o extremo cuidado que os nossos dirigentes colocam nestas questões.

filosofia da Inteligência Artificial.


Ora aqui está uma ordem de razões central para explicar os fracassos (e os sucessos?) da Inteligência Artificial: uma errada concepção do papel da lógica no mundo e no pensamento.

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Excerto de Wittgenstein (1993), de Derek Jarman.

(Roubado à Ana Paula.)

o PS e o próximo orçamento.


Orçamento para 2012 abre divisão no PS.

O PS não pode imitar o estilo de oposição do PSD no anterior ciclo político, onde dava com uma mão e tirava com a outra, apenas com um critério de oportunidade ditado pelas conveniências partidárias. O PS também tem responsabilidades recentes na governação e não pode fazer de conta que não tem memória. Isso coloca questões difíceis quanto ao sentido de voto do próximo Orçamento de Estado.
Imitar Manuela Ferreira Leite, que também propôs, quando era oposição no PSD, que o seu partido anunciasse a abstenção antes de ver a proposta de OE do Governo, parece-me triste. Isso seria levar demasiado longe a tendência para ver a política como um jogo formal, onde os agentes políticos agem sem dar atenção ao conteúdo do que está a ser discutido. Não me parece que os portugueses apreciem, neste momento de especial dificuldade, esse malabarismo. Julgo que o PS deve deixar claro que o seu voto dependerá do conteúdo das propostas.
Quer isto dizer que o PS terá de votar a favor de qualquer proposta de OE deste governo? Não me parece. PPC faz gala em "fazer mais" do que o Memorando de Entendimento, e escolheu seguir essa via sem dar cavaco ao Parlamento. Isso abre alguma margem de manobra ao PS, margem de manobra que deve ser usada. Ainda no quadro do Memorando de Entendimento, o PS deve apresentar alternativas que permitam fazer diferente do que propõe o governo, mas ainda respeitando as metas. A direcção de António José Seguro já avançou com ideias que podem ser úteis nesse sentido, mas é preciso escolher bandeiras que sejam relevantes para a generalidade das pessoas. Se o PSD ficar indiferente, o PS ganhará alguma liberdade adicional em termos de votação.
Além disso, embora a operação seja difícil, o PS tem de começar a explicar que, em tempos tão conturbados como estes, certos pontos do Memorando de Entendimento não podem aparecer como dogmas de fé. Tudo muda no mundo e só o Memorando de Entendimento é fixo e inalterável? A alteração das circunstâncias justifica, para gente razoável, a alteração das decisões anteriores. Por exemplo, certas privatizações, que vão dar pouco dinheiro e vão afectar a capacidade do país para se auto-determinar, terão de ser repensadas. E o PS tem de encontrar coragem para o dizer. Para isso, tem de mostrar-se de uma responsabilidade a toda a prova, desde já no próximo processo orçamental.
O caminho é estreito para o PS. Por um lado, não pode aparecer como um partido sem memória, que enjeita as suas responsabilidades. Por outro lado, tem de oferecer uma alternativa ao rumo da governação, porque essa é a função a que as oposições estão obrigadas numa democracia.

29.9.11

um programa de governo em execução.


Para comemorar 101 dias de governo. Para que não digam que temos fixações por números redondos.


(Caligrafia, no Templo do Buda de Jade, em Xangai, China.
Foto e manipulação de Porfírio Silva)

as lágrimas amargas ainda são o que foram?


(Foto de Filipe Ferreira, encontrada no sítio do TNDMII)

"As lágrimas amargas de Petra von Kant" está no Teatro Nacional D. Maria II, sala Estúdio. Informação no sítio da casa. Fomos ver ontem. Vimos com agrado, especialmente o desempenho de Custódia Gallego no papel da protagonista. Não percebemos muito bem o desempenho da personagem Marlène (por Diana Costa e Silva), talvez por termos perdido a capacidade de nos encantar com robôs humanos.
Mas se calhar está aí, em coisas que já não nos dizem o que disseram antes, o que tenho para dizer deste espectáculo.
O texto de Rainer Werner Fassbinder foi dado a ver ao mundo pela primeira vez há 40 anos. Só o tinha visto em cinema, nunca em palco. A questão que estamos à espera de atacar, quando voltamos, passado tanto tempo, a um texto de um radical sem papas na língua como Fassbinder, é a de saber se o que foi radical continua a ser radical passadas décadas. Se deixou de ser radical em tão pouco tempo na vida da humanidade, é porque nunca foi radical. Fui à espera desse envelhecimento de questões que só são radicais esteticamente.
Acabei por ser surpreendido, nesse ponto, por uma certa mistura de duas sensações face ao que nos era dado a ver. Por um lado, o efeito de choque pretendido por algumas das cenas, por algumas das palavras, por alguns dos esquemas de vida mencionados, tornou-se, para um público urbano e tendencialmente jovem como o da sala estúdio do TNDMII, tornou-se matéria um pouco balofa, tendo entrado no dia-a-dia sem espécie. Estamos fartos de saber isso, caro Fassbinder, apesar de já não o poderes observar. Por outro lado, a chocar com este "realismo aprendido", o que surpreende é que ainda há ali, naquele texto, naquele olhar, uma dose de ingenuidade, uma dose de santidade, um escândalo com o mundo. Como se, passados 40 anos, ainda se possa insistir que não temos de aceitar tudo o que se tornou corrente. O que este choque de pontos de vista vem sugerir é que Fassbinder, se não tinha um par de asas, talvez merecesse apenas uma, a de uma certa candura inesperada nele. E, portanto, resistiu, pelo menos um poucochinho, à prova dos anos.

28.9.11

mérito vs. solidariedade


O prémio de mérito no valor de 500 euros, que distingue os melhores alunos dos vários cursos do ensino secundário de cada uma das escolas do país, foi suspenso pelo actual Governo.

(Reporto-me ao Público em papel, não à incompleta notícia em linha.)

A poucos dias de serem entregues prémios de mérito a alunos do secundário, o ministro que antes de o ser tanto encheu a boca com a promoção do mérito… mandou anular a entrega da pecúnia. Assim se ensinam os adolescentes de uma verdade corrente hoje em dia: a palavra dos adultos não vale um centavo. Talvez a ver se saía airosamente desse acto de deseducação pública, Crato manda dizer que as escolas disporão desse dinheiro para apoiar famílias carenciadas, num suposto incentivo à solidariedade. Não vão as alunas e alunos que ficaram a ver o prémio por um canudo esquecer-se do assunto, serão eles a destinar o dinheiro.
Há aqui, desde logo, algo bizarro. A solidariedade tem razões. O dinheiro que se gasta em solidariedade é destinado por análise das condições e das circunstâncias. Nisso a solidariedade é diferente da esmola, que depende apenas do arbítrio de quem dá. Na solidariedade com razões, o destino do apoio não é decidido arbitrariamente, ao gosto de quem quer que seja. Ser uma pessoa a destinar um apoio, só porque “aliviaram” essa pessoa de um prémio que tinha conquistado, é irracional, introduzindo na suposta solidariedade um vector que lhe seria, normalmente, alheio. O estudante que ficou sem o prémio pecuniário ganhou um pequeno poder, decidir de um apoio “solidário” que não devia estar sujeito a impulsos esmolares.
Mas há, nesta história, uma lição suplementar: para dar à solidariedade, tira-se ao mérito. Um ministro da educação que ensina aos nossos jovens que solidariedade e mérito puxam a corda para lados opostos… é um verdadeiro ministro da má educação.

e nós vamos deixar?


E os governos europeus vão deixar?


(Clicar na imagem para ver o vídeo.)

Adenda. Se vem aqui por recomendação do Miguel Noronha, faça-me um favor. Pergunte-lhe (ao MN) se ele confunde a mensagem com o mensageiro, que é uma pergunta de que ele gosta e, portanto, não será preciso explicar-lhe. (Fácil, esta, portanto.) Depois desse ensaio, pergunte-lhe (ao MN) outra coisa (mas, atente, esta ser-lhe-á, ao MN, mais difícil de entender): política democrática, para ele, é intervencionismo? Para ele, o contrário de intervencionismo é sermos cordeirinhos mansos, é?


acerca da fragilidade institucional.


O BCP deixa de financiar clínicas com acordos com SNS. Leio esta notícia no Público de hoje (página 10, sem link no site para leitores à borla, tanto quanto percebi).
É assim a coisa. Há uma rede de privados com convenções com o SNS, permitindo que as pessoas façam exames de diagnóstico sem estar necessariamente à espera dos meios públicos. As pessoas pagam a sua parte, a clínica cobrará depois o restante ao Estado. Como o Estado paga sempre a más horas, o negócio seria insustentável para muitas clínicas, que teriam ficado insolventes se simplesmente esperassem sentadas pelos montantes a haver. Como o negócio dos bancos é o tempo, o BCP financiava muitas dessas clínicas, avançando-lhes dinheiro por conta dos créditos sobre o Estado. O BCP anunciou agora que vai deixar de fazer isso, porque o Estado acrescenta demora à demora e também não paga ao banco. Há esquemas parecidos envolvendo outros bancos, os quais podem também ir pelo cano abaixo. O ministro da saúde não tem respondido aos pedidos de audiência para aclarar a situação, que envolve a redução unilateral dos preços dos exames e do acesso.
Perante isto, Armando Santos, presidente da Associação Nacional de Unidades de Diagnóstico por Imagem, declara: "O Estado comprometeu-se a pagar as dívidas a 180 dias, mas nem está a pagar isso nem está a pagar os juros compensatórios." Parece, então, que não se trata sequer de um problema que tenha começado com este governo, que faz hoje 100 dias. É adequado ter esta perspectiva, para não reduzirmos toda a discussão a uma oposição simplista ao governo do momento: os problemas importantes vão sempre para além disso. Armando Santos acrescenta, depois, algo que merece profunda reflexão: "A rede de convencionados, que demorou 30 anos a construir, vai ser desmantelada em três meses." Pois. É preciso ter a noção de que as instituições da nossa vida colectiva demoram muito tempo a levantar, mais ainda a afinar, a "rotinar" (no bom sentido). E ter a noção de quão grande estrago pode ser feito em pouco tempo, desmantelando o que nos entregaram.
Da caixa de ferramentas dos que querem reduzir os direitos sociais faz parte a noção de "saque sobre as gerações futuras". Dizem eles: se o Estado gasta demais a proteger as pessoas de hoje, vai endividar-se, deixando a conta para pagar às gerações futuras. Estaríamos, pois, a explorar os nossos filhos e netos e bisnetos. Usam este argumento, como se não estivéssemos, ao mesmo tempo, a trabalhar para quem vem depois. É a falácia das gerações estanques. Acho que valia a pena, além de rejeitar esta falsa lógica de nos querer tomar por "prisioneiros do futuro", dar atenção também ao património legado pelas gerações passadas. Devia ser condenável, e condenado, que o legado das gerações anteriores fosse desperdiçado. Destruir em meses um ambiente institucional que demorou décadas a construir é desperdiçar um legado.
A facilidade com que se pode destruir um legado destes dá a medida da fragilidade das instituições. Esse é, de modo geral, um dos nossos grandes problemas como país. E é preciso pensar nisto para lá da dialéctica governo/oposição no momento.


27.9.11

uivo.



Breve: "Uivo" é um filme sobre Allen Ginsberg e o seu poema Howl (Uivo), escrito em 1955 e publicado em 1956. Como o filme tem estado a ser muito mal classificado nas estrelinhas da imprensa (pelo menos as que vi), deixo aqui este apontamento.
"Uivo" vale pela leitura do poema. Superficialmente, é um filme de tribunal, passado em 1957, quando tentaram bloqueá-lo com a acusação de obscenidade. (Essa tentativa foi mal sucedida - e até contraproducente.) Contudo, as cenas de tribunal não honram nada o género "filme de tribunal", sendo demasiado esquemáticas. Sem embargo, as cenas do julgamento prestam outro serviço: os críticos chamados a testemunhar contextualizam, biográfica, social e (um pouco) literariamente, o poema. Não para o juiz, mas, desta vez, para nós. Para mim essa contextualização foi útil. A leitura, para meu gosto, é competente (mas posso ser incompetente no gosto, não se fiem). As cenas de "bonecos animados" são pouco mais que um peso morto, sendo apenas suportáveis. (Pode ilustrar-se um poema daqueles com animação? Não fiquei convencido.)
Em resumo: se não têm pachorra para ir ao cinema ver um poema forte e polémico ser bem lido, evitem. Se gostam de poesia e gostam de a ouvir dizer, e apreciam receber alguma informação básica sobre "Uivo", vão ver. Eu fui e apreciei.

Howl (em inglês).
Uivo (uma tradução para português, que não verifiquei, mas que me parece censurada.).

mais um que procura a sua terra de cegos.


Medina Carreira terá afirmado: “Resolveu-se nos últimos anos endeusar as universidades. Mas então por que é que estamos tão mal? Porque não precisamos de tantos doutores, precisamos é de gente média que saiba fazer. As universidades aturam uma data de vadios e preparam a meia dúzia de gente que sempre foi boa”.
Rui Curado Silva diagnostica bem ("Esta trapalhada rasca e mal educada num país saudável nem teria resposta. Mas dada a tribuna mediática - sempre sem contraditório - que é atribuída a este indivíduo, se não se responder, estas asneiras tantas vezes proferidas passam a ser verdade.") e responde-lhe igualmente bem: O populismo rasca de Medina Carreira a nu.
Em terra de cegos, quem tem olho é rei. Alguns candidatos a reis fazem o que podem para construir a sua terra de cegos. É difícil contrariar isso, mas há que tentar.

Álvaro e a formação.


"Em vez de ser o Estado a fazer formação, vão ser os trabalhadores, nas empresas, a trabalhar”, explicou o ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, ontem à noite na RTP1.

Não brinquem com a formação!

Devia haver algum mecanismo que impedisse um ministro de dizer disparates à vista do país. Portugal já experimentou, há muitos muitos anos, a teoria de "serem as empresas a fazer formação", assim, sem mais nem menos. A essa magnífica teoria se deve grande parte do desperdício das verbas do Fundo Social Europeu, esturradas em formações que nada formavam, financiadas em nome de uma mirífica utilidade para a empresa envolvida.
Reagindo a essa armadilha, Portugal conquistou, há muitos anos, a maturidade de estruturar a sua oferta de formação, para que ela deixasse de ser avulsa, pontual e de vistas curtas, e passasse a ser qualificante, reconhecida, certificada. Com base nesses princípios, e para que a formação não fosse apenas mais um expediente para entregar dinheiro às empresas, Portugal até conseguiu que os apoios comunitários à formação passassem a poder ser aplicados no sistema educativo. Tudo isso há muitos anos. A ideia era deixar a formação a quem sabe formar. E, como nas melhores experiências a nível mundial, Portugal tem segmentos do seu sistema de formação profissional com um profundo e profícuo envolvimento de entidades privadas, do mais diverso tipo, em parcerias com entidades públicas, visando a qualidade e sustentabilidade da formação. São, em muitos casos, soluções muito sofisticadas, muito ajustadas à especificidade de sectores e regiões, afinadas ao longo do tempo.
E, agora, vem um ministro querer voltar ao discurso simplista de "em vez de ser o Estado a fazer formação, vão ser os trabalhadores, nas empresas, a trabalhar". A formação não é uma actividade ocupacional, senhor ministro! Na generalidade dos casos, estando envolvida a necessidade de reorientação das qualificações do trabalhador (o que parece ser o caso, tratando-se de desempregados de longa duração), o desenho da formação ultrapassa o contexto específico da empresa: é preciso saber como transformar o perfil anterior do trabalhador num novo perfil ajustado a novos empregos. Tudo isso é impossível de fazer apenas com voluntarismo, muito menos com o voluntarismo guiado apenas pelo acesso a mais "umas verbas".
Se querem dar dinheiro às empresas, dêem. Não aproveitem é a crise para voltar ao velho discurso ideológico de "as empresas é que sabem", que no passado só serviu para desprestigiar a formação profissional - e para desperdiçar dinheiros públicos, escoados tantas vezes para bolsos muito pouco formativos.


o longo braço dos arcanjos.


Também há especialistas em informática e redes na legião dos arcanjos. Modo de operação: "denúncias de malignidade".

Apesar de o Google dizer:


26.9.11

para que serve o poder.


Não basta ganhar eleições.

Socialistas vencem eleições para o Senado e começam a mudar o mapa político da França.

É preciso saber o que fazer com o poder.

PS da Grande Lisboa propõe municipalização dos transportes públicos. «E apresentou esta manhã, em conferência de imprensa, um modelo de financiamento alternativo que tem como objectivo “repor os preços dos bilhetes e dos passes sociais aos níveis do início do ano”, antes dos aumentos de Agosto.»

Isto vale para todo o lado. E passa por combinar os vários níveis de decisão. Os vários níveis onde o bem comum pode ser defendido.

A Morte de Carlos Gardel.




Fomos ver "A Morte de Carlos Gardel", o filme de Solveig Nordlund a partir do livro de António Lobo Antunes (ALA). Conta muito bem uma história, que o cinema não funciona se não contar, e conta sem ornamentos. Mas desenha ainda melhor um clima, a melancolia de uma vida que não fica à espera que lhe demos corda; aquele inferno que não resulta necessariamente do que fazemos, mas antes da física das pedras que rolam encosta abaixo sem qualquer intervenção nossa. E nós na encosta.
Em todo o caso, o melhor dest'A Morte de Carlos Gardel é a capacidade para reproduzir o universo do escritor, muito para lá do livro especificamente adaptado. O filme cria o concerto de vozes que ouvimos a pairar nos livros, vozes que entram umas dentro de outras e reverberam, a tal ponto que nem sempre distinguimos facilmente uma alma da outra. O filme mostra, à maneira de ALA, o tempo de uma vida passada que está sempre a invadir o presente dessa mesma vida, e a complicá-lo, a explicá-lo por vezes, como se a nossa cabeça nunca esquecesse nada e não nos deixasse a escolha de a limpar. (Como não deixa.) Vemos, em lugar de lermos, que as dores de uns e de outros se empastelam numa dor regional, onde se cosem percursos, tal como somos sempre crianças e velhos ao mesmo tempo, fora de tempo.
Noutro plano, que não cobrirá toda a obra de ALA, mas representa muito dos seus livros há anos, o filme mostra a omnipresença da doença, a doença com todas as pequenas manobras que ela requer, o modo como transforma tudo o que é simples e pequeno em decisões insuportáveis e prenhes de mundo. Aí, planícies plenas de personagens, imensas na sua banalidade, enraízam-se em nós como anzóis que nos puxam para dentro da história, e para baixo.
Sendo leitores de ALA, serão certamente capturados pela imensa compreensão que este filme tem da sua literatura. Vão ver, que este filme não se conta - como não se conta nenhum grande livro. A arqueologia antropológica exige que sujemos as nossas próprias mãos.

recordações de uma revolução.


REPOSIÇÃO


Tínhamos chegado à Jamaica, três emissários da Convenção Francesa. Os nossos nomes: Debuisson, Galloudec, Sasportas. A nossa missão, uma revolta de escravos contra a soberania da coroa britânica em nome da República de França. Que é a pátria da revolução, o pavor dos tronos, a esperança dos pobres. Na qual todos os homens são iguais sob o machado da justiça. Que não tem pão para aplacar a fome às massas, mas mãos em número suficiente para levar o estandarte da liberdade, igualdade, fraternidade a todos os países. Estávamos na praça junto ao porto.


RECORDAÇÕES DE UMA REVOLUÇÃO
um espectáculo de Mónica Calle
a partir de "A Missão" de Heiner Müller

com
Mário Fernandes, Mónica Calle e René Vidal

Reposição de 28 de Setembro a 2 de Outubro
4ª feira a Domingo, sessões duplas às 20:00 e às 22:30)


“Os mortos estão em esmagadora maioria relativamente aos vivos.”
(in Dezanove respostas de Heiner Müller – Perguntas colocadas por Carl Weber, 1984)
























Casa Conveniente
Rua Nova do Carvalho, 11 (ao Cais do Sodré) - Lisboa
info / reservas: 96 3511971 e 91 7705762

As fotos são de Bruno Simão. (A primeira, acima, é um detalhe de uma foto original.)

23.9.11

simplesmente Portugal.




Cyril Pedrosa, francês luso-descendente, lançou este mês em França o álbum "Portugal". Ainda não lhe pus a unha em cima. Mas não perde pela demora.

seria triste se o PM fosse a pé.


Passos viaja em companhia dos EUA e paga para ir em económica
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A meu ver é perfeitamente (desculpem o extremo insulto, credo!) idiota que se gaste tempo de entrevistas televisivas do PM, páginas de jornais, postas (como esta) na blogosfera - cuidado, qualquer dia sai uma comissão parlamentar de inquérito - a escrutinar em que classe viajam os governantes quando voam em funções, como se isso realmente tivesse alguma coisa a ver com o equilíbrio do orçamento. Parece-me que tem mais a ver com o nosso desequilíbrio emocional como povo, agastado com ninharias, cantando e rindo em grande inconsciência nas coisas importantes e realmente graves. Claro que o primeiro culpado desse chinfrim é precisamente o actual governo, que trouxe esse "tema" para o seu arsenal de cantigas populares, querendo mostrar-se virtuoso mais que qualquer santo. Não deixa de ser triste, mesmo assim, que isto tenha chancela de coisa séria, a ponto de nos ocupar as mentes a pensar e os dedos a dedilhar teclaros. É, pois, melhor que eu também pare por aqui.

estaria Einstein errado?


Uma experiência internacional conduzida no âmbito do CERN parece ter mostrado que os neutrinos podem deslocar-se a uma velocidade superior à da luz, o que contrariaria um dos pilares da física contemporânea, uma "lei da natureza" que se julga (julgava?) bem estabelecida. Ler: Neutrino: a partícula que ousa desafiar a teoria da relatividade.
Como o que interessa à boa ciência não são "notícias espectaculares", a equipa que fez as observações quer que os seus dados sejam analisados criticamente por outras equipas, e que se façam outras experiências. Promove esta tarde um seminário para estimular esse processo e fazer passar a mensagem, podendo os jornalistas colocar questões à distância. O seminário pode ser acompanhado no serviço webcast do CERN, a partir das 15 horas de Lisboa.

João Penalva, texto e imagem.


João Penalva, O uso da vírgula, 2002

A exposição de João Penalva, "Trabalhos com Texto e Imagem", com curadoria de Isabel Carlos, já só estará patente no Centro de Arte Moderna da FCG até 9 de Outubro. Não há, pois, margem para grandes demoras. A capacidade de João Penalva para, entre texto e imagem, criar narrativas abertas na nossa inteligência e sensibilidade, onde está sempre ainda algum caminho por percorrer, mostra a sua arte de nos provocar a imaginação. De nos abrir. Desde que demos tempo, de preferência a meio de uma tarde de semana com poucos visitantes, e com esse tempo demos uma oportunidade ao nosso tacto interior.

as vidas e as fortunas.



Passei hoje de manhã por um cartaz do BE com os seguintes dizeres: "As nossas vidas valem mais que as fortunas deles".
Acho que esta mensagem merece uma análise do ponto de vista da relação entre moral e política.
Num plano moral, eu diria simplesmente: "as vidas valem mais que as fortunas". Moralmente, eu não admitiria que a prevalência da vida sobre a fortuna dependesse de estarmos a falar de "nós" ou de "eles". As vidas deles também valem mais que as nossas parcas poupanças, ou não? Qualquer que seja a resposta a esse tipo de questões, entendo que estas são questões morais, que devem aparecer como anteriores às questões políticas que dizem respeito ao "como é que em comunidade lidamos com isso".
A outra parte daquela mensagem de cartaz é uma mensagem estritamente política, na medida em que implica a identificação de um conflito dentro da comunidade (entre "nós" e "eles") e estabelece uma preferência ("nós" somos preferíveis a "eles"). Apesar da identificação dos conflitos de interesses não esgotar o interesse da política, entendo que essa identificação, e a exploração desse conflito, é uma parte legítima da política. "As nossas vidas valem mais que as fortunas deles" é uma forma de lembrar a luta de classes, quer dizer, lembrar que há grupos estruturalmente diferentes na sociedade, que são colocados em posições diferentes de que não se podem libertar por mero exercício de vontade, por ser pesada "a força das coisas". E é também uma forma de apelar à acção dentro dessa lógica de luta de classes. Concorde-se ou não, a abordagem é legítima, o apelo é legítimo. Mas...
...a formulação "As nossas vidas valem mais que as fortunas deles" instrumentaliza um pressuposto moral às mãos de um apelo político. O que outros (certas organizações religiosas, por exemplo, precisamente em torno da "vida") também fazem, com justo desagrado da esquerda. Daí que eu preferisse não ver a esquerda a misturar estes dois planos. Estamos em tempo de tentar encontrar soluções políticas ("como fazemos para sair disto"), em lugar de aproveitar para explorar um qualquer moralismo de conveniência.

miséria moral.


Uma táctica particularmente manhosa para tentar poupar certas forças e personalidades ao desgaste do efeito Jardim da Madeira, se é que ainda alguém se desgasta por ter compagnons de route encalacrados em altas alhadas, é meter tudo no saco da criminalização da política. Basicamente, o argumento é: se a gestão política de outros governos colocou o país em dificuldades, Jardim não fez mais do que isso. Trocado por miúdos: se querem julgar Jardim, sentem Sócrates no mesmo banco dos réus (um termo que, desaparecido dos tribunais, continua em força na política).
Convém estar bem atento ao significado desta operação. A operação consiste em confundir duas coisas diferentes. Uma coisa é a responsabilidade política: tomar boas ou más decisões, dadas as circunstâncias e o conhecimento que delas se tem ou deve ter, sendo essas decisões mais ou menos transparentes para os cidadãos em geral. Isso deve ser julgado politicamente: debate e decisão eleitoral. Outra coisa bem diferente consiste em violar as regras legais que obrigam quem governa, para isso abusando precisamente da posição de governante e do controlo da administração (e abusando, ainda, de uma "sociedade civil" manietada por décadas de governança pró-ditatorial).
Não estou aqui a defender que Jardim seja levado a tribunal pelo que fez. Para tanto, será preciso saber se o ordenamento jurídico tipifica os seus actos de forma que justifique apresentá-lo à justiça. E convém notar que a responsabilização criminal de um indivíduo não deve servir de fuga às nossas colectivas responsabilidades políticas (ponto em que Daniel Oliveira tem alguma razão). Tribunal à parte, portanto, entendo que, se Jardim fez aquilo que se tem noticiado nos últimos dias, a gravidade da sua actuação é incomparável com eventuais erros políticos na governação (não é apenas mau governo). Toda a gente por essa Europa fora reconhece isso: a primeira das diferenças entre a Grécia e outros aflitos, como Portugal ou a Irlanda, é que apenas no caso da Grécia havia uma responsabilidade dos governantes na deliberada aldrabice na prestação de contas. A gravidade do que agora se passa com a Madeira é, precisamente, que passámos, graças a Jardim, para a categoria dos falsificadores.
Tentar misturar tudo, querer dar a ideia de que está tudo no mesmo plano, alagando tudo na conversa da criminalização da política, é uma das últimas armas da política do ódio em Portugal. Como todas as tentativas de baralhar tudo, colocar tudo no mesmo cesto para que os nossos amigos não fiquem pior no retrato do que os outros, misturando coisas diferentes para relativizar o pior; como todas as tácticas de meter lama na ventoinha para evitar que façamos distinções lúcidas entre responsabilidades diferentes - esta manobra só pode ser qualificada de uma maneira: miséria moral. A destruição da comunidade política torna-se um cenário mais provável quando se passa ao ataque dos fundamentos pré-políticos da nossa pertença a uma comunidade. É a esse nível que a miséria moral desta operação é corrosiva. Deliberadamente?

ciência incerta.



Cientistas propõem robô para transportar tocha olímpica.

Seria muito mais interessante arranjar um robô capaz de se deslocar a certas ilhas atlânticas para fazer a inspecção das contas regionais, poupando humanos verdadeiros a um exercício manifestamente para lá das capacidades da nossa espécie.

21.9.11

a entrevista.


A entrevista televisiva de Passos Coelho, ontem à noite, não foi má. As perguntas que estavam preparadas de antemão faziam sentido. Podiam ter sido feitas outras perguntas de réplica (por exemplo: para "isto" valia a pena ter chumbado o PEC IV?), mas não podemos pedir exageros. As respostas dividem-se em dois capítulos. Primeiro capítulo, o Jardim da Madeira. Aqui, PPC deixou tudo em aberto: escudado na diferença entre o PSD e o Estado, ainda vai pensar melhor como continuar a apoiar Jardim sem que se dê muito por isso. Segundo capítulo, a crise. Aqui, PPC foi muito claro: vamos continuar a navegar à vista e seja o que Deus quiser. Não é tão tolo como possa parecer: ninguém sabe exactamente o que se deveria fazer e o contexto internacional pesa enormemente. E, pelo menos, PPC deixou de fazer de conta que "os outros" não descobrem o milagre por incompetência ou maldade. Que era, aliás, o retrato que ele fazia dos "outros" antes de chegar à realidade. A gravata, a pose, o tom de voz - estavam bem. Quanto aos sapatos, não reparei.


20.9.11

Ana Vidigal - Estilo Queen Anne.


Sim, é publicidade. Sim, por amizade. À Ana, claro - mas também aos nossos leitores, para que não percam o que é bom.

Inauguração a 21 de Setembro, 22 horas, na Galeria Baginski, Rua Capitão Leitão, 51, Lisboa.

“In America, the Queen Anne style of architecture, furniture and decorative arts was popular in the United States from 1880 to 1910. In American usage "Queen Anne" is loosely used of a wide range of picturesque buildings with "free Renaissance" (non-Gothic Revival) details rather than of a specific formulaic style in its own right.” (Mc Alester, Virginia & Lee, A Field Guide to American Houses, New York, 1984, p. 264)

Eis aqui a folha de sala (pdf).


Entretanto, a programação do “OLD SCHOOL”, de Susana Pomba com vídeos de Ana Vidigal: CINE MAR(A)VIL(H)A, terá apresentação única no mesmo dia às 22h00 na rua paralela à galeria nas instalações do Teatro Praga.


Depois não digam que não avisámos.

enquanto não passamos à independência.


Ok, estamos todos indignados com a Madeira de Jardim, o abuso de poder e as manigâncias com o nosso dinheiro, mais ainda com as cumplicidades de "cubanos" que lhe aparam o jogo e têm padrões moralistas variáveis consoante as conveniências. Certíssimo. Não obstante, convém não reduzir tudo a isso.
O nosso problema com a Madeira, enquanto comunidade política, é mais profundo: é que consentimos em criar ferrolhos institucionais que nos tolhem. Os jogos políticos, ao longo de muitos anos, foram atirando as regiões autónomas quase para fora do perímetro legal geral da República. Que a comunidade política dos portugueses, no seu todo, só possa agir por iniciativa das regiões autónomas, o que acontece em matérias decisivas, equivale, em casos de crise, a só poder perseguir o criminoso se ele pedir por favor que o prendam. Nos Açores temos tido a sorte de ter presidentes dos governos regionais que são pessoas decentes, como foi João Bosco e como é agora Carlos César. Mas nada garante que seja sempre esse o caso no futuro. A vertigem autonomista criou ilhas políticas onde antes havia arquipélagos geográficos, redundando em mais uma fraqueza do Estado e da democracia.
Cabe dizer, em abono da verdade, e sem perdoar os indesculpáveis silêncios de Cavaco Silva, que o actual PR nem sempre esteve do lado errado da questão autonómica, tendo ele alertado, a certa altura, para os perigos de ficar todo o país nas mãos da iniciativa do interessados em causa própria. É certo que Cavaco peca, frequentemente, por ser mais lesto a dizer as coisas que interessam aos seus companheiros políticos do que a procurar o equilíbrio das soluções: isso tirou-lhe autoridade quando quis fazer voz grossa para os Açores, ao mesmo tempo que comia e calava aos desmandos do Jardim madeirense. De qualquer modo, para termos uma noção mais geral do significado dos últimos episódios da Madeira, convém não apontar os dedos todos só para alguns actores. Convém assumir esta novela como uma falha política da nossa democracia, falha essa que pode alastrar.

19.9.11

Jardim vai candidatar-se.



Satélite vai cair na Terra entre quinta e sábado em local desconhecido.

Jardim vai candidatar a Madeira a local de impacto do satélite: conta, com isso, sacar mais uns milhões por conta da tragédia.

a nomenclatura laranja pega na bola


Um dia depois de negar a “dívida oculta”, Jardim diz que omitiu 1113 milhões em "legítima defesa" da Madeira.

Cavaco e PGR conheciam "dívidas ocultas" na Madeira.

Entretanto, dando um ar de homem de estalo (perdão, Homem de Estado), Passos Coelho participa esta semana no Conselho de Segurança e Assembleia Geral da ONU (que, convenientemente, se reúnem longe da ilha #%&#$%#$).

O estado a que isto chegou é bem retratado pelo vídeo que se segue... até na desfaçatez com que continuam a chamar engenheiro ao desastrado!


isto quer dizer que o PR foi cúmplice de uma tentativa de ocultação para efeitos eleitorais?


Cavaco conhecia "dívidas ocultas" na Madeira antes de marcar a data das eleições regionais.

Terá feito alguma coisa para que o processo eleitoral fosse "verdadeiro", quer dizer, não decorresse no geral desconhecimento do que se estava a passar?

diferentes visões sobre o olhar.



Na legenda da ilustração acima: "The eye and its similarity to a camera." Retirada da mesma fonte da seguinte afirmação: «The human eye is one of the most important military instruments that the armed forces possess.» Escrito por Edwin G. Boring, in “The eye as a military instrument”, capítulo 2 de Psychology for the armed services, Washington, The Infantry Journal Press, 1945, pp. 23-50

Contraposição.

N.R. Hanson, no clássico Patterns of Discovery (1965): «Seeing is an experience. A retinal reaction is only a physical state — a photochemical excitation. Physiologists have not always appreciated the differences between experiences and physical states. People, not their eyes, see. Cameras, and eye-balls, are blind.»

ciência manifesta


Rui Curado Silva:
Tal como se temia, as medidas de austeridade alastraram à ciência, tendo-se traduzido muito recentemente na diminuição considerável do número de projectos financiados no concurso de 2011 pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. O caso de sucesso da Finlândia, que reforçou a aposta na ciência aquando da profunda recessão em que o país mergulhou no início dos anos 90 (consultar relatório da União Europeia, "Towards 3%: attainment of the Barcelona target"), não serviu de exemplo para o novo governo. Sem uma estratégia, nem a curto, nem a longo prazo, sem ministério, a ciência portuguesa está neste momento à deriva. Ninguém sabe, ninguém faz a menor ideia do que serão os próximos anos. Perante este cenário...

... continuar a ler aqui.

18.9.11

seguir a pista coimbrã.


Carregar na imagem. (Caramba: com a mãozinha do rato, não com o dedo.)


uma espécie de governo mundial.


Sun Yuan e Peng Yu, Old Persons Home, 2007, à vossa consideração :



Garanto-vos que isto tem tudo a ver com isto.

Escrevemos aqui acerca desta instalação.

17.9.11

para que não digam que não cito Passos Coelho


A declaração citada é de Novembro de 2010, mas certamente que um homem de estalo (perdão, Homem de Estado) não muda de opinião em tão pouco tempo.


(Shyznogud, desculpa o roubo, mas é uma boa síntese de coisas que se andam a passar e acerca das quais não tenho tido tempo para escrever.)

seda






I keep a service bell by my bed for you
let the others do what they do
I will hold on
hold on
hold on

I keep a service bell by my bed for you

16.9.11

adenda a "uma história pouco católica"


Vou copiar para aqui algo que escrevi num comentário ao meu post anterior, uma história pouco católica. Trata-se, apenas, de uma explicitação desta frase que aparece quase a terminar aquele meu texto: «Espero, com franqueza, que a minha posição sobre qualquer dos tópicos da questão “religião” não mude por causa deste episódio pessoal. Sempre tentei, e quero continuar a tentar, esse mínimo de liberdade que consiste em sermos capazes de pensar no mundo sem darmos demasiada importância às nossas contingências particulares.»

Reza assim:

Desejo que fique claro que eu não mudei de posição relativamente à religião e às igrejas por causa deste assunto. Não me tornei um fanático anti-religioso, que nunca fui. Continuo a pensar que certas abordagens "de esquerda" à religião estão erradas, mormente por descurarem a necessidade de uma compreensão antropológica do sagrado, que não se reduz à política imediata. Continuo a discordar radicalmente de certas orientações actuais da Igreja católica, no que acompanho insignes teólogos que Roma calou, proibiu de ensinar e/ou de publicar. Continuo a aborrecer o laicismo extremista, que tenta reduzir a expressão da religião ao interior de cada um ou ao espaço privado - tal como continuo a abominar o uso político que é feito da religião. Continuo a pensar que o actual estado da Igreja católica não está inscrito na sua essência, tal como os Papas ostensivamente debochados existiram e não fazem parte da essência da Igreja - mas não aceito que me proíbam de criticar isso. Ainda penso que a questão da existência de Deus não é uma questão científica, não é uma questão que possa ser decidida de forma certa por raciocínios filosóficos - por isso não sou ateu. Continuo a pensar que, no mundo concreto em que vivemos, a tolerância religiosa (entre crentes e não crentes, entre crentes de diversas crenças) é importante para a paz e a liberdade, razão pela qual me interesso por questões como o diálogo inter-religioso. Em suma: tudo o que me parecia complexo antes deste caso, continua a parecer-me complexo; não me radicalizei por causa disto, continuo a não ter respostas para tudo - mas tenho uma ideia da história das igrejas cristãs e sei que muito do que está em causa não vem de nenhuma "alta entidade", vem apenas do entendimento que certos homens fazem do papel que lhes cabe. E não prescindo de discutir isso.

15.9.11

uma história pouco católica.


Hoje vou fazer algo que não me dá nenhum prazer. Contar um episódio tão vergonhoso que preferia deitá-lo para trás das costas. Um episódio no qual estou pessoalmente envolvido. Escrevo porque acho que tenho esse dever. Um dever de cidadania, fazer saber que há coisas que se passam entre nós.

No passado mês de Março tomei conhecimento, por uma lista de filosofia, de um Aviso da Faculdade de Ciências Humanas (FCH), da Universidade Católica Portuguesa (UCP), segundo o qual estava aberto um procedimento para seleccionar um candidato ao preenchimento de uma vaga de leccionação na Licenciatura em Filosofia dessa instituição.

Considerada a precariedade da minha actual actividade de investigador, e depois de informar o coordenador do meu laboratório, apresentei (dentro do prazo, até 2 de Maio) a minha candidatura. O processo constava de uma fase documental, que incluía a programação de uma cadeira do curso, e, chegando lá, de uma entrevista. Fui à entrevista, no início de Junho. Parece que se apresentaram 14 candidatos, 11 dos quais foram entrevistados. Depois de um contacto informal, confirmou-se, por uma carta da FCH datada de 20 Junho, que tinha sido eu o candidato seleccionado. Apesar de prevenido de que teria de esperar o contacto da Reitoria para assinar o contrato, comecei imediatamente a preparar o primeiro semestre, incluindo tomar contacto com a plataforma de blended-learning usada na instituição. Os serviços enviaram-me, também prontamente, o calendário dos dois semestres de 2011/2012 e a distribuição do trabalho docente, onde constava já o rol de disciplinas que me caberia leccionar nesse período.

Cabe aqui acrescentar que, quando me foi comunicada verbalmente a minha contratação, fui informado de que o contrato continha uma cláusula que me obrigava a respeitar a instituição UCP e a instituição Igreja Católica, sem que isso conflituasse de algum modo com a minha liberdade de opinião.

No dia 4 de Julho, recebi um e-mail do coordenador da área de filosofia, informando-me, basicamente, “de que, tendo em conta as restrições orçamentais a que a Universidade se encontra sujeita, não haverá lugar para novas contratações para o ano lectivo 2011-2012, para lá das que resultam de contratos já celebrados com os docentes até esta data. Esta situação, que contraria as expectativas que foram criadas à Área Científica de Filosofia ainda no início deste ano civil, impede, pelo menos para já, a sua [minha] contratação”.

Reagindo imediatamente a esta novidade, usei um canal não institucional para fazer chegar directamente ao Reitor da UCP um pedido de aclaramento da situação. Passadas poucas horas, recebi a resposta: eu não iria ser contratado por ter subscrito um abaixo-assinado “contra a vinda do Papa a Portugal”. Ainda nesse dia, tendo coincidido com o Magnífico Reitor numa recepção diplomática (onde estava como acompanhante), ouvi de viva voz, por sua iniciativa, uma reiteração do motivo (com comentários suplementares que me dispenso de divulgar). Começou aí, também, a operação de justificar que não me tinham mentido anteriormente (horas antes), quando me avançaram motivos orçamentais. Noutra fase das explicações, foi-me dito que um professor da casa tinha preparado um dossiê com textos da minha autoria, dossiê esse que, entregue à Reitoria, tinha ditado o meu afastamento. Talvez não seja necessário, mas lembro que o Aviso do procedimento de selecção não continha nenhuma “cláusula ideológica”.

O que escrevi acima é da ordem da pura factualidade. Em termos de interpretação, deixo o essencial ao leitor – até porque todas as peças do meu processo estão publicadas neste blogue. Foi, aliás, um trabalho “de investigador” sobre o conteúdo deste blogue, ajudado pelo meu perfil no facebook, combinado com uns comentários anónimos aqui neste espaço, que deu à luz o dossiê do pequeno inquisidor. Mas sempre digo o que segue, para os mais recentes por aqui, que não tenham acompanhado as minhas posições em questões de religião.

Tenho criticado, sem dúvida, várias posições e acções da Igreja Católica. (Haverá debaixo do sol alguma coisa que eu não tenha criticado neste blogue?) Não confundo isso com respeito institucional. Eu respeito a universidade que me recebe todos os dias, mas nunca me passaria pela cabeça que alguém levasse ao Reitor, ou ao Director do instituto, um dossiê com escritos meus num blogue para o ajudar a decidir qualquer assunto académico. Nem sonharia que qualquer crítica minha ao governo da nação, ou ao Ministro da Ciência, fosse encarada como desrespeito pelo país, que em última instância é a quem pertence essa universidade pública. Já alguém me disse que eu, que fui um católico activo durante muitos anos, mas há muitos anos no passado, estou enganado acerca da actual Igreja Católica, que está muito mais longe do espírito do Vaticano II do que eu sou capaz de imaginar. Talvez seja isso. Pode até parecer que isto foi ingenuidade minha: se eu critico o catolicismo oficial, como poderia dar aulas na UCP? Não é assim que vejo as coisas: não me candidatei a professor no curso de Teologia, admito que poderiam achar estranho um agnóstico querer ser professor de teologia numa universidade católica. Tenho uma ideia da liberdade de pensamento que pode ser alheia a escrevinhadores de dossiês, mas da qual não abdico. (De passagem: já terão deitado o meu dossiê para o lixo, ou continuo a estar fichado nos serviços da Reitoria?)

Cabe notar que a petição que subscrevi não era contra a vinda do Papa a Portugal, mas sim contra o facto de altos magistrados do Estado português confundirem e misturarem a condição de Chefe de Estado (do Vaticano) com a condição de líder religioso. Invocar essa minha posição para tomar tal decisão equivale a isto: pessoas, actuando (acham elas) na defesa política de um Chefe de Estado estrangeiro, atacam os meus direitos e liberdades como cidadão de Portugal.

De qualquer modo, se o Vaticano, recentemente, chamou o cardeal de Lisboa para lhe puxar as orelhas, por causa de uma entrevista onde uma frase ocasional versava a ordenação de mulheres, provocando um "esclarecimento" escrito do Patriarca, onde este se verga à ortodoxia num acto de "humildade" pública, talvez fosse estultícia da minha parte julgar que poderia ter mais liberdade de pensamento como professor do que aquela de que goza o Magno Chanceler da UCP.

Talvez este episódio até dê gozo a um ou outro opinador que desengrace com a minha falta de paciência para a crítica sistemática e radical a tudo o que seja religião, igreja, Papa, etc. Pode até ser uma espécie de “vingança involuntária” para ilustres comentadores que episodicamente se irritam com a minha visão mitigada do fenómeno religioso. Espero, com franqueza, que a minha posição sobre qualquer dos tópicos da questão “religião” não mude por causa deste episódio pessoal. Sempre tentei, e quero continuar a tentar, esse mínimo de liberdade que consiste em sermos capazes de pensar no mundo sem darmos demasiada importância às nossas contingências particulares.

Julguei que era meu dever de cidadania dar pública notícia deste caso. Para que se saiba o que as coisas são. Está feito.

mudanças na geografia.


Portugal "não é uma ilha", reconheceu ontem o primeiro-ministro
.

Continua a notícia: «Passos Coelho admitiu ver com "preocupação o que se está a passar na Europa", apontando que "isso pode complicar o processo de mudança" que Portugal está a fazer.»

No tempo de Sócrates, Portugal era uma ilha. Uma ilha assimétrica, mesmo assim: tudo o que era mau era culpa exclusivamente nossa (de Sócrates, mais precisamente, porque nenhum outro ser vivo, ou pedra, tinha qualquer responsabilidade por qualquer coisa que se passasse sob o sol da Lusitânia); tudo o que era positivo, pelo contrário, tinha sido oferecido de borla por algum imperador persa ou rei macedónio na sua extrema magnanimidade.
Agora, Portugal já não é uma ilha. Que bom... apesar de, claro, a Madeira continuar em tal peculiar condição ontológica.

14.9.11

estamos a ficar tropicais?


No livro "The Elusive Quest for Growth: Economists' Adventures and Misadventures in the Tropics", de William Easterly, aparece o gráfico abaixo.
A linha mais grossa representa o crescimento per capita nos países em desenvolvimento; a linha mais fina representa os empréstimos do FMI e do Banco Mundial no quadro de programas de ajustamento. A representação das tendências desde a década de 1960 até à década de 1990 mostra que o crescimento caiu a pique quando os emprestadores se puseram em acção com os seus "ajustamentos". Isto, para os "países tropicais". E nós, que também estamos a ser "ajustados", também vamos tropicalizar?


(Clicar na imagem para aumentar. Fui buscar isto ao Hugo.)

13.9.11

rasgar ou não rasgar


1. Numa coisa a situação que enfrenta o actual governo PSD/CDS é perfeitamente igual à situação que enfrentava o anterior governo do PS: a evolução da situação financeira, económica e social do país não depende exclusivamente da acção do governo. Nem sequer da acção do conjunto dos actores políticos, económicos e sociais portugueses. Nem apenas da acção de todo esse tipo de actores a nível europeu. Assimetricamente: podemos estragar tudo, há muito quem possa tomar decisões capazes de piorar a nossa situação, mas nada garante que, mesmo que façamos tudo o melhor possível, escapamos ilesos desta embrulhada. Pior: é impossível saber, agora, com segurança, quais seriam as coisas mais acertadas que poderíamos fazer nas actuais circunstâncias. Estamos dependentes de muitos actores cegos, que agem em função do que pensam (pelos critérios que aprenderam em teorias económicas muito mais falíveis do que eles julgavam) serem os seus interesses, mas que não fazem a mais pequena ideia do que resultará realmente do agregado de acções de todos eles. Estamos numa versão gigante daquele caso em que a maioria dos depositantes de um banco, levados por um rumor infundado, acorrem massivamente a levantar as suas poupanças e provocam uma tragédia para todos (a falência), tragédia essa que seria perfeitamente evitável se não fossem glutões a tentar defender excessivamente o que pensam ser o seu interesse individual. Essa característica – complexidade impossível de dominar razoavelmente se não forem criados focos de poder que diminuam a incerteza provocada pelo comportamento descoordenado das partes – é um traço essencial da actual situação.

2. A diferença, para pior no caso do actual governo, é que Sócrates tinha consciência de que Portugal só se poderia safar no quadro de uma estratégia europeia de reforço do euro, enquanto Passos Coelho, embalado pelo discurso de oposição que se destinava a chegar ao poder a qualquer preço, continua convencido que nos basta ser bons alunos e que não faz mal alinhar com as alemanhas que pensam que se safam lançando os países periféricos às hienas. Sócrates sabia que tinha de aceitar até certo ponto as exigências da UE e de outras instituições internacionais capazes de nos prejudicar ou de nos financiar, mesmo que essas exigências fossem parte de um ataque errado aos problemas, para não atrair tempestades suplementares sobre o nosso país. Esse desconto de tempo era necessário para tentar criar espaço às forças que tentavam compilar os tijolos de uma resposta europeia mais poderosa. A esquerda da esquerda defendia a estratégia de pôr a boca no trombone, dizer “não pagamos”, sem consciência que isso faria de nós imediatamente o bombo da festa. A direita, no quadro do seu assalto ao poder, fazia de conta que bastava uma injecção de liberalismo para sairmos cantando e rindo da tormenta. Infelizmente, a narrativa da oposição não passou com a chegada ao governo: graças à entrada em cena de académicos altamente competentes em vender ilusões liberais, a ilusão da nossa potência infinita ampliou-se. Se Passos Coelho não tivesse a magnífica companhia do Professor Gaspar, talvez já tivesse feito um esforço para pensar politicamente e tivesse percebido que assim não vamos lá.

3. Tal como as coisas estão, ninguém pode saber o que vai ser o futuro próximo. O risco de passarmos rapidamente a fazer parte de uma zona bastante pobre no contexto dos países desenvolvidos é um risco real. A destruição política da Europa, um longo período de perturbação da economia global, um período longo de salve-se quem puder a começar proximamente, eventualmente o regresso à possibilidade de guerras no nosso continente – tudo isso faz hoje parte de um cenário realista. Talvez seja possível evitar isso, se a Europa mudar radicalmente de atitude. Mudar radicalmente de atitude passa por esquecer imediatamente a ilusão de que as forças do mercado de algum modo resolverão o problema. Foram elas que criaram o problema e não haverá soluções espontâneas. Não queremos acabar com os mercados, mas, no seu conjunto, os mercados não estão a funcionar como parte sã da economia e da sociedade. Os mercados tornaram-se autofágicos e, junto com eles, vão comer-nos a nós todos. A única maneira de diminuir um pouco a balbúrdia e introduzir um pouco mais de coordenação no sistema passa por dar um papel decisivo aos poderes públicos. Se os bancos não têm dinheiro para injectar na economia e as empresas estão a definhar com a caixa seca, terão de ser os poderes públicos a fazer isso, com prioridades que correspondam ao bem comum. Não sei se os Estados nacionais ainda estão em condições de fazer isso. Provavelmente, isso terá de ser feito, com um grau de centralização sem precedentes, pela própria Europa. Mais precisamente, pela Comissão Europeia. Arranjando maneira de rapar o fundo ao tacho e, com o dinheiro que ainda existe, fazer com que a Europa volte a produzir, investindo em actividades criadoras de emprego e riqueza para o bolo de todos.

4. Ao mesmo tempo, os Estados nacionais, designadamente os que estão a aplicar Memorandos de Entendimento, não podem parar de pensar e limitar-se a seguir a cartilha como se o mundo de hoje fosse o mesmo de ontem. Não defendo que Portugal escolha desafiar a comunidade de emprestadores e desfraldar a bandeira do rasganço do Memorando, de ânimo leve. Bem sabemos que não nos convém nada atrair as raivas dos mercados: por muito irracionais que eles sejam, eles podem prejudicar-nos gravemente. Mas, nos bastidores, serenamente, usando as instituições para aquilo que elas devem servir, é preciso começar a pensar que não podemos fazer grandes disparates só porque um belo dia assinámos o Memorando. Por exemplo, para lá das questões ideológicas, parece certo que privatizar, nas actuais condições, o que o Memorando quer que privatizemos, será desbaratar património nacional. Mesmo os que não vêem os riscos dessas privatizações para a nossa capacidade de gerir o nosso país, devem ver que vamos deixar cortar dedos que nos farão falta para tocar viola. E nem é preciso dizer à UE e ao FMI que essas alíneas do Memorando são uma forma de saque insuportável: basta dizer-lhes que, de momento, é mau negócio. Isto quer dizer que devemos afrontar os emprestadores rasgando os nossos compromissos? Não; quer dizer que o mundo mudou muito desde então, e que muita coisa que já era velha ontem – está hoje definitivamente podre e a cheirar mal. E que queremos ocupação mais estimulante do que sermos nós a cavar a nossa própria sepultura.

5. Tudo isto, bem entendido, sem esquecermos que também tivemos culpas na força com que a crise nos apanhou. Tivemos, quer dizer: Estado, bancos, empresas, famílias, pessoas. E que não nos safamos desta sem esforço. Mas que o esforço seja para sair do buraco, não mero remexer na terra para ficarmos ainda mais enterrados.

6. Precisamos de política, precisamos de políticos. Capazes de juntar e de separar. De juntar as forças de todos, de separar as águas.

mecenas




Há ideias que nos permitem sair do banco.

Tornar-se mecenas da Casa Conveniente por apenas 1 euro por mês.

Apenas um exemplo, este.

[Homens que são como lugares mal situados]



Um poema, hoje.


Homens que são como lugares mal situados
Homens que são como casas saqueadas
Que são como sítios fora dos mapas
Como pedras fora do chão
Como crianças órfãs
Homens sem fuso horário
Homens agitados sem bússola onde repousem

Homens que são como fronteiras invadidas
Que são como caminhos barricados
Homens que querem passar pelos atalhos sufocados
Homens sulfatados por todos os destinos
Desempregados das suas vidas

Homens que são como a negação das estratégias
Que são como os esconderijos dos contrabandistas
Homens encarcerados abrindo-se com facas

Homens que são como danos irreparáveis
Homens que São sobreviventes vivos
Homens que são como sítios desviados
Do lugar

Daniel Faria, in Homens que são como Lugares mal Situados, Porto, Fundação Manuel Leão, 1998

12.9.11

causas matrimoniais. quantos anjos podem dançar na ponta de um alfinete.




Igreja analisa 'grau' de homossexualidade para anular casamentos.

«A orientação que temos é que deve ser feita uma perícia psiquiátrica» para aferir se se trata «de uma homossexualidade prevalente ou exclusiva, ou algo de acidental», precisa o cónego Joaquim da Assunção Ferreira, que coordenou o VII Encontro Nacional sobre Causas Matrimoniais, que terminou hoje em Fátima.
Joaquim da Assunção Ferreira explica que há uma escala e que os últimos «graus» tornam a pessoa em causa «incapaz de realizar funções conjugais». Em causa estão os «graus» em que as pessoas são «predominantemente homossexuais, os só acidentalmente heterossexuais e os exclusivamente homossexuais».

Medições, portanto.

Nem me atrevo a perguntar pelos instrumentos de medida.

arte na vida.



A ópera "Heart of a Soldier", estreada no sábado passado pela San Francisco Opera, interroga o 11 de Setembro. Carregar na imagem pare ver e ouvir excertos.

(Imagem de Cory Weaver/San Francisco Opera)

coisas que PPC devia lembrar, em lugar de ser lambe-botas de senhora.


Só para arrumar ideias, dado alguns esquecidos que por aí andam, traduzo dois pequenos excertos:
Os países do euro violaram os limites estabelecido pelo Tratado de Maastricht para o défice (3% do PIB) e para a dívida (60%) em 137 ocasiões entre 2000 e 2010, segundo o Eurostat. A Alemanha, país que hoje se erige como paladino da disciplina financeira, e a França, ultrapassaram esses limites 14 vezes cada, enquanto a Espanha e a Irlanda apenas 4 e 5 vezes, respectivamente, e nunca antes da crise recente. Os melhores alunos foram a Finlândia, o Luxemburgo e a Estónia, que sempre cumpriram as regras. (...)
Em 2003, o PEC foi dinamitado quando o chanceler alemão, Gerhard Schroeder, e o presidente francês, Jacques Chirac, fizeram pressão e conseguiram que o Conselho não endossasse as recomendações da Comissão que exigia a esses dois países uma maior redução do défice. A decisão franco-alemão causou danos irreparáveis na credibilidade do controlo financeiro dentro da UE.

Vale a pena ler na íntegra.

Pesquei o link aqui
. Obrigado.


congresso do PS: tarefa incompleta.


O congresso do PS terminou sem verdadeiramente ter realizado uma tarefa indispensável: analisar criticamente a última e recente passagem pelo governo.
Fazer de conta que Sócrates morreu é tolice pura: muito do que vai acontecer nos próximos anos será julgado por comparação com seis anos de governo sob sua liderança.
Esquecer tudo o que o governo de Sócrates fez de bom, é entregar o ouro ao bandido. E, como Assis lembrou, alinhar na história da carochina que a direita vende como "a verdadeira história do lobo mau", só servirá para escamotear as culpas da coligação negativa no caminho por onde aqui chegámos.
Evitar o exercício de identificar os erros, impedirá uma necessária reflexão sobre o papel do PS na esquerda e no país. Se esse exercício não for feito, o PS voltará a cair nos mesmos erros.
Isso seria uma pena: há tantos erros novos para experimentar, que seria bom evitar a pura repetição dos anteriores.

a pesada herança.


Cito:
«Anos a fio, (...) a direita e a esquerda disseram da Parque Escolar o que Mafoma não disse do toucinho. (...) Porém, hoje, o primeiro-ministro que caucionou a fronda, inaugura com pompa e circunstância duas escolas made in Sócrates na região de Viseu. (...) Daqui a pouco, nas televisões, veremos Passos Coelho e o Crato a louvarem-se no empreendimento. A falta de vergonha não tem limites.»

Integral aqui.

esta surdez paga imposto.


Passos Coelho considera que “não houve grandes propostas concretas” no congresso do PS.

Se PPC pensa que se safa fazendo de conta que não ouve o que o PS diz, vai acabar mal. Seguro começou cautelosamente, ainda nem mandou o Memorando de Entendimento às malvas (embora, com o tempo, isso deverá vir a acontecer). Entretanto, Seguro apresentou propostas que poupam o bolso do pequeno contribuinte, garantindo ao mesmo tempo as receitas que o governo quer recolher. Para responder, o governo tem de explicar em que é que falham as propostas do PS. Com esta retórica politiqueira de se fazer de surdo, o PM não vai longe. Demorará Relvas muito tempo a perceber isso?

9.9.11

a habitual finura do senhor fernandes.


No seu artigo de hoje no Público, José Manuel Fernandes expõe, pela enésima vez, uma das muitas teorias que resultam da ideia de que a actual crise é mero produto do mau comportamento de certos países gastadores e de que os mercados, a coisa que historicamente mais se aproxima do ideal de racionalidade, apenas expressam a natureza da realidade. Nada de surpreendente, pois. Não deveríamos espantar-nos por Fernandes usar todos os recursos a que pode deitar mão para defender a sua dama - neste caso, o ministro Gaspar. Mas, confesso, ainda consegui surpreender-me por JMF atacar as opiniões de Mário Soares chamando-lhe velho. O artigo promete desde o título, que é "O mundo de Mário Soares acabou, e ele ainda não deu por isso". Mas a baixeza torna-se bastante mais clara quando JMF caracteriza certas declarações de Soares escrevendo: "este último raciocínio sintetiza o drama - e o desfasamento com a realidade - de um político a caminho dos 87 anos como é Mário Soares". O ministro Gaspar ainda poderá ter a desculpa que o próprio Soares lhe arranjou: ser um político ocasional. Fernandes, um político a tempo inteiro há muitos anos, apesar de nunca assumir essa condição, nem a frescura pode invocar como desculpa para tamanha boçalidade.

um luxo.


Tentei arranjar uma maneira mais prática de vos dar a ouvir este som. Só consegui assim. Aproveitem. É Todd Levin, álbum De Luxe, com a London Symphony Orchestra.


8.9.11

valter hugo mãe, "gordo e careca"


Na voz de Inês Meneses, num vídeo de Paulo Pinto.

a estupidez do acaso.


No blogue OutofWorld – Mundo à Parte, ontem foi colocado um post triste: uma fotografia e a frase "Hoje o pai dos meus filhos faria 48 anos".
Um daqueles comentários automáticos, que andam à caça de público sem nada quererem dizer ao que está escrito, caiu na caixa de comentários: "That’s pretty exciting news and I really hope more people get to read this."
Que este acto de spam tenha caído como comentário àquele post exemplifica uma tese bastante ampla: o acaso pode ser bastante estúpido.
Não te deixes empurrar, na relação com os outros, pelo acaso.

The 9/11 Tapes.


A selection of audio recordings from the Federal Aviation Administration (F.A.A.), North American Aerospace Defense Command (Norad) and American Airlines from the morning of Sept. 11, 2001.

Áudio com transcrição simultânea.

É preciso esperar um bocadinho para carregar o áudio. Depois... sinta a situação, num grande documento.

7.9.11

para além da novela das nomeações


A novela das nomeações não larga este governo. É que parece que o cadastro não contém tudo o que a realidade comporta; é que um ou outro super-salário, para um ou outro super-ajudante (que, coitado, se está a sacrificar pela coisa pública) não se coaduna nada com a imagem de austeridade que se quer vender; é que o "pouco" não é assim tão pouco como isso; é que a permanente invenção de grupos de trabalho se vê mais do que os cortes nas gorduras que antes das eleições estavam muito bem estudados e agora não há meio de passarem à prática.
Parece-me que boa parte do "escândalo" feito em torno destas coisas, especialmente na blogosfera e nas "redes sociais", é apenas palha. O Estado, como a generalidade das organizações, é uma coisa muito mais complicada do que as pessoas estão preparadas para admitir e, para a fazer funcionar, são precisos meios, nomeadamente pessoas. Sem as tais "nomeações", a máquina, tal como está, emperra. Claro que o circo em torno das nomeações é a justa recompensa por o PSD e o CDS terem, quando estavam na oposição, alimentado um discurso demagógico-populista nestas matérias: quem com ferros mata, com ferros morre; viram-se contra este governo, agora, os disparates que os seus responsáveis disseram no passado, em troco de mais uns fuminhos de escândalo que empurrasse a água para o seu moinho. Nada de mais natural.
Contudo, o essencial continua por questionar. O que é preciso é mudar a relação entre o governo e a administração pública. Não é com múltiplas comissões e com regras de concurso muito manhosas, destinadas a legitimar tudo, que vamos passar a ter dirigentes de topo que não funcionem como paus mandados do governo de turno. Que haja ministros a pedir a pessoas bem escolhidas para se candidatarem a certos lugares, sem se esquecerem de fazer o pedido também a alguns militantes do PS, pode vir a servir para uma certa cosmética, com certeza, mais não vai resolver nenhum problema de fundo. Porque o podre está mais fundo.
Por exemplo, para que serve ser director-geral num ministério, hoje em dia, se um jovem turco qualquer, aboletado num gabinete governamental, dá ordens ao director-geral, em nome do governante ou simplesmente em nome da sua proximidade ao governante, como se o director-geral fosse um moço de recados? Ninguém, com o currículo que deveria ter um director-geral, está disposto a candidatar-se a um lugar desses para aturar essa dependência e essa subalternidade, para já não falar na falta de educação de alguns moços e moças de gabinete.
Para dar a volta a isto, e acabar com as novelas, é preciso agir em dois sentidos.
Por um lado, definir, a par das missões de cada organismo dentro da administração, as responsabilidades próprias e inalienáveis dos respectivos dirigentes, de tal modo que as suas competências não possam ser atropeladas pela fauna de adjuntos e assessores, garantindo legalmente que só possam ser removidos no caso de incapacidade para exercerem os seus mandatos. É preciso, ao mesmo tempo, impedir que se usem grupos e empresas e institutos para esvaziar as competências dos órgãos próprios da administração. Entendo que, na generalidade dos casos, não é preciso ter dirigentes da cor do governo para que a administração cumpra com as suas missões, basta ter profissionais da coisa pública que sejam competentes. Deve continuar a caber aos governantes governar, mas a continuidade da administração e a permanência dos interesses fundamentais do país e do Estado não se esgotam na política do momento (embora os políticos pensem, amiúde, que vão fazer um mundo novo de raiz e tenham a tentação de deitar fora o que está quando chegam). Com o tempo, por esta via, chegaremos a ter grandes dirigentes da administração que os governos respeitem e não tentem contornar com grupos de trabalho, assessores, adjuntos, pareceres externos ou consultores.
Por outro lado, reduzir ao mínimo a fauna dos impedidos que cercam os governantes. Para cada ministro ou secretário de estado, dependendo dos casos, uma ou duas secretárias, um ou dois assessores ou adjuntos, um carro e um motorista apenas para uso oficial e partilhado com os membros do gabinete se necessário. E, quanto ao resto, trabalhem com a administração. Se assim for, precisarão realmente de dirigentes que façam o seu trabalho - não que sejam seus correlegionários políticos, mas que lhes dêem os elementos que permitam decidir politicamente e, depois, sejam capazes de fazer aplicar as suas decisões.
Nada disto é para dizer que foi o actual governo que criou o pântano actual. Nem foi o governo anterior. Este estado de coisas vem de muito longe, com responsabilidade partilhadas, mais ou menos equitativamente, por PS e PSD. Num processo de degradação que começou durante a primeira maioria absoluta de Cavaco Silva, já lá vão muitos anos. Nada disto é, tão pouco, para dizer mal, individualmente, dos actuais membros de gabinetes e aparentados, nem dos actuais dirigentes, nem dos antecedentes: admito que, na sua maioria, façam o que, individualmente, se pode fazer nestas circunstâncias. O que é preciso é mudar as circunstâncias, para não voltarmos sempre à mesma novela quando mudam os governos.

procuro central de comunicação que, por bom preço, me mantenha actualizado para não ter de aturar o MN.


Um elemento essencial do meu post "o guião" era uma notícia, que entretanto foi desmentida. O caso das facturas do IDP terá, então, ainda de ser esclarecido.
Isso não tira nada ao resto do post: no caso da Parque Escolar, o ministro Crato está a tentar enlamear os seus responsáveis, usando o método de anunciar uma auditoria, quando poderia esperar pelo Tribunal de Contas, que já está a verificar se aconteceu alguma coisa estranha ou não. Mas, para a política de implosão do ministro Crato, o calendário tem de ser apressado, daí o anúncio da auditoria. Afinal, talvez também poupasse dinheiro se esperasse pelos resultados do Tribunal de Contas...
Que eu ainda não tivesse visto a notícia desmentida - e, portanto, não tivesse corrigido o meu post - não devia autorizar extrapolações apressadas, como esta. Não sei se o Miguel Noronha passa o dia todo a ler notícias ou desmentidos, podendo assim estar sempre na linha da frente das actualizações. Eu não posso, nem quero, fazer isso: tenho mais que fazer. Não sendo, tão-pouco, alimentado por qualquer central de comunicação, escapam-me alguns desenvolvimentos de coisas que me interessam. Fazer teorias à la Noronha por tão pouco... enfim, é um estilo - que, certamente, vende mais que o meu.

6.9.11

neste caso Cavaco tem razão.


Escreve o filósofo João Cardoso Rosas:
"ao contrário do que acontece quando alguém constrói uma fortuna, ninguém tem qualquer mérito por ter nascido numa família rica. As circunstâncias sociais do nosso nascimento são, como se costuma dizer, "moralmente arbitrárias". Por isso os herdeiros não merecem a sua herança e, quando essa herança vai para além de um património razoável que é lícito que os pais queiram deixar aos filhos - por exemplo 500.000 euros, ou mesmo um milhão de euros -, então é da mais elementar justiça que esse património seja taxado."

Por isso, explicita, o PR tem razão quanto à re-introdução de um imposto sobre heranças.

E lembra:
"um imposto deste tipo existe na maior parte dos países, incluindo naqueles que servem de modelo ao actual Governo. A abolição do imposto sucessório em Portugal - um escândalo num dos países mais desiguais da Europa - só foi possível pela insistência de Paulo Portas, o verdadeiro autor do argumento de que ao taxar as heranças estamos a taxar os mortos. Não é verdade. Estamos a taxar herdeiros que não têm moralmente direito àquilo que herdaram e que, na maior parte dos casos, irão desbaratá-lo."

Por mim, o ponto não está no desbaratar. (O desbaratar é outro problema.) Mas, no essencial, o filósofo está a tocar no nervo.

O texto de João Cardoso Rosas está aqui: Taxar os ricos. Encontrei-o graças a João Rodrigues.