(Foto de Filipe Ferreira, encontrada no sítio do TNDMII)
"As lágrimas amargas de Petra von Kant" está no Teatro Nacional D. Maria II, sala Estúdio. Informação no sítio da casa. Fomos ver ontem. Vimos com agrado, especialmente o desempenho de Custódia Gallego no papel da protagonista. Não percebemos muito bem o desempenho da personagem Marlène (por Diana Costa e Silva), talvez por termos perdido a capacidade de nos encantar com robôs humanos.
Mas se calhar está aí, em coisas que já não nos dizem o que disseram antes, o que tenho para dizer deste espectáculo.
O texto de Rainer Werner Fassbinder foi dado a ver ao mundo pela primeira vez há 40 anos. Só o tinha visto em cinema, nunca em palco. A questão que estamos à espera de atacar, quando voltamos, passado tanto tempo, a um texto de um radical sem papas na língua como Fassbinder, é a de saber se o que foi radical continua a ser radical passadas décadas. Se deixou de ser radical em tão pouco tempo na vida da humanidade, é porque nunca foi radical. Fui à espera desse envelhecimento de questões que só são radicais esteticamente.
Acabei por ser surpreendido, nesse ponto, por uma certa mistura de duas sensações face ao que nos era dado a ver. Por um lado, o efeito de choque pretendido por algumas das cenas, por algumas das palavras, por alguns dos esquemas de vida mencionados, tornou-se, para um público urbano e tendencialmente jovem como o da sala estúdio do TNDMII, tornou-se matéria um pouco balofa, tendo entrado no dia-a-dia sem espécie. Estamos fartos de saber isso, caro Fassbinder, apesar de já não o poderes observar. Por outro lado, a chocar com este "realismo aprendido", o que surpreende é que ainda há ali, naquele texto, naquele olhar, uma dose de ingenuidade, uma dose de santidade, um escândalo com o mundo. Como se, passados 40 anos, ainda se possa insistir que não temos de aceitar tudo o que se tornou corrente. O que este choque de pontos de vista vem sugerir é que Fassbinder, se não tinha um par de asas, talvez merecesse apenas uma, a de uma certa candura inesperada nele. E, portanto, resistiu, pelo menos um poucochinho, à prova dos anos.