(Aviso à navegação: SPOILER)
Ontem fomos ao cinema para ver
Io Sono l'Amore, de Luca Guadagnino. Sem dúvida, uma espécie de tentativa de transposição de
Il Gattopardo, de Luchino Visconti, para os nossos tempos.
Trata-se, na mesma, das grandes mudanças sociais e dos seus impactes nas vidas dos "grandes", apanhados na onda. Se Visconti retrata o período da libertação da Itália por Garibaldi, no século XIX, com os olhos postos num príncipe que se ajusta à emergência de uma burguesia mais empreendedora apenas assente no dinheiro, Guadagnino retrata o declínio das famílias industriais desta outra transição de século: como essas famílias industriais degeneram em famílias de financeiros. O ajuste aqui, como convém, é mais cobarde.
Até há, também em
Eu Sou o Amor, um Tancredi, ao qual também aqui cabe interpretar a mudança dos tempos - embora este, claro, não tenha o ar heróico da personagem interpretada por Alain Delon no filme de Visconti. Este Tancredi de meia tigela também estará envolvido numa troca amorosa, mas, sinal dos tempos, de feição bem diversa. Enquanto o Tancredi d'
O Leopardo troca a filha do príncipe pela filha do endinheirado, aliás mais bonita (feita por Claudia Cardinali), aqui Tancredi é que é trocado: a mulher, russa, prefere o jovem amigo do jovem filho, amor em que, aliás, concorre com o seu próprio filho - o que acaba mal.
O filme tem parecenças estéticas com a grande obra de Visconti. Noto isso, principalmente, no intenso sentido da representação, da vida como representação, ao cuidado de quem pode: a beleza da casa da família industrial, o requinte do vestir, a arte que se espraia pelos espaços da família, o delicado dos comportamentos em espaço comum, o comer bem, uns assomos de paisagem rural de grande efeito, a palavra cuidada em personagens que vivem como se a história os contemplasse e esse fosse o seu fado.
Certas cenas, mais especificamente, marcam claramente um paralelo: a festa em vez do grande baile; há uma grande refeição em cada filme; as cenas de caça no campo e as cenas de amor da senhora com o jovem também no campo. Claro, não há cenas de revolução e guerra: isso agora só aparece nos telejornais e perdeu o ar romântico que alguns ainda viam nessas coisas: agora o sangue paga-se com dinheiro e a coisa não tem graça nenhuma.
Contudo, a meu ver, o filme estatela-se um tanto num fim cuja suposta dramaticidade não cola nada com aquele ambiente de decadência. A não ser que a justificação para isso venha do carácter russo da senhora que está no centro do furacão: planta arrancada do seu meio, esteve domesticada durante muito tempo mas guardou a força de quebrar os laços. E no fim quebra-os. Será? A mim cheirou-me um pouco forçado, a fechar.
O fresco merece, de todo o modo, uma saída de casa.