31.3.11

parece que o FMI acha que não se deve diabolizar Passos Coelho


9 de Janeiro, 2011 - Passos Coelho reclama novo governo se FMI entrar em Portugal. Se Portugal recorrer ao Fundo Monetário Internacional (FMI) ou a outra ajuda externa, é necessário uma mudança de Governo, defende taxativamente o presidente do PSD, Pedro Passos Coelho.

25 de Março, 2011 - Passos Coelho: "Tem-se diabolizado o FMI".

as máquinas voadoras já não são o que costumavam ser


Estes "quadricópteros" (algo como helicópteros com quatro "ventoinhas") jogam mesmo pingue-pong?



blogues no feminino? a sério?


O Crónicas do Rochedo diz que são "blogs no feminino". Refere-se aos blogues embalando as horas, Só falta um 31 na minha vida e O trapo, virou seda.
O que são blogues no feminino? Vão lá espreitar e digam coisas.
Entretanto, se um blogue é coisa de ser no feminino ou no masculino, agora que está a acabar o mês do dia que se diz da Mulher, vão espreitar, por exemplo: f-world, Catharsis, esta senhora artista, esta poetisa agreste, e..., e..., e depois digam-me se é por serem "femininas" que esses blogues são o que são.

(Carlos, isto não é uma provocação. É pescar na rede!)

30.3.11

ah, os mercados, pois, os mercados


Regulador inglês propõe mudanças aos anúncios de Internet.
Especifica o Diário Económico: «A Ofcom, entidade reguladora das telecomunicações do Reino Unido, propõe uma nova forma de medir a velocidade da Internet, de forma a proteger os consumidores da publicidade enganosa. O regulador britânico, um dos mais influentes da Europa, pretende que as operadoras passem a referir nos anúncios a velocidade efectivamente atingida por metade dos seus clientes, em vez de indicarem apenas os valores máximos. O objectivo é defender o consumidor da publicidade enganosa das operadoras, visto que a velocidade anunciada nem sempre corresponde aos valores reais.As recomendações do regulador britânico são frequentemente seguidas pelos congéneres europeus, entre os quais a Autoridade Nacional das Comunicações (Anacom).»

A isto, os ideólogos do mercado-livre-livre-como-uma-pomba dirão: "mas que coisa, sempre a impedirem o mercado de funcionar em liberdade, sempre a imporem mais e mais constrangimentos, mais obrigações para as empresas, em vez de as deixarem trabalhar". Quer dizer, os extremistas do tudo-mercado parecem ter dificuldade em compreender que, em inúmeras situações, os consumidores isolados não têm meios razoáveis para conhecer as características da oferta. Para dar o exemplo deste caso: não posso ser eu a avaliar a velocidade efectiva que conseguem oferecer os diferentes operadores. Para perceber isso, basta começar a pensar o que teriam os consumidores de fazer (e gastar) para proceder à comparação. Os extremistas do mercado gostam de regulação fraca - para ganharem as suas vidinhas mais facilmente à nossa custa. Com a valente colaboração dos ingénuos ideólogos que julgam que a liberdade é a selva.
Vindos de outro lado, outros acham que a regulação é treta capitalista, que serve apenas para dar uma aparência saudável à horripilante existência de empresas privadas em sectores estratégicos. Estratégico deve ser público, deve ser estatal, defendem tais. Claro que as telecomunicações são estratégicas, pelo que, julgam esses tais, deviam ser públicas - e de certeza que a banda larga até se tornaria mais larga, como as largas avenidas dos amanhãs que cantam. Os privados deviam ser remetidos a actividades que não perturbassem grandemente o andar da carruagem. Poderia haver privados a vender castanhas assadas na rua, por exemplo; ou a engraxar sapatos nas praças; mas pouco mais. O resto (o leque do que é estratégico é um leque com muita tendência para abrir) deveria ser público, para evitar "a rapina dos privados". Só tem um pequeno defeito, esta narrativa: em lado nenhum se percebeu que a história fosse tão linear... Mas isso parece muito esquecido.
Entretanto, é destes binómios de oposições simplistas que se alimenta, tantas vezes, o debate político. E isso é uma infelicidade. Porque o "mercado livre" não é um sítio para excursões idealistas - ainda menos se ele estiver plantado nas encruzilhadas das nossas terras e tiver o imenso poder de rasgar ou distorcer outras relações sociais significativas.

28.3.11

tanto tempo a votarem contra e só agora vão começar a pensar o que poderia ser uma alternativa exequível?


Jorge Bateira, no Ladrões de Bicicletas:
Em seminários de trabalho, eventualmente com o apoio de economistas estrangeiros a convidar, os economistas do PCP, do BE e independentes, [e os militantes do PS desiludidos com a sua actual orientação], fariam um esforço de concretização de uma política económica exequível que, distribuindo com justiça os sacrifícios que forem inevitáveis, evite o desastre financeiro, económico e social que um «governo de pilhagem partilhada» nos vai apresentar como inevitável e merecedor da nossa resignação. Esse esforço de convergência deveria culminar com a candidatura unitária «Convergência e Alternativa».
O título do post, Quem é que os vai derrubar?, diz tudo: "derrubar" parece ser galvanizante. Pela salada recomendada, essa "convergência" só poderia ser anti-europeia. E essa "alternativa", que, apesar de já ter servido para moções de censura e votações de mão dada da "esquerda que tão esquerda é" com o PSD e ao CDS, afinal ainda está por ser inventada ("fariam um esforço de concretização de uma política económica exequível", diz Bateira), exclui claramente o diálogo político com o PS. Não espanta: é isso que a esquerda da esquerda tem feito o tempo todo.

um porta-voz qualificado


Cavaco Silva diz que principais partidos se comprometem a cumprir metas do défice.
«O Presidente da República disse hoje à Bloomberg que os três principais partidos lhe garantiram que se comprometem a cumprir as metas do défice definidas pelo Governo e a prosseguir a estratégia de consolidação orçamental.»

Pronto, o PR fala à Bloomberg. Mas, aos portugueses, era bom que fossem os próprios portugueses a falar. Quero dizer: os partidos que empurraram o governo, cada vez se percebe menos em nome de quê, e que depois dizem que concordam no essencial com aquilo que chumbaram, ou que até queriam ir mais longe, devem explicar-se. Mero exercício de higiene.

amanhã há Machina Enxuta


Depois de Machina Enxuta, número zero, amanhã é dia de Machina Enxuta, número um, a nossa rubrica de debate ao vivo e a cores. Com o editor do Enxuto e comigo mesmo.

um conselho de virtudes


Por indicação do Presidente da República, Bagão Félix vai integrar o Conselho de Estado.

Na sua edição de 16.10.2010, a revista Única (do Expresso) apresentou um trabalho sobre a elaboração do Orçamento de Estado por vários ministros das finanças em exercícios anteriores. É nesse quadro que aparece um depoimento de Bagão Félix, ministro da Segurança Social e do Trabalho de Durão Barroso que passou a ministro das Finanças de Santana Lopes.
Passo a citar.
«No novo posto, e como é tradicional, Bagão Félix começou a ouvir os colegas de executivo, para a elaboração do OE para 2005. Num desses encontros reuniu com o ministro Fernando Negrão, sem se recordar que tinha sido ele o seu sucessor na pasta da Segurança Social. Logo nos minutos iniciais, Bagão Félix começou a demolir severamente muitas das propostas que Negrão trazia escritas. "Lembro-me de lhe dizer que algumas delas nem sequer faziam grande sentido", recorda hoje Bagão Félix. Fernando Negrão foi ouvindo tudo com paciência e serenidade. Até que, numa das observações mais críticas, não aguentou mais: "Vai-me perdoar, senhor ministro, mas permita-me que lhe recorde que eu não alterei uma única linha ao documento que o senhor mesmo escreveu quando estava neste agora meu Ministério, para elaborar o orçamento." Bagão Félix engoliu em seco: "Foi uma lição de vida para mim. Mostra como as coisas mudam, consoante a perspectiva que temos delas", admite o ex-ministro das Finanças.»
Fim de citação.
É extraordinária a lata. Bagão Félix consegue contemplar com "ar filosófico" («foi uma lição de vida»), até com uma certa candura, algo que é um cancro da vida pública: responsáveis que em cada circunstância "acham" o que lhes vai na cabeça como se o mundo "lá fora" fosse apenas cenário, que mudam de "visão" como quem muda de camisa, que fazem o seu papel como se estivessem num grande teatro e não a jogar com a vida de todos nós - e tudo isso "consoante a perspectiva". Assim se percebe como tanta gente anda por aí a dizer certas coisas, como se não tivesse nada a ver com "isto". Nem todos chegam é ao ponto de confessar tão abertamente o que valem as suas opiniões neste momento - já que elas poderiam ser completamente diferentes se estivessem noutra "perspectiva".

(Republicação. As republicações servem para as pessoas não perderem as memórias.)

o FMI já está entre nós?


Falar verdade é necessário, claro que sim. No entanto, falar verdade não é construir palavras de ordem para manifestações e depois repeti-las até elas parecerem puro senso comum. Esse é, aliás, o método da mentira programada. Um dos exemplos gritantes da técnica da mentira programada é a "teoria" segundo a qual "o FMI já chegou a Portugal, as políticas do governo já são o programa do FMI". Neste caso é relativamente fácil mostrar que se trata de uma mentira, já que podemos comparar o que agora se passa em Portugal com o que a Irlanda e a Grécia estão a ser obrigadas a fazer. Estranhamente ou não, a esquerda da esquerda e o PSD coincidem nessa mentira. Dada a importância desta questão, andava a preparar-me para escrever sobre isso - mas, como alguém se antecipou, mais vale dar a conhecer o que já está escrito. Neste caso, por Pedro T., cuja leitura se recomenda.

marés e marinheiros


Suponho que os portugueses perceberam bem que, no voto contra o PEC, o PSD se moveu por interesse partidário e deixando o interesse nacional em segundo plano. O PS e José Sócrates poderão capitalizar eleitoralmente essa irresponsabilidade da oposição (pelo menos do PSD, que não tem alternativa e se opõe apenas para mostrar o músculo de Passos Coelho e salvar-lhe a pele na refrega interna do seu partido). Até porque, a meu ver, muitos dos portugueses - precisamente dos que estão a fazer sacrifícios - têm a noção que o governo tem estado mobilizado para que o país não se renda e não baixe os braços. Contudo, a saída para esta crise política está muito longe de estar decidida. Se o PS e José Sócrates optarem por uma linguagem de elevada agressividade no combate político, virada principalmente para um ataque sistemático às oposições, acabará por legitimar o estilo consagrado da coligação negativa, que tem precisamente abusado das práticas incendiárias. Quer dizer: as oposições têm seguido o estilo do vale tudo, mas, se o PS responder no mesmo tom, será visto como igual aos outros nesse pecado. E, nessas condições, as pessoas poderão pensar: incendiários por incendiários, que venham novos.
Quero dizer: José Sócrates e o PS têm de mostrar que são capazes de fazer tudo para baixar o clima de confrontação, abrir novas clareiras de diálogo na política portuguesa, descobrir novas possibilidades de convergência, criar linhas de entendimento onde até agora tem predominado o ruído. Suponho que aos eleitores já não interessa muito quem tem liderado o campeonato da vozearia - interessa sim é quem mostre coragem para virar a maré. Até porque, falando em marés: este não é o tempo para praguejar contra o mar, é o tempo de remar com todos os braços disponíveis.

27.3.11

novelas portuguesas


José Sócrates reeleito líder do PS com 93,3% dos votos, mais 10,59 por cento do que o resultado obtido na eleição de 2009, numa votação directa pelas bases que registou uma taxa de participação a rondar os 90%.

Não se pede aos adversários políticos que se amem. Mas pede-se que se respeitem e usem argumentos razoáveis. E que abandonem a linguagem do ódio, que tanto tem sido incentivada entre nós. Uma das recorrentes lengalengas contra Sócrates tem sido "já nem os socialistas o suportam". Com os resultados da eleição para SG do PS (na qual não participei, informação que dou de borla a alguns dos pirómanos que aqui vêm sem perceber nada do que aqui se passa), suponho que podemos ultrapassar esse patamar de primarismo e passar a outras conversas mais sumarentas.

a tese do abalozinho (post dedicado a certa categoria de esquecidos)

A invocação política do exclusivo da verdade é a forma mais rastejante de mentira.
MFL – [...] E tanto é a partir da receita que agora estamos numa fase em que a receita, por motivos da crise económica, baixa naturalmente, as contas públicas estão pior do que quando o engenheiro Sócrates tomou conta do País. E, portanto, isso significa que, efectivamente, não estavam consolidadas. ‘Tavam com passos positivos, mas não estavam consolidadas, porque a consolidação significa alguma coisa que mesmo que venha um abalo de terra aquilo não se desmorona. Veio um abalozinho de terra e desmoronou-se. Portanto, não estava consolidada.
AL – Esta crise, no que diz respeito a Portugal, na sua opinião, não é um abalo de terra, é um abalozinho?…
MFL – Aaahhh… É um abalo de terra, mas é um abalozinho relativamente aquilo que poderia ter sido caso não estivessem as contas feitas… construídas doutra forma…

O que lemos acima é a transcrição de um excerto da entrevista de MFL à SIC (com Ana Lourenço), a 24 de Junho de 2009, a caminho das eleições legislativas. Isto não é novidade nenhuma. É só por causa de certas pessoas que se comportam como esquecidos profissionais. E por isso dizem que "os outros" mentem.


26.3.11

Passos Coelho acaba de anunciar o programa de governo





"The Ultimate Machine" foi concebida por Claude Shannon,o inventor da palavra "bit" e pioneiro da idade da informação. Passos Coelho foi convencido por Miguel Relvas de que a máquina, com essa origem, devia ser um prodígio. Acontece que a perfeição da máquina está... em nada fazer. Pois: a perfeição só é imaginável por quem nada faz.

o recenseamento da população e as forças do mal


Bruegel "O Velho", O recenseamento de Belém, 1566
(Museu Real de Belas Artes da Bélgica, Bruxelas)

“Por aqueles dias, saiu um édito da parte de César Augusto para ser recenseada toda a terra. Este recenseamento foi o primeiro que se fez, sendo Quirino governador da Síria. Todos iam recensear-se, cada qual à sua própria cidade. Também José, deixando a cidade de Nazaré, na Galileia, subiu até à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e linhagem de David, a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que se encontrava grávida.” Lucas 2, 1-5

Sabemos que há seitas que vislumbram a terrível mão opressora do Estado em todo o lado. Alguns indivíduos nem precisam de seita para isso: constituem uma espécie de seita individual onde cultivam a imaginação literária em forma de delírio político. Há um bloguer, que visitamos regularmente para sabermos novidades dessa parte do mundo, que anda agora a convocar as forças do céu contra... contra... adivinham bem: contra o recenseamento, essa manobra diabólica que ameaça a liberdade individual. Carlos, veja se se acalma: se calhar esta modalidade de recenseamento até vai acabar, não em Portugal mas no conjunto dos países civilizados que fazem estas coisas, por ser muito cara e poder ser feita de outra maneira. Entretanto, não se esqueça que, segundo os Evangelhos, se não fosse um certo recenseamento, o Menino Jesus não teria ido nascer a Belém. Só não sei é se isso o torna mais ou menos desfavorável ao recenseamento...

aviso à população: roubo de identidade


Em momentos de mais alta "temperatura" política, é usual certos blogues - e autores de blogues - serem atacados de diversas maneiras. No caso do que se passa aqui neste blogue, não dou exemplos para não dar ideias. Contudo, sobre o caso mais recente, tenho de dar notícia: anda alguém - pela noite de breu à procura? não! - anda alguém a espalhar comentários em meu nome em caixas de comentários de outros blogues. Nestas circunstâncias declaro que entro, a partir de agora, em jejum absoluto de comentários: até nova indicação, nenhum comentário que apareça em outros blogues deverá ser reconhecido como meu.

uma pequena lengalenga sobre as greves dos transportes e o FMI


As greves nos transportes continuam. As greves nos transportes são más para os trabalhadores que fazem greve, porque ganham menos (mas deve ser por isso que certas greves são mais bem sucedidas com grupos profissionais que ganham melhor do que se pensa). As greves nos transportes também são más para o pessoal que precisa de se deslocar, porque fica apeado. Contudo - como praticava Tomás de Aquino, há sempre um "contudo" - contudo, as greves nos transportes são boas para as empresas de transportes, porque poupam uma data de massa em salários, em energia, em desgaste do material circulante e coisas que tais. Talvez as greves nos transportes sejam uma maneira de recuperar financeiramente essas empresas. Poupança forçada ou disfarçada (disfarçada + forçada = disforçada). Assim, até nos vamos preparando para a vinda do FMI. Em vez de ter de ser o governo a decretar que a CP só funciona dia sim dia não, para poupar, as greves poupam esse incómodo e ainda facilitam a poupança. Só com uma alteração legislativa a fazer: todas as greves nesses sectores têm de se prolongar durante pelo menos seis meses e decorrer de forma interpolada, dia sim dia não. Sempre é melhor do que fechar simplesmente essas empresas, que dão prejuízo, como lembrava "o outro".

(Ilustração: Cartaz do Sindicato Único dos Transportes [Confederação Nacional do Trabalho, Espanha], sobre a colectivização dos serviços públicos urbanos.)

Os vulgares e os outros (ou "epístola aos deterministas")


Dedico este excerto de uma obra de Dostoiévski a todos aqueles que acreditam que nós somos apenas peças de uma grande máquina, peças sem liberdade, cujas "acções" são apenas movimentos dos nossos constituintes físicos, determinados inexoravelmente pela longa sequência de tudo o que aconteceu antes.

- (…) Acredito apenas na minha ideia principal, que consiste precisamente em que as pessoas, pelas leis da natureza, se dividem em geral em duas categorias: a inferior (vulgares), ou seja, por assim dizer, o material que serve unicamente para engendrar semelhantes; e os homens propriamente ditos, ou seja, as pessoas que possuem o dom ou o talento de dizer, no seu meio, uma palavra nova. (…) a primeira categoria, ou seja, o material, consta em geral de pessoas conservadoras por natureza, correctas, que vivem na obediência e gostam de ser obedientes. (…) A segunda categoria consta dos que violam a lei, que são destruidores ou têm propensão para o serem, consoante as suas capacidades. (…) A primeira categoria é sempre senhora do presente, e a segunda é a senhora do futuro.
- (...) Mas diga-me uma coisa: como se podem distinguir os vulgares dos invulgares? Têm alguns sinais de nascença?

Fiodor Dostoiévski, Crime e Castigo (1866)
Tradução portuguesa publicada pela Editorial Presença, 2002, pp. 245-246

da linguagem comum


O filósofo Donald Davidson (1917-2003) começa o seu ensaio “The Method of Truth in Metaphysics” (1977) com a seguinte frase: “In sharing a language, in whatever sense this is required for communication, we share a picture of the world that must, in its large features, be true.” Vamos lá ver o que é que isto interessa aqui e agora.

Davidson insere-se numa linha de investigação filosófica que toma como objecto a linguagem comum. Como escreveu John Austin, outro filósofo desta linha, que teve há algum tempo em Portugal um invulgar direito de antena popular proporcionado pelo gato fedorento RAP, "a nossa comum provisão de palavras incorpora todas as distinções que os homens, no decurso de muitas gerações, verificaram ser vantajoso traçar e as conexões que verificaram ser vantajoso assinalar: são seguramente mais numerosas, mais credíveis - uma vez que passaram o longo teste da sobrevivência dos mais aptos - e mais subtis, pelo menos em todos os assuntos práticos correntes, do que qualquer outra que tu ou eu possamos conceber sentados nos nossos cadeirões - o método alternativo preferido". Assim sendo, analisar a linguagem comum resulta em analisar a realidade: "quando examinamos o que havemos de dizer e quando, que palavras haveríamos de usar em que situações, não estamos a olhar apenas para palavras (nem para "sentidos", o que quer que isso seja), mas também para as realidades, para falar acerca das quais usamos as palavras: estamos a usar uma pronunciada capacidade das nossas palavras para penetrar a nossa percepção dos fenómenos - embora não como um árbitro definitivo". [1]

Ora, para Donald Davidson [2], a existência de uma linguagem que serve para comunicar prova que os falantes que partilham essa linguagem também partilham uma visão do mundo que, em linhas gerais, é verdadeira. Davidson coloca no foco da sua análise a actividade interpretativa, consistindo em procurar compreender o discurso de outros falantes como compreensão daquilo em que eles acreditam: é esse intérprete que, para compreender o discurso alheio, tem de partilhar com o autor desse discurso uma visão do mundo globalmente correcta. Vejamos o argumento.
Acreditar em alguma coisa, e identificar e descrever essa crença particular, só é possível dentro de um sistema alargado e complexo de crenças inter-relacionadas. Por exemplo, que eu acredite que "uma nuvem está a passar em frente do sol" e descreva essa crença, só é possível sobre o pano de fundo de uma densa malha de outras crenças apropriadamente associadas com essa: que o sol existe, que as nuvens são feitas de vapor de água, que a água pode existir no estado líquido mas também no estado gasoso, ... , e assim sucessiva e indefinidamente.
Precisamente pela mesma razão, eu só posso compreender o que outra pessoa diz se o meu método de interpretação do seu discurso não supuser que o seu sistema de crenças é fortemente errado. Se eu suponho (por exemplo, porque ela o diz) que outra pessoa acredita que (A) = "uma nuvem está a passar em frente do sol", suponho que essa pessoa tem uma malha de crenças (α) relacionada com (A). E, para eu poder interpretar a crença dessa pessoa como sendo a crença em (A), tenho de supor que (α) seja suficientemente parecida com a minha própria malha de crenças relacionadas com (A). Isto é: interpreto a outra pessoa na base das minhas próprias crenças; eu só posso compreender o que os outros dizem se os interpretar como partilhando comigo um vasto (mesmo se não total) acordo acerca do que está relacionado com o que é dito. Mesmo para poder discordar de algumas das coisas em que o outro acredita, tem de haver uma ampla base de acordo entre nós: é sobre o pano de fundo das concordâncias que as discordâncias são inteligíveis. Não posso compreender alguém acerca de quem suponho que a generalidade das suas crenças são erradas.
Mas, o que me garante que o nosso domínio de acordo coincida precisamente com o que é verdade? Nada garante. Não posso garantir quais são as partes do domínio de acordo entre mim e os meus interlocutores que são verdadeiras: no entanto, muito tem de ser verdade para que algo seja falso. Davidson pretende demostrar isso com o argumento do "intérprete omnisciente", a que não vamos passar (até por o considerarmos falacioso, como já tivemos oportunidade de explicar noutro local).

O que me interessa aqui e agora é aplicar o raciocínio acima a uma comunidade política. Por exemplo, a democracia portuguesa. Se, como tem acontecido, continuarmos a rasgar a base de comunicação decente dentro desta comunidade, vamos acabar mal. Se vivemos no mesmo mundo, no mesmo barco – e se precisamos de nos entender acerca do que fazer para navegar melhor – não podemos continuar a julgar como basicamente errado quase tudo aquilo que afirmam e julgam os outros membros da nossa comunidade, como se eles vivessem noutra terra e pudessem ser completamente indiferentes à nossa sorte comum. Sob pena de perdermos de vista o próprio mundo que nos é comum e não espera parado que saibamos o que queremos. Grande parte da política portuguesa nos últimos tempos tem passado pela desqualificação da própria palavra dos agentes: distorcer, desconfiar, desqualificar, baralhar os planos.

Continuar nesta linha de destruição do outro como interlocutor e pensar que o país pode ser viável dessa maneira - é como pensar que é possível existir um par de namorados ligado por um grande amor apesar de cada um julgar o outro absolutamente inconsciente, irrealista, mal informado, perverso, mentiroso, …

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REFERÊNCIAS

[1] AUSTIN, J.L., "A Plea for Excuses", in Philosophical Papers, Oxford, Clarendon Press, 1979 (para a terceira edição, sendo a 1ª edição de 1961; trata-se de uma reimpressão do texto publicado pela primeira vez em 1957), p.182

[2] , DAVIDSON,D., "The Method of Truth in Metaphysics", in Inquiries into Truth and Interpretation, Oxford, Clarendon Press, 1984 (republicação do original de 1977), pp.199-205

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Publiquei este texto aqui no blogue há um ano, contado quase dia por dia. Agora que alguns, depois de terem aberto a cova, vão começar a lembrar-se de pedir moderação na linguagem política, eu (1) apoio e (2) viro-me para os fautores do clima de antagonismo reinante e digo-lhes que o primeiro passo para uma nova convivência é reconhecer o mal que fez à comunidade o "vale tudo".

proposta de revisão constitucional apresentada por sectores iluminados da direita pós-modernaça


Artigo novo
Alínea 1. O cidadão José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa goza de todos os direitos políticos e cívicos previstos na Constituição e na lei, com as seguintes excepções temporárias: não pode ser militante de nenhum partido, não pode ser secretário-geral do PS, não pode candidatar-se a eleições legislativas, não pode ser primeiro-ministro, nem ministro, nem secretário ou subsecretário de estado, nem director-geral, nem pode participar em Conselhos Europeus onde estejam em análise assuntos que interessem a Portugal.
Alínea 2. O termo "temporário" na alínea 1 deve ser entendido no seguinte sentido: durante os próximos 200 anos, com a possibilidade de renovação por dois, três ou quatro períodos de igual duração.

(Não é isto que ilumina estas coisas?)

produtores de crises de categoria global


A crise portuguesa agrava a crise europeia, como notam vários órgãos da imprensa estrangeira. Portugal pede solidariedade à Europa e, em troca, agrava-lhe as dificuldades. Isso faria parte do plano de Passos Coelho, vingar-se das instituições europeias que poderiam evitar-nos um governo do FMI, assim dificultando a coligação PSD+FMI?

(imagem surripiada ao Miguel)

23.3.11

a mais recente contribuição de Manuela Ferreira Leite para a teoria política pós-moderna


Passos Coelho tem um programa eleitoral, apresentado por via oral deste modo: «Há limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos cidadãos.» Foi isso que disse Cavaco Silva na tomada de posse como PR, é isso que diz PPC às segundas, quartas e sextas. Esse programa eleitoral será substituído na primeira oportunidade exactamente pelo seu contrário, por um vendaval de destruição do Estado e entrega dos bons negócios aos privados, rendendo algum dinheiro no curto prazo e empobrecendo ainda mais o país quando se tornar evidente que o interesse comum não é o somatório dos interesses das empresas privadas. A questão é saber como vai o PSD fazer a transição do programa eleitoral para o programa de um eventual governo Passos Coelho. Aí entra a mais recente contribuição de Manuela Ferreira Leite para a teoria política pós-moderna.
Hoje, no Parlamento, questionada sobre as alternativas (o projecto de resolução do PSD era o único que tinha uma alínea para rejeitar a proposta do governo, mas não tinha nenhuma alínea sobre a alternativa), Manuela Ferreira Leite respondeu: "Não quis entrar em politiquices, por isso não falei de medidas concretas." É essa a receita: "política de verdade", nada de politiquices, o PSD está contra mas não vai agora andar a discutir medidas alternativas. Era o que mais faltava. Esperem que logo verão.
De momento, essa conversa já convenceu as direcções partidárias do CDS, PCP, Verdes e BE, que votaram o projecto do PSD que consagra essa ideia de que "medidas alternativas é politiquice".

prendas ricas a preços extraordinários


O livro La Traversée de la Langue: Sur "Le Livre de l'Intranquillité" de Fernando Pessoa, da autoria da Professora Maria Augusta Babo, editado pela Livros Labcom, da Universidade da Beira Interior, acaba de ser disponibilizado em linha (formato pdf), de forma completamente gratuita e completamente legal. Encontra-se aqui.

programa de governo da coligação negativa


Acabou no Parlamento a votação dos projectos de resolução sobre o PEC.

Foram aprovados todos os projectos de resolução (PSD, PCP, BE, CDS, PEV), com votos a favor de PSD, CDS, PCP, BE, PEV e votos contra do PS.
Só o projecto de resolução do PSD foi aprovado na íntegra, porque não tinha nenhuma alínea com propostas alternativas. Nos outros casos foi aprovada a primeira alínea (rejeição da proposta do governo) e rejeitadas as demais, que continham ideias para um PEC alternativo.

Portugal é grande


As modalidades do reforço do fundo de socorro do euro (EFSF) só vão ser definidas pelos líderes europeus em Junho devido às dificuldades políticas e eleitorais de alguns países que os impedem de assumir compromissos até lá.

Isto promete: a Europa, não apenas Portugal, arrasta os pés no ataque à crise. A coligação negativa deve ficar satisfeita, porque assim ficamos mais "soberanos" (menos Europa, mais soberania, dizem por esse lado).



novas oportunidades, casos de abuso


Manuela Ferreira Leite, quando era presidente do PSD, achou que Pedro Passos Coelho nem pinta para deputado tinha. Por isso não o deixou ser candidato. Agora acha que ele serve para primeiro-ministro? Ou a mudança de discurso é apenas vingança?

politiquice, diz ela


Manuela Ferreira Leite no debate do PEC: "Não quis entrar em politiquices, por isso não falei de medidas concretas."

resumo do discurso de Manuela Ferreira Leite no debate do PEC

O que Manuela Ferreira Leite, ex-ministra das finanças do PSD, disse resume-se a isto:

«Há limites para os sacrifícios que se podem exigir ao comum dos cidadãos.»
Cavaco Silva, tomada de posse como PR, 9/03/2011, aqui

«Poder-se-á dizer que [Cavaco ] esqueceu a crise externa e a influência da crise externa na nossa própria crise.»
General Ramalho Eanes, presidente da comissão de honra da candidatura de Cavaco Silva a PR, sobre o discurso de posse, aqui
O que Manuela Ferreira Leite não disse:
“Não posso prometer que não haja aumento de impostos.”
Pedro Passos Coelho, num encontro com blogues, 18/03/2011.

Este é o filme da rasteira pedida por António Capucho.

alguém pensou a sério no dia seguinte?


Teresa de Sousa, hoje no Público:
(…) Não se sabe ainda como reagirão os nossos parceiros à nova condição em que o primeiro-ministro chega a Bruxelas nem em que medida isso afectará as negociações do Conselho Europeu. Mas uma coisa é certa: a crise política aberta pelo PSD anula, de um só passo, todo o esforço desenvolvido até agora. (…) Tínhamos ao nosso alcance uma bóia. Conseguimos o feito, verdadeiramente histórico, de optar por um naufrágio. Quisemos afastar o destino da Grécia. É esse, porventura, o destino inevitável que nos espera. (…) Passos Coelho (...) tem de dizer o que pensa que vai acontecer no Conselho Europeu e como é que tenciona lidar com a situação. Não no médio prazo, que é o que corresponde às suas ideias sobre as reformas de que o país precisa para sair deste garrote financeiro e económico. Essas conseguem compreender-se. Mas no curto prazo, que por sinal é já amanhã. O dia seguinte ao Conselho, quando não conseguirmos honrar os compromissos da dívida e nos mandarem recorrer imediatamente ao fundo. Na versão a que tivermos direito. Provavelmente aquela que virá acoplada a um PEC bem mais duro.(…)
Resta saber se o efeito pretendido pelo PSD não é mesmo forçar a vinda do FMI, uma profecia de Passos Coelho que estava a falhar. E, de preferência, forçar a vinda do FMI durante o governo Sócrates, para daí limpar as mãos. A história de Pedro e o Lobo desta vez é diferente: Pedro não pede que o socorram do lobo; Pedro convida o lobo e depois grita "ai que ele come-vos, ai que ele come-vos".

(Citação roubada ao Miguel.)

santos de pau carunchoso


Cavaco culpa Sócrates pela falta de acordo político.

Cavaco Silva, presidente-candidato, insistiu, durante a última campanha eleitoral, em discutir temas de governação e, aí, mostrar-se sempre crítico do governo. Cavaco Silva aproveitou a noite da vitória, depois de um dia de reflexão e um dia de votação a separá-lo da campanha eleitoral, para colocar ácido nas feridas que deviam ter começado a ser tratadas nesse dia. Cavaco Silva aproveitou a tomada de posse como PR para verbalizar a sua oposição ao governo, para estender a mão a manifestações de rua "contra a situação" e para se posicionar do lado dos que defendem que os portugueses não podem fazer mais sacrifícios. Isto é: Cavaco Silva posicionou-se, repetida e coerentemente, como vértice da oposição. Vem, agora, com pezinhos de lã, fazer-se de vítima. Não tem razão nenhuma para isso: o primeiro factor de crise foi um PR que, clara e repetidamente, deu ao país sinais de que estava em Belém para correr com o governo. Um PR de quem se poderia esperar que usaria toda a informação que Sócrates lhe desse para a usar contra Sócrates, contra o governo, a favor dos seus amigos políticos. Nesse sentido, a crise em curso é o primeiro fruto da última eleição presidencial.

22.3.11

A Cacatua Verde



“A Cacatua Verde”, de Arthur Schnitzler, ainda está no D. Maria até 27 de Março, encenada por Luís Miguel Cintra, numa co-produção com o Teatro da Cornucópia. Já fomos ver a 5 de Março, mas ainda não houve tempo para falar disso aqui. Façamo-lo agora, embora brevemente.
A peça, em si mesma, como texto, é deslumbrantemente filosófica e política. A acção desenrola-se na noite desse emblema da Revolução Francesa que foi a tomada da Bastilha, numa cave de Paris, numa taberna original. Original por aí se fazer cada noite uma estranha performance: há actores que fazem de marginais, que se gabam das malfeitorias que praticaram, dando a ideia de serem gente perigosa que pode a qualquer momento revisitar os mesmos crimes; há nobres à procura de excitação que vão à taberna para sentirem o frémito do perigo, de estarem no meio daqueles “criminosos”, de que já não se sabe se o são com ou sem aspas. E depois há os que praticaram crimes e fazem de conta que só fazem de conta o que verdadeiramente fizeram. E, a páginas tantas, a mentira e a verdade tornam-se indistinguíveis para muitos dos circunstantes, circunstantes que deixam de estar claramente distribuídos pela categoria dos actores e pela categoria dos espectadores. Estar do lado da verdade ou estar do lado da mentira torna-se um problema vivido, tal como estar do lado dos que ludibriam ou dos que são ludibriados deixa de ser fácil de distinguir. Eu, que nem sou grande apreciador do tema do teatro dentro do teatro, leio este texto como uma excelente apropriação dessa questão para a ultrapassar e lhe dar uma volta filosófica pertinente, ao mostrar que o problema maior é a nossa dificuldade em distinguir as várias camadas da realidade e as várias máscaras com que ela se nos apresenta.
A leitura do texto cria (pelo menos a mim, criou) a expectativa de um turbilhão: com um elevado número de personagens/actores em palco simultaneamente (25), num crescendo de ambiguidades que se retorcem sobre si mesmas, orquestradas pelo taberneiro/demiurgo daquele universo fechado a espelhar o vasto mundo convulso que está cá fora, a caminho de uma violência engendrada pela própria dinâmica de certas duplicidades – esperava a visualização de um vórtice em palco. Fiquei um pouco surpreendido por um ritmo contido, que por momentos funciona, por deixar espaço ao espectador para digerir as voltas que o mundo dá – mas, ritmo contido esse que, outras vezes parece uma “câmara lenta” forçada. Esse ritmo de slow motion pode perfeitamente ser um recurso estilístico, destinado a obrigar-nos a pensar em algo que não deve ser consumido como se fosse uma representação naturalista – e que somos obrigados a aceitar como encenação, como artifício, como apresentação, como quadro pintado com as tintas escolhidas pelo pintor e não fotografia de reportagem. Talvez seja isso, mas, naquele dia, esse tempo lento imposto a uma história em turbilhão causou-me desconforto. O que, para teatro do bom, não é mau.
Vale muito a pena. Sugiro a leitura do texto, antes ou depois de ver: vale uma valente reflexão sobre a política.
Ah, já me esquecia: “A Cacatua Verde” era o nome da tal taberna. E não há cacatuas verdes.

(Nota: texto corrigido após comentário de JPN.)

campanha eleitoral


Olhando para o PEC apresentado ontem no Parlamento, uma coisa salta à vista: o governo não está em campanha eleitoral. Poderá dizer-se o mesmo de todos os agentes políticos relevantes?

para que serve o próximo congresso do PS ?



Em democracia representativa, os partidos políticos servem para gerar respostas aos desafios que a comunidade enfrenta, para apresentar alternativas na base das quais o eleitorado pode escolher de um leque suficiente de opções diferentes. Todos os partidos têm de pensar a sua actuação à luz dessa sua responsabilidade e missão.
Vem isto a propósito de um congresso do PS que está aí à porta. Até há pouco tempo, um espectador desprevenido, como eu, pensaria que tal congresso não passaria de mais uma cerimónia para marcar calendário. Vistas as evoluções recentes, e as previsões meteorológicas, não pode ser assim. A presente situação nacional coloca a esse partido – e ao seu congresso – acrescidas responsabilidade. O congresso do PS tem de poder debater e escolher entre as principais opções que se abrem a esse partido quanto ao papel que pode jogar no actual momento e no futuro próximo.
Quem defende que o PS deve coligar-se com o PSD para salvar o país, deve apresentar-se ao congresso a defender isso. Os que acham que é tempo de o PS se entender com a esquerda da esquerda para mudar o rumo à governação, noutra atitude face "aos mercados" e face "a Bruxelas", devem apresentar-se ao congresso a explicar bem o que isso quer dizer. Os que entendem que o PS deve continuar contra tudo e contra todos, continuando a bater na tecla de um governo minoritário (o "PS sozinho"), têm de ir ao congresso levar a votos essa opção. Além disso, no caso de Sócrates chegar a demitir-se de PM, chegou o tempo de o PS discutir se quer continuar a tê-lo como líder ou não.
Em suma: o congresso do PS tem de decidir se quer beber o cálice deste ciclo até ao fim, com este rumo e este SG - ou se quer mudar de vida e entrar numa nova fase. Qualquer uma dessas opções é respeitável. O que não é respeitável é que um partido democrático não arranje maneira de discutir o seu futuro, em toda a liberdade.
Um grande partido nacional como o PS não pode, chegado a este ponto, gastar um congresso a discutir questões interessantes mas irrelevantes para o fulcro do que aí vem. Nem pode fazer uma eleição para secretário-geral em que os oponentes a Sócrates sejam apenas uns ilustres militantes que se apresentaram como candidatos a líderes apenas por truque regulamentar destinado a permitir-lhes apresentar uma moção de orientação política global (circunstância que já aqui critiquei anteriormente)... enquanto os "verdadeiros candidatos" se arrastam pelos corredores a conspirar baixinho. Isso seria, face ao país, pouco sério. E poderia ser, para o próprio PS, uma espécie de suicídio ritual (embora, em política, quase todos os suicídios sejam temporários).
Se é preciso mudar à última hora os regulamentos, mudem-nos. Não caiam é na loucura de apresentar ao país um congresso que pareça um jogo de sombras.

santa ingenuidade


Mário Soares pede intervenção de Cavaco para “impedir uma catástrofe”. «Mário Soares, ex-Presidente da República e ex-primeiro-ministro, acredita que só Cavaco Silva pode evitar que a crise política agrave a crise financeira do país e pede ao Presidente que intervenha na contenda entre PS e PSD para “impedir uma catástrofe”.»

Cavaco Silva há muito que deixou de se interessar por essas "questões menores". Comparado com a sede de vingança por terem mostrado as suas estreitas relações com o bando do BPN e por terem tido a ousadia de falar em voz alta do exemplar "momento português" da casa da Gaivota, o país não interessa nada. A narrativa do herói português, do Professor que consegue andar vinte anos no topo do Estado e continuar a falar de fora "dos políticos", foi manchada - e CS não perdoa isso. Só lhe está a custar que a vingança não venha do seu clã, já que à mentalidade política de CS interessa mais o clã do que o partido. Mas essa preocupação está a milhas de um olhar presidencial sobre o país.
E, claro, não se pode dizer em voz alta qual a verdadeira explicação para Sócrates não ter dito antecipadamente a Cavaco o que ía fazer a Bruxelas na semana passada. Não se pode dizer em voz alta que, se Cavaco soubesse (ou pudesse assumir que sabia), tinha estourado com a estratégia de Sócrates para convencer os outros líderes europeus que Portugal está determinado em honrar os seus compromissos e merece o apoio dos seus pares.
Ter um homem em processo de vingança no topo do Estado é muito perigoso. Seria bom que os que o julgam um aliado compreendessem isso, tal como já compreenderam os que estão na mira de fogo.

(Quanto ao resto, podemos começar a conversa por aqui.)

20.3.11

conversas portuguesas


- Por favor, diga-me, para que lado fica o Rossio?


- Tu és um labirinto. E eu sem mapa. Orienta-me, vá lá. Podes dar-me a mão, um labirinto é um lugar difícil, temos de ser uns para os outros para não nos perdermos.

- O Rossio! O Rossio!

- Sempre em frente, sempre a descer.


19.3.11

paint it black


Paint It Black - The Rolling Stones.




Lamentamos mas o dia vai longo e os nossos melhores sonhos já foram vendidos


(Foto de Porfírio Silva, algures na China)

Este post era para ser dedicado às forças políticas que estão agora à procura de uma maneira de nos explicar que afinal os portugueses podem aguentar mais sacrifícios. Tanto podem que há quem (essas mesmas forças políticas) esteja mesmo a esforçar-se para garantir que venham aí mais sacrifícios, deitando para o lixo o esforço que os portugueses já estavam a fazer. Este post era para ser dedicado a essas forças, mas não: este post vai, afinal, dedicado às vítimas dessa loucura.

não devias ter insistido para eu tirar o vestido


(Ponte de Lima, Setembro de 2006. Foto de Porfírio Silva)

há quem só goste de eleições tipo primavera marcelista


Henrique Monteiro, na última página do caderno principal da edição de hoje do Expresso, no seu estilo ultimamente habitual de escrever banalidades convenientes com tom de grande sabedoria. São "sete perguntas sobre a crise" e as esplendorosas respostas de HM.
Então, qual é a receita? «As eleições são o modo natural de em democracia ultrapassar impasses. São a melhor saída.» Sim senhor, uma opinião perfeitamente democrática: é em eleições que se fazem as grandes escolhas. Mas quais escolhas? Escolhas nenhumas, escreve HM: «Há alternativas ao PEC? Não há alternativa em termos gerais.» Mas, se não há alternativa política, servem para quê as eleições? Talvez para se escolher quem governa, será essa a ideia de HM? Não, nada disso, porque as eleições não podem ser ganhas por qualquer um, mas apenas por aqueles que HM aprove. Escreve ele: «E se Sócrates ganhar as eleições? Nesse caso, o país merece a crise que tem.»
Quer dizer: Henrique Monteiro acha necessárias eleições, desde que as eleições dêem a vitória a quem ele "escolhe" e com o programa que ele "escolhe". Este era o modelo das "eleições" da primavera marcelista: fazemos um voto mas condicionamos quem pode ser eleito (mais vale, então, condicionar logo quem se candidata) e quais os programas admissíveis. HM até acha inevitável o PEC proposto por Sócrates (logo, que ninguém se atreva a propor políticas alternativas), mas quer outro "estadista" para o aplicar. Falta a Henrique Monteiro o último passo para aplicar a sua receita ao país: ele deveria ser autorizado a escolher também os líderes e os programas das oposições, para a peça ser mais controlada.
O que é trágico é que um jornalista que até já foi director do Expresso escreva estas coisas com ar de quem dá lições de democracia ao país. Quando, afinal, raciocina no pressuposto de que a democracia só pode produzir a solução, programática e de equipa, que ele próprio preconiza. Tantos anos depois, os aspectos piores do raciocínio marcelista acerca da democracia. E parece difícil de explicar que estes simplismos coloridos são precisamente um dos ingredientes da nossa crise.

18.3.11

ilusões quotidianas | a percepção do movimento


Como é que nós, andando pela rua, sabemos que nos cruzamos com pessoas e não com robots? A questão parece-lhe tola? Então pense que, se nos cruzássemos com uma "coisa" parecida com uma pessoa, precisávamos de "pistas" para fazer a distinção. Não "abrimos" as pessoas para vermos se têm coração, estômago, pulmões. Nem, geralmente, as interrogamos para saber se têm ideias, sentimentos, memórias. Na verdade, em geral, pelo menos até um certo grau de aproximação, fiamo-nos nas aparências. Isso, no que parece ser o caso. E no hábito, no passado, num certo número de pressupostos.
Isso acontece com outras espécies animais. Como exemplifica este vídeo. Temos uma pomba a ver um vídeo. Nesse vídeo vê-se um pombo virtual a simular o comportamento de um pombo real a fazer a corte a uma pomba. A pomba, real, reage (responde) como se estivesse perante um pombo de carne e osso a fazer-lhe a corte. A percepção do movimento, fundamental nas espécies animais que têm de se desembaraçar em ambientes complexos e potencialmente ameaçadores, assenta no reconhecimento de certas pistas, que provavelmente se tornaram significativas por via evolutiva. É esse mecanismo que aqui é exemplificado.
Até que ponto poderemos nós, humanos, ser assim iludidos?



(republicação)

excerto do debate sobre o estado da nação esta manhã


Sócrates, pelo governo, e Assis, pela bancada do PS, no debate sobre o estado da nação esta manhã, em resposta a um discurso frouxo de Miguel Macedo:
(a) António Capucho, conselheiro de Estado pelo PSD, fez há pouco tempo as seguintes declarações: “o governo tem de levar uma rasteira e sair”. Como não veio o FMI, que o PSD anda há meses a convidar; como não veio o desastre na execução orçamental, que o PSD esperava como desculpa; veio a rasteira. Esta é a rasteira do PSD: provocar uma crise política. Mas, por quê agora? Passos Coelho abre uma crise no país para escapar a uma crise interna no PSD, onde já se afiavam as facas para o derrubar.
(b) O anterior governo PSD/CDS apresentou o PEC em Bruxelas – não as linhas gerais, não a proposta de partida, mas a sua versão final – sem o apresentar no parlamento português. Não têm agora esses partidos nenhuma moral para se queixarem de uma “mera” apresentação pública das linhas gerais, com todo o tempo para passar ao debate das medidas propriamente ditas - garantindo que o PEC apresentado em Bruxelas não será uma "surpresa" para o país.
(c) Na preparação, no ano passado, do orçamento para 2011, Passos Coelho, pelo PSD, recusou-se a negociar previamente: o PSD exigiu que o governo apresentasse primeiro as suas propostas e as divulgasse, só aceitando negociar depois. Agora, o governo apresentou publicamente as linhas gerais da sua proposta e quer negociar, segundo o procedimento exigido pelo PSD – mas, agora, o PSD exige o contrário do que exigiu o ano passado e, com essa desculpa, recusa-se a negociar. E não diz uma palavra sobre alternativas.
(d) A prova de que a posição de Passos Coelho é a “rasteira” pedida por Capucho, com o único fito de Passos Coelho se salvar do golpe que os seus “companheiros” lhe estão (estavam) a preparar, sacrificando o país à guerra de barões do PSD – a prova está na evolução do discurso do PSD durante a sexta-feira passada, dia de cimeira europeia. Desde manhã, com Sócrates em Bruxelas a negociar com os seus parceiros europeus, o secretário-geral do PSD foi dizendo durante o dia que o seu partido apoiava as medidas que fossem no sentido de controlar o défice. O presidente do mesmo partido acabou o dia a tirar o tapete à posição do governo português. Por quê: Passos Coelho viu a sua oportunidade da tal rasteira conveniente.
O debate continua.
O país também.

não pagamos?


Eu não sou situacionista: não confundo "o que está" com "o que tem de estar". Entendo perfeitamente aqueles que dizem que a austeridade imoderada, em vez de resolver os problemas económicos do país e da Europa, os agrava. Já não entendo aqueles que fazem de conta que Portugal tem as mãos livres para se comportar como entender. Pretender que o nosso país poderia, simplesmente, dizer "não pagamos", e que isso não teria consequências, é vender gato por lebre. Mas, e há sempre um mas, também pode não ser completamente avisado afastar liminarmente a possibilidade do "não pagamos", por exemplo numa fórmula mais suave do tipo "pagamos, mas não pagamos tudo já". Há, nesta matéria, muita gente em posições fechadas, em certezas absolutas que não se coadunam nada com o extraordinário da situação em que vivemos. Valeria a pena discutir isto melhor.
A sugestão de José Castro Caldas, um dos Ladrões de Bicicletas, merece reflexão:
É uma escolha difícil: continuamos a aceitar a austeridade punitiva que nos está a levar à recessão e à incapacidade de financiar o deficit e pagar a dívida a prazo, ou preparamos a reestruturação da dívida já?
Os Islandeses quando tiveram de decidir se pagavam as dívidas dos “seus” bancos falidos optaram por fazer um referendo e escolheram não pagar, pelo menos de imediato. Já os Irlandeses não escolheram nada porque ninguém lhes perguntou.
O que nós escolheríamos na eventualidade improvável desta experiência mental se tornar realidade não sei. Só uma coisa me parece segura como resultado: o susto que os credores que actualmente mandam no euro apanhariam só com o debate público do assunto e as alternativas sensatas que, nesta eventualidade, lhes iriam ocorrer.
Há várias questões, na sugestão de JCC, que me parece necessitarem de esclarecimento. Por exemplo:
(1) A Islândia foi fortemente ajudada, numa base bilateral, por "países amigos", quer com base na solidariedade nórdica, quer com base na rede de interesses financeiros que passavam pela grande ilha gelada: pergunto a JCC quais são os países que acha que poderiam fazer isso por nós, abrindo os cordões à bolsa como bons samaritanos. (Além de que, na Islândia, o problema estava muito centrado nos bancos, não sendo esse o nosso caso.)
(2) Nesta altura do campeonato, já não há uma pequeníssima Islândia para salvar, mas vários pequenos e não tão pequenos: acha JCC que seria ainda fácil encontrar, fora do plano multilateral (UE e FMI), dinheiro suficiente para tão variados e amplos apoios de boa vontade? ("Fora do plano multilateral", porque, nesse plano, já sabemos como são atrozes as condições para qualquer ajuda.)
(3) A reacção da Islândia foi de uma imensa mobilização política e social do povo para enfrentar as condições que criaram a crise e mudar institucionalmente o cenário: acha JCC que o estado de espírito dos portugueses está para aí virado?
Isto já, claro, para não fazer perguntas do género: se simplesmente dissermos "não pagamos", vamos viver como sem o dinheiro que nos tem sustentado? Se quisermos, mais moderadamente, reescalonar a dívida ("pagamos, mas com outros prazos"), o que estamos dispostos a fazer para que acreditem em nós - e para que consigamos cumprir a promessa, já agora? Para a mentalidade portuguesa actual, isso não seria simplesmente adiar o momento da verdade?
Noutro plano, outra pergunta. O texto de José Castro Caldas tem o título: E se fizéssemos um referendo? Um referendo faria sentido, talvez. Não obstante, se "por acaso" houver eleições proximamente, não é preciso referendo nenhum: basta, por exemplo, que o BE ou PCP se apresentem às eleições com essa alternativa. Isso dará ao povo português uma oportunidade de discutir essa alternativa, de eventualmente a escolher - e, se calhar, até pode dar um bom resultado eleitoral ao BE. E, vantagem não dispicienda, obrigará outros partidos a pensar alto sobre isso. Por que de facto a gravidade da situação obriga a ter todas as hipóteses em aberto. Não podemos é fazer de conta, como JCC parece fazer de conta, que não há riscos nenhuns em dizer aos mercados "habituem-se, que aqui a malta só paga se nos apetecer".

miguel de vasconcelos a ser entrevistado por mário crespo


Mário David, o fiel de armazém de Durão Barroso, está em directo com Mário Crespo a explicar que falou em inglês no Parlamento Europeu (onde os deputados costumam falar na língua do seu país) para que a imprensa internacional absorvesse melhor o acto de campanha contra a imagem de Portugal que ele lá se dispôs a proferir. Apenas para poderem os meus leitores aquilatar da enormidade das pérolas que o homem está a propalar, vejam esta: à diferença entre as previsões para o crescimento da nossa economia em 2011, consoante a fonte seja a Comissão Europeia ou o governo português, a essa diferença Mário David chama "buraco". "Buraco orçamental". Qual buraco, Miguel de Vasconcelos, qual buraco? A economia portuguesa cresceu 1,4% em 2010. Lembra-se, Miguel de Vasconcelos, qual era a previsão da Comissão Europeia? Parece que o buraco está na sua lata, Miguel Mário David de Vasconcelos...

não sei bem se isto é uma coisa simples que parece complicada ou, antes, uma coisa complicada que parece simples


Deve ser complicado ser Presidente da República. Não sei até que ponto irá a dureza da tarefa, porque nunca fui, nem conto vir a ser, tal coisa. Mas de certo seria pesado demais para as minhas pobres costas. Assim sendo, não devo ter a arrogância de pretender que faria melhor do que este ou aquele.
Contudo, não resisto a pensar que qualquer pessoa simples saberia que certas coisas um PR não faz. Por exemplo, acho que é meridianamente claro que um presidente de todos os portugueses não se deve misturar na luta partidária, não deve dizer coisas que toda a gente interpreta como apoio ou condenação genérica de certas forças políticas em presença. Penso isso, não por achar que um presidente deva ser um eunuco, que não deve, mas por me parecer que um presidente deve ver além dos diferentes interesses dos actores político-partidários e sociais - e deve usar essa visão para captar, melhor do que os demais poderes, como potenciar o que é comum. Sublinhar as linhas de convergência.
E, levando um pouco mais longe o meu atrevimento, também digo que, em certas circunstâncias, um presidente tem a obrigação de não se encolher e deve impor o que entende serem condições institucionais mínimas para o país enfrentar os seus desafios mais prementes. Por exemplo, face ao actual estado do país e ao olhares que os lobos e as ovelhas deste mundo lançam para nós neste momento, eu acharia normal que o presidente dissesse aos partidos portugueses:
meninas e meninos, está visto que um governo minoritário não tem condições para criar confiança nos mercados e nos parceiros europeus, portanto arranjem um governo maioritário. E depressinha que se faz tarde.
Poderia eu, até, pessoalmente, não gostar da solução que daí saísse; provavelmente eu preferiria outra maioria que não aquela que acabaria por se formar. Certamente que eu continuaria a achar, como já acho, que esta incapacidade portuguesa para o compromisso e para a negociação é uma tara do subdesenvolvimento da democracia portuguesa. Quer dizer, eu até poderia detestar o significado profundo de tal gesto do presidente. Mas, pelo menos, teria de pensar: tem tomates este PR. Vai directo ao nó górdio, sem conceder especial protecção nem aos seus amigos nem aos seus críticos. É capaz de atacar um bloqueio institucional sem cair nas maluqueiras dos governos de iniciativa presidencial à la Eanes do século passado. E, acabado de ser reeleito, deve ter força para obrigar a uma solução dessas, sem as tentações caudillistas que deixaram de se usar com a "normalização" da democracia.

Estou a ver a coisa simples demais? Ou complicado é ter em Belém um presidente que pensa demasiado em proteger os seus amigos políticos e no protagonismo alargado que pode alcançar se o país entrar em erupção?

desta vez um enigma que não interessa nada ao futuro da nação


Seja que a combinação e disposição de letras que vemos abaixo representam uma adição. Sabendo que cada letra diferente representa um algarismo diferente entre 0 e 9, que cada letra representa sempre o mesmo algarismo e que D = 5, qual é a atribuição de algarismos a letras que faz com que o resultado seja uma adição correcta?

    D  O  N  A  L  D
+  G  E   R  A  L  D
    -------------------
    R O   B   E  R  T

o que o PSD teme


Execução orçamental: Governo atinge superavit histórico de 836 milhões de euros até Fevereiro.

Se os sacrifícios que os portugueses estão a fazer não servirem para nada, será trágico. Se os sacrifícios que os portugueses estão a fazer forem consumidos por uma crise política evitável, ou mesmo artificial, será uma insanidade colectiva. Passos Coelho fez de conta que não sabia que Portugal teria de apresentar um PEC agora. É uma "ignorância" significativa. E Passos Coelho efabula com a má execução orçamental. É um "tiro ao lado" que arrisca partir-lhe a louça toda na São Caetano à Lapa. E é por estas desculpas esfarrapadas que PPC quer desperdiçar os sacrifícios dos portugueses?

Afinal, o PSD de Passos Coelho teme que as coisas corram mal a Portugal - ou o que o PSD teme mesmo é que as coisas corram bem a Portugal?

***

Acrescento (com uma dedicatória especial para quem venha a pedido de Miguel Noronha): peçam ao Miguel Noronha que faça um quadro, para os últimos anos, a comparar, por um lado, as previsões das instituições internacionais (incluindo europeias) acerca do desempenho da economia portuguesa com, por outro lado, os resultados da execução. Pode ser que, assim, com esse exercício, ele se aperceba da importância de Portugal responder mesmo às previsões mais pessimistas, com um plano que cubra mesmo as previsões daqueles que se "enganam" sempre contra Portugal. Talvez, de caminho, Miguel Noronha meta qualquer coisa na cabeça sobre a importância das expectativas em economia. (A resposta tem de ser aqui, porque o polemista do cachimbo não deixa que lhe respondam no mesmo sítio onde coloca a pergunta. Sabe-se lá por quê.)

16.3.11

prognósticos só depois do jogo


Para a semana o Parlamento vai discutir as linhas gerais para o PEC de 2012, proposto pelo governo, que será o enquadramento para o orçamento de Estado de 2012. Esse procedimento correrá, mais dia menos dia, em todos os Estados Membros da UE, porque esse é um exercício comum, dentro do chamado "semestre europeu".
Se aquilo que Sócrates tem dito é correcto, essa proposta do governo não terá uma palavra sobre 2011 - já que todo o esforço suplementar para este ano estará dentro dos limites do que foi aprovado com o orçamento para 2011.
Nesse caso, a oposição pode votar contra a proposta e assumir uma de duas coisas: ou está contra o objectivo de baixar o défice para 3% em 2012; ou está a favor mas quer uma via alternativa - alternativa mesmo, no sentido forte, porque não estarão em discussão medidas concretas, mas a orientação geral. Nesse caso, o PCP talvez proponha que não se pague a dívida, ou que se peça emprestado à Bielorrússia, como alternativa à União Europeia. Quanto ao PSD, não estou a ver muito bem o que proporão como alternativa.
Ainda nesse caso, não haverá uma única linha na proposta do governo que dê desculpas à oposição para dizer que o executivo está a ir mais além, em matéria de sacrifícios para este ano, do que foi aprovado no anterior orçamento, para o ano corrente, com o acordo do PSD.
Confesso que estou com curiosidade para ver como, nestas condições, o passismo explica ao país a abertura de uma crise que só pode piorar a situação dos portugueses.

de quem é o truque?


Há sempre uma explicação qualquer para circunstâncias em que um "grande empresário" se comporta em público como um carroceiro. Às vezes é apetite pelo poder. Outras vezes é para disfarçar, para evitar que as pessoas olhem para o seus métodos. Outros vezes nem chegamos bem a perceber. Neste caso, de quem será "o truque"?

Tribunal dá razão ao fisco e considera que o grupo Jerónimo Martins tentou fugir ao IRC.
"Pormenores", citando ainda o Público:
«A sociedade Recheio SGPS, que integra o universo empresarial do grupo Jerónimo Martins (JM) - proprietário da cadeia de supermercados Pingo Doce - perdeu a primeira batalha para impedir a cobrança de 20,88 milhões de IRC. (...)
O Tribunal Central Administrativo Sul considerou que um conjunto de empréstimos realizados entre empresas do grupo tiveram um único fito - transformar juros tributáveis em 65 milhões de euros de dividendos isentos de imposto, contribuindo para 113,3 milhões de prejuízos fiscais.(...)
Alexandre Soares dos Santos, que controla a JM, é o segundo homem mais rico de Portugal (1,7 mil milhões de euros, segundo a revista Forbes). Tem assumido posições públicas em favor da ética política e empresarial.»

forma e conteúdo na crise in(s)talada


A entrevista que o PM José Sócrates deu ao país ontem à noite foi muito clara: a cara de espanto que o PSD faz por serem precisas medidas adicionais para baixar mais o défice para 2012 e 2013 é uma máscara de teatro; as medidas que o governo anunciou ainda para 2011 não afectam directamente o "bolso" dos portugueses, já que consistem basicamente em rigor acrescido, do lado do Estado, no que já estava no orçamento aprovado pelo parlamento. O ponto está em que Passos Coelho fez as contas e concluiu que, se não precipita eleições, será apeado da presidência do PSD pelos seus companheiros - e ele não andou a investir tanto tempo nesta empresa para estender o tapete a Rui Rio e ao cavaquismo. Basicamente, o que conta para PPC é, agora, a sua própria sobrevivência política.
Quanto ao resto, que é o país e as pessoas que tem dentro, vamos lá ver se nos entendemos: a receita económica que está a ser aplicada é errada. A austeridade excessiva prejudica o funcionamento da economia e algumas das medidas previstas não favorecem nada o necessário crescimento da economia. Quer dizer: os sacrifícios até podem ser necessários, mas a dose é anti-económica.
Dito isto, o que fazemos, como nação? Dizemos aos mercados que eles são doidos e prescindimos dos empréstimos, vivendo com o que temos? Declaramos falência e deixamos de pagar o que devemos, com a consequência de que por uma boa meia dúzia de anos ninguém nos dá um tostão? Se alguém defende isso, que o diga claramente ao país.
A outra alternativa é sermos protegidos da voracidade dos mercados por algum mecanismo europeu, sem FMI. É o que começou a ser conseguido na semana passada, com a ajuda da corajosa intervenção de Sócrates junto dos seus pares: ninguém vem dar-nos a receita da governação, o BCE intervém para travar a voracidade dos especuladores quando nós vamos ao mercado pedir dinheiro, Portugal não sai do mercado nem entra em falência. A contrapartida é que a Europa, com a Alemanha à cabeça, exige "sinais" que relevam mais da sua ideologia política do que da racionalidade económica (como a ideia de embaratecer os despedimentos). Isso é mau, pois é. Mas qual é a alternativa? Podemos dizer que não fazemos nada disso - e eles dizem que então não há mecanismo de ajuda para ninguém, ou que só há para quem aceitar as condições. Mais uma vez, se alguém quer sugerir que Portugal se desenrasque só com o que produz, prescindindo dos empréstimos dos outros e do dinheiro dos parceiros europeus - se alguém quer sugerir isso, que o faça abertamente. Não façam é de conta que podem comer o bolo e continuar a ter o mesmo bolo para exibir na montra.
Sócrates deu ontem explicações claras. Devia ter dado essas explicações claras ao país antes de ir para a reunião europeia da semana passada. Aquilo que foi anunciado na semana passada foi uma trapalhada. Mesmo para quem conhece bem os mecanismos e percebia que estava a ser antecipado o anúncio de algo que de qualquer modo tinha de ser apresentado até Abril, e sabia que o anúncio dizia em parte respeito aos próximos anos e não a 2011, mesmo esses não ficaram com os dados suficientes para distinguir as várias questões anunciadas. E, com essa falta de clareza no anúncio, mais uma certa falta de preparação institucional do "pacote", o governo deu o flanco à fome que Passos Coelho tem de se antecipar ao assassinato que os seus pares lhe preparam (ou preparavam).
Nessa matéria, Sócrates esteve particularmente mal quando afirmou que lhe interessa a substância, enquanto outros se entretêm com a forma. Inaceitável. A protecção da democracia está na forma. Não vamos voltar à história da "democracia formal", que era conversa "revolucionária" contra a democracia que realmente existe, em contraponto com a "democracia substancial", que ninguém sabe o que é. Percebe-se que o filme não está fácil e a ginástica que se exige aos governantes é muita: mas há pontos em que é preciso compreender quanto conteúdo vai na forma. Em democracia, a forma é uma garantia. Ferir a forma não deixa intocado o conteúdo.
De qualquer modo, caminhamos provavelmente para uma clarificação. O que é bom. Pode ser que os responsáveis políticos ainda arranjem forma de o país não pagar com língua de palmo essa clarificação. Valerá alguma coisa, ainda, a ideia de responsabilidade partilhada?

(O Tiago Tibúrcio, tal como outros que já comentaram este texto, discorda de um aspecto deste apontamento. Talvez tenham razão. O Tiago expõe essa crítica aqui.)

(título "corrigido", pela inserção de um "s" entre parêntesis... por me ter apercebido que a brincadeira não estava a ser, digamos, compreendida como tal...)

15.3.11

"ir ao pote"


Em entrevista a Judite de Sousa (17-02-11), querendo sublinhar que o PSD não tem pressa de chegar ao governo, Pedro Passos Coelho disse: "O PSD não está cheio de vontade de ir ao pote". Tal declaração, a denunciar uma estranha mentalidade acerca do que é o poder em democracia, tem sido muito glosada - naturalmente. (Pode ver e ouvir aqui, por volta do minuto 12.)
Agora, tentando virar o bico ao prego, vem este blogueiro dizer que é "a socrática malta do costume" que quer ir ao pote. Afonso Azevedo Neves acha que esses tais socráticos assim "revelam mais sobre o que pensam sobre o Estado e o país do que deveriam". Identificada a fonte da expressão "ir ao pote", Afonso Azevedo Neves haverá de dizer agora que isso "revela mais sobre o que Passos Coelho pensa sobre o Estado e o país do que deveria". Se não o fizer, confessa ipso facto uma lamentável desonestidade intelectual.

escrever palavras como os ouriços viajam


Para que precisamos de Misericórdia se queremos ver os "Livros Vivos" de Alexandra Mesquita? Porque está na Babel, livraria, nessa rua que sobe para o Camões.

(Só hoje, 17/03/2011, alguém me chamou a atenção para o facto de a Rua da Misericórdia não subir para o Camões, mas subir "do" Camões.)

Japão, em pleno presente


Ler "À vossa compreensão", no The Last Nan Ban Jin, "Aventuras e desventuras de um português no Japão, em pleno Século XXI". E, mais do que isso, em pleno agora.

coisas que me fazem confusão

M. Guarnido, L’Histoire des aquarelles (tome 2), pormenor de prancha sem falas


Faz-me confusão que se veja a realidade a preto e branco, só.
Faz-me confusão que haja quem pense que resolve os problemas do país removendo "a classe política" - e faz-me confusão que a "classe política" (com extensões na blogosfera) não perceba que se proteste contra a classe política.
Faz-me confusão que, tão revolucionários que nós fomos que até gostámos do Maio de '68, agora falemos com desprezo dos tipos que vão a manifestações só por estarem contra e sem terem um programa alternativo - e faz-me confusão que haja tipos a ir a manifestações contra tudo e mais alguma coisa e que no dia seguinte continuam a pensar que mudar a vida e o mundo é coisa simples e se faz indo de casa para a escola e da escola para o bar e do bar para casa e depois outra vez tudo na mesma.
Faz-me confusão que se diga com desprezo que "isto" é tudo invenção das redes sociais, tipos com computador e outras mordomias - e faz-me confusão que haja uma página no facebook para "derrubar o governo com um milhão no facebook", em vez de, com um milhão, fazerem o tal partido novo, ganharem as eleições e levarem Portugal, finalmente, para os amanhãs que cantam.
Faz-me confusão quem critica a forte presença do Estado em todo o lado, mas também critica que o Estado "corte" isto e aquilo, como se quisesse que o Estado fosse embora mas deixasse a máquina de imprimir notas verdadeiras - e faz-me confusão quem critica a precariedade e ao mesmo tempo despreza os sindicatos e as forças políticas que se opõem à desregulação selvagem do mercado de trabalho.
Faz-me confusão que alguém critique um licenciado por querer ganhar mais do que mil euros, ou por estar chateado por viver a recibos verdes - e faz-me confusão por haver tantos licenciados chateados por ganharem mil euros que não estão nada chateados por haver tantos pais e mães de família que ganham o ordenado mínimo que é menos de metade disso, e faz-me confusão nunca ter visto esses licenciados nas manifestações pelo aumento do ordenado mínimo.
Faz-me confusão que não se constate o mal estar social, que transparece nas manifestações da geração à rasca, tratando-o depreciativamente como coisa de meninos instalados, como se fosse preferível ter os camionistas a descer a avenida - e faz-me confusão que o partido do proletariado engrosse a voz com manifestações pequeno-burguesas, para os seus critérios.
Faz-me confusão que a direita se excite com as mesmas manifestações que excitam a esquerda - e faz-me confusão que os mesmos partidos que têm de se evitar cuidadosamente no parlamento para não calhar votarem a mesma moção de censura, sejam capazes de se encontrar na rua sob o mesmo protesto.
Faz-me confusão que não se resolva tudo isto com uma grande festa. Nessa festa, haveria dois grandes sectores: o sector dos que acreditam que a festa resolve tudo, o sector dos que não acreditam em nada disso. A questão está em saber qual de dois resultados seria melhor para o futuro das gentes: que no fim da festa a divisão entre sectores permanecesse igual; ou que no fim da festa estivesse tudo baralhado. Essa é a grande questão do actual momento político. Digo eu, que de vez em quando escolho uma questão e digo "esta é a questão". O que também deveria fazer-me uma certa confusão.

aspectos do Japão, antes e depois do terremoto e do maremoto

Imagens impressionantes. (Clicar para ampliar.)

 

Ishinomaki, antes e depois



Natori, antes e depois

 


Sendai, antes e depois



Yuriage, antes e depois




Aeroporto de Sendai, antes e depois



Mais comparações aqui.

E, depois de tudo isto, vem o nuclear, que os seus próceres juram ser seguro, muito seguro ... É que só aprendem à custa da desgraça: e são precisas desgraças de grande magnitude para verem?