27.11.18

O ataque rancoroso de Louçã.



Segundo o Expresso Diário, parece que Francisco Louçã acusa o governo de um "ataque rancoroso aos professores".
Regressou, pois, em todo o seu esplendor, o estratega da ideia de que a missão histórica do BE é destruir o PS - por isso se justificando, a seus olhos, qualquer calibre de ataque.
Pelos vistos, continua a haver quem tenha da Esquerda Plural a ideia de um "saco de gatos" onde "vale tudo, incluindo arrancar olhos". Infelizmente, e isso, sim, é verdadeiramente lamentável, recorrendo mesmo à deslealdade.

Deslealdade, por que lhe chamo assim? Explico.

Este governo, apoiado pelo PS, tem feito muito pela valorização dos professores e da sua carreira. (Francisco Louçã pode pedir a informação aos deputados do BE na Comissão de Educação, que conhecem bem a matéria). O facto de termos uma discordância importante na questão da recomposição da carreira dos professores é isso mesmo: uma discordância importante - mas não permite esquecer tudo o resto.
É uma discordância importante porque importa a muitos profissionais, que são indispensáveis ao investimento que queremos fazer na escola pública. Porque sem os professores a educação não teria feito em Portugal os progressos que os estudos internacionais reconhecem. Porque os professores merecem mais, sem dúvida. Como muitos outros trabalhadores merecem mais. A discordância está em que nós achamos que não temos condições para, de momento, ir mais longe. Porque prezamos a sustentabilidade das finanças públicas e não queremos correr o risco de deitar a perder tudo o que temos conquistado em apenas três anos. E tudo o que foi conquistado foi-o com grande esforço, com os austeritários sempre à espreita.

A discordância é essa: no PS queremos ser cautelosos, não dizemos que os limites ao défice e à dívida são "imposições de Bruxelas" - porque menos défice e menos dívida parecem-nos garantias de maior independência nacional. Queremos ser prudentes, porque queremos garantir que Portugal não volta a ser o alvo dos ataques dos que detestam a política progressista deste governo. E, contudo, temos feito muito pela carreira dos professores. Vinculámos 7.000 professores contratados em apenas 2 anos, um golpe sem precedentes contra a precariedade docente, acompanhada da melhoria da norma-travão, que é um dispositivo de ataque permanente à precariedade. E fizemos muitos acertos com efeito positivo na condição docente, por exemplo mexendo nos grupos de recrutamento.

Temos, portanto, uma discordância importante. Mas, como faz Louçã, lavrar nessa discordância para acusar o governo de "ataque rancoroso aos professores" - é, simplesmente, uma deslealdade. Se os outros partidos de esquerda tivessem, como o PS, apelado a que os sindicatos não deixassem morrer as negociações, dessem um sinal de aproximação ao governo, talvez se tivesse conseguido mais. Nós insistimos sempre na via negocial; outros, pelo contrário, convenceram os sindicatos de que podiam forçar a mão ao governo e obter tudo o que queriam, nas suas próprias condições, sem negociarem nada. Sem se moverem um milímetro. Essas forças tentam instrumentalizar os professores para fins puramente políticos. Precisamente os fins políticos que Francisco Louçã prossegue quando acusa o governo de um "ataque rancoroso aos professores". Vejo nisso outra coisa: um ataque rancoroso de Francisco Louçã aos socialistas. Pelos vistos há quem, desse lado, queira dar força aos que, no PS, sempre foram contra esta Esquerda Plural, pela qual não desisto de lutar.

Porfírio Silva, 27 de Novembro de 2018
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11.11.18

Os dias da Esquerda Plural.


Parece-me perfeitamente legítimo que o BE queira crescer, queira diferenciar-se programaticamente, queira ir para o governo. E que faça tudo isso em preparação das próximas eleições.
O que já não me parece normal é que o BE esqueça que passou estes anos de maioria da esquerda plural a tentar arrecadar para si tudo o que de bom foi feito por este governo e este parlamento, e ao mesmo tempo a tentar assacar ao PS tudo aquilo que falta fazer ou que não era tão bom como os nossos desejos.
A Esquerda Plural só é possível se formos capazes de preservar as nossas diferenças e, ao mesmo tempo, ir encontrando caminhos comuns para fazer avançar o país e a vida concreta das pessoas. Para isso não cabe a pretensão de alguns a serem "a verdadeira esquerda" e todos os outros serem pura ilusão e engano. O BE sempre tratou o PS com essa arrogância - a mesma arrogância que, é certo, também existe aqui e ali no PS.
Devemos estar disponíveis para o debate - e a luta - política no seio da Esquerda Plural, porque só daí pode vir a força real. Da discussão nasce a luz, como diz o povo. Mas é inaceitável a ideia de que tudo o que foi possível nestes anos foi conseguido contra o PS - como pretendem certos discursos na Convenção do BE.
Como socialista, estou disposto ao debate. Sempre estive, como defensor que sou desta solução há décadas. Mas esse debate implica aprender alguma coisa com a realidade. Por exemplo, quando o BE continua a criticar o governo do PS por conciliar os compromissos europeus com os compromissos internos, devemos perguntar-nos se os portugueses teriam ganho mais com o estilo confrontacional do Syriza de Varoufakis ou se foi preferível ser duro quando foi necessário (assim travámos as sanções de Bruxelas) e construtor quando possível. Julgo que os portugueses têm uma resposta clara a essa questão.
Em suma: respeito a diversidade da Esquerda Plural (que é a minha esquerda), respeito a diferença dos outros partidos da maioria - mas não creio que sirva essa Esquerda Plural que se faça do PS o grande adversário.


Porfírio Silva, 11 de Novembro de 2018
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5.11.18

Coisas que valem "zero".



Foi pela mão de J. Nascimento Rodrigues que cheguei a este perfil de Paulo Guedes, que deverá ser o futuro superministro de Bolsonaro para uma série de áreas do domínio económico e financeiro. E também foi pela pena desse distinto jornalista que fui alertado para a seguinte informação, constante da peça: Guedes serviu o Chile de Pinochet na universidade, visivelmente despreocupado com o facto de a universidade ser dirigida por um general e, ao mesmo tempo, despreocupado com a sangrenta ditadura que aquele generalato impunha ao seu país. E Guedes “explica-se” assim: “Eu sabia zero do regime político. Eu sabia que tinha uma ditadura, mas para mim isso era irrelevante do ponto de vista intelectual.”

Os “intelectuais” que tomam como irrelevante o mundo concreto em que vivem, que tomam como irrelevantes as condições concretas das pessoas e das sociedades que, teoricamente, são objecto dos seus estudos (os economistas não são teólogos, pois não?), são perigosos para as nossas vidas pessoais e para as nossas comunidades. Em termos epistemológicos, isto já foi muito discutido: o desprezo pelo realismo, típico dos seguidores de Milton Friedman, transforma-se facilmente num desprezo pelas pessoas reais. Mas, em geral, os membros desta escola evitam dizer as coisas tão cruamente como Guedes o faz, mesmo estando já com os dois pés na política activa. Para ele, a ditadura não constava dos seus modelos económicos e, portanto, ela era irrelevante para as suas contas. Quer dizer: apesar de ele dizer que sabia “zero” do regime político, a ditadura valia, na sua equação, menos que zero. E as suas vítimas, o mesmo.

Há, contudo, nesta história, mais pontos a considerar, que encontramos continuando a ler o perfil. Primeiro, quase meramente anedótico, Guedes deixou o Chile de Pinochet “quando encontrou agentes da polícia secreta vasculhando o apartamento onde morava”. Caramba, afinal a realidade pode entrar pela porta dentro mesmo de um intelectual distraído!

Há mais, contudo. De volta ao Brasil, parece que nem todos os recantos universitários acolheram de braços abertos o “rapaz de Chicago” que se sentia bem no Chile de Pinochet até o Chile de Pinochet lhe entrar em casa. Guedes queixa-se: “Percebi que havia uma mancha terrível sobre mim. Aí eu comecei a ver que a política é uma ferramenta suja nas mãos dos menos aptos.” Ah, como são limpas as mãos destes “intelectuais” que sabem “zero” das ditaduras que servem – ou, mais geralmente, como são limpas as mãos destes intelectuais cujos modelos teóricos não se incomodam com a realidade. Sujas são as mãos dos outros, sujas são as mãos dos que não gostam dos que servem ditadores e ditaduras – pregam eles.

Importa sublinhar isto: a prática de não se importar com as mais ferozes ditaduras tem figuras concretas relevantes. Um exemplo bem definido é Margaret Thatcher, amiga e apoiante de Pinochet – primeira-ministra britânica que é, por sua vez, muito admirada por muitos dos radicais de direita que pululam entre nós. Sabemos, se dermos atenção aos exemplos, que esse vírus anti-democrático toma, por vezes, a forma de uma violenta hipocrisia: anti-democráticos são os outros, para quem essas coisas contam.

Cuidem-se. Quero dizer: cuidemo-nos.



Porfírio Silva, 5 de Novembro de 2018
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27.10.18

O nosso momento brasileiro.




Por uma questão de registo, deixo aqui pequenos apontamentos que publiquei alhures a propósito da iminência da segunda volta das presidenciais no Brasil de 2018.

***

- 1 -
BREVE REFLEXÃO SOBRE O NOSSO MOMENTO BRASILEIRO


As pessoas medem-se pelas suas atitudes em momentos críticos. Os políticos também. A possibilidade de Bolsonaro se tornar presidente de Brasil é um desses momentos reveladores. Tem revelado a irresponsabilidade e a falta de sentido democrático de alguns políticos (mesmo quando se apresentam como comentadores). Aqueles que, dizendo-se de esquerda, recusavam votar em Macron para travar Le Pen, mostraram a sua falta de apego à democracia. Aqueles que, dizendo-se liberais ou conservadores, recusam o seu voto a Haddad para travar Bolsonaro, mostram o mesmo com outra conversa.

O que está em causa é a diabolização do PT, instilada, à custa de muita propaganda, por aqueles que se opõem às escolhas políticas do PT. As políticas que fizeram com que Lula tivesse mais de 70% de aprovação no fim dos seus mandatos, as políticas que tiraram dezenas de milhões de brasileiros da pobreza, essas são as políticas que certos sectores não perdoam ao PT.

É por serem contra a corrupção? Não brinquem connosco: a destituição da impoluta Dilma foi um verdadeiro golpe de Estado e não foi, certamente, por causa da corrupção. Ou, melhor, foi corrupção: corrupção da democracia, porque consistiu em roubar por vias ínvias o que o povo tinha decidida nas urnas. Pior: a destituição de Dilma fez parte de uma manobra para salvar o grande esquema da corrupção (apesar de alguns dos protagonistas do golpe já estarem presos entretanto). Aqueles que acreditam que os corruptos são contra o PT por causa da corrupção deviam explicar melhor qual a lógica do seu argumento.

Não brinquem connosco: Haddad não é suspeito de corrupção. Há corruptos no PT? Deve haver. Mas corruptos são os que corrompem ou se deixam corromper, são pessoas concretas, não são todos os militantes de um partido ou o próprio partido. A menos que o partido, como organização, organize e beneficie da corrupção. Em Espanha, a justiça acha que no Partido Popular havia um esquema de corrupção instalado na própria máquina do partido: não vejo nenhum dos excitados contra o PT a quererem banir o PP da política espanhola. Rodrigo Rato, ex-vice de Aznar e ex-director do FMI, acabou de entrar na prisão, depois de todos os recursos, por corrupção. Não vejo nenhum dos escandalizados com o PT a quererem dar o mesmo tratamento ao PP. Trata-se de pura hipocrisia. O coro dos grandes corruptos conseguiu arregimentar uma orquestra de virtudes para esconder o seu verdadeiro papel e projecto para o Brasil.

Tudo isto deve fazer-nos pensar sobre as direitas portuguesas. A direita herdeira do salazar-marcelismo tem, hoje, pouco peso na sociedade portuguesa. Os verdadeiros fascistas, que andam por aí, são um bando marginal, embora perigosos e violento. Ficamos, por isso, descansados? Não. A democracia-cristã praticamente desapareceu do CDS, agora dominado por uma liderança populista, inclinada para as receitas que vendem no mercado da facilidade. Isso é perigoso, como se viu agora com a indiferença de Cristas face à opção brasileira. E os liberais extremos, órfãos do passismo, bolsonarizaram-se instantaneamente, o que mostra a (fraca) densidade do seu compromisso com a democracia. Isto mostra que convém continuarmos atentos. Uma direita democrática faz falta à democracia - por essa razão devemos estar atentos quando o impulso democrático fraqueja em certos sectores da nossa direita.

A quantidade de argumentinhos contra o PT e contra Haddad é impressionante. Um dia destes alguém me dizia: 17 anos de PT no poder é inaceitável. Só perguntei: há quantos anos é Angela Merkel chancelerina da Alemanha? Estás preocupado com a democracia alemã?! Vale a pena pensar nisto: por que é que o espaço público foi tomado pelos radicais e pela mentira - mesmo quando na forma do pequeno argumentinho maroto? Como resistimos a isso? O que é preciso mudar na democracia para vencermos na raiz estes inimigos universais?


- 2 -
LINGUAGEM

Uma parte da trumpização (ou bolsonarização) da política passa pela banalização dos excessos de linguagem.

Os humanos são uma espécie animal onde a linguagem é parte essencial do seu ecossistema - pela linguagem concretiza-se tanto como se consegue concretizar com meios mais evidentemente materiais. Como a civilização dos humanos é uma civilização de instituições, e como a palavra é a seiva das instituições, pela palavra consegue-se construir - e, muito mais facilmente, destruir - elementos essenciais da nossa vida civilizada.

Essa é a razão pela qual nunca apoiei o uso de certas expressões na linguagem política.

Um exemplo simples: chamar "roubo" a algo que é injusto (por exemplo, um corte de pensões).

Porque é que se considera mais forte o qualificativo "roubo" do que o qualificativo "injusto"? Se fossemos suficientemente civilizados, praticar uma injustiça devia ser encarado como mais grave, mais criticável, mais chocante, do que um roubo. Porque a injustiça é mais funda, é mais estrutural, é mais definidora, do que um roubo. Um roubo até pode acontecer por necessidade. Pode perfeitamente ser um acto ocasional, sem exemplo. No limite, um roubo até pode ser justo. Mas uma injustiça é uma violência estrutural. Então, porque é que, na linguagem política, há quem use "roubou" em vez de "injustiça", pretendendo que assim está a ser mais afirmativo?

Pela linguagem morre o peixe. Os fascistas sempre souberam isto. A extrema-direita de hoje continua a saber isso. E nós devìamos saber ir por outro caminho. Um caminho onde se aprofundassem as possibilidades de todos os cidadãos falarem dentro das instituições, para que se dê à palavra a importância que ela tem. Que ela tem de ter numa vida democrática.


- 3 -
INSTITUIÇÕES

As instituições americanas são muito mais fortes do que as instituições brasileiras. Por isso, o mal que Trump pode fazer aos EUA é, comparativamente, menor do que um Trump brasileiro pode fazer ao Brasil. Essa é uma das razões para eu achar insane que exista quem, neste transe, continue a criticar Trump e, ao mesmo tempo, a defender que entre Bolsonaro e Haddad tanto faz. É mesmo a atitude de quem pratica o "deixa ver se dose dupla de veneno funciona melhor do que dose singela". Gaita, leiam uns livrinhos de história do século XX, para começar...


Porfírio Silva, 27 de Outubro de 2018
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10.10.18

A propósito das eleições em S. Tomé e Príncipe


No passado Domingo tiveram lugar eleições várias (entre as quais, legislativas) em S. Tomé e Príncipe.

Os resultados das Legislativas deixaram muitíssimo próximos, em votos, os principais blocos políticos. Segundo os resultados provisórios anunciados pela Comissão Eleitoral Nacional, o partido governamental (ADI) ficou em primeiro lugar em número de deputados, mas perdeu a maioria absoluta - sendo que, com o seu aliado dos Cidadãos Independentes, não terá apoio maioritário no parlamento. O maior partido da oposição, o MLSTP, com o anunciado acordo com a chamada Coligação, estaria em condições de governar em estilo "geringonça" (como lá se diz).

Entretanto, a diferença em número de votos entre os dois blocos é inferior ao número de votos reclamados e nulos. A pressão está, pois, nos mecanismos institucionais que farão o apuramento, a nível distrital e nacional. O que se reaprecia? O que se reconta? Que critérios se aplicarão para decidir todos os casos de modo uniforme, para se ser justo?

A situação está explosiva (como documenta a imagem que publico, da tarde da passada segunda-feira), as diferentes leituras da legislação confrontam-se, a tradição e a lei nem sempre apontam no mesmo caminho.

Esperamos que a democracia são tomense seja capaz de se reforçar neste processo. Mas uma coisa é certa: em cada momento destes ficamos a compreender melhor que a democracia não é só o voto. Os observadores internacionais ficaram convencidos de que se votou em liberdade e que as mesas de voto produziram resultados conformes ao que o povo lá colocou. Mas é preciso mais. A democracia requer instituições que congreguem a confiança dos cidadãos, especialmente em processos complexos cujos pormenores são difíceis de entender. Reconsiderar um voto reclamado pode ser interpretado como "roubar um voto", se não houver confiança na imparcialidade do órgão que tem de fazer esse exercício.

Olhamos para qualquer processo democrático como uma oportunidade para reflectir sobre a nossa própria democracia.

(Estive em S. Tomé a participar na Missão de Observação Eleitoral da CPLP, integrando a Missão como membro da Assembleia Parlamentar da CPLP, onde sou um dos representantes da Assembleia da República de Portugal. Nesses termos, e porque o nosso trabalho ainda não concluiu, não faço qualquer comentário "partidário" sobre o processo. Limito-me a comentários que um observador internacional pode fazer sem prejudicar a imparcialidade requerida na sua tarefa.)

Porfírio Silva, 10 de Outubro de 2018

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A Europa é connosco




(Para registo, fica aqui meu o artigo que o jornal "Público" publicou no passado dia 6 de Outubro, o qual pode ser encontrado no sítio original clicando aqui.)


Os europeus enfrentam hoje desafios tremendos. Na União Europeia, a organização que criámos para esta região, a promessa de prosperidade partilhada foi seriamente danificada pelas políticas dos últimos anos. A própria democracia está em causa: não temos tido forças suficientes para travar as políticas de governos protofascistas, que desrespeitam os fundamentos do Estado de direito. A intolerância tornou-se uma força política tremenda, usando o medo como arma de fechamento ao outro e de afronta aos direitos humanos. O drama dos refugiados simboliza, ética e politicamente, os pés de barro da nossa construção. E este caminho tem o potencial para ameaçar a própria paz.

Assim, as eleições do próximo ano para o Parlamento Europeu (PE) exigem que assumamos as nossas responsabilidades. E isso passa por duas opções, diferentes mas articuladas: a democracia primeiro; e construir uma resposta de esquerda ao desafio europeu.

“A democracia primeiro” aponta para um pacto democrático, que inclua todas aquelas forças, da esquerda ou da direita, que não transigem com a extrema-direita, para constituir uma garantia suficiente de que a próxima formação do PE não será, com o álibi da governabilidade, ocasião para qualquer branqueamento das forças extremistas. Quando, no PS, nos definimos pelo socialismo democrático, o que queremos dizer é que não há socialismo sem democracia e que, portanto, primeiro está a democracia, antes de qualquer outra escolha. Igualmente, para o europeísmo democrático um inimigo da democracia é um inimigo da UE – e um pacto democrático pela UE devia, contra a tibieza cúmplice, definir e proteger esse compromisso fundamental.

Se um pacto democrático protege a liberdade das escolhas políticas, essas só podem efetivar-se havendo propostas claras e diferenciadas. O secretário-geral do PS tem repetido que as soluções tipo bloco central empobrecem a democracia, porque diminuem as escolhas políticas disponíveis. Isso é válido também para as europeias: os socialistas devem apresentar uma proposta política claramente distintiva. Só assim evitaremos atolarmo-nos num “centrismo europeísta”, onde faríamos figura de complacentes com as consequências das políticas de austeridade que foram a resposta errada, da direita, à Grande Recessão.

Uma proposta socialista para a UE terá de responder a factos duros no plano social: quase um quarto da população da UE está em risco de pobreza ou exclusão social; o fosso entre os mais ricos e os mais pobres aumenta; a precarização do trabalho atingiu níveis insuportáveis, apoiada na fragmentação das relações laborais e no enfraquecimento da negociação e contratação coletiva; os rendimentos do trabalho recuam face aos rendimentos do capital; acelera a degradação da conciliação entre vida pessoal, vida familiar e vida profissional. Não se sente hoje que a legislação europeia se traduza em melhoria sustentada das condições de trabalho. E a avaliação dessa “Europa Social” ausente não melhora com as promessas e ameaças da era digital ao mundo do trabalho. Ora, não é possível alinhar numa disciplina europeia para os défices e as dívidas públicas, com metas, controlos e sanções, e aceitar a ausência de idêntico rigor para proteger metas sociais e direitos humanos.

E é preciso completar a resposta às lições da crise. O colapso do Lehman Brothers em 2008 espoletou uma crise financeira mundial e esta foi transformada numa crise das dívidas soberanas e numa crise económica e social global. A resposta austeritária da UE contribuiu para esse processo, enquanto a hierarquização entre países credores e devedores serviu de ameaça fática ao método comunitário. O que se conseguiu entretanto reparar não disfarça que permanecem largamente incólumes mecanismos básicos responsáveis pelo que se passou nos últimos dez anos, incluindo a financeirização e a desregulação económica e a fragilização dos poderes públicos. É responsabilidade dos socialistas apontar as políticas da resposta necessária no plano europeu.

Cabe-nos, ainda, abrir caminhos para uma esquerda plural pela Europa. Tornar compatíveis na ação esquerdas várias, que são e continuarão a ser diferentes. Tecer uma esquerda plural europeísta que assuma o internacionalismo necessário para enfrentar realidades insuscetíveis de gestão dentro das fronteiras de um só país: os grandes movimentos transfronteiriços de pessoas; a paz e a segurança; as alterações climáticas; a nova economia digital, cuja extraterritorialidade arrisca fragilizar os direitos sociais e a cidadania; a liberdade de circulação mais rugosa para as pessoas do que para os capitais. O nacionalismo é uma resposta económica e politicamente incapaz para estes desafios.

A UE é a possibilidade concreta que temos de agir no mundo. É já, por exemplo, uma das regiões do mundo mais determinadas a enfrentar quer o desafio climático, quer o das grandes empresas tecnológicas que tentam contornar qualquer regulação pública. Face à América de Trump, à Rússia de Putin, à China de Xi Jinping e à miríade de ameaças à paz e aos direitos humanos, uma UE forte, socialmente coesa e democrática faz falta ao mundo e à Europa. E para isso precisamos de uma esquerda pela União Europeia, certamente crítica, mas também construtora. Não avançaremos essa tarefa numa amálgama de europeísmo indiferenciado, mas podemos fazê-lo com uma proposta socialista diferenciada que reponha na agenda as políticas para uma prosperidade partilhada.


Porfírio Silva, Deputado e secretário nacional do PS



10 de Outubro de 2018
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12.9.18

Hungria, proto-fascismo, responsabilidade europeia e coisas inadmissíveis de um ponto de vista de esquerda



(Na imagem, encontro com Frans Timmermans, Vice-Presidente da Comissão Europeia com a pasta do Estado de Direito)


Na Hungria vive-se uma situação de proto-fascismo, onde nem os aspectos formais da democracia estão já salvaguardados, quanto mais os valores da liberdade e do pluralismo substanciais.

A Hungria é, talvez, para alguns, um país distante - mas interessa muito às nossas próprias liberdades, porque não vivemos dentro da casca de um ovo, porque as dinâmicas regressivas começam nuns países e alastram a outros... e porque nada do que é humano nos é indiferente.

Isto questiona a União Europeia.

Para alguns, a União Europeia devia ser só uma união de interesses, um mercado. Mas, para os socialistas, não faz sentido uma União Europeia onde há metas e sanções para os domínios económicos e financeiros e não há a mesma exigência para proteger os direitos sociais e as liberdades.
Por isso nos temos batido para que a União Europeia actue em relação aos países onde o Estado de Direito está em perigo, porque se não nos mobilizamos pelo Estado de Direito não fazemos sentido como comunidade.

Hoje, o Parlamento Europeu votou uma proposta para sancionar a Hungria por desrespeitar as regras da UE sobre democracia, direitos civis e corrupção. É um passo novo e importante.

O governo da Hungria alinha pelo partido dominante da direita europeia, o PPE. Vergonhosamente, o PPE não deu uma orientação clara para apoiar a medida, porque há deputados da direita europeia, no PPE, que enchem a boca com a democracia mas dão prioridade a proteger aqueles que consideram seus amigos (embora amigos vergonhosos).

Pior ainda, e algo que arrepia a minha consciência de esquerda, o Partido Comunista Português votou contra a proposta, porque entende que é um ataque à soberania da Hungria. Dizem que a UE quer a "aplicação arbitrária de sanções e imposições": arbitrária?! imposições?!
Onde andará o internacionalismo do PCP?
O PCP quer fechar os olhos, quer virar a cara para o lado para não ver a ameaça fascista?

Decididamente, o anti-europeísmo do PCP produz monstros.


Porfírio Silva, 12 de Setembro de 2018
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8.9.18

A campanha contra Centeno


Pegou de estaca a vaga de criticar Centeno por tudo o que queremos fazer mas não pode fazer-se instantaneamente. Uma certa direita e uma certa esquerda convergem em sonhar com um governo sem Ministro das Finanças - isto é, em que a função de responsabilidade orçamental fosse ignorada.

Felizmente, este governo tem Ministro das Finanças - e, felizmente, é Mário Centeno, que conseguiu equilibrar o respeito pelos compromissos assumidos perante os portugueses (repondo direitos, rendimentos e serviços publicos) com os compromissos internacionais de Portugal, incluindo os compromissos europeus.

Claro que temos de mudar as regras e o funcionamento da zona Euro, para a tornar mais equitativa face às diferentes situações dos países membros, mas só um governo irresponsável descuraria a vantagem que temos todos em não dizermos aos possíveis investidores de todo o mundo que não ligamos nenhuma às regras da nossa zona monetária.

Infelizmente, alguns fazem de conta que não sabem que factores como os baixos juros da dívida soberana não caíram do céu, antes sendo causados pela reputação positiva que conquistámos nessa odiada realidade designada por "mercados".

Um aspecto particularmente ridículo da campanha contra Centeno é acusá-lo de ceder nos interesses de Portugal para preservar o penacho de ser presidente do Eurogrupo. É preciso namorar perigosamente o provincianismo político para não perceber que o exercício de funções internacionais relevantes é um activo importante para qualquer país. Ou não perceber que a chegada de Centeno à presidência do Eurogrupo só foi possível porque derrotámos quantos quiseram usar a cartada europeia para derrubar o governo das esquerdas em Portugal (embora, obviamente, o presidente do Eurogrupo não exista para impôr unilateralmente a sua visão aos restantes membros da zona).

Para mim, uma coisa é certa: Portugal ganhou muito em ter como Ministro das Finanças um Mário Centeno e não um Yanis Varoufakis. Poupou-nos muito do sofrimento que a arrogância de Varoufakis causou aos gregos.


Porfírio Silva, 8 de Setembro de 2018


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18.7.18

Há uma crise na Esquerda Plural?


Há uma crise na Esquerda Plural? Procuro aqui responder a essa questão na presente conjuntura, na perspetiva de um socialista que há décadas defende uma cooperação política descomplexada com os demais partidos da esquerda.

É sabido desde o início: a solução política da Esquerda Plural tem defensores e detratores em todos os partidos da maioria parlamentar. No PS, no PCP, no BE, há eleitores mais e menos favoráveis à cooperação em curso, há militantes e dirigentes mais e menos confiantes na partilha de responsabilidades numa lógica de maioria de esquerda, há os que trabalham mais pela construção de convergências e os que empurram mais para o acentuar das diferenças. O que faz a diferença na perceção pública dessa realidade é que o PCP e o BE são mais disciplinados, transmitindo uma imagem de homogeneidade externa qualquer que seja o grau de debate interno, enquanto o PS é, como sempre foi, mais transparente na assunção pública das diferenças internas, ampliando a sua visibilidade.

No PS, alguns optaram desde o início por assumir a sua divergência com a Esquerda Plural como suporte da governação, enquanto outros se acomodaram, mesmo em lugares de responsabilidade, esperando que o tempo viesse a dar razão ao seu ceticismo. No PS, essas vozes, embora minoritárias, ao serem sobre-ampliadas, transmitem um sinal de desafeição face à Esquerda Plural. E é essa sobre-ampliação, que não a própria liberdade de opinião divergente, tão própria do PS, que desajuda o necessário trabalho de construção daquilo a que chamei “uma agenda para a década à esquerda”: mais ambição estratégica a médio prazo, ultrapassar o horizonte da legislatura e pensar, para lá das fórmulas políticas, o que pode a esquerda continuar a fazer pelas pessoas e pelo futuro deste país. Sendo, para isso, necessário tentar novas convergências em áreas de desacordo tradicional entre PS, BE e PCP.

Neste contexto, quais são as responsabilidades dos socialistas? Enuncio duas, centrais.

Primeiro, o PS não pode olhar só para o momento presente. Precisamos lançar os temas de debate que, indo às questões decisivas para a governação estratégica do país, constituem ainda dificuldades para a Esquerda Plural. Há muitos meses que identifiquei a questão europeia como central neste plano, porque governação nacional e governação europeia são hoje inseparáveis. Acredito que, mesmo contando com as enormes diferenças de partida quanto à integração europeia nas posições de PS, BE e PCP, nenhum destes partidos é euro-ingénuo e todos estes partidos sabem das insuficiências da União Europeia para promover a convergência e dar respostas reais aos cidadãos europeus. Há, certamente, outras áreas, tão importantes e tão delicadas como esta, que têm de entrar na oficina dos debates à esquerda, para dar outra largura de banda à Esquerda Plural.

Há outra grande responsabilidade dos socialistas no momento atual: sermos os depositários e os investidores do capital de esperança que a solução política da Esquerda Plural despertou no país. O governo e a maioria parlamentar destruíram os mitos do pensamento único neoliberal e libertaram a democracia representativa do muro de Berlim do arco da governação – e, com esses dois movimentos, praticam políticas que devolvem a esperança concreta a muitos cidadãos, eleitores dos vários partidos de esquerda. Temos de assumir a responsabilidade dessa esperança. Não há governação de esquerda em Portugal sem o PS, razão pela qual querer fazer do PS o bombo da festa (demasiadas vezes em uníssono com a direita) não contribui em nada para o reforço das políticas públicas progressistas. Pela nossa parte, o PS tem de assumir por completo a tarefa de garantir que também a esquerda é capaz de dar estabilidade à governação do país, que a esquerda não se esgota em curtas distâncias e é capaz de ganhar a maratona do desenvolvimento do país, que à esquerda ninguém se distrai das prioridades que melhoram a vida dos portugueses. Só podemos fazer isto com humildade democrática, assumindo as nossas posições e também o debate com os parceiros, para aprofundar o alcance e a eficácia da Esquerda Plural.

Se assim fizermos, podemos responder que não há crise nenhuma na Esquerda Plural. A menos que a esta dinâmica chamemos crise de crescimento, de uma esquerda plural e sem unanimismos. Essa é a nossa aposta.


Porfírio Silva, 18 de Julho de 2018

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22.6.18

Demos uma oportunidade à escola pública.



(Para registo, fica aqui o meu artigo de hoje no jornal "i", que pode ser encontrado clicando aqui.)

DEMOS UMA OPORTUNIDADE À ESCOLA PÚBLICA

A escola pública é, para a maioria das crianças e jovens, a melhor hipótese de romper o círculo vicioso da desigualdade. Ora, não há escola pública sem os seus profissionais. Sendo os professores especialmente responsáveis pelos progressos da educação em Portugal, reconhecidos internacionalmente, não é coerente depreciá-los com críticas simplistas e infundadas. Devemos, pois, continuar a valorizar o trabalho e a carreira docente, uma prioridade para o governo e a maioria parlamentar - porque, obviamente, há ainda muito a fazer.

Aí se enquadra, entre outras medidas, o descongelamento das carreiras, compromisso cumprido a tempo e horas. E os profissionais já hoje sentem, e sentirão ano após ano, a consequente valorização remuneratória. Já a recomposição da carreira surge como uma nova questão, não contemplada em nenhum programa ou acordo, mas que o governo aceitou negociar. À proposta do governo, os sindicatos reagiram com rigidez, nunca formalizando qualquer contraproposta. Por isso renovo o apelo para que os sindicatos deem um sinal concreto de que não querem deixar morrer esta negociação. Porque os professores e a escola pública merecem esse esforço de aproximação.

A declaração de compromisso entre governo e sindicatos (18/11/17) identifica claramente três variáveis para negociação: tempo, modo e calendário da recuperação. A questão do tempo a recuperar ficou assinalada como diferença a dirimir, como então disse o dirigente que falou publicamente pelos sindicatos: “Se tivesse ficado escrito 9 anos, 4 meses e 2 dias, este documento não se chamaria Declaração de Compromisso e chamar-se-ia, provavelmente, Acordo.” Portanto, não é verdade que o governo esteja a falhar um compromisso. “9A-4M-2D” é um slogan respeitável, mas não é verdade que seja um compromisso do governo. Essa acusação infundada é desleal, desde logo para com os professores, quanto aos termos do compromisso de novembro.

É verdade que o OE2018 dita que esta questão deve ser negociada “tendo em conta a sustentabilidade e compatibilização com os recursos disponíveis”. Isso significa que a maioria parlamentar reconheceu que, em matéria que implica mobilização adicional de recursos, a vontade política, que existe, não basta. Responder sempre, a toda e qualquer questão que implica mais despesa, com a linha “para os bancos houve dinheiro” é falhar esse compromisso que se assume ao votar o OE: cuidar da sustentabilidade.

Respeitar profissionais, alunos e famílias é escolher a negociação ativa em vez do confronto, para juntos continuarmos o muito que há a fazer: por uma escola pública que efetive a escolaridade obrigatória para todos e cada um na sua diversidade, pondo o elevador social a funcionar, numa educação integral de cidadãos ativos e realizados. Sabemos que essa é a missão que os professores sabem e querem cumprir. Por isso, continuemos a valorizar o seu trabalho e a sua carreira, passo a passo, mas de forma segura e no rumo certo.


Porfírio Silva, 22 de Junho de 2018
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21.6.18

Deputados do PS escrevem carta aberta ao Embaixador dos E.U.A.



Exmo. Senhor Embaixador Jorge E. Glass

Foram divulgadas imagens de crianças atrás de grades em centros de detenção junto à fronteira dos Estados Unidos da América com o México, separadas das suas famílias que foram acusadas de atravessar ilegalmente a fronteira americana. Estas imagens são chocantes e são um atentado flagrante contra os Direitos Humanos.
Desde que o Procurador Geral dos Estados Unidos, Jeff Sessions, anunciou uma política de “tolerância zero” contra a imigração ilegal, o Departamento de Segurança Nacional separou das suas famílias, cerca de 2000 crianças.
Foi ainda veiculado pela comunicação social que as crianças estão dentro de gaiolas metálicas com folhas de papel térmico a servir de cobertores e que a iluminação do espaço está acesa 24h por dia. O Governo Federal deu ordens aos agentes que trabalham nestes locais para não terem contacto físico com as crianças mesmo que para oferecer conforto.
Esta política da Administração Norte-americana, para além de provocar um resultado desumano e de violência extrema contra estas crianças e as suas famílias, viola, com clareza, os princípios fundamentais do direito internacional humanitário.
Os Estados Unidos da América não ratificaram a Convenção dos Direitos das Crianças, mas esse facto não deve impedir um Estado de Direito Democrático de cumprir os direitos das crianças. Como afirmou o porta-voz do Alto-Comissário para os Direitos Humanos das Nações Unidas “Separar crianças das suas famílias equivale a uma interferência ilegal na vida familiar e constitui uma grave violação dos direitos da criança”.
As Nações Unidas instaram os Estados Unidos a acabar com a separação à força das crianças dos seus pais e evocaram a Associação de Pediatras norte-americana, que considera que tal prática pode causar danos irreparáveis com consequências para toda a vida dos menores.
Esta situação vivida na fronteira dos Estados Unidos com o México levanta ainda questões relativas à legislação nacional e internacional de proteção das pessoas refugiadas, que tem como objetivo proteger e dar segurança àqueles e àquelas que fogem dos seus países por motivos relacionados com conflitos armados, perseguição política e graves violações dos Direitos Humanos.
Perante esta realidade cruel e inaceitável, juntamos a nossa voz à onda de indignação mundial, apelando aos Estados Unidos da América que ponha fim imediato a esta política de separação das crianças das suas famílias, no cumprimento estrito da lei nacional e internacional e no respeito pelos Direitos Humanos.

Palácio de São Bento, 20 de junho de 2018

Os/As Deputados/as do Partido Socialista
Catarina Marcelino
Paulo Pisco
Pedro Bacelar de Vasconcelos
Constança Urbano de Sousa
Margarida Marques
Pedro Delgado Alves
Elza Pais
Alexandre Quintanilha
Isabel Santos
José Miguel Medeiros
Carla Miranda Sousa
Porfírio Silva
Wanda Guimarães
Jorge Lacão
Edite Estrela
Ivan Gonçalves
Maria Antónia Almeida Santos
Paulo Trigo Pereira
Isabel Moreira
Tiago Barbosa Ribeiro
Carla Tavares
Helena Roseta
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15.6.18

Demos uma oportunidade à escola pública!




Esta manhã, a Assembleia da República realizou um debate de actualidade sobre questões educativas. Deixo aqui registo da minha intervenção, para que possa ser devidamente escrutinada e não se recorra ao "método" de distorcer as palavras dos outros para esconder a falta de argumentos próprios de quem assim procede.
(Como de costume em textos oficiais, uso o novo acordo ortográfico no texto abaixo.)


***

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,

A escola não é um edifício, nem um conjunto de edifícios e equipamentos. Quando falamos de escola, falamos de pessoas, de alunos, de professores, de pais.
A escola é, decerto, para os alunos, mas não há escola pública sem os seus profissionais: professores, técnicos, assistentes. Os professores podem não ser todos excelentes, como nós também não somos todos excelentes. Mas, em geral, educadores e professores fazem um trabalho notável. Mesmo em condições difíceis, formaram a geração mais qualificada de sempre. Mesmo uma classe envelhecida, mas muito qualificada, e que justamente deve ser remunerada por essa qualificação, continua a procurar respostas educativas para crianças e jovens que têm na escola pública a melhor hipótese de escapar ao fado das desigualdades. Se nos orgulhamos dos bons resultados no PISA, devemos também orgulhar-nos dos nossos professores.

É por isto que se compreende muito bem que este Ministro da Educação, este governo e esta maioria tenham a valorização dos professores como uma das suas principais prioridades. Foi o fim da BCE, o fim da PACC, o fim da requalificação. É o combate à precariedade: 7000 novas vinculações de professores em apenas 2 anos, e a melhoria sucessiva da norma-travão; melhores condições de reposicionamento aquando da vinculação; aumento das vagas para vinculações aos quadros de escola; criação do Grupo de Recrutamento de Língua Gestual Portuguesa e regularização da situação dos docentes dos Grupos de Música e Dança; a inclusão dos intervalos do 1º Ciclo na componente letiva; a harmonização dos calendários do pré-escolar e do 1º Ciclo; a revalorização da monodocência; o regresso do investimento na formação contínua. E o descongelamento das carreiras.

Muitas destas medidas tiveram a oposição da direita. Percebe-se bem por quê. Durante o mandato do governo anterior, a escola pública perdeu dezenas de milhares de professores. E não se desculpem com a troika, porque a direita escolheu investir nos contratos de associação e, ao mesmo tempo, sacrificar a escola pública. Por isso PSD e CDS cortaram na educação 1200 milhões de euros além do que estava previsto no Memorando de Entendimento. Pelo contrário, nesta legislatura já conseguimos aumentar cerca de 7000 professores na escola pública. Assim se vê quem valoriza os professores.

Um senhor deputado do PSD falava há tempos de um descongelamento sem despesa. Percebemos a ideia, mas não é essa a nossa via. Este Governo, e bem, fez um descongelamento com despesa. Esse era o nosso compromisso, cumprido a tempo e horas. E os profissionais estão já a sentir, e vão continuar a sentir, ano após ano, a consequente valorização remuneratória.

Surgiu, entretanto, uma questão nova: a recomposição da carreira. Perante uma questão nova, que não estava prevista no programa de governo, em nenhum acordo, a atitude do governo foi: vamos negociar. Em matérias que implicam a mobilização de recursos adicionais, onde há vontade política mas não basta a vontade política, é preciso negociar.

O governo propôs a recuperação de quase três anos de tempo de serviço. Alguém pode dizer que isto é nada? Seriamente, ninguém poderá desvalorizar a relevância dessa proposta. Ora, desde que essa proposta foi feita, não houve da parte dos sindicatos nenhum passo de aproximação.

Os sindicatos têm um papel importante numa democracia a sério. Por isso renovamos aqui o nosso apelo: esperamos que as negociações sejam retomadas e para isso é necessário que os sindicatos deem um sinal.

O governo já disse que a sua proposta está em cima da mesa. Mas só há negociação se todas as partes derem passos. Por isso apelamos aos sindicatos para que deem um sinal claro de que não querem deixar morrer as negociações, para que se possa continuar a construir um acordo justo e sustentável.

Demos uma oportunidade à escola pública! Não deixemos afunilar o debate. Continuemos a trabalhar para que todos os alunos aprendam mais e melhor e para que todos os profissionais da educação tenham melhores condições para fazer o seu trabalho.

Não conseguiremos fazer nada disto em ambiente de crispação ou confronto. E esta verdade simples convoca-nos a todos para um caminho a percorrer.


Porfírio Silva, 15 de Junho de 2018
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2.6.18

Somos todos espanhóis




Mariano Rajoy saiu, agora é a vez de Pedro Sánchez. Caiu o governo do Partido Popular, vem aí o governo do Partido Socialista Operário Espanhol.

Nada na conjuntura espanhola se compara com a situação portuguesa, a não ser a dificuldade inicial. Cabe lembrar que, por cá, António Costa, pelo PS, sempre disse, após as eleições de 2015, que não deixaria o país sem governo: quer dizer, só votaria uma moção de censura ao segundo executivo de Passos e Portas se tivesse um governo alternativo viável. A censura ao XX governo foi votada, também pelo PS, depois de assinadas as “posições conjuntas” do PS com o PCP, o BE e o PEV. Pedro Sánchez parte para esta aventura sem essa carta de rumo, tendo chegado a presidente do governo graças à rejeição de uma direita atolada em corrupção e em intolerância espanholista – mas vai governar com todos os gatos dentro do mesmo saco (da maioria anti-Rajoy), tendo a seu favor apenas a assimetria que resulta de ter a iniciativa governamental e a precedência na fixação do calendário eleitoral. Se tudo pode parecer impossível para o PSOE, cabe lembrar que também tudo parecia impossível para a Esquerda Plural em Portugal, onde a designação “Geringonça” começou por ser a marca da arrogância da direita e acabou por ser o rótulo da incapacidade de Passos para trazer o anunciado diabo. Mas os paralelos entre as duas situações são escassos.

Neste sentido, o título deste apontamento – “somos todos espanhóis” – pode não fazer grande sentido. Mas faz, porque o que se passa em Espanha importa a todos, na Europa – pelo menos à esquerda – a um nível mais profundo.

A questão passa, incidentalmente, por uma interrogação específica que tem intrigado muitos nestes últimos dias: porque é que Mariano Rajoy não se demitiu a tempo de travar a moção de censura? Terá sido pelo especial respeito que o ex-presidente do governo reserva à instituição parlamentar, querendo que o seu futuro se decidisse naquela votação dos deputados? Não me parece; nada no perfil autoritário do ainda líder do PP aponta para essa interpretação. Creio que a resposta está na diferença entre adversários e inimigos políticos. Para Mariano Rajoy, como tantas vezes é o caso, os adversários estão nas outras famílias políticas, nomeadamente nos socialistas, apesar do desprezo com que sempre tratou Pedro Sánchez. O inimigo é Rivera e o Ciudadanos, porque disputa o mesmo eleitorado dos populares. Ora, Mariano Rajoy não queria dar a Rivera a sua principal reivindicação de momento: a convocação imediata de eleições gerais, que seriam provavelmente ganhas pelo Ciudadanos. Seria difícil a Mariano Rajoy, sem extinguir o laço que unia o PP a Rivera (pelo apoio ao governo), desatender essa reivindicação do seu rival-aliado. O governo dos socialistas vai precisar de tempo e, por isso, não convocará imediatamente eleições, permitindo eventualmente que passe o momento de Rivera. Terá sido orientado por estas considerações que Mariano Rajoy desatendeu Rivera e preferiu a derrota às mãos de Pedro Sánchez: os votos que possam ira para os socialistas, conjunturalmente, podem um dia voltar ao PP, mais facilmente do que voltariam se fossem bem acolhidos no Ciudadanos, uma casa mais cómoda para o eleitorado de direita.

Então, em que é que "somos todos espanhóis"? O que é que tudo isto tem a ver connosco? Duas coisas.

Primeiro, a orientação política é um factor de escolha eleitoral, mas a avaliação comportamental pode destruir uma ligação antiga se surgir alternativa que não implique romper com a família. A direita espanhola mais conservadora prefere o PP, mas pode viver com o Ciudadanos depois de se ter tornado insuportável a insensibilidade do PP à corrupção que parece profunda nas suas hostes. Está a tornar-se evidente que, em muitos países, há hoje mais espaço para criar partidos novos, ou para cindir partidos antigos – e isso pode abrir o espaço da concorrência, fora ou dentro dos parâmetros habituais. O respeito pelos compromissos eleitorais – “palavra dada, palavra honrada” – pode, e deve, tornar-se um aspecto de avaliação comportamental crucial, à qual temos de estar cada vez mais atentos se não queremos tornar-nos dispensáveis. Uma noção de “ética política”, num sentido extralegal, será, decerto, outro elemento dessa avaliação, que não poderá refugiar-se em formalismos.

Segundo, não basta pensar em termos de programas e seu conteúdo, é preciso pensar em termos de forças em presença e da capacidade de as mobilizar para as batalhas relevantes. A fragmentação crescente das forças políticas em vários países, designadamente à esquerda, tende a condenar as pretensões hegemónicas dos antigos “grandes partidos” tradicionais e a exigir uma capacidade de diálogo renovada. No caso de Espanha, para compreender o que isto quer dizer, basta fazer o mapa dos 180 votos que derrubaram Mariano Rajoy e elevaram Pedro Sánchez. Mas podemos ir, por exemplo, contar os fragmentos daquilo que era ainda há pouco o Partido Socialista Francês, para ter outra imagem viva de como se tornou importante ser capaz de um comportamento político mais agregador, mais produtor de compromissos, mais capaz de negociar para encontrar grandes convergências no essencial. Sob pena de irrelevância.

Estes desafios andam há muito tempo a mudar a face da política ocidental. Chegaram, com fragor, a Espanha. Mas pode ser que, mesmo assim, ainda não tenham sido completamente compreendidos por cá.



Porfírio Silva, 2 de Junho de 2018
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28.5.18

Sustentabilidade.






(Para registo, deixo aqui a minha intervenção no 22º Congresso Nacional do PS, realizado na Batalha, de 25 a 27 de Maio de 2018.)


Caras e Caros Camaradas, permitam-me que cumprimente todos nas pessoas do nosso presidente Carlos César, do nosso secretário-geral António Costa e da nossa secretária-geral adjunta Ana Catarina Mendes, porque este trio fundamental mostra a importância da coesão governo-parlamento-partido.

Porque desta vez o PS foi para o governo e o partido não foi esquecido. E isto é muito importante, porque são os partidos, são os partidos de que não gostam aqueles que não gostam da democracia, são os partidos que fazem a ligação entre o povo, entre os cidadãos e as instituições. E foi por causa de termos mantido essa ligação que conseguimos agora ter este debate tão vivo, tão participado, na preparação do congresso. E foi por isso que conseguimos a maior vitória autárquica de sempre. Normalmente, as eleições autárquicas servem para mostrar cartões vermelhos aos governos, mas desta vez, apesar de estarmos no governo, as eleições autárquicas serviram para dar um grande cartão verde ao Partido Socialista e isso foi possível porque não esquecemos o partido e trabalhámos em ligação.

Pode parecer que foi fácil chegar onde estamos hoje. Mas não foi. Foi difícil. Alguns, no princípio, pensavam que íamos durar apenas uns meses. Mas ainda aqui estamos, e vamos continuar. Alguns, no princípio, profetizavam que o PS se ia radicalizar e se ia descaracterizar. Mas isso não aconteceu. Continuamos a ser o PS moderado e de esquerda que deu o seu máximo a este país.

Mas, se não foi fácil aqui chegar, e no entanto fizemos o nosso trabalho, é preciso ter presente que nada vai ser fácil daqui para a frente. Vai ser difícil daqui para a frente, porque há muito trabalho a fazer. É claro que temos a oposição da direita, mas também temos um grande debate a fazer à esquerda, que é o debate da sustentabilidade das políticas públicas.

Aqueles que pensam que é possível fazer tudo para todos ao mesmo tempo e já – estão enganados, porque não percebem que as políticas públicas têm de ser sustentáveis.
Se nós fizéssemos políticas que só durassem dois, três ou quatro anos, e que depois virassem para trás, e depois tivéssemos de recuar, porque não tínhamos sido prudentes, porque não tínhamos feito políticas sustentáveis, isso não seria uma política de esquerda. Isso não seria uma política progressista.

O que nós temos de garantir é que não trabalhamos só para hoje, não trabalhamos só para ganhar eleições amanhã. Trabalhamos para o futuro do país e para isso a sustentabilidade é fundamental e esse é um debate à esquerda que temos de fazer. Porque alguns não percebem que, se quisermos tudo, para todos, já e agora, vamos estragar este caminho que o país está a fazer – e isso nós não podemos permitir.

Porque é este PS, capaz de renovar a representação democrática, capaz de fazer funcionar o sistema de alternativas dentro da democracia, é este PS que fará frente a todos os populismos, quer sejam os populismos agressivos, quer sejam os populismos de salão.

É este PS, exercendo em pleno a sua autonomia estratégica, apresentando-se a todas as eleições nacionais, com as suas candidaturas, com o seu programa, com os seus rostos, com as suas ideias, é este PS que será capaz de continuar a servir Portugal e os portugueses.
É por isso que nós precisamos de continuar a dar mais força ao PS, mais força ao PS para prosseguir este trabalho progressista, a governação progressista de que o país tanto precisava.


Porfírio Silva


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Do horror ao debate ideológico.



O 22º congresso nacional do PS, que decorreu no passado fim-de-semana na Batalha, foi precedido de um intenso debate ideológico e político, onde as grandes linhas do património do socialismo democrático e da social-democracia foram cruzadas com as opções governativas que temos de ir fazendo e com as escolhas subjacentes em termos de base social de apoio que queremos mobilizar para concretizar os nossos objectivos.

Este debate ideológico, programático e político é típico de um partido democrático e plural, porque este debate só é possível num partido onde a diferença é um activo, cultivada na praça pública e não em reuniões fechadas, debate feito instrumento de diálogo com a sociedade e não ritual para consumo interno. Só estranho os que vêm agora dizer que esta animação só acontece em vésperas de congresso: pela minha parte, tento praticar um debate político onde as questões ideológicas nunca estão esquecidas e tenho vindo a fazê-lo regularmente.

Temos, contudo, na opinião mais vasta que se exerce no espaço público, uma linha que desconsidera sistematicamente este tipo de debate ideológico.

Por exemplo, o jornalista Paulo Tavares tem insistido nessa linha. Depois de, durante uma semana, o seu jornal (Diário de Notícias) ter acolhido parte importante do tal debate (anunciavam, dia a dia, que “na semana do 22º Congresso do PS, o DN publicará diariamente textos de opinião de destacadas figuras do universo socialista”), aquele responsável pelo jornal vem escrever, em coluna de opinião, que o debate escolhido era “inconsequente”, “divertido”, que acontecia “à falta de melhor assunto”, uma “belíssima forma de entretenimento” onde andam a “tentar descobrir quantos milímetros estão à esquerda ou à direita uns dos outros”, que passa “ao lado do país eleitor” (consultar aqui).
Passado o congresso, Paulo Tavares volta à carga, escrevendo hoje sobre “quem se entreteve a escrever artigos sobre o posicionamento ideológico do PS” (conferir aqui). Volta, pois, o tema do entretenimento.

Sem me pronunciar sobre o que os termos parecem revelar quanto à atitude, vamos à questão substancial: é ocioso o debate ideológico? São irrelevantes as escolhas ideológicas?

Quando, a seguir ao 25 de Abril, o PS entendeu que a liberdade vinha antes de qualquer ideia de sociedade socialista, porque não queríamos nenhum tipo de socialismo sem liberdade, não estávamos a fazer uma escolha ideológica?
Quando os socialistas portugueses se opuseram à unicidade sindical, porque não aceitavam restrições à liberdade sindical, não foi uma escolha ideológica que fizemos?
Quando foi criado o Serviço Nacional de Saúde, com a assinatura de um ministro socialista, e quando a direita votou contra, não eram opções ideológicas que estavam em causa?
Quando o actual governo acabou com a opção do governo anterior de transferir recursos da escola pública para um pequeno grupo de escolas privadas, não fez uma escolha ideológica, tão ideológica como a escolha oposta anterior?
Quando Lech Walesa e o Solidariedade lutaram pela liberdade sindical na Polónia dos anos 1980, não estavam a fazer uma escolha ideológica?
Quando Nelson Mandela empenhou a sua vida na luta contra o apartheid, não estava aí uma convicção ideológica?
Quando António Costa enterrou o "arco da governação" como forma de limitação do exercício das responsabilidades dos partidos parlamentares, não estava aí um ponto ideológico?

Sem ideologia, a política é um exercício cego. Uma ideologia dogmática, que não se deixa questionar pela realidade, é outro exercício cego. Para evitar a cegueira, precisamos de ideologia com debate. É nisso que o PS tem ancorado muita da sua força política, ao longo dos anos, nos momentos de decisão da sua história. Não é entretenimento.

Muitos criticam, e bem, o carreirismo e o oportunismo na política. Mas o que é o carreirismo e o oportunismo se não a política praticada sem a linha de rumo das opções ideológicas de fundo?

Se a política deve ser serviço público e não uma forma de procurar vantagens pessoais; se a acção política dever ser a procura de um caminho comum para a comunidade e não um exercício de carreirismo onde só se procura a promoção pessoal; se os políticos devem orientar-se pela concretização das soluções necessárias e não pelas movimentações destinadas apenas a preservar os interesses particulares de certos grupos restritos; se a política a sério precisa de ver ao longe e não apenas no imediato – temos de nos guiar por grandes orientações, por valores fundamentais, por opções estratégicas, por uma constante reflexão sobre os nossos deveres no longo prazo. Isso é pensar ideologicamente. Quem quer “acção” e escolhas imediatas e desconsidera a ideologia – está como aquele viajante que, encruzilhada a encruzilhada, pensa muito por qual ramo da estrada há de seguir… mas sem nunca saber a que terra quer chegar.

Um vector deste discurso contra o debate ideológico passa pela pretensão de que o discurso de António Costa no encerramento do congresso não foi ideológico. Mas, então, o que António Costa apresentou, por exemplo, para as políticas educativas ou para as políticas de habitação, não é ideológico? Basta ver como elas contrastam com as políticas do anterior governo, como elas assumem uma responsabilidade dos poderes públicos que outros rejeitam, como elas escolhem melhorar a vida da maioria das pessoas em vez de se focarem em pequenos grupos sociais – para se entender como são ideologicamente orientadas. As ideias que António Costa apresentou para uma nova conciliação entre vida pessoal, vida familiar e vida profissional - não têm ideologia? Dizer isso seria como pretender que a reivindicação das 8 horas como jornada de trabalho não era ideológica.

O que Antóno Costa faz, e bem, é que apresenta as suas opções ideológicas sem necessariamente lhes colocar etiquetas: para ser de esquerda não é preciso andar a proclamar tal coisa, porque as acções, sendo fortes, falam por si - e não estão desgarradas de todo o debate que as envolve.  Naturalmente, as linhas de rumo apresentadas por António Costa são políticas orientadas pela linha geral do socialismo democrático, que é a ideologia do PS – mas uma ideologia que se actualiza, que procura responder aos novos desafios, que pretende estar atenta às mudanças societais e ajustar as suas respostas. E que, por isso, exige debate.

Há sempre quem ache que a democracia é uma espécie de entretenimento, porque se chegaria muito mais eficientemente à meta sem os “desperdícios” da política democrática, da qual faz parte a discussão ideológica. O desprezo com que se trata o debate programático e ideológico é, apenas, uma sub-variante dessa tentação. É preciso dizê-lo, para que ninguém despreze nenhuma componente do debate democrático.




Porfírio Silva, 28 de Maio de 2018
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25.5.18

O esplendor do pluralismo.



(Deixo, para registo, o texto de base do meu artigo "O esplendor do pluralismo", publicado no Diário de Notícia no dia de início do XXII Congresso Nacional do PS. )


***


É hoje evidente que o atual governo de Portugal não fez nada que não pudesse ser feito por qualquer normalíssimo governo social-democrata europeu. Enganaram-se os que profetizaram que o PS se radicalizaria com esta solução política. Porque não quiserem ver que o programa de governo é, basicamente, o programa eleitoral dos socialistas. Porque não compreenderam que o PS teria traído o seu eleitorado se tivesse caucionado, mesmo com uma "abstenção violenta", novo governo Passos-Portas após a sua colocação em minoria em 2015.

Pergunta diferente é: como pode o PS continuar a governar à esquerda e fazer as mudanças de que o país precisa? A isso responde a moção de António Costa ao congresso: preparando estrategicamente o futuro, sem ficar pelo imediatismo. Respondendo aos desafios do combate às desigualdades, das consequências sociais e civilizacionais das transformações do digital, da demografia e das alterações climáticas. Buscando respostas progressistas que, tirando as ilações do fracasso das teorias do Estado mínimo, liguem o futuro da humanidade ao bem-estar das pessoas. E, depois, trabalhando para dar ao PS a força necessária para esses combates.

A Europa é uma das frentes decisivas para o país, porque, no mundo global de hoje, o nacionalismo é um equívoco fatal. Refazer e alargar o europeísmo progressista é uma tarefa tão árdua como urgente. Isso não se compadece com a teoria do “bom aluno” como visão de Portugal na UE, um exercício de branqueamento da subserviência que a Direita usou para justificar o seu programa ideológico radical – e que desvaloriza a estratégia europeísta do atual governo, empenhado na reconstrução e democratização do método comunitário, ultrapassando a entorse da relação assente na divisão devedores/credores.

É esse aprofundamento estratégico das nossas tarefas futuras que precisamos fazer. Enunciar que o PS deve ser aquilo que sempre foi não resolve problema nenhum, especialmente se nos impedir de ver que a social-democracia europeia também cometeu erros e se autoinfligiu derrotas – como reconhece um dos nossos mais inteligentes moderados, Carlos Zorrinho, quando escreve que a Terceira Via “falhou devido à incapacidade da regulação, a sua chave mestra, de assegurar a igualdade de oportunidades e a justiça no acesso aos bens públicos num contexto de mercado liberalizado”. Nem a retórica do “posicionamento central” resolve coisa alguma, porque, quando o mundo se move, se não entendermos e respondermos a esse movimento, a ideologia centrista deixa-nos simplesmente incapazes, como quando se confunde a necessidade de atacar o populismo com o desleixo de ignorar as suas causas sociais concretas.

Este não é um debate dogmático, é um debate político. Ora, parte essencial de uma solução política é sempre, também, o bloco social que a move, o povo que nela se envolve ou não – e, aí, ter trazido para a área da governação o eleitorado do PCP e do BE, mesmo quando discordamos em pontos mais ou menos importantes, é um fator relevante para a própria democratização da democracia. Seria incompreensível querer combater o populismo e pretender prolongar fórmulas políticas que empobrecem a representação; querer responder à exclusão social de tantos acenando-lhes com o cosmopolitismo; ou responder aos excluídos da desregulação mundial com as delícias da globalização.

Nunca fugi ao debate das diferenças com as outras esquerdas. Mas a tática de tentar boicotar a maioria parlamentar, agredindo politicamente os parceiros a partir do interior do PS, prejudica o próprio PS, porque projeta de nós a imagem de uma formação irrequieta, com dificuldades em honrar de forma estável os seus compromissos políticos. Estranha-se que haja por cá quem pareça mais preocupado com a composição da nossa maioria parlamentar do que com a presença da extrema-direita em vários governos europeus e suas ameaças ao Estado de Direito. Classificar acordos parlamentares de legislatura como expedientes é irresponsável, nos antípodas de um PS que deve ser o primeiro garante de que a Esquerda é capaz de dar estabilidade ao país e o primeiro depositário da esperança que a Esquerda Plural despertou em muitos portugueses de vários partidos.

Há muito que defendo que o PS é um partido moderado – pela sua vocação para construir convergências sólidas em torno de grandes desígnios nacionais, para além do horizonte das legislaturas e das maiorias de governo. Mas ser moderado não é ser centrista. Só como partido de esquerda pode o PS evitar os vícios do rotativismo e assumir a responsabilidade de fazer funcionar o sistema de alternativas dentro da democracia – contra todos os populismos, sejam agressivos ou de salão. É esse PS moderado e de esquerda, exercendo em pleno a sua autonomia estratégica, apresentando-se a todas as eleições nacionais com candidaturas próprias, que pode oferecer ao país o que temos de melhor dentro de nós: o pluralismo consequente e vivo.



Porfírio Silva, texto publicado no DN na qualidade de deputado e membro da Comissão Permanente do PS, 25 de Maio de 2018

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16.5.18

David Nuno Crato Justino




Para arquivo, reproduzo aqui o meu artigo de ontem no Público, subscrito na qualidade de membro da Comissão Permanente do PS.

***

O Vice-presidente do PSD David Justino fez publicar há dias neste jornal um artigo de crítica ao Ministério da Educação. É um artigo notável, tanto por evidenciar uma surpreendente falta de memória como por representar uma desistência.

Ao texto de David Justino falta memória. Diz que “reversão” é palavra-chave do atual Governo. Espanta que esqueça que Nuno Crato “mudou (quase) tudo o que podia mudar” (título deste jornal). Aprovou uma reforma curricular, apenas um ano depois de chegar ao governo; mudou programas, mesmo alguns em vigor escassos anos, sem estudos, sem avaliações, sem debate, sem consultar verdadeiramente ninguém; fixou novas metas curriculares, nalguns casos substituindo outras em vigor apenas dois anos; mudou a avaliação, nomeadamente introduzindo exames inexistentes na generalidade dos países desenvolvidos; afunilou as aprendizagens, modificou cargas horárias, desvalorizando disciplinas essenciais, nomeadamente as ligadas à cidadania. Assim tentou cumprir o seu programa anunciado de implodir o Ministério, até pela mera incompetência na abertura dos anos letivos.

O atual governo está, nas principais mudanças estratégicas, a seguir uma linha de decisão prudente, baseada no debate multifacetado e na implementação incremental, como está a acontecer com as questões curriculares. O PSD podia prometer não voltar a cometer os mesmos erros – mas, pelo contrário, vem ameaçar com um futuro “governo de cor diferente” que “retome a senha reversiva”. Outra vez? David Justino, se pudesse, voltava a tentar impor uma revisão da Lei de Bases só com o apoio da maioria parlamentar do momento, como fez no passado – e como a atual maioria não fez nem fará?

David Justino diz que há ideologia na governação. É verdade – tal como houve ideologia, por exemplo, quando o anterior Governo criou percursos educativos de segunda, e sem saídas, para alunos do ensino básico com episódios de insucesso, no mesmo passo contribuindo para desvalorizar os percursos profissionalizantes, num facilitismo de deixar para trás os que mais precisam da escola. Toda a ideologia do atual governo é a contrária, para que todos tenham igualdade no acesso e ao sucesso educativo.

Mas o Vice-presidente do PSD também insiste em mitos e confusões. A forma como fala de “competências” significa que não compreendeu o debate sobre O Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória – mesmo quando o Conselho Nacional de Educação, apesar do seu então Presidente David Justino, recusou essa oposição entre competências e conhecimento (mais um chavão da ideologia elitista de Nuno Crato que sobrevive neste discurso). Também aqui, uma insuportável desconsideração pelas vastas convergências obtidas pelo aprofundado debate em torno do Perfil, porque o método foi construir e não dividir.

O Vice-presidente do PSD critica o trabalho de melhoria das condições dos profissionais da Educação. Ora, se Roma e Pavia não se fizeram num dia, este governo está a fazer Roma e Pavia um dia atrás do outro. Mas não seria tão difícil, e não levaria tanto tempo, se Crato não tivesse escolhido a educação para sacrificar no altar da sua ideologia de ir além da troika, cortando no sector para cima de 1000 milhões de euros além dos compromissos do Memorando de Entendimento.

O Vice-presidente do PSD, o único ministro que foi ministro dos rankings, mostra-se amarrado aos erros do passado. É pena. Estou confortável nesta Esquerda Plural e na visão para a Educação inspirada na Constituição da República Portuguesa, por uma escola pública de qualidade orientada pela exigência de que todos aprendam mais e todos aprendam melhor, numa educação integral das nossas crianças, jovens e adultos, assente na valorização dos seus profissionais. Mas acredito que em Educação não devemos fechar-nos na maioria parlamentar, erro e tentação que David Justino cometeu. Mas, para isso, esperamos que David Justino não desista de desentranhar Nuno Crato da sua ideologia educativa e não desista de olhar para os novos desafios deste tempo.


Porfírio Silva, 16 de Maio de 2018
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7.5.18

Um olhar socialista sobre a educação no momento actual





No passado sábado, 5 de Maio, realizou-se em Lisboa a quarta sessão do ciclo "Encontro Nacional de Socialistas na Educação", onde me coube fazer a intervenção de abertura, na qualidade de membro da Comissão Permanente do PS responsável pela Educação e Ciência. Deixo aqui o texto de base dessa intervenção. Mais abaixo, pode ser ouvida a versão integral pronunciada.

***

1. Desde que assumi, na Comissão Permanente do Partido Socialista, a responsabilidade pelas áreas da Educação e da Ciência, além da participação em iniciativas várias de estruturas do Partido e da JS, organizámos quatro destes Encontros de Socialistas na Educação, em Aveiro, Coimbra, Matosinhos (Federação do Porto) e, agora, este em Lisboa, que será, neste formato, a última iniciativa neste mandato, que termina no Congresso Nacional que se realiza este mês.
Há um propósito político na realização destes encontros, que consiste no entendimento de que a democracia não é só votar, a democracia interna no PS é também participação livre, possibilidade de contribuir para a definição das políticas, fazer críticas e obter respostas, a possibilidade de conformarmos coletivamente o nosso posicionamento.
Devemos isso a nós próprios, como militantes de um partido democrático, tanto em dias de exaltação pelos sucessos que se obtêm na governação, como em dias mais difíceis, ou até mais tristes, que também às vezes atravessamos. Em todas essas circunstâncias devemos a nós próprios a participação democrática e livre na vida do partido.

2. Falemos, então, de educação. Vou começar por mencionar alguns números, os quais, só por si, dizem alguma coisa das nossas missões.
A taxa real de escolarização no ensino secundário (números de 2016) é de 75,3%, o que significa que cerca de um quarto das pessoas ou não completam o 12º ano ou o terminam fora da idade de referência, e, portanto, provavelmente tendo passado por alguma experiência de insucesso. Como estamos a falar da escolaridade obrigatória, estes são ainda números impressionantes e que identificam uma realidade na qual temos de progredir. É claro que, como em muitas outras áreas, a escola pública fez muito pelo país nesta matéria. Em 1974, a taxa real de escolarização no fim do secundário, não era 75%, era 4,9%. E era, no ano em que eu nasci, 1961, de 1,3%. Progredimos muito, mas temos de continuar a fazer o que falta.
Em 2016, dos portugueses entre 25 e 64 anos, 53% não tinham completado o ensino secundário.
E, vale a pena sublinhar, por exemplo, que a qualificação média dos empresários portugueses continua a ser inferior à qualificação média dos trabalhadores dessas mesmas empresas, o que também merece reflexão.
Olhemos agora para a transição entre o ensino secundário e o ensino superior, focando-nos na questão: para uma pessoa que terminou o ensino secundário, onde é que ela está um ano depois. Vejamos os dados, para os que concluíram o secundário em 2015/2016, comparando a situação dos que concluíram cursos científico-humanísticos com a situação dos que concluíram cursos do ensino profissional.
A primeira situação é “passado um ano não foram encontrados a estudar”. Estão nesse caso 20% dos que concluíram cursos científico-humanísticos; no caso do ensino profissional, temos um valor de 84%. Dá que pensar.
Outra situação é: “passado um ano, os que foram encontrados numa Instituição do Ensino Superior num curso que conduz a um grau superior”. No caso dos que fizeram cursos científico-humanísticos, 79% estão nessa situação. No caso dos que seguiram o ensino profissional, apenas 6%.
A terceira situação é “estuda numa Instituição do Ensino Superior num curso profissional que não conduz a grau superior”, encontrando-se aqui 1% dos que concluíram cursos científico-humanísticos e 10% dos que concluíram o ensino profissional.
Outro conjunto de números, pegando no relatório da OCDE sobre competências que foi divulgado ontem, nos aspectos respeitantes aos adultos.
Nos países onde há um forte investimento social na educação de adultos a um nível avançado, a média de idades dos estudantes no ensino superior é mais alta do que nos países onde esse investimento é mais fraco.
Comparemos dois países: Portugal e Dinamarca. Na Dinamarca, 72% das pessoas que entram no ensino superior têm menos de 25 anos. Em Portugal, 91% dos que entram no ensino superior têm menos de 25 anos. Isto quer dizer que em Portugal o ensino superior é quase só para os jovens. Mas não tem de ser assim e não deve ser assim.
No mesmo sentido, note-se que a média de idades dos estudantes do ensino superior é, em Portugal, de 20 anos. Na Dinamarca é de 25 anos. Num mundo em que a previsão é que o mercado de trabalho vai exigir, designadamente por causa da automação, a capacidade para mudar o perfil de competências mais rapidamente, para que possam encontrar novos empregos aqueles que sejam atingidos pela robotização e pela inteligência artificial, é importante que se continue a estudar e aprender até mais tarde na vida.
E, como também volta a mostrar este relatório da OCDE, Portugal estava a evoluir neste campo até 2011, com uma participação de pessoas dos 25 aos 64 anos na educação e formação de adultos que em 2010-2011 ultrapassou a média da União Europeia – e, depois, começou a cair, estando em 2013 de novo abaixo da média da UE. De facto, já o anterior governo do PS tinha claramente uma linha de modernização social, como todos os governos do PS têm tido, também nas qualificações, e o governo da direita cometeu o crime de tentar destruir esse rumo, que agora estamos a refazer.
Outro dado, que também resulta dos números: há ainda uma clara associação entre pertencer a uma classe social socialmente desfavorecida e ter mais insucesso escolar. E isso tem de nos interrogar, como socialistas.

3. Cabe sublinhar a questão: que desafios nos colocam estes números?
A política do Governo do PS é para responder ao comando constitucional no que diz respeito à educação, e é para que todos possam aprender mais e melhor, em condições de igualdade.
Há muito a fazer nessa matéria, é certo. Mas muito tem já sido feito e, disso, vou dar apenas uns poucos exemplos. A aposta no pré-escolar: 170 salas criadas em dois anos. E todos sabemos a importância que tem começar bem para continuar bem. O reforço da Acção Social Escolar. A reposição do pagamento das viagens de estudo aos alunos da Acção Social Escolar, cuja interrupção foi um indicador claro da visão discriminatória em termos sociais que se praticou. O programa dos manuais escolares gratuitos. As turmas mistas, reduzidas em cerca de 20%. Mais 730 técnicos especializados nas escolas, designadamente para apoiar os alunos com necessidades educativas especiais. A redução do número de alunos por turma. As tutorias, para as quais foram colocados mais 2000 professores. E estes são apenas alguns exemplos.

4. Este é um caminho, é um rumo. Roma e Pavia não se fizeram num dia, mas nós estamos a fazer Roma e Pavia, não num dia, mas um dia atrás de outro. E essa visão não pode ser esquecida em momento nenhum.
Temos uma estratégia global progressista, por uma escola de qualidade exigente, focada na missão da escola a longo prazo, sustentável, e não nos ciclos curtos, não para obter efeitos imediatos ou para obter efeitos meramente eleitorais. Importa ser claro: só uma política sustentada no longo prazo, só uma política para perdurar é verdadeiramente uma política progressista e uma política de esquerda. Porque as políticas que se esgotam em resultados imediatos para obter ganhos eleitorais a seguir, não são políticas de esquerda – são políticas eleitoralistas, são políticas demagógicas, são políticas que não são boas para o país nem boas para a educação.

5. Nessa aposta mais estrutural, mais estratégica, há elementos essenciais nas políticas desta governação do PS. Citemos alguns.
O Perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória. Enquanto a direita, que não estava convencida de que valesse a pena a escolaridade obrigatória de 12 anos, nada fez para pensar essa questão, deixou correr como se fosse um processo natural, o que este governo fez foi identificar a missão da escolaridade obrigatória, obtendo aí um largo consenso. Mas devemos mencionar também a aposta na promoção do sucesso escolar. A avaliação encarada como ferramenta da aprendizagem e não como instrumento de selecção social. A aposta no Ensino Profissional. O projeto da Autonomia e Flexibilidade Curricular, para voltar a apostar nas escolas como os locais próprios do desenvolvimento curricular e da densificação do trabalho pedagógico, e para voltar a apostar nos profissionais como aqueles que criam as oportunidades de aprendizagem em resposta aos contextos concretos. O repensar do currículo dos ensinos básico e secundário, que está agora com um novo fôlego, mas que não foi inventado agora à última da hora, tem vindo a ser preparado há muito tempo.

6. Mas importa ser claro noutro ponto. Os debates da Educação não podem ser só os debates sobre a condição dos profissionais. E quero dizer com toda a clareza, porque sempre o disse em todo o lado: respeito os sindicatos, sempre respeitei, e esse respeito nunca dependeu de estar de acordo ou em desacordo com as suas posições neste ou naquele momento. Mas o respeito pelos sindicatos não nos permite confundir um partido com um sindicato, nem nos permite confundir um partido com uma classe profissional. Acreditamos que o que é melhor para a educação é melhor para os profissionais, que o que é melhor para o país é melhor para os profissionais, e acreditamos sinceramente que os profissionais querem o melhor para a educação e querem o melhor para o país. E essa tem de ser a nossa linha de rumo.
A valorização dos profissionais, meta e caminho constante deste Governo, é essencial. Temos a prova disso no combate à precariedade. Não comecemos aqui pelos professores, e lembremos que o PREVPAP está a avançar: a Educação tem quase 7000 assistentes operacionais com perspectivas de vinculação. Uma mudança enorme, complexa, que demora tempo e dá muito trabalho, mas que está a ser feita e vai ter um impacto na vida desses profissionais, e na vida das escolas, e na vida dos alunos, e na confiança que as famílias têm na escola. Isto é muito importante – e não podemos nunca confundir os pormenores com as grandes linhas de rumo, com as grandes metas, com os grandes caminhos que estão a ser percorridos.

7. Mas falemos um pouco mais de professores. Este governo apostou na valorização da profissão docente. Mais uma vez, não há aqui tempo para fazer a lista exaustiva, mas lembremos alguns passos. Foi, logo no início, o fim da requalificação para os professores. Foi o fim da BCE. A criação do Grupo de Recrutamento de Língua Gestual Portuguesa. A revisão dos intervalos do 1º Ciclo. A harmonização dos calendários do pré-escolar e do 1º Ciclo. A revalorização da monodocência. O regresso do investimento na formação contínua. E, lembremo-nos: nunca tivemos tantos professores na escola pública como temos agora. E isso quer dizer que, na política deste governo, as pessoas são a matéria de que se faz o ensino e apostam nessas pessoas – enquanto outros criticam as despesas com os servidores da causa pública.
Também no caso dos docentes, foi iniciado o combate à precariedade, que é um combate longo e complexo, mas que avança. Foi sucessivamente melhorada a norma-travão. A vinculação extraordinária do ano passado abrangeu cerca de 3500 professores. Tivemos ainda a vinculação extraordinária para o ensino artístico especializado de Música e de Dança e temos para esses professores um regime de vinculação próprio. Este ano vamos ter nova vinculação extraordinária, e, no conjunto, vamos alcançar proximamente 7000 novas vinculações, um passo absolutamente sem precedentes.
Vamos ter o reposicionamento, depois da entrada na carreira, com a contagem de todo o tempo de serviço anterior. E, contrariamente ao que alguns disseram, foi feito assim porque o governo e os sindicatos concordaram em pedir um parecer à Procuradoria-Geral da República, e porque o governo decidiu homologar o parecer, tornando-o vinculativo, coisa a que não estava legalmente obrigado, e ainda porque o governo decidiu prescindir das margens que o parecer lhe dava para não contar o tempo integralmente. E, decidiu, pois, fazer essa contagem integral. Essa foi uma escolha política do governo, depois de ter o respaldo do parecer da PGR. E quem não percebe isto não percebe que governar também é obedecer às leis e que, quando há dúvidas na aplicação da lei, o governo tem de se socorrer de um esclarecimento legal, porque não pode agir só porque tem vontade de favorecer a classe em termos de carreira.
Operacionalizou-se o descongelamento das carreiras, tal como estava no programa do XXI governo constitucional, e dezenas de milhares de professores já começaram a sentir, até em termos remuneratórios, o efeito da progressão decorrente desse descongelamento. E outras dezenas de milhar vão continuar a sentir esses efeitos.
Quantos aos 5º e 7º escalões, onde havia o papão de que a portaria das vagas ia afunilar terrivelmente a progressão nesses casos, na realidade quase 90% dos professores no 4º escalão progredirão para o 5º, e mais de 60% dos professores no 6º progredirão para o 7º escalão, assim se demonstrando o efeito positivo da portaria das vagas – e do empenho que está a ser posto em valorizar a classe docente.

8. Será isto nada, será isto coisa pouca, como resultado de pouco mais de dois anos de governação? Só um distraído diria isso.
Quanto à recuperação do tempo de serviço do descongelamento, que ainda está em negociação, pergunto: seria justo repor o mundo no momento antes desse congelamento? Sim, até seria justo. Há muita coisa no mundo que seria mais justa se nós pudéssemos fazer o mundo andar para trás, se nós tivéssemos uma máquina do tempo e conseguíssemos anular os efeitos da história. Mas a política normalmente não permite viajar para o passado, a política é a construção do futuro, é fazer um futuro melhor do que o presente que temos e do que o passado que tivemos, não é fazermos de conta que temos uma máquina do tempo para nos fazer viajar para o passado.
Queremos tudo, todos queremos tudo, mas o mundo não é uma linha recta entre o que desejamos e o que é concretizável. O mundo é mais complexo do que isso e nós temos que seguir o caminho das pedras para lá chegar.
Temos de ser ambiciosos. Sim, eu, por exemplo, entendo que devíamos aproveitar a discussão da recuperação do tempo de serviço do descongelamento para começar a construir algum caminho para enfrentar o problema do envelhecimento da classe docente. Será fácil? Não será, mas devíamos tentar.
Agora, uma coisa tem de ser dita – e vou falar-vos de sustentabilidade das nossas soluções políticas. A direita, e, infelizmente, às vezes outros partidos de esquerda, parece que gostariam de ter um governo sem Ministro das Finanças. Mas nós não queremos um governo sem Ministro das Finanças. Nem queremos ter um Ministério da Educação que não seja orçamentalmente responsável. Porque, desse modo, nada disto que estamos a fazer valeria a pena, porque se não fosse sustentável não duraria. A sustentabilidade financeira da governação é fundamental – para o país, para a saúde económica do país, e para o PS, para a credibilidade do PS.
Se o PS não souber garantir a sustentabilidade das suas políticas no médio prazo, seremos de novo afastados do governo, não por 4, mas por 12, 16 ou 20 anos – certamente por muito tempo. E quem nos pode substituir não é nenhum governo mais à esquerda, porque quando formos substituídos será por um governo da direita – e já sabemos o que a direita faz, especialmente na educação, quando chega ao governo. E, portanto, temos uma exigência connosco próprios: responsabilidade, responsabilidade, responsabilidade.
Temos de saber gerir, gerir bem para investir, e para dar sustentabilidade a esse investimento. E devemos à nossa equipa do Ministério da Educação um enorme agradecimento por estar a gerir bem. Não é propriamente fazer omeletes sem ovos, mas é, quando se está a fazer a omelete, não deitar cair nenhum ovo no chão. Porque todos os ovos são precisos para fazer essa omelete de forma criteriosa.

9. É preciso ter uma compreensão política global dos acontecimentos e termino com um exemplo do que quero dizer com isto.
Recentemente, o Governo pediu ao Tribunal Constitucional a fiscalização da norma aprovada pelo parlamento que impõe a distribuição de horários completos e incompletos no concurso de mobilidade aos professores de carreira.
Muitos rasgaram as vestes por causa disso. Criticaram o governo por ter pedido a fiscalização da constitucionalidade de uma norma. Mas, então, antes era democrático recorrer ao Tribunal Constitucional; era tão necessário recorrer ao TC, porque o TC é o vértice do sistema de defesa dos valores constitucionais – e agora já não se pode recorrer ao Tribunal Constitucional?
Quando a Assembleia da República se imiscui nas competências do Governo, não deve o governo defender as suas competências para poder gerir bem? E para depois poder responder pela forma como geriu, bem ou mal? A minha resposta é sim, o governo fez o que devia. Porque há um perigo nesta circunstância política, que é o que chamamos “governo de assembleia”, que é o parlamento, em vez de legislar, querer substituir-se ao governo na função executiva.
Eu gosto da Esquerda Plural, é sabido que sou apoiante desta solução política, mas não quero um “governo de assembleia”, porque reside aí um grande perigo – um perigo ainda maior quando se concretiza em coligação negativa, como, neste caso, foi feito em coligação negativa. É que nós já sabemos no que dão as coligações negativas, porque nós tivemos quatro anos e meio de Passos Coelho por causa de uma coligação negativa. E quem esquecer isso está muito enganado acerca das nossas responsabilidades perante o país.
Por estas razões, temos de ter os nossos objectivos muito claros e assumir as nossas responsabilidades. E as nossas responsabilidades são fazer as coisas bem feitas, defender a escola pública, defender a educação, defender os nossos profissionais, combater a precariedade dos nossos profissionais, defender as carreiras dos nossos profissionais, criar-lhes perspectivas de evolução, criar-lhes melhores condições para o exercício profissional – e fazer tudo isso de forma sustentável. Para que nada disto acabe amanhã, nem daqui a um ano ou dois, porque ninguém quer voltar para trás no que está a ser feito. O que queremos é trilhar um caminho suficientemente seguro para que ele possa continuar a ser percorrido, porque há muito para fazer. E temos de fazer o que falta fazer.




Porfírio Silva, 7 de Maio de 2018
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