25.5.18

O esplendor do pluralismo.



(Deixo, para registo, o texto de base do meu artigo "O esplendor do pluralismo", publicado no Diário de Notícia no dia de início do XXII Congresso Nacional do PS. )


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É hoje evidente que o atual governo de Portugal não fez nada que não pudesse ser feito por qualquer normalíssimo governo social-democrata europeu. Enganaram-se os que profetizaram que o PS se radicalizaria com esta solução política. Porque não quiserem ver que o programa de governo é, basicamente, o programa eleitoral dos socialistas. Porque não compreenderam que o PS teria traído o seu eleitorado se tivesse caucionado, mesmo com uma "abstenção violenta", novo governo Passos-Portas após a sua colocação em minoria em 2015.

Pergunta diferente é: como pode o PS continuar a governar à esquerda e fazer as mudanças de que o país precisa? A isso responde a moção de António Costa ao congresso: preparando estrategicamente o futuro, sem ficar pelo imediatismo. Respondendo aos desafios do combate às desigualdades, das consequências sociais e civilizacionais das transformações do digital, da demografia e das alterações climáticas. Buscando respostas progressistas que, tirando as ilações do fracasso das teorias do Estado mínimo, liguem o futuro da humanidade ao bem-estar das pessoas. E, depois, trabalhando para dar ao PS a força necessária para esses combates.

A Europa é uma das frentes decisivas para o país, porque, no mundo global de hoje, o nacionalismo é um equívoco fatal. Refazer e alargar o europeísmo progressista é uma tarefa tão árdua como urgente. Isso não se compadece com a teoria do “bom aluno” como visão de Portugal na UE, um exercício de branqueamento da subserviência que a Direita usou para justificar o seu programa ideológico radical – e que desvaloriza a estratégia europeísta do atual governo, empenhado na reconstrução e democratização do método comunitário, ultrapassando a entorse da relação assente na divisão devedores/credores.

É esse aprofundamento estratégico das nossas tarefas futuras que precisamos fazer. Enunciar que o PS deve ser aquilo que sempre foi não resolve problema nenhum, especialmente se nos impedir de ver que a social-democracia europeia também cometeu erros e se autoinfligiu derrotas – como reconhece um dos nossos mais inteligentes moderados, Carlos Zorrinho, quando escreve que a Terceira Via “falhou devido à incapacidade da regulação, a sua chave mestra, de assegurar a igualdade de oportunidades e a justiça no acesso aos bens públicos num contexto de mercado liberalizado”. Nem a retórica do “posicionamento central” resolve coisa alguma, porque, quando o mundo se move, se não entendermos e respondermos a esse movimento, a ideologia centrista deixa-nos simplesmente incapazes, como quando se confunde a necessidade de atacar o populismo com o desleixo de ignorar as suas causas sociais concretas.

Este não é um debate dogmático, é um debate político. Ora, parte essencial de uma solução política é sempre, também, o bloco social que a move, o povo que nela se envolve ou não – e, aí, ter trazido para a área da governação o eleitorado do PCP e do BE, mesmo quando discordamos em pontos mais ou menos importantes, é um fator relevante para a própria democratização da democracia. Seria incompreensível querer combater o populismo e pretender prolongar fórmulas políticas que empobrecem a representação; querer responder à exclusão social de tantos acenando-lhes com o cosmopolitismo; ou responder aos excluídos da desregulação mundial com as delícias da globalização.

Nunca fugi ao debate das diferenças com as outras esquerdas. Mas a tática de tentar boicotar a maioria parlamentar, agredindo politicamente os parceiros a partir do interior do PS, prejudica o próprio PS, porque projeta de nós a imagem de uma formação irrequieta, com dificuldades em honrar de forma estável os seus compromissos políticos. Estranha-se que haja por cá quem pareça mais preocupado com a composição da nossa maioria parlamentar do que com a presença da extrema-direita em vários governos europeus e suas ameaças ao Estado de Direito. Classificar acordos parlamentares de legislatura como expedientes é irresponsável, nos antípodas de um PS que deve ser o primeiro garante de que a Esquerda é capaz de dar estabilidade ao país e o primeiro depositário da esperança que a Esquerda Plural despertou em muitos portugueses de vários partidos.

Há muito que defendo que o PS é um partido moderado – pela sua vocação para construir convergências sólidas em torno de grandes desígnios nacionais, para além do horizonte das legislaturas e das maiorias de governo. Mas ser moderado não é ser centrista. Só como partido de esquerda pode o PS evitar os vícios do rotativismo e assumir a responsabilidade de fazer funcionar o sistema de alternativas dentro da democracia – contra todos os populismos, sejam agressivos ou de salão. É esse PS moderado e de esquerda, exercendo em pleno a sua autonomia estratégica, apresentando-se a todas as eleições nacionais com candidaturas próprias, que pode oferecer ao país o que temos de melhor dentro de nós: o pluralismo consequente e vivo.



Porfírio Silva, texto publicado no DN na qualidade de deputado e membro da Comissão Permanente do PS, 25 de Maio de 2018

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