7.5.18

Um olhar socialista sobre a educação no momento actual





No passado sábado, 5 de Maio, realizou-se em Lisboa a quarta sessão do ciclo "Encontro Nacional de Socialistas na Educação", onde me coube fazer a intervenção de abertura, na qualidade de membro da Comissão Permanente do PS responsável pela Educação e Ciência. Deixo aqui o texto de base dessa intervenção. Mais abaixo, pode ser ouvida a versão integral pronunciada.

***

1. Desde que assumi, na Comissão Permanente do Partido Socialista, a responsabilidade pelas áreas da Educação e da Ciência, além da participação em iniciativas várias de estruturas do Partido e da JS, organizámos quatro destes Encontros de Socialistas na Educação, em Aveiro, Coimbra, Matosinhos (Federação do Porto) e, agora, este em Lisboa, que será, neste formato, a última iniciativa neste mandato, que termina no Congresso Nacional que se realiza este mês.
Há um propósito político na realização destes encontros, que consiste no entendimento de que a democracia não é só votar, a democracia interna no PS é também participação livre, possibilidade de contribuir para a definição das políticas, fazer críticas e obter respostas, a possibilidade de conformarmos coletivamente o nosso posicionamento.
Devemos isso a nós próprios, como militantes de um partido democrático, tanto em dias de exaltação pelos sucessos que se obtêm na governação, como em dias mais difíceis, ou até mais tristes, que também às vezes atravessamos. Em todas essas circunstâncias devemos a nós próprios a participação democrática e livre na vida do partido.

2. Falemos, então, de educação. Vou começar por mencionar alguns números, os quais, só por si, dizem alguma coisa das nossas missões.
A taxa real de escolarização no ensino secundário (números de 2016) é de 75,3%, o que significa que cerca de um quarto das pessoas ou não completam o 12º ano ou o terminam fora da idade de referência, e, portanto, provavelmente tendo passado por alguma experiência de insucesso. Como estamos a falar da escolaridade obrigatória, estes são ainda números impressionantes e que identificam uma realidade na qual temos de progredir. É claro que, como em muitas outras áreas, a escola pública fez muito pelo país nesta matéria. Em 1974, a taxa real de escolarização no fim do secundário, não era 75%, era 4,9%. E era, no ano em que eu nasci, 1961, de 1,3%. Progredimos muito, mas temos de continuar a fazer o que falta.
Em 2016, dos portugueses entre 25 e 64 anos, 53% não tinham completado o ensino secundário.
E, vale a pena sublinhar, por exemplo, que a qualificação média dos empresários portugueses continua a ser inferior à qualificação média dos trabalhadores dessas mesmas empresas, o que também merece reflexão.
Olhemos agora para a transição entre o ensino secundário e o ensino superior, focando-nos na questão: para uma pessoa que terminou o ensino secundário, onde é que ela está um ano depois. Vejamos os dados, para os que concluíram o secundário em 2015/2016, comparando a situação dos que concluíram cursos científico-humanísticos com a situação dos que concluíram cursos do ensino profissional.
A primeira situação é “passado um ano não foram encontrados a estudar”. Estão nesse caso 20% dos que concluíram cursos científico-humanísticos; no caso do ensino profissional, temos um valor de 84%. Dá que pensar.
Outra situação é: “passado um ano, os que foram encontrados numa Instituição do Ensino Superior num curso que conduz a um grau superior”. No caso dos que fizeram cursos científico-humanísticos, 79% estão nessa situação. No caso dos que seguiram o ensino profissional, apenas 6%.
A terceira situação é “estuda numa Instituição do Ensino Superior num curso profissional que não conduz a grau superior”, encontrando-se aqui 1% dos que concluíram cursos científico-humanísticos e 10% dos que concluíram o ensino profissional.
Outro conjunto de números, pegando no relatório da OCDE sobre competências que foi divulgado ontem, nos aspectos respeitantes aos adultos.
Nos países onde há um forte investimento social na educação de adultos a um nível avançado, a média de idades dos estudantes no ensino superior é mais alta do que nos países onde esse investimento é mais fraco.
Comparemos dois países: Portugal e Dinamarca. Na Dinamarca, 72% das pessoas que entram no ensino superior têm menos de 25 anos. Em Portugal, 91% dos que entram no ensino superior têm menos de 25 anos. Isto quer dizer que em Portugal o ensino superior é quase só para os jovens. Mas não tem de ser assim e não deve ser assim.
No mesmo sentido, note-se que a média de idades dos estudantes do ensino superior é, em Portugal, de 20 anos. Na Dinamarca é de 25 anos. Num mundo em que a previsão é que o mercado de trabalho vai exigir, designadamente por causa da automação, a capacidade para mudar o perfil de competências mais rapidamente, para que possam encontrar novos empregos aqueles que sejam atingidos pela robotização e pela inteligência artificial, é importante que se continue a estudar e aprender até mais tarde na vida.
E, como também volta a mostrar este relatório da OCDE, Portugal estava a evoluir neste campo até 2011, com uma participação de pessoas dos 25 aos 64 anos na educação e formação de adultos que em 2010-2011 ultrapassou a média da União Europeia – e, depois, começou a cair, estando em 2013 de novo abaixo da média da UE. De facto, já o anterior governo do PS tinha claramente uma linha de modernização social, como todos os governos do PS têm tido, também nas qualificações, e o governo da direita cometeu o crime de tentar destruir esse rumo, que agora estamos a refazer.
Outro dado, que também resulta dos números: há ainda uma clara associação entre pertencer a uma classe social socialmente desfavorecida e ter mais insucesso escolar. E isso tem de nos interrogar, como socialistas.

3. Cabe sublinhar a questão: que desafios nos colocam estes números?
A política do Governo do PS é para responder ao comando constitucional no que diz respeito à educação, e é para que todos possam aprender mais e melhor, em condições de igualdade.
Há muito a fazer nessa matéria, é certo. Mas muito tem já sido feito e, disso, vou dar apenas uns poucos exemplos. A aposta no pré-escolar: 170 salas criadas em dois anos. E todos sabemos a importância que tem começar bem para continuar bem. O reforço da Acção Social Escolar. A reposição do pagamento das viagens de estudo aos alunos da Acção Social Escolar, cuja interrupção foi um indicador claro da visão discriminatória em termos sociais que se praticou. O programa dos manuais escolares gratuitos. As turmas mistas, reduzidas em cerca de 20%. Mais 730 técnicos especializados nas escolas, designadamente para apoiar os alunos com necessidades educativas especiais. A redução do número de alunos por turma. As tutorias, para as quais foram colocados mais 2000 professores. E estes são apenas alguns exemplos.

4. Este é um caminho, é um rumo. Roma e Pavia não se fizeram num dia, mas nós estamos a fazer Roma e Pavia, não num dia, mas um dia atrás de outro. E essa visão não pode ser esquecida em momento nenhum.
Temos uma estratégia global progressista, por uma escola de qualidade exigente, focada na missão da escola a longo prazo, sustentável, e não nos ciclos curtos, não para obter efeitos imediatos ou para obter efeitos meramente eleitorais. Importa ser claro: só uma política sustentada no longo prazo, só uma política para perdurar é verdadeiramente uma política progressista e uma política de esquerda. Porque as políticas que se esgotam em resultados imediatos para obter ganhos eleitorais a seguir, não são políticas de esquerda – são políticas eleitoralistas, são políticas demagógicas, são políticas que não são boas para o país nem boas para a educação.

5. Nessa aposta mais estrutural, mais estratégica, há elementos essenciais nas políticas desta governação do PS. Citemos alguns.
O Perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória. Enquanto a direita, que não estava convencida de que valesse a pena a escolaridade obrigatória de 12 anos, nada fez para pensar essa questão, deixou correr como se fosse um processo natural, o que este governo fez foi identificar a missão da escolaridade obrigatória, obtendo aí um largo consenso. Mas devemos mencionar também a aposta na promoção do sucesso escolar. A avaliação encarada como ferramenta da aprendizagem e não como instrumento de selecção social. A aposta no Ensino Profissional. O projeto da Autonomia e Flexibilidade Curricular, para voltar a apostar nas escolas como os locais próprios do desenvolvimento curricular e da densificação do trabalho pedagógico, e para voltar a apostar nos profissionais como aqueles que criam as oportunidades de aprendizagem em resposta aos contextos concretos. O repensar do currículo dos ensinos básico e secundário, que está agora com um novo fôlego, mas que não foi inventado agora à última da hora, tem vindo a ser preparado há muito tempo.

6. Mas importa ser claro noutro ponto. Os debates da Educação não podem ser só os debates sobre a condição dos profissionais. E quero dizer com toda a clareza, porque sempre o disse em todo o lado: respeito os sindicatos, sempre respeitei, e esse respeito nunca dependeu de estar de acordo ou em desacordo com as suas posições neste ou naquele momento. Mas o respeito pelos sindicatos não nos permite confundir um partido com um sindicato, nem nos permite confundir um partido com uma classe profissional. Acreditamos que o que é melhor para a educação é melhor para os profissionais, que o que é melhor para o país é melhor para os profissionais, e acreditamos sinceramente que os profissionais querem o melhor para a educação e querem o melhor para o país. E essa tem de ser a nossa linha de rumo.
A valorização dos profissionais, meta e caminho constante deste Governo, é essencial. Temos a prova disso no combate à precariedade. Não comecemos aqui pelos professores, e lembremos que o PREVPAP está a avançar: a Educação tem quase 7000 assistentes operacionais com perspectivas de vinculação. Uma mudança enorme, complexa, que demora tempo e dá muito trabalho, mas que está a ser feita e vai ter um impacto na vida desses profissionais, e na vida das escolas, e na vida dos alunos, e na confiança que as famílias têm na escola. Isto é muito importante – e não podemos nunca confundir os pormenores com as grandes linhas de rumo, com as grandes metas, com os grandes caminhos que estão a ser percorridos.

7. Mas falemos um pouco mais de professores. Este governo apostou na valorização da profissão docente. Mais uma vez, não há aqui tempo para fazer a lista exaustiva, mas lembremos alguns passos. Foi, logo no início, o fim da requalificação para os professores. Foi o fim da BCE. A criação do Grupo de Recrutamento de Língua Gestual Portuguesa. A revisão dos intervalos do 1º Ciclo. A harmonização dos calendários do pré-escolar e do 1º Ciclo. A revalorização da monodocência. O regresso do investimento na formação contínua. E, lembremo-nos: nunca tivemos tantos professores na escola pública como temos agora. E isso quer dizer que, na política deste governo, as pessoas são a matéria de que se faz o ensino e apostam nessas pessoas – enquanto outros criticam as despesas com os servidores da causa pública.
Também no caso dos docentes, foi iniciado o combate à precariedade, que é um combate longo e complexo, mas que avança. Foi sucessivamente melhorada a norma-travão. A vinculação extraordinária do ano passado abrangeu cerca de 3500 professores. Tivemos ainda a vinculação extraordinária para o ensino artístico especializado de Música e de Dança e temos para esses professores um regime de vinculação próprio. Este ano vamos ter nova vinculação extraordinária, e, no conjunto, vamos alcançar proximamente 7000 novas vinculações, um passo absolutamente sem precedentes.
Vamos ter o reposicionamento, depois da entrada na carreira, com a contagem de todo o tempo de serviço anterior. E, contrariamente ao que alguns disseram, foi feito assim porque o governo e os sindicatos concordaram em pedir um parecer à Procuradoria-Geral da República, e porque o governo decidiu homologar o parecer, tornando-o vinculativo, coisa a que não estava legalmente obrigado, e ainda porque o governo decidiu prescindir das margens que o parecer lhe dava para não contar o tempo integralmente. E, decidiu, pois, fazer essa contagem integral. Essa foi uma escolha política do governo, depois de ter o respaldo do parecer da PGR. E quem não percebe isto não percebe que governar também é obedecer às leis e que, quando há dúvidas na aplicação da lei, o governo tem de se socorrer de um esclarecimento legal, porque não pode agir só porque tem vontade de favorecer a classe em termos de carreira.
Operacionalizou-se o descongelamento das carreiras, tal como estava no programa do XXI governo constitucional, e dezenas de milhares de professores já começaram a sentir, até em termos remuneratórios, o efeito da progressão decorrente desse descongelamento. E outras dezenas de milhar vão continuar a sentir esses efeitos.
Quantos aos 5º e 7º escalões, onde havia o papão de que a portaria das vagas ia afunilar terrivelmente a progressão nesses casos, na realidade quase 90% dos professores no 4º escalão progredirão para o 5º, e mais de 60% dos professores no 6º progredirão para o 7º escalão, assim se demonstrando o efeito positivo da portaria das vagas – e do empenho que está a ser posto em valorizar a classe docente.

8. Será isto nada, será isto coisa pouca, como resultado de pouco mais de dois anos de governação? Só um distraído diria isso.
Quanto à recuperação do tempo de serviço do descongelamento, que ainda está em negociação, pergunto: seria justo repor o mundo no momento antes desse congelamento? Sim, até seria justo. Há muita coisa no mundo que seria mais justa se nós pudéssemos fazer o mundo andar para trás, se nós tivéssemos uma máquina do tempo e conseguíssemos anular os efeitos da história. Mas a política normalmente não permite viajar para o passado, a política é a construção do futuro, é fazer um futuro melhor do que o presente que temos e do que o passado que tivemos, não é fazermos de conta que temos uma máquina do tempo para nos fazer viajar para o passado.
Queremos tudo, todos queremos tudo, mas o mundo não é uma linha recta entre o que desejamos e o que é concretizável. O mundo é mais complexo do que isso e nós temos que seguir o caminho das pedras para lá chegar.
Temos de ser ambiciosos. Sim, eu, por exemplo, entendo que devíamos aproveitar a discussão da recuperação do tempo de serviço do descongelamento para começar a construir algum caminho para enfrentar o problema do envelhecimento da classe docente. Será fácil? Não será, mas devíamos tentar.
Agora, uma coisa tem de ser dita – e vou falar-vos de sustentabilidade das nossas soluções políticas. A direita, e, infelizmente, às vezes outros partidos de esquerda, parece que gostariam de ter um governo sem Ministro das Finanças. Mas nós não queremos um governo sem Ministro das Finanças. Nem queremos ter um Ministério da Educação que não seja orçamentalmente responsável. Porque, desse modo, nada disto que estamos a fazer valeria a pena, porque se não fosse sustentável não duraria. A sustentabilidade financeira da governação é fundamental – para o país, para a saúde económica do país, e para o PS, para a credibilidade do PS.
Se o PS não souber garantir a sustentabilidade das suas políticas no médio prazo, seremos de novo afastados do governo, não por 4, mas por 12, 16 ou 20 anos – certamente por muito tempo. E quem nos pode substituir não é nenhum governo mais à esquerda, porque quando formos substituídos será por um governo da direita – e já sabemos o que a direita faz, especialmente na educação, quando chega ao governo. E, portanto, temos uma exigência connosco próprios: responsabilidade, responsabilidade, responsabilidade.
Temos de saber gerir, gerir bem para investir, e para dar sustentabilidade a esse investimento. E devemos à nossa equipa do Ministério da Educação um enorme agradecimento por estar a gerir bem. Não é propriamente fazer omeletes sem ovos, mas é, quando se está a fazer a omelete, não deitar cair nenhum ovo no chão. Porque todos os ovos são precisos para fazer essa omelete de forma criteriosa.

9. É preciso ter uma compreensão política global dos acontecimentos e termino com um exemplo do que quero dizer com isto.
Recentemente, o Governo pediu ao Tribunal Constitucional a fiscalização da norma aprovada pelo parlamento que impõe a distribuição de horários completos e incompletos no concurso de mobilidade aos professores de carreira.
Muitos rasgaram as vestes por causa disso. Criticaram o governo por ter pedido a fiscalização da constitucionalidade de uma norma. Mas, então, antes era democrático recorrer ao Tribunal Constitucional; era tão necessário recorrer ao TC, porque o TC é o vértice do sistema de defesa dos valores constitucionais – e agora já não se pode recorrer ao Tribunal Constitucional?
Quando a Assembleia da República se imiscui nas competências do Governo, não deve o governo defender as suas competências para poder gerir bem? E para depois poder responder pela forma como geriu, bem ou mal? A minha resposta é sim, o governo fez o que devia. Porque há um perigo nesta circunstância política, que é o que chamamos “governo de assembleia”, que é o parlamento, em vez de legislar, querer substituir-se ao governo na função executiva.
Eu gosto da Esquerda Plural, é sabido que sou apoiante desta solução política, mas não quero um “governo de assembleia”, porque reside aí um grande perigo – um perigo ainda maior quando se concretiza em coligação negativa, como, neste caso, foi feito em coligação negativa. É que nós já sabemos no que dão as coligações negativas, porque nós tivemos quatro anos e meio de Passos Coelho por causa de uma coligação negativa. E quem esquecer isso está muito enganado acerca das nossas responsabilidades perante o país.
Por estas razões, temos de ter os nossos objectivos muito claros e assumir as nossas responsabilidades. E as nossas responsabilidades são fazer as coisas bem feitas, defender a escola pública, defender a educação, defender os nossos profissionais, combater a precariedade dos nossos profissionais, defender as carreiras dos nossos profissionais, criar-lhes perspectivas de evolução, criar-lhes melhores condições para o exercício profissional – e fazer tudo isso de forma sustentável. Para que nada disto acabe amanhã, nem daqui a um ano ou dois, porque ninguém quer voltar para trás no que está a ser feito. O que queremos é trilhar um caminho suficientemente seguro para que ele possa continuar a ser percorrido, porque há muito para fazer. E temos de fazer o que falta fazer.




Porfírio Silva, 7 de Maio de 2018
Print Friendly and PDF