25.7.12

a guerra dos sexos na versão sociologia de praia.


Miguel Araújo - Os Maridos Das Outras


E depois o "pay back":

Si Menor - As mulheres dos outros


postal para Rui Tavares.


Rui Tavares tem andado a escrever uma série de artigos no Público, subordinados ao título genérico “Uma refundação democrática?”. O “volume” de hoje é sobre a União Europeia e deixou-me de boca aberta.

Embora eu não tenha nenhum telemóvel com fichas dos políticos e outras personalidades que por aí andam, tenho ideias gerais sobre certas pessoas com intervenção no espaço público. Considero Rui Tavares um deputado europeu honesto e uma pessoa em geral sensata, sem que esta minha opinião seja melindrada pelas vezes em que discordo dele. Esta consideração suave, que é quase o máximo que consigo dar a “pessoas públicas”, hoje tremeu com a sua ideia para a refundação democrática da Europa.

Basicamente, o que Rui Tavares propõe é que o embaixador que chefia a Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia (REPER) passe a ser eleito pelos portugueses, como são eleitos os deputados europeus. A sua justificação radica numa teoria sobre o papel do Conselho (órgão que reúne os governos dos Estados Membros) nas instituições comunitárias. Como, no Parlamento Europeu, os países populosos têm muito mais deputados do que os países pequenos (o que está certo), encontra-se uma compensação numa espécie de “Câmara Alta”, um Senado, onde a representação é estadual e tendencialmente igualitária. Actualmente, o Conselho é uma espécie de Senado da UE, mas dominado pelos governos. Então, avança Tavares, o REPER deveria passar a ser eleito pelos portugueses – um avanço político que este deputado europeu compara à eleição dos senadores americanos directamente pelos eleitorados estaduais e não indirectamente pelos parlamentos de cada Estado federado. Segundo Tavares, assim se dava um passo para transformar o Conselho num Senado eleito.

Confesso que me espanta que uma pessoa como Rui Tavares possa escrever isto. Fundamentalmente por ser uma colossal demonstração de ignorância. Quem representa Portugal nesse tal “Senado” (Conselho e Conselho Europeu) não é o embaixador REPER: são os ministros e o primeiro-ministro. O REPER é um funcionário: um alto funcionário, mas um funcionário. O REPER serve a política do seu país, tal como definida pelo governo do momento, seguindo as respectivas instruções. Qualquer proposta sobre a transformação do Conselho na Câmara Alta do Parlamento Europeu, além de estar muito longe de ser nova, só pode incidir sobre os políticos que aí representam alguma coisa, não sobre funcionários. Esta confusão, lamento dizê-lo quando está em causa Rui Tavares, é colocar a ignorância ao serviço de uma proposta popularucha.

Para levar o que Rui Tavares propõe às suas últimas consequências, os portugueses deveriam eleger, suponho que por voto directo, o embaixador chefe da missão de Portugal junto da ONU, já que ninguém duvida que ele anda por lá perto de quem manda. Ou, ainda, os portugueses deveriam eleger o director-geral de impostos, já que o seu cargo é tão importante para a nossa vida. Não, Rui Tavares, a política democrática não se faz com tiro ao alvo contra os “burocratas” que servem o país, gostemos ou não gostemos deles. O tiro ao alvo contra a diplomacia pode servir os instintos básicos dos que têm uma concepção caseira da política democrática, mas não tem nada a ver com uma refundação democrática. Cavar na ignorância é, pelo contrário, uma verdadeira “afundação” da democracia.

24.7.12

libelinhas.


Já ninguém ouve álbuns da primeira à última canção. Já ninguém lê livros da primeira à última página. Mesmo nas escolas pululam as fotocópias de capítulos, como quem vai ao retalho comprar um quilo de feijões. Filmes, aparentemente sim: para lá dos visionamentos na televisão, compatíveis com toda a espécie de distracções e interrupções, ainda se vêem filmes completos nas salas de cinema, porque as pessoas se sentam na sala escura e ficam lá até ao fim (quase, porque saem antes da ficha) – mas, na verdade, lêem e mandam mensagens curtas durante o filme (os mais boçais falam mesmo ao telemóvel), tratando a fita como uma colecção de vídeos do YouTube.
Quando digo “já ninguém…” quero dizer “há uma prática generalizada e que se tornou padrão de comportamento e de avaliação”. Quero dizer: entranhou-se (mesmo que depois de se ter estranhado).
Podemos tecer muitas considerações sobre vários aspectos dessa questão. Uma linha de considerações seria pedagógica: quando ensinamos, o que ensinamos implicitamente por dizer às pessoas que podem colher um raminho aqui e um raminho acolá, sem grande atenção ao conjunto, como se estivesse ao nosso dispor fazermos um grande caldo de “pacotinhos de informação”, mesmo que esses pacotinhos desgarrados tenham perdido todo o sabor daquilo que os autores quiserem originalmente dizer? Esta forma de fazer as coisas está, penso eu, intimamente ligada à desafeição que cursos de toda a espécie deixam naqueles que os frequentam em relação às pérolas que os deviam ter marcado a fogo. Uma secção ou um capítulo de uma obra não é necessariamente uma obra propriamente dita, mesmo que permita fazer um exame e dizer que já se leu fulano ou beltrano. E alimenta-se a síndrome da libelinha.
Mais em geral, voando mais afastado das coisas práticas, esse estilo libelinha peca por não nos ensinar a consideração. Consideração de uma obra no que ela tem a dizer como intervenção no mundo, não apenas um pedaço de informação sobre isto ou aquilo que aparece a páginas tantas. Consideração de um autor que escreve um livro, realiza um filme, compõe uma obra musical, não para ser “fonte de informação”, mas para dizer qualquer coisa sobre a sua e nossa humanidade. Consideração de uma obra, de uma visão, de um grito que seja. Comer isso cortado em fatias é uma aberração, uma falta de consideração, uma forma obtusa de nos desgarrarmos dos outros e do seu significado como habitantes deste mundo.
A generalizada desatenção ao que tem significado de algum lado virá.

23.7.12

a fluidez nos professores.


Adormeceram professores e acordaram sem turmas.

Respigo do testemunho de Cecília Lourenço: "O pior é sentir que nunca mais vou ser a mesma. Pode parecer exagero. Mas é mesmo assim: eu, que não tinha medo, não voltarei a sentir-me segura. Não apenas na escola, mas no país."

Isto explica-se? Explica.
Deixo-vos uma citação, sem comentários, para reflexão:
A fluidez: tocamos aqui na essência da estabilidade das democracias-mercados. Esta fluidez só pode funcionar através de uma química social capaz de exercer uma pressão permanente, presente em toda a parte e em parte nenhuma, uma espécie de polícia obstinado em seguir cada Robinson-partícula como se fosse a sua própria sombra.
Este gendarme pacífico, silencioso, permanente e sobretudo gratuito estava ao alcance da mão: era a fome! Bastava pensar nisso... e muitos eram os conservadores que, como o Bentham do tempo da revolução industrial, se maravilhavam com o facto de a Natureza regressar a galope até ao social e se encarregar ela mesma de produzir o que era exigido à época pelo mercado de trabalho: uma grande massa submissa e embrutecida pela fome!

A citação é de Gilles Châtelet, Vivermos e Pensarmos como Porcos, Temas & Deabtes, pp. 69-70

Não anda muito longe do que escrevi aqui.

No meio disto tudo, as pequenas trapaças dos corredores são apenas epifenómenos (embora digam alguma coisa da qualidade humana de certos intervenientes).

inversão de valores.


Marcelo: Sócrates “qualquer dia” estará transformado numa vítima do Freeport.

Concretamente, citando o Público: «José Sócrates, "qualquer dia está uma vítima e começa a ser pagante" e poderá mesmo falar numa "perseguição pessoal".»

A ver se nos entendemos: o que preocupa Marcelo não é que José Sócrates tenha sido vítima do caso Freeport, quer dizer, que esse caso tenha - sem nenhuma base substantiva - servido para o conspurcar, para lhe dificultar a acção política, para apimentar a política de ódio contra ele, para o fazer perder tempo, para animar as hostes da oposição toda junta que de outro modo até teria vergonha de se juntar tão juntinha. O que preocupa Marcelo não é que José Sócrates tenha sido vítima, tenha sido alvo de uma perseguição pessoal, porque Marcelo está-se a marimbar para as vítimas em política, desde que não sejam do seu regimento. O que preocupa Marcelo é que qualquer dia toda a gente, mesmo os muito distraídos, mesmo os muito cegos pela raiva, vão perceber que José Sócrates foi uma vítima, deste caso e de outros parecidos, porque de uma montanha de nada se fez toda esta novela infinita.
Claro, não se trata dos que têm amigos disponíveis nos serviços secretos: esses provavelmente há muito tempo que perceberam como essas coisas se fazem. Trata-se de entrar pelos olhos dentro de toda a gente aquilo que Marcelo quereria que poucos compreendessem. É isso que preocupa Marcelo. O que ele quer dizer é: "companheiros, vamos largar este osso antes que toda a malta perceba quem tramou isto".
O miraculoso professor dos domingos não está preocupados com as vítimas. Está preocupado é com os autores morais. E com os beneficiários.

20.7.12

quantas vidas tem um homem mortal?


Morreu José Hermano Saraiva. Que descanse em paz. Sinceramente.

Mas os que fazem gala de ignorância (ou por serem ignorantes ou por pensarem que nós somos) ocupam a cena com grande diligência. Desde o senhor Aníbal, que parece que gostava de contar segredinhos familiares à polícia política, até ao nosso primeiro-ministro, que se calhar nunca estudou história para lá da inventona dos pregos na Avenida contada pelo amigo Ângelo, servem-nos a propósito deste falecimento um branqueamento de mau gosto. Tenho muita honra, como português, em que a revolução que se seguiu a Abril de 1974 tenha deixado ir em paz praticamente toda a gente que tivera ferozes responsabilidades na repressão durante a ditadura. Também nisso a nossa revolução foi grande de espírito. Mas não nos façam de tolos. Senhor PR e senhor PM, se não sabem quem foi José Hermano Saraiva, leiam, por exemplo, aqui e aqui.


alterações ao código do trabalho.


Novo artigo: "O empregador não pode aumentar a duração do dia de trabalho. Não obstante, o empregador pode, de acordo com as circunstâncias locais, determinar que a hora de trabalho deixe de ser equivalente a 60 minutos e passe a ser equivalente, por exemplo, a 90 minutos. Nesses casos, será da responsabilidade do trabalhador adquirir relógios adaptados à nova forma de contagem do tempo."


18.7.12

trabalho e capital.


Continuando o debate sobre o acórdão do Tribunal Constitucional que declarou inconstitucionais os cortes dos subsídios, este post no Blog Sedes contribui com dois elementos relevantes.

Primeiro, chama a atenção para a diferença entre dois tipos de capitalistas: por um lado, os que arriscam o seu capital como empresários e criam emprego; por outro lado, os que vivem dos juros de emprestar dinheiro aos primeiros. Concordo que a distinção é socialmente importante e que ela devia ter efeitos práticos na política económica - embora daqui não se possa deduzir que um tratamento equitativo neste caso esteja protegido pela lei fundamental, coisa que o autor do post não cura de mostrar.

Segundo, o post em apreço pergunta: "será que a Constituição da República Portuguesa discrimina os cidadãos consoante o seu contributo para a riqueza nacional seja feito por via do trabalho ou do capital?". Aqui, alto e pára o baile: estou cansado desta teoria de que "o trabalho" é apenas uma forma económica. O meu trabalho é parte do que é essencial na minha vida; a minha dignidade como pessoa passa pelas minhas condições de trabalho; quem trabalha quando uma pessoa trabalha não é um "factor de produção", não é um robô, é um ser humano que queremos tenha condições de dignidade. O que diz respeito ao trabalho não pode esgotar-se no "contributo para a riqueza nacional", naquele sentido puramente económico acima usado. O trabalho são as pessoas, o capital é um coisa imaterial que não tem nem deixa de ter dignidade. Também não quero atentar contra a dignidade do capitalista, mas o capital do capitalista não é a mesma coisa que o trabalho do trabalhador. A menos que se partilha a ideia de que só há "coisas" no mundo - e que nós e o dinheiro somos apenas coisas iguais entre um mar de outras coisas.

o bispo e o ministro.

D. Januário, sendo bispo ou não, tem direito a pronunciar-se sobre a nossa vida comum. Aliás, prefiro os dirigentes da Igreja que metem a mão na vida comum do que aqueles que só tratem da sua vidinha, tipo "eu-e-o-meu-deus-em-privado-diálogo".

Isto não nos impede de discordar do que, em concreto, disse D. Januário. Desta vez disse coisas importantes (sobre certas iniquidades sociais), mas também se meteu por caminhos ínvios, quer em termos substantivos (a acusação genérica de corrupção dirigida ao governo parece-me disparatada), quer em termos de estilo (a agressividade verbal não acrescenta nada de bom ao debate e inflama chamas que já são suficientemente altas).

Outro aspecto da questão é a resposta política dos que não gostaram de ser criticados. Acho que não faz sentido que haja um "bispo das forças armadas" (isto não é o Irão...), mas acho absolutamente tolo que o ministro da Defesa venha dizer que D. Januário tem de optar entre ser bispo da forças armadas ou comentador político. Aguiar Branco, um homem que veste bem mas que abre demasiadas vezes a boca só para mostrar a sua falta de senso, reincidiu no estilo. Primeiro, parece pensar que o direito/dever de opinião está reservado aos "comentadores políticos", uma classe de pessoas a quem os media pagam para falar - o que é, no mínimo, bizarro. Segundo, enceta um estranho diálogo entre o ministro dos militares e um militar (um pouco estranho, mas o capelão militar, D. Januário, tem uma patente militar e tudo). Quem teve a ideia de que o político apropriado para responder a D. Januário seria o ministro "da pasta" mostrou uma total irresponsabilidade. É que cabe perguntar: estaria o ministro a tentar exercer algum tipo de autoridade sobre o bispo para o calar? Esta dúvida merecia ser esclarecida - e se Aguiar Branco não a esclarecer deixa-nos hesitantes acerca das suas condições para ser ministro de uma tal pasta.

troikatismos.


Ontem, a propósito da mais recente avaliação do programa de ajuda externa a Portugal, comentou-se muito que o FMI está mais flexível do que os representantes da União Europeia na Troika, no que toca a adaptar as condições do "ajustamento". Antigamente, o FMI era o mau da fita; agora, o FMI surge como o "polícia bom".
Convém não esquecer o seguinte: enquanto o FMI faz, no curto prazo, o que bem lhe dá na gana em termos de orientação de política económica, os europeus da Troika são seguidos de perto por um autocarro de governantes que prestam contas às suas opiniões públicas de forma mais ou menos imediata. E essas opiniões públicas estão basicamente com os dentes aguçados contra os países "ajudados", que consideram ineptos e gastadores. Esse é o problema da Europa - e o nosso problema. É, afinal, o problema da democracia: temos de convencê-los se queremos o dinheiro deles.
Os que tanto bramam contra a "falta de democracia da Europa" (talvez por acharem que só há democracia onde tudo se pode decidir por assembleia geral de vizinhos) deveriam pensar nisto.

o seu nome é dignidade.



Mandela completa hoje 94 anos. Ele é o exemplo de que a dignidade pode ter uma tradução política. O bispo Desmond Tutu disse um dia que a existência de Mandela, com a forma como ele lidou com a transição na África do Sul, tinha sido um milagre. Ora, para mim que não sou crente, mas gosto do que as palavras podem dizer, está aí um bom sentido novo para a palavra milagre.

17.7.12

os professores.


Nas escolas e nas ruas, professores admitem radicalizar os protestos.

Muito haveria a dizer sobre o comportamento de certos agentes políticos e sindicais na "gestão" dos interesses dos professores. Mas não vamos por aí; o que quero hoje dizer não assenta em visões particulares de problemas específicos, é algo bastante mais geral.

Se tivesse que identificar aquela que emerge como a principal característica social das democracias ocidentais nestas décadas mais recentes não teria dúvidas em dar-lhe este nome: precarização. Somos todos precários, o sistema vive de nos tornar todos precários, é a precariedade que nos controla e neutraliza como cidadãos.

Pode dizer-se que antes da precariedade veio a atomização. Convenceram-nos de que a máxima liberdade é a máxima individualidade (um certo anarquismo ingénuo perpassa hoje pelo discurso popular mais à direita e mais à esquerda no sistema de coordenadas tradicionais) e isso tornou-nos cúmplices contentes da destruição das pertenças. Todas as pertenças são ridicularizadas num ou noutro momento, em nome do "eu quero" do indivíduo que se pensa como átomo de uma sociedade reduzida a colecção de partículas.

Mas a atomização seria (em abstracto) compatível com um leque de direitos que fossem reconhecidos a cada indivíduo. O problema é que isto é puramente teórico, porque os direitos não caem do céu e não se vê por que carga de água átomos isolados alcançariam direitos, quando historicamente isso só acontece quando grupos humanos em movimento são capazes de os conquistar. E a realidade veio mostrar que a atomização não era o fim da história: ela criou a relação de forças que tornou toda a gente vítima possível da precarização. E é isso que temos hoje.

Precarização é estar sempre no olho do furacão. Tenho de estar sempre alerta: não para cuidar dos meus planos de vida, dos meus filhos, dos meus pais, do meu bairro, dos meus colegas, da minha terra, mas para satisfazer todos os desejos de quem paga, muito ou pouco, pelo meu trabalho. Eu já não vendo apenas a minha força de trabalho, vendo a minha dedicação total, todo o meu tempo, toda a escala dos meus interesses. A condição de proletário (com quatro anos de escolaridade ou com doutoramento) toma conta de toda a minha vida - e, cereja em cima do bolo, tenho de ser dedicado, em todo o tempo e em toda a parte, acordado ou a dormir. Como se consegue isso? Tornando curtos todos os ciclos: sou escrutinado cada ano, cada mês, cada dia, cada hora. Não posso ter projectos a quatro anos, porque não sou livre de gerir a minha vida a quatro anos. Só o patrão (aliás, só alguns patrões) podem pensar a quatro anos, todos os outros podem morrer amanhã. E em ciclos destes, de um dia para o outro, a conformidade é o melhor seguro.

Precarização é estar sempre na iminência. A iminência do desequilíbrio, a eminência da ruptura, a eminência do fim de um mundo. Estar sempre na presença da iminência é o roubo do tempo: não há margem de manobra para ninguém, tudo pode acontecer instantaneamente. Os humanos criaram instituições para gerir a sua pertença ao tempo: nascemos e crescemos nos edifícios (institucionais) que os outros criaram, mais tarde podemos dar o nosso contributo para mudar esses edifícios (mas não se muda tudo ao mesmo tempo se queremos continuar a habitar), deixamos aos seguintes uma base onde eles possam continuar a obra, que é humana ao máximo (essa arte de continuar). As instituições permitem que não cheguemos de cada vez ao mundo despidos como se fossemos os primeiros, que nos apoiemos no que outros conquistaram antes de nós. Ora, a precarização é a negação da instituição como forma humana de viver: como estamos sempre ameaçados de que tudo pode ruir, não há maneira de confiar numa certa continuidade que nos poderia dar algum conforto, o que nos dizem é que não podemos deixar nada. Só podemos entregar tudo, incondicionalmente: e para isso temos de estar completamente desprotegidos.

A nossa desprotecção é o seguro de vida de uma tirania mais ou menos impessoal que destrói a nossa participação cidadã. Um precário tem de pensar na sobrevivência, não pode pensar na vivência. Um precário está sempre sob chantagem, se não está a ser triturado está a caminho de ser triturado. Essa é a condição de suspensão de todos os direitos, o imposto revolucionário que o capitalismo actual nos cobra de armas na mão. A precarização é a selva absoluta, a redução das instituições (essa marca das sociedades humanas) à inoperância ou à mera componente repressiva, a transformação da pessoa numa peça descartável. Mais úteis do que as peças descartáveis, que não têm consciência de serem descartáveis, são as pessoas descartáveis, porque têm consciência de o serem. A precarização, espalhando-se como mancha de óleo, é a negação da humanidade e a redução das pessoas à condição de animais à solta entre outros animais numa selva pós-contemporânea.


desprestigiar o Parlamento...


Desprestigiar o Parlamento é coisa que pode ser feita pelo próprio Presidente do Parlamento. Neste caso, pela própria senhora presidente da Assembleia da República. Duvidam? Então, leiam isto.

16.7.12

as medalhas do Tribunal de Contas.


Macário Correia obrigado a devolver três mil euros à Câmara de Faro.

Não faço disto nenhuma leitura político-partidária, mas repetem-se as "medalhas" que o Tribunal de Contas distribui por toda a parte. Moralizador, este espalhar de puxões de orelhas? Talvez. Mas não estou certo. Se, no século XIX, Almeida Garrett ridicularizou a distribuição indiscriminada de títulos nobiliárquicos com a entretanto célebre fórmula "Foge, cão, que te fazem barão. Para onde? Se me fazem visconde...", neste século XXI parece que toda a gente com qualquer função de responsabilidade pública pode facilmente ter direito a uma prenda do Tribunal de Contas que, com uma interpretação diferente de algum recanto obscuro das inúmeras leis aplicáveis, lá manda devolver isto ou aquilo que terá sido percebido indevidamente. Claro que há sempre na plateia quem esteja disposto a pensar que todos não passam de uma cambada de gatunos e chupistas e, que, por isso mesmo, é salutar que sejam vergastados. Pela minha parte julgo que há muita gente honesta a ser enxovalhada por interpretações legais que estão longe de ser cristalinas.

E, além disso, há coisas que, mesmo que sejam legalíssimas, me parecem supremos disparates. Naquela notícia mencionada acima é relatado o caso da Câmara de Palmela que, pelos vistos, face à "manifesta falta de transportes públicos dentro do concelho", tinha um serviço de autocarros que faziam o "transporte diário de trabalhadores [da autarquia, suponho] da residência para os locais de trabalho e destes para a residência, com viaturas e motoristas da autarquia", que teve de acabar porque o Tribunal de Contas achou que tal se fazia "sem norma legal habilitante". Eu teria tendência a pensar que se tratava de algo muitíssimo racional, de vantagem para o próprio empregador - facilitar a deslocação para o trabalho - e capaz de promover a boa adesão dos funcionários aos fins da entidade empregadora... mas, afinal era coisa feia a que havia que pôr cobro. E assim se fez, acabou-se com tamanha privilégio, regalia, malfeitoria enfim.

Isto faz sentido?

(Sem surpresa, os comentários que logo aparecem a estas notícias - nos sítios em linha dos jornais - evidenciam qual é o efeito das mesmas: os comentários mais violentos são os que mostram nem sequer ter percebido o fundo do que está em causa. Esses comentários, na sua ignorância violenta, são o fim da linha desta "produção" continua de decisões do TC e de títulos de jornais que deixam pensar que é tudo uma roubalheira.)

15.7.12

Dom Afonso Henriques que se cuide.


Líder da JSD pede explicações da licenciatura de Relvas a Mariano Gago.

Segundo o Público, «Duarte Marques, líder da JSD, pediu explicações a Mariano Gago, ex-ministro socialista da Ciência e Educação, sobre a licenciatura na universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias em Ciências Políticas e Relações Internacionais de Miguel Relvas. Em declarações à TSF, Marques acentuou que é “preciso pedir explicações a quem aprovou esta lei [de equivalências], na altura o ministro Mariano Gago (...)».

Parece que o (longínquo) sucessor de Passos Coelho à frente da JSD se prepara, a seguir, para pedir contas ao primeiro rei de Portugal por ter criado a entidade política que, finalmente, permitiu que fossem publicadas leis sobre o ensino superior: é que, não havendo leis, seria impossível dar-lhes mau uso, abusar delas, torcer o mundo para caber na cabecinha pequenina desta gente. Claro que, no meio disto tudo, que Relvas seja um troca-tintas não interessa, do ponto de vista histórico, quase nada - quando comparado com a responsabilidade histórica de D. Afonso Henriques... e com a falta de vergonha de Duarte Marques.

14.7.12

resultado do passatempo.


Esteve aberto até ontem à meia-noite um passatempo que abri há dias aqui no blogue. Vou agora lembrar o passatempo, dar a resposta correcta que se pedia aos participantes e divulgar os resultados.

Estava assim formulado o passatempo:

Os primeiros cinco leitores que identifiquem correctamente e de forma suficientemente exacta, através de mensagem para o endereço de correio electrónico deste blogue, qual é a obra que aparece neste pequeno vídeo... receberão em oferta um exemplar do meu livro Podemos matar um sinal de trânsito? - no endereço que venham a indicar, desde que no território nacional (continente e ilhas). A oferta expira às 24 horas da próxima sexta-feira.


A resposta correcta era a seguinte: trata-se da instalação "La Siesta", de Antoni Muntadas, inserida na exposição do artista - Entre/Between - actualmente patente ao público no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa.
A instalação remete para uma sesta, com o assento onde ela decorre, com imagens do corpo que dorme - e com imagens com que sonha o corpo adormecido. Assinalar a origem de algumas dessas imagens não é identificar correctamente a obra em causa, pelo que nenhum dos leitores que enviou e-mail respondeu como se pedia ao passatempo. Mesmo assim, vou enviar livros aos três primeiros leitores que me fizeram chegar a sua participação. Agradeço aos que deram atenção ao passatempo.

(Claro que só agora posso mudar o título ao vídeo...)


um tratado de política à portuguesa.


Menezes avisa vice-presidente da Câmara para não repetir críticas a Relvas.

As declarações de Luís Filipe Menezes que constam desta notícia dão uma imagem pálida do que são os corredores da política à portuguesa. (Infelizmente, não estamos sós nessa matéria.)
Em resumo: as bocas que eu alimento não podem estar instaladas em cabeças que pensem autonomamente; quem não reconhece o protector acaba mal; como sou bonzinho, não mato à primeira. Este é o sentido real do que disse Menezes e o Público relata. Uma vergonha esta forma de fazer política, misturando partido, Estado, autarquia, dependências pessoais. E não rolam cabeças - a não ser, quem sabe, a do tipo que falou pela sua própria boca num momento de desvario (pensava que podia ter opinião própria).


13.7.12

pequenas lembranças aos esquecidos.


O presidente do Tribunal Constitucional afirma que se olhou de forma errada para o acórdão que considerou inconstitucional o corte dos subsídios de férias e de Natal aos trabalhadores da função pública e pensionistas. Como alternativas, sugere que se taxe não apenas os rendimentos trabalho, mas também os do capital.

Limito-me a citar um pouco mais Rui Moura Ramos, porque nem precisa comentários:

«A crítica parte de um postulado errado. O acórdão não se baseia na comparação entre titulares de rendimentos de origem pública ou privada. Quando se está a chamar a atenção para a comparação entre público e privado está-se a fazer uma leitura redutora do acórdão. O acórdão fala de titulares de rendimento. Ora os rendimentos não são só públicos ou privados, porque antes de mais, esses são os rendimentos do trabalho e há outros rendimentos que estão em causa também, como os rendimentos do capital.»



postal para os soberanistas.


Acerca de dois campos de opinião que, quanto à possibilidade de o Euro ser viável sem estar suportado num Estado-Nação, asseguram uma de duas coisas absolutamente opostas (“Nunca funcionará!” ou “Certamente funcionará!”), Tommaso Padoa-Schioppa escreveu (*):
Inimigos como são, os dois campos compartilham o mesmo artigo principal da fé: que o Estado-nação é e continuará a ser o soberano absoluto dentro das suas fronteiras. Ambos acreditam que as relações internacionais continuarão a basear-se no duplo postulado da homogeneidade interna e da independência externa, um modelo inventado pelo Tratado de Vestfália de 1648. Ora, por um lado, a fortificação da cidadela é impossível, pelo outro, é desnecessária. Ambos falham em ver que nós já vivemos num mundo diferente, no qual o poder político já não pode ser monopolizado por um único titular. Em vez disso, é distribuído ao longo de uma escala vertical que vai desde o municipal ao nacional, do continental ao global. Ambos os campos parecem ignorar que a história é um processo dinâmico impulsionado por contradições.

(*) Financial Times, 13 de Maio de 2010

11.7.12

fazer humanos.


Por razões profissionais, tenho andado nos últimos dias numa relativamente intensa troca de mensagens com o Professor Kohji Ishihara, do Centro de Filosofia da Universidade de Tóquio. Há dias enviou-me um texto dele, a que não poderia de outro modo ter acesso por estar à espera de ser publicado ainda este ano num volume colectivo numa editora alemã. O texto intitula-se “Roboethics and the Synthetic Approach: A Perspective on Roboethics from Japanese Robotics Research”. Muito interessante (provavelmente, ainda falaremos disto aqui noutra ocasião).

Estando a apresentar várias abordagens japonesas à relação entre robôs e humanos, esse texto cita Masahiro Mori, uma figura de proa da Sociedade Japonesa para os Biomecanismos, num texto de 1968, escrevendo o seguinte: “A mera análise de humanos não é suficiente para compreender os humanos. Fazer humanos é o caminho para compreender os humanos (...). Isto é verdade não só no que diz respeito à inteligência, mas também para um olho ou um dedo.”

Notar que "fazer humanos", neste contexto, não se refere ao "método clássico" ...

Pensem nisto. E pensem que foi escrito em 1968.


os lobos.


Passo a citar.

Depois do 25 de Abril muita coisa melhorou. Basta ver os números e conhecer o País. Mas ficámos a meio. E estamos a regressar ao passado. A classe média oriunda de famílias pobres está a ser preparada para regressar ao seu lugar de origem. Os pobres a ser preparados para se habituarem, sem esperança, à sua condição. Sem os "privilégios" do Estado Social e sem qualquer condição para entrarem no elevador social que o Estado Providência lhes começou, há tão pouco tempo, a garantir. Enquanto os donos de Portugal e os seus avençados tratam das suas privatizações e das suas parcerias, dizem a quem vive do seu salário: "Não há dinheiro. Qual destas três palavras não percebeu?"
O homem honesto voltou a ser o que trabalha sem direitos, se cala e tudo consente. Esta é a propaganda que nos vendem todos os dias em doses cavalares: tudo o que fizerem será ainda pior para vocês. Empobrecer é inevitável. Resignados na sua pobreza obediente, tudo se pode fazer a quem apenas depende do seu trabalho. O milionário Warren Buffet disse, em 2006: "há guerra de classes, com certeza, mas é a minha classe, a classe rica, que faz a guerra, e estamos a ganhar". Não é só em Portugal que assistimos a este retrocesso.

Autor: Daniel Oliveira. Na íntegra: A pobreza calada.

o estado da nação.


O estado da nação é que não somos capazes de nos entender, colectivamente, acerca de quais são as opções possíveis para o nosso futuro comum (para deitarmos fora as opções que só o são no plano da retórica), não fomos ainda capazes de ver claro como nos organizarmos de forma equitativa (para não andarem uns a comer fartamente à conta dos outros) e não somos capazes de negociar um caminho em que todos possamos beneficiar de alguma maneira. O vírus do individualismo radical é a marca civilizacional do nosso tempo: há-o para todos os gostos, desde a direita mais direita à esquerda mais esquerda, com roupagens de liberalismo ou roupagens de anarquismo. Não há verdadeiramente ideias novas acerca de como fazermos comunidades políticas participadas, sólidas desde os alicerces, onde toda a gente tenha voz, sem descurar a necessidade de uma condução organizada do todo. Numa palavra: os físicos conseguiram pôr-nos a usar instrumentos que dão alguma utilidade prática às suas descobertas, os cientistas e os filósofos da sociedade não conseguiram pôr-nos a funcionar melhor como colectivo. E o estado da nossa nação é bem um exemplo disso.

são estas as opções políticas que nos restam?


Catálogo de Merkeles.



(Imagens recolhidas por Noortje van Eekelen no âmbito do projecto Spectacle of Tragedy)

debates na (des)União.


«Only by breaking the link between the refinancing of banks and the solvency of national governments will it be possible to stabilise the supply of credit in crisis countries. If the refinancing of banks – and the insurance of bank deposits – can be made independent of the financial state of the respective domiciling country, national sovereign crises can be decoupled from the private sector financing.»
Excerto desta tomada de posição em resposta a...

... “A letter from 172 German-speaking economists published by the daily Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ) lambasts the steps taken towards a banking union by euro-zone leaders at a summit last week in Brussels. It has unleashed a counterblast from government heavyweights and their economic advisers, leaving the public even more confused. (...)The 172 academics are indignant and warn of dire consequences for German citizens when they end up guaranteeing balance-sheets three times the size of all euro-zone public debt.” (aqui)

9.7.12

passatempo.


Os primeiros cinco leitores que identifiquem correctamente e de forma suficientemente exacta, através de mensagem para o endereço de correio electrónico deste blogue, qual é a obra que aparece neste pequeno vídeo... receberão em oferta um exemplar do meu livro Podemos matar um sinal de trânsito? - no endereço que venham a indicar, desde que no território nacional (continente e ilhas). A oferta expira às 24 horas da próxima sexta-feira.


Design com micro-algas.




O Eco Pod é uma proposta de design experimental para a produção de energia limpa e renovável, que deverá funcionar em edifícios velhos e abandonados. Enquanto esperam por uma eventual recuperação, esses edifícios podem tornar-se bio-reactores verticais: suportes de micro-algas que produzem energia para a cidade.

A ideia, desenhada para estimular a economia e ecologia da cidade de Boston, tem origem nos estúdios americanos Höweler+Yoon Architecture e no Squared Design Lab.

(Fonte)


teatro na prisão no parlamento na sua mente.




A Assembleia da República e a Associação PELE, ao abrigo do projecto europeu PEETA (Personal Effectiveness and Employability through the Arts), apresentam a peça de teatro "Inesquecível Emília", pelas reclusas da cadeia de Santa Cruz do Bispo.
É na Sala do Senado, no dia 12 de Julho, após a conclusão do plenário da Assembleia da República, e podem ser feitas reservas para... bom, vejam os detalhes aqui.



robôs biológicos.


Os seus criadores dizem que este robô, Cremino, é o primeira híbrido humano-eletrónico. Desenvolvido pelo Laboratório de Redes Vivas, Departamento de Tecnologias de Informação da Universidade de Milão, Campus de Crema, o "cérebro" do Cremino é feito de neurónios humanos cultivados pela Instituto de Investigação em Células Estaminais (DIBIT, Milão).
O comportamento do robô não é espectacular, como se pode ver pelo vídeo, mas o que importa aqui é que o seu sistema de controlo funciona com os tais neurónios cultivados a partir de neurónios humanos, os quais recebem as nossas ordens, que são descodificadas por uma rede neural artificial que envia comandos para as rodas.


O robô seguinte é controlado por neurónios do cérebro de um rato, o que, segundo os seus criadores, faz dele o primeiro roedor ciborgue.



É disto que falamos quando falamos da "nova carne".

Verificar as fontes:
LiVinG NeTWorkS LaB
IEEE Spectrum Automaton

8.7.12

distopia (again).


Iron Maiden – Brave New World



Dying swans twisted wings, beauty not needed here
Lost my love, lost my life, in this garden of fear
I have seen many things, in a lifetime alone
Mother love is no more, bring this savage back home

Wilderness house of pain, makes no sense of it all
Close this mind dull this brain, Messiah before his fall
What you see is not real, those who know will not tell
All is lost sold your souls to this brave new world

A brave new world, in a brave new world
A brave new world, in a brave new world
In a brave new world, a brave new world
In a brave new world, a brave new world

Dragon kings dying queens, where is salvation now
Lost my life lost my dreams, rip the bones from my flesh
Silent screams laughing here, dying to tell you the truth
You are planned and you are damned in this brave new world

A brave new world, in a brave new world
...
In a brave new world, a brave new world
...

Dying swans twisted wings, bring this savage back home

(uma sugestão Rock com Ciência)

7.7.12

elefantismo.


Um candeeiro do IKEA com uma doença tramada.


O designer Daan van den Berg fez um scan 3D do candeeiro LAMPAN do IKEA e depois infectou o documento com uma versão digital do vírus do Elefantismo (não tenho a certeza que seja assim que se designa a doença.)
Os mundos natural e artificial andam a cruzar-se. Depois não digam que eu não avisei.
 

Nora, de Henrik Ibsen



Ontem à noite fui ver teatro: Nora, a partir da peça A Casa de Bonecas, de Ibsen, que estreou em Copenhaga em 1879 e estreou agora no Teatro Maria Matos, no âmbito do Festival de Teatro de Almada, pela companhia belga, de Antuérpia, tg STAN. Diz a história que foi um escândalo, porque apresenta, pela voz da protagonista, uma ideia sobre o que é o casamento, e o papel da mulher no casamento, que nessa altura, e durante muitos mais anos, era e foi completamente estranha às práticas e às teorias e às leis dominantes em praticamente todo o mundo (talvez devesse apagar dali aquele “praticamente”). E mesmo hoje, tirando a parte declarativa...
Postas as coisas assim, esperamos uma peça que arranque decididamente com uma feminista contra o mundo, a dar batalha e porta-estandarte? Podemos esperar, mas não é isso que acontece, de modo nenhum. Aliás, a forma como o verdadeiro problema de Nora é criado é muito habilidosa: durante grande parte do tempo a peça parece uma bastante convencional tragédia de equívocos, a Nora é girinha coitadinha, os espectadores são envolvidos numa complicação que ali se criou e começam a concentrar-se no que deverá ser a solução daquela história, que até soa como mais ou menos banal para um país nórdico do fim do século XIX. Estamos nós a ser levados ao engano, a pensar que a coisa se está a resolver lindamente, a achar aquilo tudo até um pouco convencional de mais – e Nora surpreende-nos, porque ela esteve a pensar na vida e no mundo enquanto nós estávamos entretidos com o que parecia acontecer, porque Nora estava a crescer ali à nossa frente de forma repentina, como um tiro na noite da sua cabeça que de repente percebeu que havia ainda muito para aprender. E a peça está toda na última meia hora, as quase duas horas anteriores eram só para nos pôr à vontade, porque à vontade somos mais bem embalados e vai ser maior o tabefe. A peça tem, pois, uma construção surpreendente.
A encenação, aparentemente simples, é muito forte. Todas as personagens estão por ali, em cima da zona de cena ou à volta, distingue-se bem quando estariam dentro ou fora da cena, mas tem um efeito relevante que as personagens que em cada momento estão fora estejam a presenciar activamente, à nossa vista, o que as outras fazem. É como se esse dispositivo tornasse dolorosamente presente a realidade dos ausentes, o mundo existe todo e não apenas aquilo que vemos em cada momento, as contradições não são apaziguadas pelo “longe da vista, longe do coração” – porque o resto do mundo que interessa está calado mas a olhar para nós a cada momento. Há momentos em que se cria uma tensão brutal em cena. Destaco dois momentos. Primeiro, quando Nora dança, dança, dança, com todas as suas forças e toda a sua sensualidade, precisamente quando a encruzilhada está a ferver naquelas vidas, quando o mundo vai partir pelas junções, quando Nora vai pagar um alto preço, tudo o indica, Nora dança e a música é tão quente como o seu sangue nesse momento. Segundo, há um momento em que não está ninguém propriamente em cena, todas as personagens estão à volta, à nossa vista mas fora, no espaço em que não falam, nem fazem, nem interagem – e no entanto a organização das coisas ali faz dessa ausência uma tensão palpável.
Uma palavra de destaque para a actriz belga flamenga Wine Dierickx, que faz de Nora, que vai construindo, enquanto a história relativamente convencional escorre pelo tempo, as peças suficientes da perplexidade que vai estourar no fim e dar a sensação “começou agora o que há para pensar”.
Só uma coisa me desagradou no espectáculo. Como a função era em inglês, havia legendas em português. Letras de tamanho grande, bem visíveis. Com a impecável dicção dos actores, as legendas não faziam muita falta – e estes, actores, brincaram várias vezes, explicitamente, com as legendas, como já vi fazer outras vezes. Nada de mais, quando o tom acompanha. Mas foi inadmissível que Frank Vercruyssen, no papel de marido de Nora, no diálogo final entre os dois, quando a tensão está ao rubro, no ponto crucial da peça, com Nora a tomar a talvez maior decisão da sua vida… tenha tido uma falha de memória do texto e tenha brincado com isso, chamando a atenção que faltavam as legendas do que ele ía dizer e que isso lhe estava a fazer falta, na brincadeira no meio de uma cena que não era de todo em tom de brincadeira. Essas coisas acontecem, mas foi de mau gosto conduzir a coisa como se o seu modo de fazer não fosse completamente contra a corrente do momento. Foi pena.
Em geral, muito bom. As cadeiras na bancada improvisada no palco do Maria Matos, um horror. Está lá até segunda-feira dia 9. Muito recomendável para quem gosta de teatro. Ainda bem que Almada é aqui tão perto e o seu magnífico Festival de Teatro cada vez mais invade Lisboa. Para que nem tudo sejam tristezas.

6.7.12

qual é a diferença entre suspender a democracia e suspender a Constituição?


CDS-PP pergunta a juízes se têm "consciência" que estão a assumir "poderes orçamentais".

Vai fazendo o seu caminho a ideia de que as instituições... têm dias. Quer dizer: quando der jeito, podemos colocá-las em banho-maria. Agora, é o CDS-PP que parece achar que a Constituição só é para aplicar quando estiver de feição: quem tem a culpa da declaração de inconstitucionalidade não é quem praticou a inconstitucionalidade, mas quem a declarou; quem tem a culpa é o policia, não o ladrão; como a Constituição não tuge, a culpa é do guardião. As regras são para cumprir quando nos facilitarem a governação, para contornar quando nos apetecer fazer de outro modo.

O CDS-PP, hipocritamente, defende os pobres dos privados contra os privilegiados dos funcionários públicos: o corte foi nos funcionários públicos, porque os salários baixos e o desemprego afectam mais os privados. Que hipocrisia: o corte foi nos funcionários públicos porque assim é mais rápido e mais conveniente "ideologicamente": em vez de ser um imposto (lá estão eles a cobrar mais) é um corte na despesa (os médicos do SNS e os professores da escola pública, essas é que são as despesas a cortar). Mas o seu governo, Nuno Magalhães, já está a resolver esse problema: está a precarizar mais a órbita dos que dependem do Estado, para eles não se sentirem menos inseguros do que os privados, apesar dos privados também estarem cada vez mais aflitos.

Governar em democracia é governar dentro da lei, não é querer mudar as regras a meio do jogo quando convém. Nem é insultar o árbitro quando ele apita falta - embora o árbitro também possa errar, é claro. Se os políticos com responsabilidades dão aqui o mau exemplo, estão a querer ensinar-nos o quê? Estão a sugerir que, se ficarmos demasiado apertados, também podemos quebrar as regras? É isso que nos estão a sugerir?

(Declaração de interesses: não recebo 13º nem 14º mês, há uma carrada de anos.)

5.7.12

a inconstitucionalidade dos cortes.



O Público titula: TC declara cortes dos subsídios inconstitucionais. (Para dizer o mesmo eu preferiria "TC declara inconstitucional o corte dos subsídios", mas os fazedores de títulos no Público gostam sempre mais de frases arrevesadas.)

Duas coisas me cheiram a esturro.
A primeira, que o TC determine que “os efeitos desta declaração” de inconstitucionalidade não se apliquem este ano, porque poderiam colocar em causa o objectivo do défice. Quer dizer: não se pode fazer, mas como dá jeito, faça-se. Não é que já não se vá a tempo, porque ainda de podia corrigir o mal feito; é que "não dá jeito", por motivos que segundo o próprio TC não deviam ter sido invocados, travar a coisa - mas, não vá dar-se o caso de o crime não compensar, há que deixar prosseguir a coisa que está fora da lei (fora da lei fundamental).
A segunda coisa que me cheira a esturro é o contentamento que por aí vai com a decisão: parece-me que o TC quer é que comam todos pela mesma medida, coisa que o governo emendará tratando os "subsídios" dos privados com a mesma cautela com que tratou os dos funcionários públicos. Portanto, a festa para 2013 poderá ter mais convidados.
Bom, mas isto sou eu a dizer, decerto por não perceber nada de leis.

o conto de fadas sobre a derrota da senhora Merkel.



A edição de hoje da Visão, em artigo intitulado "Europa: A revolta do sul", volta à teoria mais difundida sobre a última cimeira europeia (reunião do Eurogrupo incluída). A tese é, como se depreende do título, que Monti e Rajoy, pela Itália e pela Espanha respectivamente, com o socialista Hollande atrelado, tramaram a senhora Merkel e lhe impuseram uma derrota. Acho que essa tese, embora popular, esquece muita coisa que interessaria ter em conta.
Explico-me.

Em primeiro lugar, os líderes europeus aproveitam muitas vezes as decisões tomadas em Bruxelas para venderem em casa linhas de rumo que, das duas uma, ou querem tomar mas não querem assumir, ou não querem tomar mas a isso são obrigados. Desta vez, a chancelerina alemã, que tinha precisado de um acordo com a oposição social-democrata e verde para obter os votos necessários à ratificação do tratado do "Compacto Fiscal", aceitou em Bruxelas decisões que não eram do seu agrado mas das quais precisava para cumprir o acordo com o SPD e os Verdes. Entre nós, que eu tenha dado conta, só Teresa de Sousa, num notável artigo no Público, sublinhou esse aspecto. Como em países civilizados os acordos são para cumprir, um acordo entre partidos para a ratificação de um tratado não é coisa com que se brinque: foi isso, em primeiro lugar, que forçou Merkel. Que a coisa seja apresentada na Alemanha como "decisão de Bruxelas" até pode, pois, ser conveniente à senhora Merkel, que não tem de assumir perante os seus eleitores que aquilo já estava na sua lista de compras. Que os seus aliados internos mais radicais (CSU e liberais) a critiquem por isso é, apenas, normal: o cruzamento dos debates nacionais com os debates europeus é, frequentemente, um jogo de sombras, não pode agora espantar-nos.
(De passagem, assinalo que as contrapartidas obtidas pelo SPD e os Verdes pelo seu apoio à ratificação do tratado mostram que as oposições podem aproveitar certas circunstâncias "de Estado" para fazerem valer as suas propostas - sem que os partidos maioritários se devam escandalizar com isso, já que cada um foi eleito para fazer valer o ponto de vista dos seus representados.)

Em segundo lugar, no caso específico do primeiro-ministro italiano, Merkel tinha todo o interesse em dar a Monti uma "extraordinária vitória" que ele pudesse exibir de regresso ao seu país. Como é sabido, o governo "eurocrata" de Monti está ameaçado internamente pelo populismo, seja pelo velho populismo corrupto e imoral de Berlusconi, seja pelo novo populismo quase-nihilista do humorista Beppe Grillo. Aliás, Monti é olhado por todos os partidos italianos como a pedra que terá de ser retirada do caminho em algum momento no futuro: com as cautelas necessárias, mas retirado do caminho. Face a isto, a única coisa que Merkel podia fazer pela sua ideia de estabilidade era dar um balão de oxigénio a Monti: mandá-lo para casa com aura de herói em confronto com a Alemanha era o melhor que se podia encontrar. E foi o que se encontrou, apesar de isso não ter sido fácil de gerir pelos alemães no regresso em casa, ainda por cima com Monti a juntar ao cardápio a fanfarronice da vitória no futebol.

No meio disto tudo, e para acabar a falar um bocadinho mal dos meus amigos socialistas e afins, só não se percebe o papel da Dinamarca na presidência rotativa. Não se deu pela primeira-ministra dinamarquesa em momento algum durante a presidência. Apesar de estar agora muito diminuído o papel das presidências rotativas, esperava-se que os poucos líderes de esquerda que se sentam àquelas mesas aproveitassem para arejar um bocadinho a Europa. Não foi o caso: a condição social-democrata da senhora foi muito bem escondida.
Mas isto são coisas que não cabem nos contos de fadas.

as novas faces da robótica humanóide.


"Faces", quer dizer...

A Universidade de Electro-Comunicações de Tóquio revelou o SHIRI ("nádegas"), umas nádegas humanóides que representam emoções pela transformação visual e táctil dos músculos. O "robô" foi desenvolvido pela equipe de Nobuhiro Takahashi, conhecida pelo seu robô de beijar. 
Ok, depois não digam que eu não avisei.



estaremos perante um dos pais adoptivos de Jacinto Leite Capelo Rego?


Hoje, que não é Primeiro de Abril, o Público divulga esta pérola de despacho governamental:

«Presidência do Conselho de Ministros
Gabinete da Subsecretária de Estado Adjunta do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros
Despacho nº 8443/2012
Ponto 1 - Ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artifo 3º, nos nos. 1, 2, 3 do artigo e do artigo 12º do Decreto-Lei nº 11/2012, de 20 de janeiro, designo para exercer as funções de adjunto do meu Gabinete o licenciado João Paulo da Silva Carvalho, do partido político CDS-PP

Isto, evidentemente, é grave. E revela que há pessoas no topo do Estado que não fazem ideia do que andam lá a fazer. Contudo, convém continuar a olhar para as coisas - para qualquer coisa - com os cuidados que a vida nos ensina. Vejamos.

Sobre isto, o Público escreve, a abrir a peça:
«O ministério liderado por Paulo Portas nomeou para adjunto da subsecretária de Estado dos Negócios Estrangeiros João Carvalho, de 42 anos, funcionário do CDS-PP nos últimos 12. A origem partidária consta mesmo do despacho de nomeação publicado em Diário da República no passado 24 de Junho. João Carvalho é um dos funcionários do partido que são arguidos no processo Portucale por causa dos recibos de justificação de depósitos bancários no valor de um milhão de euros e que eram passados em nome de "Jacinto Leite Capelo Rego".»

Nem chego a perguntar "Então, mas o processo Portucale não tinha já sido enviado para o lixo?", mas sempre pergunto: "Então, os recibos eram todos passados naquele nome?"... Parece-me um exagero. Mas talvez isso seja um pormenor.

Já não é um pormenor que, depois, grande parte da notícia de página inteira leve a autora a discorrer sobre a suposta contradição entre esta nomeação e a anunciada intenção de Paulo Portas e o seu partido lutarem contra a colonização do Estado por interesses, clientelas e partidarites. Claro que esta nomeação, pelo menos no texto do despacho, é uma aberração e dá a ver uns hábitos e uma forma de pensar que deviam ser estranhas. Contudo, trata-se de uma nomeação para um gabinete governamental, onde a estrita confiança política, e mesmo pessoal, é perfeitamente legítima e mesmo necessária. E nomear para um gabinete de um membro do governo não é contratar um dirigente da função pública, sequer recrutar um funcionário público. Daí que, se os jornalistas não fossem pequenos deuses contemporâneos que não podemos tocar, eu aconselharia a autora desta notícia a pensar duas vezes antes de misturar tudo e ser demasiado apressada. Ficaria o seu trabalho mais escorreito, menos parecido com um artigo de opinião, mais respeitador da inteligência do leitor.

4.7.12

com a multiplicação de casos-licenciatura...


Com a multiplicação de casos-licenciatura-ministeriais, a pergunta séria que me ocorre (ocorrem-me outras menos sérias...), digo: a pergunta séria que se me ocorre é a seguinte:
Por que é que depois de todos estes casos ainda nenhum jornal fez uma investigação séria acerca da forma como as universidades privadas atribuem diplomas?
Demonstrariam assim que estão preocupados com a qualidade do sistema e não apenas com o tiro ao boneco e a venda de papel. Mas talvez essa demonstração não lhes pareça relevante...

se os bosões pudessem pensar.


Descoberta nova partícula que pode ser o bosão de Higgs.

Para alguns pensadores da ciência, esta é a circunstância cimeira do fazer boa ciência: conseguir encontrar no mundo algo que se estava à procura porque a teoria dizia que devia lá estar. Fazer experiências científicas não é andar pelo mundo à toa a ver se se encontra alguma coisa. Aliás, dado que experiências como esta só são possíveis graças a investimentos gigantescos em determinados equipamentos e organizações, em geral só se encontra aquilo que se procura intensamente - ou, pelo menos, só se encontra onde se procura, mesmo que se procure uma coisa e se encontre outra.

Pode dizer-se que nem sempre assim é. Há várias teorias sobre a descoberta da América: se tiverem razão aqueles que pretendem que a descoberta (ocidental) foi acidental, pode pensar-se que aí não havia exactamente uma teoria a orientar a procura. Mesmo assim, embora num sentido mais vago do termo "teoria", os navegadores só se fazem ao mar com certas ideias acerca do mundo, da Terra, do oceano, do que é navegar e do que isso pode trazer. No caso da descoberta de novas partículas previstas pelo Modelo-Padrão, a coisa é um pouco diferente: é como se o mapa dos navegantes dissesse "aqui, em tal latitude e tal longitude, tem de haver uma ilha". A teoria é mais densa, mais estruturada, mais sistémica.

É sempre interessante comparar estas descobertas físicas com o que se passa nas ciências da sociedade, especialmente nestes tempos em que há batalhões de economistas a fazer previsões - e a falhar previsões. Os cientistas das ciências "duras" têm, muitas vezes, a tendência para tomar isso como sinal de que as ciências "moles" são pouco científicas. (É por isso que muitos economistas se querem fazer "duros", isto é: matemáticos, só para falharem ainda com mais estrondo do que os outros). Acham eles que se trata de uma fraqueza das ciências que estudam os humanos e seus modos de viver. Felizmente, alguns entre os melhores percebem que a dificuldade é outra: os humanos e as suas sociedades é que são uma matéria extremamente complexa. Como parece ter dito uma vez Murray Gell-Mann, prémio Nobel da Física em 1969 pelos seus trabalhos precisamente sobre partículas elementares: «Imaginem como seria difícil a Física se os electrões pudessem pensar».

3.7.12

Metalosis Maligna.


Documentários imaginários para tecnofóbicos.



o Carmo, a Trindade e o Metro do Porto.


Que se diga que o governo se engalfinhou mais uma vez em lutas intestinas por causa de meras questões de pequenos poderes, talvez com os rivais Menezes e Rio mais uma vez atravessados, levando na corrente da pequena confusão os demais autarcas da região do Porto, e que tudo isso era escusado - posso concordar. São as pequenas cegadas dos poderes de algibeira que, infelizmente, acontecem em qualquer sociedade complexa, especialmente quando é fracamente estruturada.
Já que, por causa de um adiamento de uns dias na nomeação de um conselho de administração de uma empresa pública, se diga que foi desrespeitado o Porto e os seus habitantes, e que o ministro tal tem por isso de ser demitido, e que o primeiro-ministro tem de vir a terreiro por causa disso, como se tivessem caído o Carmo e a Trindade e mais os parentes na lama - parece-me ridículo. Que venham altíssimos dirigentes de partidos importantes meter-se em tal sarrabulho, parece-me triste. Quantos portugueses da região do Porto terão sentido um frémito de indignação por causa de uma reunião da administração do Metro que não correu bem (ou não chegou sequer a correr)? Espero que, fora dos corredores partidários, poucos. Ou, ainda melhor, nenhum. É que a indignação é para ser usada como o tempero, não à toa.

2.7.12

eu estaria mais descansado...


... se fosse só em Portugal que os serviços de informações (espionagem) entrassem em regime de disparate de vez em quando.
Infelizmente, começa a tornar-se evidente que não é só entre nós que a democracia pode ser "desviada" por estes "servidores", como mostra esta notícia sobre a espionagem alemã.
Quando as teorias da conspiração começam a parecer credíveis, o cheiro a esturro começa a ser incomodativo.

a economia política da ingenuidade.


Há por aí uns comentadores (desde facebookianos a ministros) que fazem a seguinte análise dos últimos dados sobre a execução orçamental: as coisas estão a correr bem do lado da despesa (desceu), embora estejam a correr mal do lado das receitas (muito menos do que o esperado). Alguns, visionários, querem que demos consideração separada ao que corre mal e ao que corre bem, como se fossem dois carrinhos, duas realidades.
Fico com uma dúvida: será que essas mentes brilhantes não percebem que o mau desempenho do lado da receita é largamente causado pelas políticas seguidas para baixar a despesa, que matam a economia? E que, portanto, falar de duas realidades, uma boa e outra preocupante, é uma falácia? Não percebem ou estão apenas a tentar enganar-nos?