espero que Garcia Pereira conheça os riscos decorrentes da teoria dos vasos comunicantes
Ouço que "Paulo Portas escolhe Garcia Pereira para o defender no caso contra ministro da Agricultura".
No momento em que isto começa, Garcia Pereira vale mais do que o seu partido (o MRPP). Enquanto Paulo Portas vale menos do que o CDS/PP. Encontram-se agora os dois a desencaminhar uma discussão política para a barra do tribunal. Só espero que Garcia Pereira, que como advogado precisar da ganhar a vida, não veja o seu saldo gastar-se aparecendo ao lado de um senhor que gosta de chamar nomes a toda a gente mas gosta pouco que lhe paguem na mesma moeda.
28.2.08
27.2.08
Persépolis
Já antes aqui falámos disto (PERSEPOLIS, da BD ao cinema).
Agora é só para lembrar: não se pode perder este filme, monumento de sensibilidade, cultura... e inspiração BD. É que o preto-e-branco fica mesmo bem ao povo persa...
Agora é só para lembrar: não se pode perder este filme, monumento de sensibilidade, cultura... e inspiração BD. É que o preto-e-branco fica mesmo bem ao povo persa...
porque parece inesgotável a capacidade de sujar o que deve ser nobre?
Dos jornais: «A mais recente troca de acusações nas eleições do Partido Democrata norte-americano partiu de Barack Obama, que acusou a candidatura de Clinton de ter posto a circular uma fotografia do senador vestido com roupa tradicional dos muçulmanos da Somália, tirada numa visita ao Quénia em 2006.»
26.2.08
a (des)crença como método
«[Em Development as Freedom, Amartya Sen] faz a importante observação de que não é necessário ganhar uma eleição para atingir os objectivos políticos. Mesmo em democracias pouco sólidas, aquilo em que os líderes acreditam, relativamente às crenças que prevalecem nos seus países, influencia o que eles consideram as suas opções realistas, pelo que a manutenção da crença é um objectivo político importante por direito próprio.» Evocando o grande pensador Sen, assim lembra Daniel Dennett, in Quebrar o Feitiço - A Religião como Fenómeno Natural, Esfera do Caos (p.170).
Exacto.
Manter a crença pode ser um objectivo político. E semear a descrença também. Pelas mesmas razões: porque pode favorecer ou impedir a prossecução de políticas.
Entretanto, vale a pena perguntar: que custos tem para a democracia lutar por (ou contra) objectivos políticos pelo método de semear a descrença? Não seria mais positivo confrontar propostas, projectos, ideias para resolver os problemas? Porque será que o actual método de oposição em Portugal passa principalmente por semear a descrença, e até o descrédito de tudo o que possa cheirar a poder?
O problema do método de semear a descrença é que ele, se for ganhador, não mata apenas a possibilidade de concretizar esta política. Mata a própria política como exercício de escolha. Porque a descrença acaba por tomar como objecto a própria democracia.
25.2.08
polémica científica sobre o ponto G
Segundo Marc S., o cartoonista secreto que aqui seguimos.
(Clicar para aumentar.)
[Se nunca ouviu falar no ponto G, trate-se de um mito ou de uma realidade, comece a remediar lendo aqui.]
e que tal meter Durão no avião?
Que os portugueses tenham ficado satisfeitos com a ida de Durão Barroso para presidente da Comissão Europeia, compreende-se. Por um lado, conseguiam assim livrar-se de um mau primeiro-ministro, o que representava um alívio nacional. (E, como bónus, mostrava-se que, por muito mal que estejamos, podemos sempre ir para pior.) Por outro lado, podiam esperar que o homem, em Bruxelas, vigiado por maior número de olhos habituados a escrutinar governantes, não teria tanto espaço para fazer disparates como o que dispunha neste jardim à beira-mar plantado onde são tão escassos os meios para a soberania do povo pesar mais do que o aparato do poder.
Que, agora, o governo português se ponha do lado errado da história, contra o estado de direito e em desrespeito pelos direitos humanos, principalmente para salvar a pele política do mesmo Durão Barroso, isso já é tolice redonda. O caso dos voos da CIA, e parece que também dos navios, que terão usado o território de países democráticos para cometer ilegalidades violadoras dos direitos humanos, para alimentar à margem da lei o inferno de Guantanamo, deveria provavelmente levar ao despedimento sumário de Barroso.
Mas este continua, e cada vez mais arrogante, escorado provavelmente na estranha cumplicidade dos socialistas portugueses. Apesar dos esforços de Ana Gomes, a conspiração para esconder a verdade parece continuar. Para quem conhece alguma história das capelinhas do PS português, esta complacência com o disparate americano, mesmo contra as exigências da decência, faz lembrar que o "gamismo" (a corrente admirativa do actual presidente do Parlamento) não morreu e continua com mão forte sobre a política externa do país.
Pode ser que, à custa de tanto tentar proteger o vilão, o próprio Sócrates venha a ser chamuscado pela "mentira de Estado". Quanto mais não seja porque, mais tarde ou mais cedo, virá dos próprios EUA a luz sobre o que realmente se passou. Graças aquelas virtudes da democracia americana que alguns dizem admirar mas parecem não compreender. A virtude que consiste em acabar quase sempre por contar o que os mandantes do momento queriam ilegitimamente esconder.
Que, agora, o governo português se ponha do lado errado da história, contra o estado de direito e em desrespeito pelos direitos humanos, principalmente para salvar a pele política do mesmo Durão Barroso, isso já é tolice redonda. O caso dos voos da CIA, e parece que também dos navios, que terão usado o território de países democráticos para cometer ilegalidades violadoras dos direitos humanos, para alimentar à margem da lei o inferno de Guantanamo, deveria provavelmente levar ao despedimento sumário de Barroso.
Mas este continua, e cada vez mais arrogante, escorado provavelmente na estranha cumplicidade dos socialistas portugueses. Apesar dos esforços de Ana Gomes, a conspiração para esconder a verdade parece continuar. Para quem conhece alguma história das capelinhas do PS português, esta complacência com o disparate americano, mesmo contra as exigências da decência, faz lembrar que o "gamismo" (a corrente admirativa do actual presidente do Parlamento) não morreu e continua com mão forte sobre a política externa do país.
Pode ser que, à custa de tanto tentar proteger o vilão, o próprio Sócrates venha a ser chamuscado pela "mentira de Estado". Quanto mais não seja porque, mais tarde ou mais cedo, virá dos próprios EUA a luz sobre o que realmente se passou. Graças aquelas virtudes da democracia americana que alguns dizem admirar mas parecem não compreender. A virtude que consiste em acabar quase sempre por contar o que os mandantes do momento queriam ilegitimamente esconder.
E, nessa altura, não nos peçam para chorar pelos que tenham de pagar a conta da sua própria mentira.
22.2.08
um problema de política internacional
Imaginemos que Hilary Clinton ganha as presidenciais americanas (não comecem já a fugir ao problema, porque isso ainda é possível).
Imaginemos, agora, que, de acordo com a vontade da senhora presidente dinamizar novas relações entre os EUA e a Europa, Sarkozy vai em visita de estado a Washington.
Problema: enquanto os presidentes trabalham, que "programa de conjuges" se arranja para Bill e Carla?
cuidado, não estraguem o mercadinho
Segundo se tem lido nos jornais, os notários privados estão zangados porque a simplificação de processos administrativos e coisas que tais lhes reduz o mercado. Querem que alguém os compense por isso, provavelmente o Estado que se simplificou.
Se a moda pega, cuidado, não fiquem mais saudáveis, porque se calhar ainda têm de recompensar o vosso médico por andarem a fazer dieta e exercício físico. E tratem de morrer no ano previsto, mesmo que se atrasem alguns meses, não vão os coveiros processar-vos por atraso na comparência.
Haja pachorra.
Se a moda pega, cuidado, não fiquem mais saudáveis, porque se calhar ainda têm de recompensar o vosso médico por andarem a fazer dieta e exercício físico. E tratem de morrer no ano previsto, mesmo que se atrasem alguns meses, não vão os coveiros processar-vos por atraso na comparência.
Haja pachorra.
unicórnios e outras espécies
Escreve Daniel Dennett no seu último livro, publicado em Portugal pela Esfera do Caos sob o título Quebrar o Feitiço - A Religião como Fenómeno Natural (p.111):
«Quase toda a gente tem uma boa cópia da ideia de unicórnios, embora poucas pessoas acreditem na sua existência; mas quase ninguém tem a ideia de pudús, que possuem a distinta vantagem de serem reais.»
Pois.
Quase toda a gente tem uma boa ideia do esforço que os outros deviam fazer pelo país, apesar de poucas pessoas acreditarem nos efeitos positivos desses esforços. Mas quase ninguém vê necessidade de mudar o seu comportamento para melhorar o seu país, apesar de essa mudança ter a distinta vantagem de estar na mão de cada um de nós.
«Quase toda a gente tem uma boa cópia da ideia de unicórnios, embora poucas pessoas acreditem na sua existência; mas quase ninguém tem a ideia de pudús, que possuem a distinta vantagem de serem reais.»
Pois.
Quase toda a gente tem uma boa ideia do esforço que os outros deviam fazer pelo país, apesar de poucas pessoas acreditarem nos efeitos positivos desses esforços. Mas quase ninguém vê necessidade de mudar o seu comportamento para melhorar o seu país, apesar de essa mudança ter a distinta vantagem de estar na mão de cada um de nós.
19.2.08
o primeiro-ministro esqueceu-se...
... de que nenhuma política com sentido estratégico pode ser auto-evidente.
Uma das razões pelas quais precisamos de democracia representativa é a necessidade de a comunidade tomar medidas estratégicas. Quer dizer: nem todos os efeitos sérios de uma decisão são imediatos, é preciso dar tempo às medidas para produzirem efeitos; por vezes, o que no dia seguinte parece bom revela-se desastroso anos depois, ou o contrário; uma comunidade responsável não pode responder apenas aos interesses imediatos dos que têm voz actualmente, precisando de preservar as condições de reprodução da própria comunidade para lá do horizonte visível da janela de cada lar. Essas são algumas razões para necessitarmos de democracia representativa: para poderem ser tomadas medidas estratégicas. Se não fosse isso seria admissível uma qualquer democracia directa (referendária, por exemplo) ou mesmo uma "democracia electrónica" (todos os dias de manhã, antes de sairmos para o emprego, vamos ao computador ligado à internet votar nos assuntos para decisão nacional nesse dia).
Uma das consequências da democracia representativa, se ela serve efectivamente para tomar medidas estratégicas, é que muitas decisões - que se destinam a ter os seus principais efeitos no futuro, e não amanhã ou depois - não são de compreensão imediata. Exigem reflexão. E requerem explicação. Para potenciar a compreensão, pelos representados, das medidas tomadas pelos representantes - é preciso explicar. E não apenas explicar que se está a fazer: também explicar porquê, para quê, o que é que isso vai significar na prática para todos. E explicar para onde vamos por este caminho.
Esteve nesse ponto, a meu ver, a principal falha da entrevista de José Sócrates à SIC ontem à noite. Explicou bem muito do que está a fazer. Mas explicou pouco quais os efeitos práticos que as medidas do seu governo devem ter na vida de cada um. No imediato e mais além. E qual o efeito prático que teria não tomar as medidas que se tomaram. Explicar, para dar apenas um exemplo, que sem a reforma da segurança social poderia não haver reformas no futuro para aqueles que hoje são jovens. Não conseguiu, desse modo, contrapor esperança a um certo pessimismo reinante. Por ter suposto, talvez, que as razões da sua política deviam ser transparentes para todos.
Só que, precisamente, nenhuma política verdadeiramente estratégica pode ser auto-evidente. E, por isso, em democracia representativa, esse pressuposto (aliás, um pouco arrogante) deve ser trocado pelo raciocínicio explícito, público e permanente, dialogado, acerca dos efeitos estrategicamente pretendidos com as medidas. E isso faltou a Sócrates ontem.
18.2.08
pior que a santidade fingida...
... só a caridade fingida.
Sempre apreciei o regresso de Paulo Portas à liderança do CDS/PP. Por achar que talvez isso permitisse trazer ao de cima o que ele realmente significava como político - tudo o que ele antes conseguira disfarçar. E isso seria importante porque, enquanto Santana Lopes foi apenas um desvio triste na história de um partido importante (embora esse desvio insista em singrar), Portas representa a transformação de um partido democrata-cristão num tanque de sanguessugas que se alimentam de poder. Com a agravante de escolhar umas pitadas de santidade carunchosa para se tapar. Ora, aquele efeito desejável do regresso de Portas, o efeito de destapar, começa a acontecer. E isso é bom para a política portuguesa.
Os últimos acontecimentos justificam esta sensação. Reconfortante, porque a santidade fingida só perde no meu ranking da repugnância para a caridade fingida.
Sempre apreciei o regresso de Paulo Portas à liderança do CDS/PP. Por achar que talvez isso permitisse trazer ao de cima o que ele realmente significava como político - tudo o que ele antes conseguira disfarçar. E isso seria importante porque, enquanto Santana Lopes foi apenas um desvio triste na história de um partido importante (embora esse desvio insista em singrar), Portas representa a transformação de um partido democrata-cristão num tanque de sanguessugas que se alimentam de poder. Com a agravante de escolhar umas pitadas de santidade carunchosa para se tapar. Ora, aquele efeito desejável do regresso de Portas, o efeito de destapar, começa a acontecer. E isso é bom para a política portuguesa.
Os últimos acontecimentos justificam esta sensação. Reconfortante, porque a santidade fingida só perde no meu ranking da repugnância para a caridade fingida.
14.2.08
é preciso ver que "Há Mar em Lisboa"
De algum tempo para cá que se via em blogue o que andavam a tramar. Explicavam a raiz da ideia assim:
«Uma estrangeira muda-se para Lisboa com o marido. Apaixona-se novamente e decide recomeçar, deixando para trás uma história já vazia de qualquer forma de comunicação. Num bar do Cais do Sodré, alguém nota a sua presença, participando da descoberta de uma cidade e de uma mulher, que poderia ser qualquer mulher de qualquer lugar. É dessas descobertas que fala a peça de teatro "Há mar em Lisboa", cujo guião está a ser desenvolvido neste blog. Participe sugerindo situações, diálogos e cenas, bem como enviando imagens de Lisboa. Ajude-nos a construir uma peça de teatro em movimento e interactiva.»
Quer dizer: a coisa acontecia no blogue em palco em paralelo com o que se passava nos ensaios.
E agora o rebento... rebentou. Foi ontem a estreia.
É de ver. Mesmo quem não tenha por lá amizades pode ganhar um breve olhar sobre a agitação cultural de uma certa comunidade imigrante em Lisboa.
Para saber tempos e espaços onde conferir novas idas à cena, bisbilhotar aqui.
«Uma estrangeira muda-se para Lisboa com o marido. Apaixona-se novamente e decide recomeçar, deixando para trás uma história já vazia de qualquer forma de comunicação. Num bar do Cais do Sodré, alguém nota a sua presença, participando da descoberta de uma cidade e de uma mulher, que poderia ser qualquer mulher de qualquer lugar. É dessas descobertas que fala a peça de teatro "Há mar em Lisboa", cujo guião está a ser desenvolvido neste blog. Participe sugerindo situações, diálogos e cenas, bem como enviando imagens de Lisboa. Ajude-nos a construir uma peça de teatro em movimento e interactiva.»
Quer dizer: a coisa acontecia no blogue em palco em paralelo com o que se passava nos ensaios.
E agora o rebento... rebentou. Foi ontem a estreia.
É de ver. Mesmo quem não tenha por lá amizades pode ganhar um breve olhar sobre a agitação cultural de uma certa comunidade imigrante em Lisboa.
Para saber tempos e espaços onde conferir novas idas à cena, bisbilhotar aqui.
13.2.08
a estratégia do glaciar
Um anjo apareceu-me e recitou:
Faz como eu. Se vires andar por aí uma tristeza mal disfarçada, põe má cara na tua cara. Se vires que o teu amigo, desencantado com os muros do mundo, nem sempre pode mostrar-se jovial, em vez de atacares os muros põe-te frio gelado. Se há flores murchas no teu jardim, porque às rosas proibiram estimar os cardos, baixa as pálpebras para elas pensarem que também tu estás em sombra. Dê isso no que der, assim evitas escutar o fragor do mundo em que tomas parte. Assim tiras as mãos do teu próprio fogo. E fica sabedor de que a isso se chama a estratégia do glaciar.
Deve ter havido ilusão minha em pensar que era um anjo.
11.2.08
Timor-Leste e nós. A propósito de Estados falhados.
Continua a haver timorenses cujos actos se increvem como argumentos a favor da tese de que aquele país não tem viabilidade, não é capaz de se governar e ainda é minável pelos que só sabem falar pela boca das armas. Concordemos ou não com essa tese, o certo é que Timor-Leste nos lembra (vezes de mais) que nem todos os Estados são viáveis e que, por vezes, só se percebe isso depois de pagar um alto preço em vidas e desgraças várias.
Mas talvez seja aconselhável não olhar para Timor com a condescendência dos instalados na vida face aos que esbracejam para tentar evitar o afogamento. Seria preferível tomarmos consciência de que, no limite, todos os Estados podem falhar. Mesmo que subsistam, podem falhar como projecto de coesão e progresso da comunidade. Podem falhar como vida colectiva, se se tornarem incapazes de ser uma ferramenta que permite aos indivíduos obter uma multiplicação dos seus talentos, multiplicação essa que favoreça cada um e os demais. Podem falhar se se tornarem apenas uma máscara de protecção dos instalados.
Nesse aspecto, Portugal também corre o risco de se tornar um Estado falhado. Porque nesta terra os guerrilheiros usam outras armas: erguem muros de vozes contra qualquer tentativa de tentarmos viver com o que temos, ululam contra a evidência de que não se pode gastar mais do que o que se produz, clamam por grandes princípios abstractos sem explicar como eles solucionam os problemas e fazem desse clamor a estrela da vida pública, assassinam os que sabem fazer mas não sabem "comunicar" (os que não são habilidosos a mentir e recusam contar histórias da carochinha às pessoas).
Portugal também corre o risco de ser um Estado falhado se a política nacional continuar aprisionada pelo curto prazo, pela aparência do imediato, pela recusa de pensar para lá da sofreguidão diária dos títulos dos jornais.
Seria melhor não olhar para Timor com um arzinho de superioridade, porque nós podemos estar perto (questão de anos) de mostrarmos que somos também um Estado falhado.
E "Estado" não são eles. Não são "os políticos". São todos os que têm voto e devem ter opinião. E usam ou deixam por usar essas armas. E o fazem com o critério da facilidade ou com o "critério JFK".
Mas talvez seja aconselhável não olhar para Timor com a condescendência dos instalados na vida face aos que esbracejam para tentar evitar o afogamento. Seria preferível tomarmos consciência de que, no limite, todos os Estados podem falhar. Mesmo que subsistam, podem falhar como projecto de coesão e progresso da comunidade. Podem falhar como vida colectiva, se se tornarem incapazes de ser uma ferramenta que permite aos indivíduos obter uma multiplicação dos seus talentos, multiplicação essa que favoreça cada um e os demais. Podem falhar se se tornarem apenas uma máscara de protecção dos instalados.
Nesse aspecto, Portugal também corre o risco de se tornar um Estado falhado. Porque nesta terra os guerrilheiros usam outras armas: erguem muros de vozes contra qualquer tentativa de tentarmos viver com o que temos, ululam contra a evidência de que não se pode gastar mais do que o que se produz, clamam por grandes princípios abstractos sem explicar como eles solucionam os problemas e fazem desse clamor a estrela da vida pública, assassinam os que sabem fazer mas não sabem "comunicar" (os que não são habilidosos a mentir e recusam contar histórias da carochinha às pessoas).
Portugal também corre o risco de ser um Estado falhado se a política nacional continuar aprisionada pelo curto prazo, pela aparência do imediato, pela recusa de pensar para lá da sofreguidão diária dos títulos dos jornais.
Seria melhor não olhar para Timor com um arzinho de superioridade, porque nós podemos estar perto (questão de anos) de mostrarmos que somos também um Estado falhado.
E "Estado" não são eles. Não são "os políticos". São todos os que têm voto e devem ter opinião. E usam ou deixam por usar essas armas. E o fazem com o critério da facilidade ou com o "critério JFK".
7.2.08
greve de zelo
Chama-se “greve de zelo” a uma prática de contestação laboral usada em certa altura em alguns países.
Numa greve de zelo os grevistas não se recusam a trabalhar: limitam-se a aplicar de forma estrita todas as regras formalizadas (escritas nos regulamentos) que enquadram a sua actividade. O resultado de uma greve de zelo não é que as coisas funcionam melhor: é a inoperância – porque faltam aquelas práticas que, fugindo à letra dos regulamentos, fazem funcionar as coisas. Por exemplo, quando um funcionário subalterno toma uma iniciativa sem autorização superior, porque essa iniciativa é necessária ao andamento dos trabalhos e o funcionário “sabe” que a autorização seria dada se o chefe estivesse presente. E faz isso apesar de, em rigor, arriscar uma sanção por avançar sem uma certa assinatura no papel apropriado. Uma greve de zelo é a aplicação sistemática e generalizada, numa empresa ou sector, de todas as regras, tomadas à letra.
Resta-me uma pergunta: é possível fazer greve de zelo mesmo sem trabalhar?
Ou talvez ainda outra pergunta: um país que respeita o “politicamente correcto” não está numa espécie de greve de zelo geral?
(Peço desculpa, mas não sei a quem: não consigo identificar onde fui buscar a imagem.)
6.2.08
há sempre infernos diferentes para um mesmo pecado
« A mesma situação desafiante pode levar uma determinada pessoa a concentrar-se em alcançar um sucesso, mas levar uma outra pessoa a focar-se na tentativa de evitar um fracasso. »
Ziva Kunda, Social Cognition - Making Sense of People, MIT Press, 1999, p. 4 (tradução rápida por conta da casa)
5.2.08
história em miniatura
« Um índio que mirava os alpinistas aproximou-se no intuito de provocar uma discussão. Estava bêbado. Recostei-me e assisti à história da América do Sul em miniatura. O rapaz de Buenos Aires encaixou os insultos durante meia hora; a seguir levantou-se, mandou um berro e fez sinal ao índio para se voltar a sentar.
Este baixou a cabeça e murmurou:
- Si, señor. Si, señor.»
Bruce Chatwin, Na Patagónia, tradução portuguesa na Quetzal, 2008, p. 99
4.2.08
3.2.08
Ricardo Salgado, espião socialista... ou será presidente do BES?
É raro, neste espaço, darmos atenção continuada a assuntos políticos. É que se a política nos interessa, porque não andamos completamente alheios à condição de cidadãos, também não achamos que haja normalmente muito a observar pela nossa pena. Isso quer dizer que deve ser encarado como completamente extraordinário que tenhamos insistido tanto no assunto das eleições da nova liderança do BCP. Escrevemos aqui nas seguintes ocasiões: a 23 de Dezembro, a 26 de Dezembro, a 27 de Dezembro, e outra vez nessa data, a 28 de Dezembro, a 14 de Janeiro, a 15 de Janeiro.
Porquê toda esta insistência ? Principalmente por a campanha desenvolvida por determinados sectores, e o facto de ela ser servida por certos órgãos de comunicação social, mostrar até que ponto certos jornais se prestam à mais irracional manipulação da opinião pública. É o caso do jornal de Belmiro, desde que este perdeu algo que queria ganhar em termos económicos e culpou o governo de Sócrates por isso.
Ora, muitas vezes, só retrospectivamente é que chegam os testemunhos que, passado o fragor da batalha, mostram com grande nitidez até que ponto certas "campanhas" eram isso mesmo: meras campanhas de intoxicação da opinião pública.
A propósito dos disparates que se escreveram por o (então candidato a) líder do BCP ser socialista, e por levar consigo um determinado administrador, vale a pena ouvir o que disse ontem o presidente do BES, Ricardo Salgado, ao caderno de Economia do Expresso. Reproduzimos um pequeno excerto:
«Pergunta: O que pensa de os administradores da CGD terem passado directamente para a administração do BCP?
Resposta: Nós, banqueiros, temos todos os dias transferências de quadros de uns bancos para os outros. Não há nada que impeça isso. Santos Ferreira vai ter muito com que se preocupar dentro do banco. O BCP não podia estar em melhores mãos. (...)
Pergunta: Acredita que não houve interferências políticas na composição da nova administração do BCP?
Resposta: Não. Não acredito que os accionistas tivessem sido obrigados a aprovar esta gestão por quem quer que fosse.
Pergunta: Fala-se que Armando Vara pode funcionar como comissário político...
Resposta: Não faço comentários desse tipo. Carlos Santos Ferreira escolheu a equipa e escolheu bem. Este país vive muito de interpretações políticas.»
Fim de citação.
o problema dos quadrados
Luís Miguel Cintra, em declarações ao Ipsílon (Público) do passado dia 11 de Janeiro, a propósito do novo espectáculo em cena na Cornucópia, A Floresta, de Aleksandr Ostróvski: «O que é interessante perceber aqui é que tudo tem várias faces, a realidade não é quadrada.»
Quanto ao espectáculo: começamos por achar que tudo é uma comédia, coisa leve - mas depois vamos percebendo que as coisas leves por vezes escondem as mais pesadas verdades.
Quanto ao espectáculo: começamos por achar que tudo é uma comédia, coisa leve - mas depois vamos percebendo que as coisas leves por vezes escondem as mais pesadas verdades.