7.12.17

Refeições escolares.




O plenário da Assembleia da República debateu hoje a questão das refeições escolares.

Que posição tomou o PS? Acho que vale a pena explicar, porque anda por aí muito simplismo na abordagem destas questões (e os 3 minutos que a Deputada Sandra Pontedeira tinha para a sua intervenção eram curtos para a importância e complexidade do tema).

Em primeiro lugar, o tema é relevante: as refeições escolares, a qualidade e a quantidade do que comem as nossas crianças e jovens, e a promoção de hábitos alimentares saudáveis – merecem todo o cuidado e atenção. E respostas apropriadas.
Ora, o governo não está – nunca esteve – a dormir sobre isto. O programa de governo incluía já esta preocupação, articulando as áreas da saúde, ação social e educação. O Orçamento de Estado para 2018 inclui disposições relativas a esta questão e o Governo não esperou para 2018 para agir de acordo com o que aí ficou consagrado.

Então, o que está a fazer o governo?
O Ministério da Educação já completou (e estará publicado dentro de poucos dias) o Plano Integrado de Controlo da Qualidade e Quantidade das Refeições Servidas nos Estabelecimentos de Educação e Ensino Públicos. Trata-se de um plano muito concreto, abrangente e completo. Cobre todas as questões relativas às ementas, à adequação nutricional, à confecção, ao controlo e avaliação da qualidade e da quantidade.
São criadas novas equipas de fiscalização por todo o país, com controlo a nível de escola, com a participação das próprias escolas, das equipas regionais da DGEstE, com as associações de pais. Equipas essas que podem aparecer de surpresa nas cantinas, para atingirmos um objectivo bem definido: fiscalização apertada e atempada, capaz de garantir que as empresas cumprem o caderno de encargos, que foi definido de forma exigente em parâmetros nutricionais. O que há é que ser mais efectivo a garantir o seu cumprimento. Com registo diário de funcionamento de cada refeitório, com análises microbiológicas pelo menos cinco vezes por ano, com controlo dos equipamentos, dos materiais, do pessoal.

É verdade que o PS votou contra as propostas apresentadas por outros partidos (BE, PCP e CDS). Porquê? Porque temos de resolver os problemas que existem, mas não enveredar por falsas soluções. Cabe explicar.
Votámos contra as propostas do CDS, porque carecem de base legal, porque ignoram legislação sobre concursos públicos, porque fazem de conta que é exequível um caminho que sabem bem que não leva a lado nenhum. Em muitos sectores há dificuldades com o peso que tem o factor preço na escolha do vencedor do concurso – mas fechar os olhos aos escolhos legais não é a boa maneira de tratar de um assunto sério. Além do mais, o CDS queria resolver em sede de formação dos contratos problemas que respeitam apenas à sua execução – e é no controlo da execução que podemos rapidamente obter resultados.
Votámos contra as propostas do BE e do PCP porque elas assentam num pressuposto errado: o pressuposto de que todos os problemas ficariam resolvidos se os refeitórios e cantinas fossem todas geridas directamente pelas escolas, quando sabemos que a gestão directa não garante a resolução universal do problema. (Já vimos casos de escolas que quiseram a gestão directa e depois recuaram, porque não conseguiram a qualidade que era pretendida e porque havia queixas, como agora há.) E também porque essas propostas “esquecem” que acabámos de votar o Orçamento de Estado para 2018, o qual não inclui a enorme dotação orçamental extra que seria necessária para custear as rescisões contratuais unilaterais massivas que seriam necessárias para cancelar universalmente os contratos de concessão. O governo está a agir para fazer cumprir os contratos e, se persistir o incumprimento, pode ter motivos para os resolver – mas sem os brutais custos que teria acabar com os contratos todos, como regra geral, por uma decisão política que não estivesse sustentada no controlo da execução e na verificação eventual de incumprimento.
Não aprovámos propostas que invadiam as competências dos municípios, até nos muitos casos onde não há problemas assinalados, como fazia, por exemplo, o projecto do PCP.
Não aprovámos propostas que impunham às escolas a gestão directa de cantinas e refeitórios, porque não faz sentido impor novas cargas administrativas e burocráticas às escolas, mesmo onde tudo corre bem.
E não aprovámos as propostas do PAN, pelas seguintes razões. O PAN queria recomendar ao governo a elaboração de recomendações sobre os bufetes escolares – mas elas já existem e estão em vigor e a ser cumpridas. O PAN queria a contratação de 5 nutricionistas por cada serviço regional da DGEstE, numa abordagem meramente burocrática, sem nenhuma atenção às realidades diferenciadas dos territórios (porquê 5? Porquê 5 para todas as situações, tão diferentes entre si?) e sem qualquer ligação com os mecanismos de especificação das refeições que existem para regular o sistema. O PAN preconizava a proibição radical da distribuição nas escolas de qualquer subespécie de leite achocolatado, desequilibrando as orientações existentes, que já atendem aos limites dentro dos quais são aceitáveis certas quantidades que não prejudicam hábitos alimentares saudáveis – sem partir para uma “guerra sem quartel” para impor absolutamente apenas leite branco-só-branco. Por isso dissemos, não votamos por abordagens meramente burocráticas, sem noção das diferentes realidades, nem votamos por critérios nutricionais sem base científica.

Na globalidade, o debate deu-nos razão. Vejamos.
O PSD só diz mal, passemos adiante (até porque os demais intervenientes, sem necessidade de uma palavra do PS, destruíram as suas teses).
O CDS reconhece que os cadernos de encargos são adequados (desmentindo o PSD), dizendo que o único problema é o preço ser tão baixo. (Há aqui, de facto, o problema do peso do factor preço na decisão dos concursos…)
Mas o BE diz que os exemplos das escolas mostram que o preço, por si só, não é o problema, porque há cantinas das escolas que dão boas refeições a preços tão bons ou melhores que os das concessionárias – e citou exemplos.
O PAN diz que a fiscalização está a falhar – e, aí, dá razão ao PS, quando dizemos que é preciso apostas na fiscalização: estamos a tratar com concursos novos, que podem ser postos a funcionar como deve ser.
O PCP diz que as concessões são desresponsabilização do Estado: é coerente ideologicamente, mas o PS não acha que seja uma tarefa estratégica do Estado fazer refeições, embora o Estado deva garantir que se respeitem os critérios das refeições servidas às pessoas perante as quais tem responsabilidades. O PS acredita que as empresas podem fazer esse serviço, o PS acredita no papel da economia privada em muitos sectores – será isto uma novidade?
O PEV, além de encarreirar com o argumento geral do PCP (está no seu direito), defende que o pessoal das cozinhas das escolas não devia contar para o rácio dos Assistentes Operacionais das escolas e agrupamentos, para não prejudicar as escolas que optam pela gestão directa. Tem todas a razão: desde a recente portaria dos rácios sobre pessoal não docente, publicada por este governo, é mesmo assim: o pessoal das cozinhas não conta para o rácio geral, pelas razões apontadas pela deputada dos Verdes. Vê, senhora deputada, como o governo trata adequadamente as escolas que fazem essa opção?

A conversa já vai longa, mas por vezes, em matérias importantes e complexas, convém não cedermos à tentação da facilidade e do imediatismo. Afinal, não foi só o debate parlamentar que sublinhou a justeza das nossas razões. Também a votação o fez: cruzando os votos da nossa esquerda e da nossa direita, a maioria deu razão ao PS em tudo o que era essencial.
Mas, claro, ficamos atentos ao que o governo está a fazer, como é nosso dever. Entretanto, uma coisa é certa: é preciso evitar a demagogia em assunto tão sério. Até porque muitas crianças, se há sítio onde podem comer bem – e onde podem aprender a comer bem, contra outras influências negativas - é na escola.



Porfírio Silva, 7 de Dezembro de 2017
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5.12.17

Centeno, a Europa e a Esquerda Plural




Sobre a eleição de Mário Centeno para a presidência do Eurogrupo, podíamos agora falar dos que o menosprezaram e/ou dos que tentaram atropelá-lo. Não vamos por aí, esses não são originais em tentar a sua sorte a corroer esta solução política (mesmo que com sorrisos na face), não carecem agora de mais comentário. Há outras coisas importantes a merecer consideração - e essas vêm do lado da Esquerda.

Podemos, à Esquerda, ter diferentes posições sobre o euro e sobre as políticas europeias que têm impacto na sustentabilidade das finanças públicas.
Eu, pelo meu lado, sou crítico da linha dominante nas instituições europeias, sou crítico do "pensamento único" que pretende restringir a largura de banda das opções políticas - mas entendo que não devemos virar a cara ao combate político europeu, não podemos desistir de lutar pelas nossas ideias na União Europeia. A Direita não tem mais direitos do que a Esquerda, não podem fazer como se as suas políticas fossem "naturais" e as nossas fossem "contranatura". Temos de agir em conformidade e ocupar o nosso lugar próprio na Esquerda anti-austeritária europeia.

Sabemos que outras Esquerdas acham mais realista retirar do euro, ou até mesmo da União Europeia. Não é a nossa opção, mas aceitamos democraticamente o debate.

O que não aceitamos é que, à boleia dessas diferenças, se cometam excessos e injustiças. Por exemplo, é inaceitável, a propósito da eleição do Ministro das Finanças português para Presidente do Eurogrupo, "meter" Centeno no mesmo "cesto" de Barroso. Pode-se duvidar de que Centeno possa "fazer milagres" no Eurogrupo - aliás, muitos têm duvidado de Centeno, e muitos têm tido de corrigir as dúvidas. Pode-se duvidar e sublinhar as dificuldades, dificuldades que são reais. Mas alinhar Centeno, ministro de um governo socialista que impôs na UE o fim do "não há alternativa", com um Durão Barroso que serviu, no meu entender contra os interesses portugueses, uma ortodoxia "comprada" ao pensamento dominante - fazer esse alinhamento entre Centeno e Barroso não é apenas injusto. É indecoroso.

E isso fica mal a alguma esquerda que deu esse passo.


Porfírio Silva, 5 de Dezembro de 2017
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20.10.17

Ritos mortuários para robôs.




No "Caderno de Tóquio", onde descrevo e penso sobre os meus meses de trabalho no Japão, uma das coisas que explico é a particular relação que os japoneses têm com o mundo material inanimado. Compreender isso é útil para perceber a relação que têm com os robôs e com os produtos da Inteligência Artificial em geral.
Este vídeo do The New York Times, sobre a forma como os produtores do robô AIBO trataram dos respectivos "ritos mortuários", ilustra a mesma realidade.

Porfírio Silva, 20 de Outubro de 2017

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12.10.17

Conhecimento e Criação de Valor


Hoje, na Assembleia da República, teve lugar um debate (marcação do PSD) sobre "Conhecimento e Criação de Valor", no qual estavam em discussão três Projectos de Lei e três Projectos de Resolução apresentados pelo PSD. Coube-me fazer a intervenção de fundo pelo PS. Deixo aqui o respectivo registo.




Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,

O PSD apresenta hoje a debate um conjunto de propostas enquadradas genericamente pelo tema “Conhecimento e Criação de Valor”. O PS reconhece a importância do tema. E não é de hoje esse reconhecimento: ele está claro logo no programa do XXI Governo Constitucional e encontra-se no cerne do Programa Nacional de Reformas.

Mas o Partido Socialista, e o Governo, não se limitam a reconhecer a questão. Agimos. Concretizamos. Não podemos deixar de referir, por exemplo, o Programa Capacitar a Indústria Portuguesa, que representa uma das iniciativas Interface e que se destina, designadamente, a aumentar a capacidade de I&D e de inovação nas PME, potenciando a sua ligação ao sistema de inovação através dos Centros de Interface Tecnológico. Nesse contexto, há incentivos à contratação de doutorados para desenvolverem as suas atividades em contexto empresarial; incentivos para que docentes e investigadores desenvolvam parte das suas atividades de investigação nos Centros de Interface Tecnológico, incluindo a sua participação em projetos de I&D; ou incentivos para que os Centros de Interface Tecnológico funcionem como entidades de acolhimento de bolseiros de doutoramento.

Podíamos referir também o reforço do investimento nos Politécnicos, para que se desenvolvam como instituições estratégicas nos seus territórios, por via de reforçada ligação ao tecido económico, social e cultural.

E não podemos deixar de referir os Laboratórios Colaborativos, agora que está aberto em permanência, desde o dia 10 de Outubro, o concurso para o reconhecimento do título de Laboratório Colaborativo, sendo que esse reconhecimento permitirá, depois, concorrer a financiamento específico. Estes Laboratórios Colaborativos vêm para criar emprego qualificado e emprego científico através da implementação de agendas de investigação e de inovação orientadas para a criação de valor económico e social. Os Laboratórios Colaborativos vêm para responder, também, a um desafio de equidade territorial, na medida em que devem democratizar, para todo o território nacional, as atividades baseadas em conhecimento, através de uma crescente consolidação da colaboração entre instituições de ciência, tecnologia e ensino superior e o tecido económico e social, o sistema hospitalar e de saúde, as instituições de cultura e as organizações sociais.

No seu pacote de propostas, o PSD faz de conta que nada disto existe. Nesse sentido, as propostas que o PSD nos apresenta hoje a debate vivem numa ficção, numa irrealidade, de quem não quer olhar para o que está a ser feito, talvez porque lhe custe reconhecer que está a ser feito o que deve ser feito.
Assim, se o PS reconhece a importância do tema “Conhecimento e Criação de Valor”, que o PSD quis trazer hoje a debate, não reconhecemos nas propostas apresentadas valor acrescentado significativo.

E vemos até alguns erros políticos criticáveis.
Com o Projeto de Lei 619/XIII, o PSD propõe uma alteração pontual à lei orgânica da FCT. Ora, desde logo, não nos parece produtiva esta opção por alterações pontuais e desgarradas da lei orgânica de uma instituição como a FCT. Mas menos ainda podemos concordar com o que se propõe em termos de avaliação do Sistema Científico e Tecnológico Nacional e da transferência de conhecimento. O PSD insiste nos erros do seu próprio passado, quando, sob responsabilidade do seu governo, minou gravemente a credibilidade e a equidade dos procedimentos de avaliação de ciência, por ignorar a voz e a experiência da própria comunidade científica. Desta vez, não há nas propostas do PSD qualquer traço de ter tido minimamente em consideração os trabalhos do Grupo de Reflexão sobre o Futuro da FCT, nem o relatório do Grupo de Reflexão sobre a Avaliação de Ciência e Tecnologia pela FCT.
Pelo contrário. Enquanto o Grupo de Reflexão acolhe as preocupações mais avançadas da comunidade científica a nível internacional, pugnando por uma visão de ciência que “vá para além da simples contabilização de impactos quantificados”, por uma avaliação de ciência que vá além da “exagerada proliferação de métricas mal informadas e mal aplicadas” (estou a usar expressões do relatório), a proposta do PSD insiste nas tais métricas e perde de vista as perspetivas mais avançadas a nível internacional, que abrangem as múltiplas dimensões pelas quais a investigação influencia o avanço do conhecimento e que, mais do que apenas a quantidade, apreciam a qualidade do desempenho científico e a apropriação dos resultados da investigação pelo tecido social, económico e cultural.

Outro elemento do pacote de propostas do PSD consiste numa alteração minimalista ao Estatuto da Carreira Docente Universitária e o Estatuto da Carreira do Pessoal Docente do Ensino Superior Politécnico. É, aliás, uma alteração tão minimalista que parece não permitir nenhuma inovação real, nada que não caiba nos Estatutos em vigor. E vemos até aí alguns problemas, como seja a possibilidade de colocarmos as instituições de ensino superior a financiar recursos humanos a proveito exclusivo de alguma empresa.

Dispersas pelas várias propostas, também há recomendações para se fazer aquilo que já se faz. Por exemplo, não é preciso recomendar ao governo que aposte na promoção da I&D empresarial, porque aquilo que o PSD propõe que se recomende ao governo é menos do que aquilo que já está a ser feito. E, também por exemplo, as bolsas de doutoramento já podem ser executadas em cooperação com empresas ou outras instituições.

Está tudo feito? Não estará. É perfeito tudo aquilo que está a ser feito? Não será. Mas o Governo e o Partido Socialista têm uma estratégia que está em execução e aquilo que o PSD propõe ignora essa realidade.

Precisamos de evoluir institucionalmente. Temos instituições relevantes do lado do ensino superior e da ciência. Temos boas empresas, capazes de desenvolvimento assente em estratégias inteligentes baseadas em conhecimento. Precisamos de desenvolver as instituições que ligam conhecimento e criação de valor, instituições que fazem a ciência puxar pelas empresas e que fazem as empresas puxar pela ciência. Essa estratégia de desenvolvimento institucional está em curso. Infelizmente, o conjunto de projetos que o PSD tem a debate no dia de hoje não acrescenta ao que está a ser feito.


Porfírio Silva, 12 de Outubro de 2017


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4.10.17

O segundo passismo




1. O passismo foi, no passado, essencialmente uma política. Transformou-se, com o tempo e com a táctica, essencialmente numa mentira. E, na hora da saída de Passos de cena, é nessa forma que o passismo sem rosto se prepara para ficar em cena: como uma mentira política.

2. O passismo foi uma política que, na sua ideia central, se resume a isto: retirar da esfera pública os instrumentos políticos de prossecução do bem comum e entregá-los às forças do mercado, em nome da eficiência. Concordando-se ou não com esse programa (nós nunca concordámos), é legítimo adoptá-lo e apresentá-lo ao eleitorado. Podemos lamentar que um partido que, anteriormente, misturava social-democracia com doutrina social da Igreja Católica (o PPD) se tenha transformado numa mistura de neoliberalismo económico com oportunismo (o actual PPD-PSD), mas a democracia faz-se de alternativas. O problema é outro, no caso do passismo: é que ele tenha agido sempre com base numa sucessão de mentiras políticas. Basicamente, duas grandes mentiras políticas estruturantes do passismo, que passo a enunciar.

3. Primeiro, uma mentira que, infelizmente, é relativamente frequente: uma mentira eleitoralista. Esconder em campanha o verdadeiro programa da governação que se pretende desenvolver. Quando estava na oposição e na primeira campanha eleitoral, Passos Coelho dizia que era contra o aumento de impostos, que o país não precisava de mais austeridade, que apertar demasiado o cinto podia matar o doente. Na oposição e em campanha eleitoral, Passos Coelho dizia que se estava a atacar o Estado Social, queixava-se de que havia desempregados sem subsídio, que se estava a atacar a classe média, que era preciso defender os reformados e pensionistas. Passos Coelho até se pronunciava contra a alienação de participações do Estado, dizendo que isso era vender os anéis. Tudo o que veio a fazer a seguir foi o contrário do discurso que fez para chegar ao poder. Essa é a primeira mentira fundamental do passismo. Passos, nos últimos tempos, ensaiava voltar a este tipo de discurso, fazendo reivindicações sociais incompreensíveis à luz das suas políticas e do que tinha apresentado como programa para uma tentativa de segundo governo sob a sua liderança.

4. A segunda mentira estruturante do passismo consiste em pretender que aquilo que fez na governação fê-lo obrigado pela Troika, pelo Memorando de Entendimento, pela herança socialista. Convém lembrar (aos esquecidos) as variadas razões pelas quais essa pretensão é uma mentira política.
Desde logo, se é verdade que o pedido de ajuda internacional foi apresentado pelo governo do PS, ele aconteceu quando o governo Sócrates já estava demissionário, enfraquecido, depois do empurrão que Passos Coelho lhe deu para conseguir eleições antecipadas. Como Lobo Xavier, o histórico do CDS, afirmou sem rebuços na "Quadratura do Círculo" de 16 de Maio de 2013, foram o PSD e o CDS que forçaram a entrada das três instituições em Portugal com o objectivo de pressionar o Governo da altura, ou seja, o de José Sócrates. Na mesma ocasião, Pacheco Pereira realça que este "formato foi desejado como instrumento de pressão externa para a política interna", considerando que "houve alguém que desejou e que o utilizou de forma teórica e política". Por causa deste comportamento, neste debate, tanto Pacheco Pereira como Lobo Xavier chamaram a Passos Coelho "aprendiz de feiticeiro".
Depois, e esta é a questão principal, o Memorando de Entendimento foi fortemente influenciado pelo PSD, que, no final do governo de Sócrates estava em trajectória ascendente e alinhado com as instituições da Troika para aplicar a Portugal mais uma experiência neoliberalizante. Quanto a isto, basta ouvir o que disseram os representantes do PSD. A 3 de Maio de 2011, Eduardo Catroga, representante do PSD (de Passos) nas negociações do "programa de ajustamento" entre Portugal e a Troika, afirmou que a negociação do programa de ajuda externa a Portugal “foi essencialmente influenciada” pelo PSD e resultou em medidas melhores e que iam mais fundo do que o chamado PEC IV. Também dizia que, assim, Portugal ganhava uma "oportunidade para fazer as reformas que se impõem". Depois, no final de Janeiro de 2012, Passos Coelho, já primeiro-ministro, afirmou sem rebuços que o seu partido tinha um "grau de identificação importante" com o programa acordado com a 'troika' e queria cumpri-lo porque acreditava nele. Nas suas palavras: "o programa eleitoral que nós apresentámos no ano passado e aquilo que é o nosso Programa do Governo não têm uma dissintonia muito grande com aquilo que veio a ser o memorando de entendimento celebrado entre Portugal, a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional". Ainda segundo o presidente do PSD, "executar esse programa de entendimento não resulta assim de uma espécie de obrigação pesada que se cumpre apenas para se ter a noção de dever cumprido".
Acresce que o Memorando de Entendimento era susceptível de ser revisto em curso de execução – e, portanto, era possível mudar algumas das suas orientações políticas, desde que não se perdessem de vista os objectivos de recuperação financeira e económica. O governo de Passos podia ter feito isso. E fez. O governo PSD/CDS fez várias revisões do Memorando de Entendimento, nunca tendo chamado os partidos da oposição às negociações dessas revisões. Pela simples razão de que usou essas revisões para, usando uma expressão de Passos Coelho, “ir além da Troika”. Por exemplo em matéria de legislação laboral, indo mais longe no desmantelamento da protecção dos trabalhadores do que previa o Memorando inicial. Mas também houve revisões de política sem tocar no Memorando: é o caso da escola pública, onde o governo PSD/CDS cortou muitos milhões além do que pedia o Memorando, enquanto Crato não aplicou os cortes ao financiamento dos privados que estavam previstos no programa de ajustamento.

5. Importa, portanto, estar alerta para esta mentira política fundamental do passismo, que consiste em alijar as responsabilidades próprias do PSD na forma como o país foi governado durante os anos da troika, quando o PSD desejou, propiciou e aproveitou a vinda das instituições internacionais para aplicar o seu programa próprio sem o assumir como tal. A mentira política estruturante do passismo é que a austeridade ao serviço da privatização da sociedade e da destruição do Estado Social foi feita no modo “atirar a pedra e esconder a mão”. 

6. Uma variante desta operação consiste em pretender que sem a austeridade de Passos não seria possível a actual governação e os resultados que tem alcançado. Trata-se da versão caseira da TINA (There Is No Alternative), que continua a insistir que não havia outro caminho para a recuperação económica e financeira que não fosse aquela política. Se há coisa que o actual governo do PS tem demonstrado é que é possível trabalhar para finanças públicas sólidas com outra política de distribuição do esforço. Só que, como já não paga defender abertamente a política de “ir além da troika”, alguns refugiam-se agora nessa variante envergonhada – e, mais uma vez, essencialmente enganadora e ligada à mentira política fundamental do passismo.

7. O que é que isto tem a ver com o futuro? Tudo. Porque as alternativas a Passos dentro do PSD, provavelmente, não se libertarão desta mentira política. Basta que nos lembremos de quem, com a Grande Depressão ao rubro, classificou a maior crise económica mundial em 80 anos como “uma constipação”. Perceberemos que, com ou sem Passos, o passismo vai continuar a andar por aí. Porque, provavelmente, não é desta que o PSD vai voltar à social-democracia.


Porfírio Silva, 4 de Outubro de 2017


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2.10.17

As autárquicas e a esquerda plural




1. A 1 de Outubro de 2017, o PS teve a maior vitória autárquica da sua história. Como titula um quotidiano, “há 32 anos que um partido no Governo não ganhava as autárquicas”. As eleições autárquicas costumam servir para dar cartões amarelos ou vermelhos aos governos, desta vez serviram para dar um cartão vermelho à oposição. Foi a hecatombe para o PSD e para o discurso desfasado da realidade imposto por Passos Coelho, enquanto o CDS de Assunção Cristas festeja muito por estar a disputar o campeonato da direita. Passos Coelho estragou a campanha dos seus candidatos com a insistência desbragada na sua agenda própria em variações do tema diabólico, Assunção Cristas deu uma heroína a um partido que sem isso não teria muito para se distinguir da concorrência no seu campo.

2. Numa nota interna, sublinho a importância que teve nesta vitória uma inovação organizativa introduzida por proposta de António Costa: quando o PS está no Governo, um Secretário-Geral Adjunto, rodeado de uma Comissão Permanente, todos sem responsabilidades governativas, cuidam de que o Partido não seja esquecido face às exigências da governação do país. Ana Catarina Mendes, tendo-lhe sido cometida essa responsabilidade como Secretária-Geral Adjunta, tem dado uma brilhante concretização a esta fórmula, trabalhando incansavelmente para que o Partido se mantenha como estrutura essencial de participação democrática cidadã dos socialistas de cartão ou de simpatia. O triângulo Governo-Parlamento-Partido, pela primeira vez, funciona dinamicamente. Isto prova que, em vez de descartarmos os partidos como colectivos políticos, o que temos é de melhorar e democratizar o seu funcionamento, uma tarefa sempre inacabada.

3. Os resultados destas autárquicas, pela dimensão que assumiram alguns dos números, pedem uma reflexão acerca das suas consequências. Quanto ao PSD, há quem diga que a maioria parlamentar vai perder o seguro de vida de um Passos Coelho ensimesmado nos seus sonhos de desforra – e, portanto, fechado nos limites do passado e incapaz de pensar virado para o futuro. Pelo meu lado, considero degradante para a política nacional em geral que o maior partido da oposição esteja, como tem estado, incapaz de assumir as suas responsabilidades e errático quanto às opções a tomar em matérias estruturantes. Se o PSD se livrar do negativismo passista e se tornar mais desafiante para a maioria, isso não nos facilitará a vida – felizmente, porque o poder democrático precisa de contraditório e de oposição a sério. Uma oposição séria, e à séria, obrigar-nos-á a sermos sempre mais exigentes connosco próprios, o que só pode ser saudável.

4. Outro aspecto dos resultados eleitorais tem a ver com os resultados dos partidos à esquerda do PS. Quanto ao BE, não há muito a dizer: uns ganhos aqui e ali não o arrancaram, para já, da irrelevância autárquica global. Isso poderá mudar no futuro, mas, nesse aspecto, o futuro não é já hoje. O PCP teve perdas que enchem o olho e entusiasmaram os que anseiam por uma crise política na maioria parlamentar. Embora parte dessas perdas do PCP sejam devidas a pequenas variações, ainda por cima comparadas com um grande resultado da CDU há quatro anos, não deixa de ser verdade que este elemento requer uma reflexão política mais geral sobre o futuro da esquerda plural. Tentamos aqui dar um contributo para essa reflexão, sem tentar dar lições ao PCP, partido que tem todos os mecanismos para analisar a situação e dar-lhe resposta sem precisar de paternalismos ou conselhos que alguns se apressam a oferecer.

5. O essencial já foi dito pelo Secretário-Geral do PS: estes resultados são uma grande derrota da direita e traduzem o valor da solução política que governa o país. Traduzem a afirmação do “novo tempo”. Podemos acrescentar que essa solução política está no governo do PS, mas está também na maioria parlamentar de esquerda. Um pouco para além das variações eleitorais locais, temos de considerar o apoio que estes resultados revelam a uma solução progressista para o país, que só pode ser liderada pelo PS, mas que tem beneficiado do contributo do PCP e do BE. Há que dizê-lo sem hesitações, em dois pontos. Primeiro, só o PS pode liderar uma governação de esquerda capaz de ter o apoio maioritário (político e sociológico) dos portugueses. É importante que se perceba isso, até por sabermos que alguns sonharam transformar o PS num partido de segundo plano na esquerda portuguesa. Segundo, o PCP e o BE têm contribuído muito relevantemente para o sucesso desta governação, quer pelos seus contributos programáticos, quer por manterem activa a ligação aos sectores sociais mais críticos e que pela primeira vez se sentem representados na responsabilidade de governar – aspecto essencial para manter viva a representação democrática. O PCP e o BE, nas suas diferenças face ao PS, têm feito do governo do PS um governo melhor. É na junção destes dois vectores que podemos perceber a dinâmica da esquerda plural.

6. Há, contudo, um fantasma de qual devemos falar. A maioria absoluta do PS. Convém começar pelo princípio: a aritmética eleitoral diz que uma maioria absoluta do PS, não sendo impossível, é sempre improvável. Contudo, na medida em que qualquer partido tem sempre de tentar alargar o seu apoio, o PS, mesmo que não o diga (e não deve dizê-lo, sempre tive dificuldade em perceber a lógica de “pedir maioria absoluta” quando cada eleitor só tem um voto) tentará aumentar a sua votação, no limite até à maioria absoluta. É por isso que faz sentido que António Costa já se tenha pronunciado sobre essa questão, dizendo que, mesmo nessas circunstâncias, o PS quererá o contributo dos seus actuais parceiros parlamentares. Sem surpresa, os mais altos responsáveis do PCP e do BE disseram mais ou menos o mesmo sobre essa eventualidade: não querem ser um adereço supérfluo numa maioria à qual não façam falta. Aritmeticamente. Entende-se. E isso suscita a seguinte questão: qual pode ser o elemento novo que leve o PCP e o BE a manterem-se na maioria da esquerda plural em caso de serem aritmeticamente dispensáveis?

7. Um elemento novo pode ser a participação no governo. Já confessei publicamente que, aquando do debate interno ao PS sobre esta solução política, eu era dos que preferiam a entrada da outra esquerda no governo. E também confessei que, bem vistas as coisas, que isso não tenha acontecido acabou por facilitar algumas coisas, como seja a frente europeia. Agora, olhando para o futuro, a entrada no governo do PCP e do BE pode ser o elemento novo que estabeleça um novo patamar de trabalho conjunto da esquerda plural, tornando significativa a continuação desta fórmula parlamentar mesmo com uma eventual maioria absoluta do PS. Como é bem de ver, isto implicaria politicamente algo diferente – e mais exigente – do que temos actualmente: um grau de acordo político explícito que teria de ir muito além das “posições conjuntas” dois a dois. E que exigiria trabalhos forçados em questões tão essenciais como a política europeia. Tudo isto é mais fácil de dizer do que fazer. Mas pode tornar-se necessário. E acontece que a necessidade aguça o engenho. E por vezes é assim que o mundo pula e avança.

8. O que é que tudo isto tem a ver com as autárquicas? Uma coisa muito simples: o cimento da maioria política é a maioria social. A esquerda plural está, de momento, condenada a continuar a ser esquerda plural, apenas e precisamente porque uma maioria de portugueses, de diferentes convicções políticas, da esquerda mais moderada à mais radical, depositam a esperança na viabilidade da sua visão para Portugal nesta fórmula que o país nunca tinha experimentado. Podem não gostar de certas coisas do PS, do PCP ou do BE, mas querem que “isto” resulte. Porque, nas grandes linhas, esta governação corresponde aos seus anseios. Porque esta governação está a cumprir o que prometeu. Porque, devagar devagarinho, vai-se fazendo caminho. E há que não deixar o caminho a meio. A esquerda tem obrigação de mostrar que serve para mais do que dar um correctivo aos excessos de um austeritarismo pouco sofisticado dos nossos neoliberais de trazer por casa. A esquerda tem obrigação de mostrar que é capaz de dar uma estratégia ao país: uma década de desenvolvimento social e económico sustentado. E, portanto, quem, excitado ou assustado com as autárquicas, despreze a base social dessa aspiração, poderá pagar cara a precipitação. Deverá pagar cara a precipitação.

9. E, noutro vector de raciocínio acerca da relação entre política nacional e política local, cabe anotar o seguinte. Mesmo tendo perdido algumas câmaras, o PCP continua a ser um elemento essencial da maioria social que suporta e dá sentido a esta maioria política. E, claro está, a compreensão deste ponto vai ser importante em muitas decisões de governação autárquica que serão tomadas nos próximos tempos: quando autarcas do PCP ou do PS tiverem que escolher parceiros, por serem relativas as suas maiorias de vereadores, preferirão outro polo da esquerda plural ou preferirão o PSD? E não pensem que esta seja uma tentação particular para o PS: muitas vezes, o PCP prefere dar a mão à direita nas autarquias, em vez do PS. No passado, foi assim. Mudará o raciocínio, hoje, face às novas realidades políticas nacionais? Deste ponto de vista, foi importante o sinal dado ontem por Fernando Medina, declarando, antes de ter os resultados finais de Lisboa, que queria uma governação alargada mesmo que tivesse a maioria absoluta na Câmara. E explicitando que nesse alargamento olharia especialmente para a esquerda da esquerda.

10. A esquerda plural só pode revelar todas as suas potencialidades se as suas forças somarem, em vez de subtraírem. Isso é tão verdade para a política nacional como para a política local, desde que, repito, não esqueçamos que o cimento da maioria política é a maioria social. Compreender isso ajudará todos a prescindir do excessivo tacticismo, a ultrapassar a tentação da contestação oportunista e sem olhar à sustentabilidade. Compreender isso ajudará todos a preservar a identidade própria de cada parte, investindo-a no bem comum no quadro de uma democracia renovada pela representação alargada.


Porfírio Silva, 2 de Outubro de 2017

(O gráfico é do Expresso.)

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22.9.17

A Fábrica de Nada.



O filme A Fábrica de Nada pode querer ser uma homenagem a uma experiência de auto-gestão iniciada em 1975. Mas, para quem se senta na sala de cinema a ver o filme, ele começa por ser sobre a crise. É preciso estar relativamente bem informado acerca de certas coisas, e muito atento, para não estar a ver aquilo e a pensar nesta crise mais recente. Isto estabelece um olhar que dificulta a compreensão do filme como estando a dizer algo sobre um episódio que começou há muito tempo.

Olhando assim, o filme parece uma colagem de dois meios-filmes etnográficos. Uma metade sobre a crise. A outra metade sobre uma certa esquerda. O meio-filme etnográfico sobre a crise nunca será demasiado realista, apesar de tudo. O meio-filme etnográfico sobre uma certa esquerda é cruel. Injustamente cruel. Se alguém pretendesse fazer um filme para ridicularizar uma certa esquerda alternativa, não faria melhor do que este filme.

Qualquer um tem direito a fazer filmes cruéis sobre uma certa esquerda. Mas duvido que as pessoas envolvidas neste filme tivessem querido fazer precisamente isso.

Porfírio Silva, 22 de Setembro de 2017


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E pur si muove



A nova realidade que é a esquerda plural como maioria parlamentar dá imensas dores de cabeça a pessoas habituadas a ter os partidos à esquerda do PS arrumados na prateleira (como era nos tempos do "arco da governação").
Recentemente, a evidência, pelas declarações públicas dos mais altos dirigentes do PCP e do BE, de existir um debate em curso acerca do futuro da esquerda plural, terá convencido alguns de que isso é sinal de trovoada na maioria.
Não concordo.
Apesar de algumas dessas declarações terem o aspecto inabitual de uma troca de "mimos" entre PCP e BE (talvez especialmente compreensível em período eleitoral), o que se está a passar à vista de todos é um debate em curso. Começou a ser evidente que esta maioria parlamentar conseguiu fazer imenso pelo país, razão pela qual não pode simplesmente descansar sobre o que está feito e precisa pensar como nos organizamos no futuro. Não há nunca fórmulas que se possam simplesmente repetir, quando as águas passaram quatro anos sob as pontes e o país é outro. Sim, a esquerda plural como maioria parlamentar mudou o país: não terá resolvido imensos problemas que estão por atacar, mas abriu novas janelas e novos caminhos - e, por isso, novas ambições para quem trabalha e sonha por um país mais justo.
Qualquer debate sobre o futuro da esquerda plural terá o aspecto de uma luta - porque é uma luta. Uma luta política. Já que ninguém está acomodado; já que PS, PCP e BE continuam a bater-se pelas suas próprias contribuições e quererão que elas sejam relevantes no que finalmente acabará por fazer-se. Mas, mesmo assim, esse debate terá de fazer-se, de preferência a tempo e horas, mesmo que tenhamos de esperar pelo tempo certo para tirar conclusões.
Pela minha parte, que nunca hesitei em defender este caminho, também há muito que defendo a necessidade de um debate sobre os caminhos que há a percorrer para um prazo mais longo.
(Deixo, a este propósito, a entrevista que dei ao DN há algum tempo: "A esquerda tem de pensar uma agenda para a década".)

Porfírio Silva, 22 de Setembro de 2017


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18.9.17

Um novo ano lectivo, a meio da legislatura


Deixo aqui a Declaração Política que pronunciei hoje, 18 de Setembro de 2017, na Assembleia da República, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista. (Em geral, não escrevo segundo o novo Acordo Ortográfico - mas uso-o em declarações oficiais.)





Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,

Neste ano letivo teremos no ensino superior público mais 10% de estudantes do que no ano passado.
Na 1ª fase do Concurso Nacional, tivemos o maior número de candidatos desde 2009, os colocados em primeira opção no ensino politécnico aumentam 16%, e os colocados em regiões de menor densidade demográfica aumentam 13%.

Voltamos a acreditar que estudar vale a pena, deixando para trás a triste narrativa dos que propalavam que temos graduados a mais.

Na Ação Social Escolar, entrou em funcionamento a renovação automática das bolsas: menos burocracia e bolsas pagas atempadamente. É um avanço importante, depois de no ano passado termos tido o maior número de bolsas atribuídas desde 2010.

Fruto de iniciativa legislativa do PS, a partir deste ano todos os estudantes de licenciatura e mestrado integrado poderão pagar as suas propinas em pelo menos sete prestações, ou num esquema mais flexível, sendo que as propinas só poderão ser cobradas aos beneficiários de bolsas quando estas já tenham sido efetivamente pagas.

E entrará este ano em vigor o novo sistema de bolsas de estudo para estudantes do ensino superior com incapacidade igual ou superior a 60%.

Conhecemos recentemente resultados do inquérito ao potencial científico e tecnológico nacional. Os números mostram que, enquanto a diminuição do investimento público em Investigação e Desenvolvimento arrasta uma quebra ainda maior do investimento privado, como aconteceu na legislatura anterior, o aumento do investimento público em I&D arrasta um aumento ainda maior do investimento privado, como mostram os dados relativos a 2016.

Regista-se também um reforço dos recursos humanos em Ciência e Tecnologia, com a permilagem de investigadores na população ativa a subir de 7,4 em 2015 para 7,9 em 2016.

Olhemos agora para outros níveis de ensino.

O país continua a avançar no pré-escolar. Em dois anos letivos abrem mais de 170 novas salas. No fim da Legislatura, quando comemoramos os dez anos do alargamento da escolaridade obrigatória ao 12º ano, teremos universalizado a oferta do pré-escolar aos 3 anos. Duas metas em que o Partido Socialista deixa a sua marca.

O país continua a avançar na educação de adultos. Com a abertura concretizada de 42 novos Centros Qualifica, cumpre-se a meta de 300 centros a funcionar em 2017.

Continuamos a investir no edificado. Há obras de reabilitação e de modernização a decorrer por todo o país.

Continuamos a investir nos recursos humanos. Em dois anos letivos, no passado e neste, teremos um reforço de mais de 2000 assistentes operacionais nas escolas. E no próximo ano letivo, mais 500. Trata-se de melhorar em muito o apoio aos alunos com Necessidades Educativas Especiais e o apoio no pré-escolar, com um assistente por sala.

Pela primeira vez este ano, foi autorizada a renovação dos contratos de técnicos especializados que já estavam nas escolas, como psicólogos, terapeutas da fala ou intérpretes de Língua Gestual Portuguesa, mais de 1500 que, assim, estão a tempo e horas onde fazem falta.

Continuamos a valorizar os professores. Os planos de formação contínua dos centros de formação dos agrupamentos estão todos a avançar, porque sabemos bem que os professores são essenciais para o sucesso educativo e confiamos no seu trabalho - enquanto na governação anterior quem queria formação tinha de a pagar.

Só este ano vincularam mais de 3.400 professores. A maior vinculação de sempre num só momento. É um passo importante no combate à precariedade.

A 6 de setembro estavam colocados todos os professores que tinham sido pedidos pelas escolas. É um sinal importante de prontidão do sistema.

Continua a ser reforçada a Ação Social Escolar. Que volta a apoiar as visitas de estudo. Que alargou ao 3º escalão o apoio na compra de manuais. Que alargou o serviço de refeições nas pausas letivas. Que a partir deste ano entregará gratuitamente manuais escolares a todos os alunos do 1º ciclo.

Continuamos a valorizar as escolas e a sua autonomia. Está a avançar o projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular, com a adesão voluntária de mais de 200 escolas, públicas e privadas, dando mais espaço às escolas e aos professores para promoverem melhores aprendizagens.

Continua o reforço da rede do ensino profissional.

Continua o programa de promoção do sucesso escolar, para que todos, e não apenas alguns, possam aprender mais e melhor.

Também na educação, muito há ainda por fazer, sabemos isso. Mas o muito que está a ser feito é, claramente, mobilizador das melhores energias de professores, alunos e famílias.


Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Deputados,

O Grupo Parlamentar do Partido Socialista assumiu nesta Câmara o compromisso de aguardar pela conclusão dos trabalhos do Conselho Nacional de Educação sobre avaliação da Lei de Bases do Sistema Educativo nos seus 30 anos de vigência e, a partir daí, contribuir para que a Assembleia da República adote uma metodologia para um diálogo sistemático e aberto à sociedade sobre as perspetivas da atualização da Lei de Bases.

A durabilidade da primeira Lei de Bases assentou na profundidade e largueza do debate que a construiu. Não podemos esquecer esse ensinamento. E, sem tirar uma vírgula aos méritos políticos da atual maioria parlamentar da esquerda plural, é preciso afirmar que uma nova Lei de Bases do Sistema Educativo não deveria ser fruto apenas da estrita maioria parlamentar de cada momento. Outros já tiveram essa tentação, o PSD e o CDS já tiveram essa tentação, mas o PS entende que, uma vez que a educação pulsa mais ao ritmo das gerações do que dos anos letivos, devemos trabalhar para alargar as convergências produtivas que sejamos capazes de construir.

Assim, o Grupo Parlamentar do Partido Socialista apresentará proximamente as suas propostas para uma metodologia que abra a Assembleia da República a um diálogo plural e alargado acerca dos desafios a que terá de responder uma nova Lei de Bases do Sistema Educativo. Sendo certo que, para os socialistas, também em matéria educativa, a linha de rumo passa sempre por melhor cumprir e honrar a Constituição da República Portuguesa, promovendo uma efetiva igualdade de oportunidades no acesso e no sucesso educativo.



Porfírio Silva, 18 de Setembro de 2017

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13.9.17

Fernando Medina e a ventoinha.



Fernando Medina trocou de casa. Embora estejamos em campanha eleitoral e não faltem assuntos para debater Medina e a Câmara de Lisboa, há uma pessoa que escreve num quotidiano e que decide tentar sujar Medina com a troca de casa. Pelo que passo a escrever a seguir, parece-me a velha história da ventoinha e da lama.

Em primeiro lugar, parece que Medina comprou uma casa no centro de Lisboa (Rua Viriato) em 2006 e a vendeu em 2016, tendo arrecadado mais-valias no montante de 130 mil euros. A tal pessoa que escreve no tal jornal parece achar isso estranho, porque se rebola de gozo escrevendo que Medina “é daqueles que não se podem queixar do apetite voraz que a capital portuguesa está a despertar junto de muitos estrangeiros endinheirados”. De facto, Medina vendeu um apartamento a um casal francês. Não sei se o casal francês está contente por ser considerado endinheirado por comprar um apartamento, num prédio Prémio Valmor, por 490 mil euros. O que sei é que tenho um familiar próximo que vivia a poucos metros de Medina e sabe como aquele período de compra e venda, designadamente naquela zona, permitiu negócios interessantes para quem precisava mudar para outro tipo de casa. Ao ponto de se conseguir o preço pedido de um dia para o outro. Aparentemente, a tal pessoa que escreve no tal jornal não sabe disso. Talvez não lhe interesse.

Mas, aos olhos da tal pessoa que escreve no tal jornal, Medina tem outro pecado: além de um pecado de venda, tem também um pecado de compra.
Medina é suspeito porque comprou o seu actual apartamento a Isabel Teixeira Duarte por um valor/m2 inferior ao que esta tinha comprado o mesmo apartamento. Mas a tal pessoa que escreve no tal jornal sabe que Isabel Teixeira Duarte tinha comprado aquele apartamento por um valor/ m2 muitíssimo mais alto do que aceitaram pagar os vários outros compradores de fracções no mesmo prédio no mesmo período. Aparentemente, a tal pessoa que escreve no tal jornal acha que Medina é que tinha de se prontificar para corrigir os prejuízos do negócio anterior. Talvez perguntar à senhora: “por acaso não fez nenhum disparate quando comprou este apartamento, talvez pagando mais do que devia? É que se foi o caso, eu pago mais para a senhora não ficar a arder…”.

Cabe lembrar, entretanto, que, segundo a mesma notícia, Isabel Teixeira Duarte tinha comprado aquele apartamento, por um valor aparentemente inflacionado, ao grupo Teixeira Duarte, detido pela sua própria família. Mas isso a tal pessoa que escreve no tal jornal não acha que tenha de ser explicado – achando, sim, que Medina é que tinha de se preocupar com isso ou explicar o facto.

Sim, porque se Medina pagou o que lhe pediram, e ainda teve de subir a oferta porque havia concorrência (havia mais quem quisesse comprar o mesmo apartamento, pelos vistos Medina não era o único a achar o negócio normal), não se percebe o que pretende a tal pessoa que escreve no tal jornal: que Medina protestasse que queria pagar mais? Há muitos anos que não compro nada no mercado da habitação, mas não conheço ninguém que, pretendendo comprar um apartamento, exija ao vendedor que informe quanto está a ganhar em mais-valias relativamente ao negócio antecedente.
A tal pessoa que escreve no tal jornal sabe (porque o escreve) que a última transacção de apartamentos naquele prédio antes da compra de Medina tinha sido feita a um valor por m2 inferior ao preço pago por Medina. Mas insiste que Medina pagou, suspeitamente, pouco.

Dito isto, a tal pessoa que escreve no tal jornal não se considera satisfeita e vai buscar uma história de uma relação da Câmara Municipal de Lisboa com o grupo Teixeira Duarte. A tal pessoa que escreve no tal jornal não deixa de dizer que “não [é] conhecido nenhum dado objectivo que permita relacionar as condições em que Fernando Medina comprou o duplex da Luís Bivar com esta adjudicação” – mas essa pessoa sabe que, para publicação em cima da campanha das autárquicas, não é preciso ter dado objectivo nenhum para conseguir um belo efeito com um texto que serve de ventoinha mesmo sem “nenhum dado objectivo”. Convenientemente, a tal pessoa que escreve no tal jornal não acha relevante que Medina tenha negociado a casa com a imobiliária, nunca com a proprietária.

Definitivamente, há pessoas que não compreendem as pessoas normais, que vivem a sua vida sem atropelar ninguém. Que não compreendem as pessoas honestas. Já não me lembro quem é que inventou uma história de casas em Lisboa com António Costa antes das últimas eleições legislativas. História essa que, obviamente, era lama. E assim morreu. Mas, para certas pessoas, vale sempre a pena ligar a ventoinha e largar alguma lama a ver se se consegue sujar quem está e quem é limpo.

Sobre o que está dito, estamos conversados. Mas há mais: se o texto que tenho vindo a referir merecesse a qualificação de notícia, seria ainda de questionar qual o interesse noticioso de trazer a mulher de Medina ao escrito, dizendo de quem é filha, que cruzamentos teve antes com o seu actual marido, que profissão tem e onde trabalha. Ah, e claro, qual, no meio de todo esse emaranhado, é o fio que liga alguém a José Sócrates - esse é elemento que não poderia faltar neste enredo.


Porfírio Silva, 13 de Setembro de 2017
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8.9.17

As eleições em Angola e os terçolhos.



Ricardo Paes Mamede, pessoa com quem não privo mas que respeito na sua figura de intelectual público, escreve um texto no blogue Ladrões de Bicicletas sobre as eleições em Angola. Nesse texto escreve muitas coisas com as quais concordo, inclusivé coisas que se afastam de algumas abordagens "a preto e branco" que têm dominado as reacções lusas às eleições angolanas.
Contudo, escreve a certa altura algo que, além de me tocar directamente, cai - agora sim - nas tais apreciações a preto e branco. É, aliás, quando chegam ao momento das simplificações abusivas que mais facilmente caem em erros os pensadores que produzem melhor quando mantêm as coisas complexas na sua complexidade própria. Julgo ser este o caso.
No último ponto do seu texto, escreve Paes Mamede: «Os observadores internacionais (incluindo os deputados portugueses) que acompanharam as eleições angolanas têm seguramente conhecimento do processo eleitoral em todas as dimensões acima descritas. Ao darem o seu aval aos resultados das eleições, classificando-as como livres e justas, estão a compactuar com práticas que seriam inaceitáveis num Estado de Direito Democrático. Os motivos que os levam a fazê-lo podem ser vários: estão economicamente comprometidos com o regime; acreditam que num país africano não é possível fazer melhor; ou consideram que nenhuma das alternativas está em melhores condições para assegurar um futuro de paz e desenvolvimento para Angola (acredite-se ou não, estes mesmos observadores estrangeiros apelidam de neocolonialista e paternalista quem se atreve a questionar o processo eleitoral angolano a partir do exterior). Seja qual for o motivo para se prestarem ao papel que desempenham neste processo, uma coisa é certa: ao fazê-lo, esses observadores estão a revelar pouco respeito pelos eleitores angolanos, por quem luta pela democracia naquele país e também pelos cidadãos do seu país de origem.» (Encontra-se este texto no ponto 5 deste post: Todo o mundo saúda o novo poder de Luanda (cinco ideias sobre as eleições em Angola) )

Pela minha parte, integrei uma Missão de Observação Eleitoral da CPLP, que fez uma pronúncia sobre as eleições que em nada ultrapassa aquilo que vimos. Não fala do que não vimos, nem fala do que aconteceu depois de termos acabado a Missão - mas também não inventamos problemas que não vimos. Como a declaração da Missão é uma declaração colectiva, eu acrescentei um testemunho pessoal, em artigo publicado no Diário de Notícias (que pode ser lido aqui: Angola, as eleições e depois ).

Face a isto, tenho que dizer ao Ricardo Paes Mamede que a sua apreciação é tão enviesada, pelo menos no meu caso, como enviesadas são todas as leituras a preto e branco das eleições angolanas. O pior que um intelectual público pode fazer face às suas responsabilidades é ser simplista em questões complexas. E, infelizmente, nem sequer tira todas as lições do que o seu próprio texto mostra saber (por exemplo, não basta à oposição dizer que houve batota, é preciso apresentar dados que suportem consistentemente essa afirmação: e isso pode ser feito, porque os partidos têm as actas das mesas de voto). Quando um intelectual público cede à tentação de querer parecer mais "limpo" do que toda a gente no resto do mundo, podemos desconfiar de que algum terçolho o esteja a impedir de ver tudo o que há para ver no espaço do fenómeno em observação.

***
Adenda.
Este debate continuou no FB. Aqui. Retenho a seguinte frase de Ricardo Paes Mamede: "O Porfírio não é susceptível das críticas que faço no meu texto. Entendeu que a crítica o abrangia e sentiu necessidade de se defender. É justo, fez bem." Chegados aqui, por mim esta conversa está resolvida.


Porfírio Silva, 8 de Setembro de 2017
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4.9.17

Podemos negociar com uma lotaria?



Encontram-se pessoas, até muitas pessoas, que, sendo apoiantes deste governo e desta maioria parlamentar, entendem que é favorável ao governo e à maioria ter uma oposição destemperada - especificamente, ter um PSD zangado com o país, incapaz de propor e debater alternativas, embrulhado num azedume de curto prazo e sem horizontes. Os resultados das sondagens parecem dar razão a essas análises, na medida em que a actual irrelevância do PSD para os debates do futuro paga-se cara em termos de intenções de voto e de popularidade, permitindo sondagens onde o PS sobe sem ser precisamente à custa dos seus parceiros mais à esquerda. Alguns resumem essa apreciação da conjuntura com um "a esquerda já vai em 60 e não sei quantos por cento das intenções de voto".

Ora, eu discordo absolutamente dessa ideia de que esta situação tenha aspectos positivos.

O que mais mina a democracia representativa é a incapacidade da política para responder aos desafios de longo prazo das nossas sociedades. Porque, ao fim de algum tempo, o que era de longo prazo tornou-se assunto premente, de hoje. Acaba mesmo por tornar-se assunto de ontem. E, rapidamente, as pessoas percebem que não podem deitar a culpa só para este ou aquele partido, só para este ou aquele líder, porque os problemas colectivos nunca são só responsabilidade de alguns: os problemas colectivos são sempre resultado de, entre todos, os agentes desse colectivo não terem sido capazes de se coordenar para engendrar uma solução. Alguns podem ter apenas a responsabilidade de não terem conseguido "obrigar" os outros a cooperar, o que é diferente de obstruir deliberadamente a cooperação - mas, de modos diferentes, pelos fracassos colectivos todos no colectivo têm a sua quota de responsabilidade. E todos pagarão. Todos pagaremos. Basta chegar um populista da espécie dos que fazem carreira por esse mundo fora. Ora, o comportamento destrutivo que Pedro Passos Coelho adoptou como rumo é, só por si, um elemento dificultador de qualquer racionalidade e eficiência na acção política democrática.

Sejamos mais precisos. Não defendo nenhuma forma de "governo pelo consenso". O trabalho das forças políticas é construir respostas políticas diferenciadas para interesses diferenciados, para grupos diferenciados, para visões do mundo diferenciadas, para situações sociais e económicas diferentes em que vivem as pessoas concretas. A ideia do "governo pelo consenso" é uma ideia antidemocrática na sua essência, porque desvaloriza a pluralidade em acção como dinâmica de sociedades livres na sua diversidade. Mas as diferenças ideológicas não têm necessariamente de incluir discordâncias irredutíveis acerca do traçado de umas quantas estradas e sobre a localização de umas quantas infraestruturas do país... Mesmo em áreas cuja governação implica uma forte carga ideológica no mundo actual (educação ou saúde, por exemplo), é possível isolar opções que não têm que ser abrangidas pelas importantes diferenças de pensamento acerca do desenho global das políticas públicas nesses sectores. Por essa razão, estão errados aqueles que dizem "se o governo quer acordos estratégicos numa área, tem de aceitar incluir tudo nessa negociação". Não tem e não deve.

Só forças políticas maduras, com programas consistentes e com capacidade política para distinguir os diferentes planos de um contínuo convergência/divergência (que sempre terá de acontecer em democracia), só forças políticas com essa solidez podem prestar ao país o serviço deste tipo de negociação. Aí reside um dos mais delicados calcanhares de Aquiles do PSD de Passos Coelho. E da nossa democracia no momento presente.


A questão pode colocar-se assim: pode negociar-se com uma lotaria, cujas posições dependem de algo que, por não sermos nós a dominar, chamamos sorte e azar? Pode chegar-se a algum entendimento com uma roleta russa, que na maior parte dos ensaios será inofensiva mas pode, por uma vez, ser fatal, sem alívio e sem retorno? A essência da negociação em democracia é tentar alargar as convergências entre posições diferentes, começando pelas diferenças não essenciais ou que podem ser satisfeitas por vias alternativas, deixando de fora aquilo que permenece irredutível graças às legítimas diferenças políticas e ideológicas, mas trabalhando intensamente naquela margem de sobreposição de posições que sempre deve resultar do facto de vivermos numa mesma comunidade nacional e de nem todos os interesses serem contraditórios. Esse trabalho, que não é de "consenso" mas de alargamento das convergências razoáveis, é uma construção baseada em posições que reflectem interesses - e essa construção tem sempre uma componente racional, argumentativa. Ora, não há como argumentar com uma lotaria, não há como debater com uma roleta russa. Tal como não há modo de negociar com um partido que se comporta como uma lotaria ou uma roleta russa. Aqui reside a principal razão para não podermos estar satisfeitos com o actual estado do PSD - e para não nos deixarmos iludir pela passageira compensação de isso produzir sondagens simpáticas para a maioria da esquerda plural e para o governo. O actual estado do PSD é um problema para Portugal.

Porfírio Silva, 4 de Setembro de 2017
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2.9.17

Angola, as eleições e depois





Reproduzo aqui o meu artigo de opinião que o Diário de Notícias publicou ontem (1/09/1017). O original pode ser encontrado aqui.


* * *

ANGOLA, AS ELEIÇÕES E DEPOIS


1. Ao aterrar em Angola como observador internacional para as eleições de 23 de Agosto sabia que os processos eleitorais não começam nem acabam nos dias de votação, e que a vida democrática de um país não se esgota nos atos eleitorais.

2. Antes da votação, a generalidades das missões de observação eleitoral internacionais partilhavam a convicção de que Angola tinha feito um grande esforço para que estas eleições fossem não apenas mais organizadas do que as edições precedentes mas também mais fiáveis como expressão da vontade dos eleitores. Ao mesmo tempo, era geralmente partilhada a preocupação com o muito desigual acesso dos partidos concorrentes aos meios de comunicação social. É claro que alguns interlocutores nos referiram a importância do uso parcial do aparelho estatal e do poder económico na conformação da vontade do corpo eleitoral.

3. O dia da votação produziu uma impressão fortemente positiva: organização, serenidade, ausência de coação, transparência. Se alguém menospreza a importância política da boa organização de umas eleições, faz mal: é na desorganização que mais facilmente se desrespeitam as regras, a desordem é o caldo de cultura da fraude. Neste caso, pelo contrário, a organização permitiu às pessoas votar facilmente e com rapidez, favorecendo uma grande participação: a abstenção desceu cerca de 14% de 2012 para 2017. O Estado investiu nas eleições, Angola levou as eleições a sério.

4. Aspeto crucial para ajuizar da limpeza da votação: a julgar pelas informações disponíveis, na generalidade das mesas de voto havia delegados dos partidos concorrentes, raramente todos, mas usualmente vários. Os relatos convergem: foram respeitados os direitos dos delegados à fiscalização de todas as operações da votação, corrigindo até alguma tensão dos dias anteriores sobre esse ponto. No final, cada delegado de partido levou cópia da ata com os resultados. No que presenciei, o respeito pelos delegados dos partidos nas mesas de voto contribuiu para o clima de normalidade e calma em que decorreu o voto.

5. Cabe também anotar que, segundo relatos das missões de observação, não se registaram quaisquer obstáculos ao trabalho dos observadores (internacionais ou nacionais).

6. Quando escrevo, já estamos na fase seguinte: apuramento dos resultados. Conhecidos os resultados e os vencedores provisórios, transparece para a opinião pública o espectro de uma não-aceitação dos resultados por todos os concorrentes. A Comissão Nacional Eleitoral poderá não ter respeitado rigorosamente todos os procedimentos previstos, talvez até anunciando cedo de mais resultados provisórios que podiam não estar completamente consolidados. Tal como algumas vozes da oposição terão sido precipitadas a tentar lançar a suspeita de fraude sobre o processo. Alguns reagiram como se só pudessem ser democráticas eleições que o MPLA perdesse. Julgo, no entanto, que existem os meios (nomeadamente as atas e demais documentação das mesas de voto) para garantir um apuramento rigoroso e incontestado dos resultados verdadeiros destas eleições. O trabalho continua e já há províncias cujos resultados definitivos são aceites como fidedignos pelos partidos da oposição. É esse acerto de contas que tem de continuar e ser levado até ao fim, porque as dificuldades operacionais não podem ser consideradas (nem ser transformadas em) desvirtuamento dos resultados.

7. Vários fenómenos positivos acompanharam estas eleições. Desde logo uma forte mobilização cidadã, não só direcionada para as candidaturas mas também para o controlo democrático do processo eleitoral. Isso poderá ajudar os partidos a reforçar a sua capacidade de construir alternativas e equipas que os angolanos reconheçam como credíveis possíveis governantes, algo que não está automaticamente conquistado. Ao mesmo tempo, o MPLA, pelo simples facto de apresentar um novo candidato, aparece aos olhos de muitos como fator de mudança. Será agora preciso saber se a coragem do candidato, ao introduzir certos temas melindrosos e em recuperar pessoas antes tornadas dissidentes, é suficiente para garantir uma transição bem-sucedida na perspetiva do progresso do país. Até porque são grandes os desafios, em maior ou menor grau partilhados por muitas sociedades, designadamente o de uma relação adequada entre poder político e poder económico e o de um necessário combate às desigualdades excessivas, através da expansão dos direitos sociais efetivos à generalidade da população.

8. Há quem olhe para Angola e só veja negócios. Há quem olhe para Angola e só pense numa preferência partidária. Procuramos que não seja esse o nosso caso: porque os investimentos mútuos são importantes, mas a prazo não podem prosperar num deserto moral; porque antes do valor próprio de cada força política vem o valor do pluralismo e dos direitos fundamentais.



Porfírio Silva, 2 de Setembro de 2017
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25.8.17

" Oposição contesta resultados das eleições em Angola"



"Oposição contesta resultados das eleições em Angola."

Sugiro o seguinte ponto de observação sobre esta questão:

(1) Talvez não todas, mas, regra geral, as mesas de voto tiveram delegados dos partidos concorrentes a fiscalizar todos os passos do dia de votação, incluindo a contagem dos votos.
(2) Todos os delegados dos partidos às mesas de voto deveriam ter recebido cópias das chamadas “actas-síntese”, que continham os resultados apurados na respectiva mesa.
(3) Não ouvi, desde a noite eleitoral, nenhuma acusação de que essas actas-síntese tivessem ficado por entregar aos delegados dos partidos concorrentes. Ouvi, pelo contrário, a avaliação das diferentes Missões de Observação Eleitoral internacionais, que entendiam que, em regra, essa prática seguiu as normas.
(4) Assim sendo, não pode, agora, bastar a mera alegação de que houve falhas ou, simplesmente, declarar que não se aceitam os resultados – para aceitarmos como credíveis essas posições.
(5) Precisamos de factos: os partidos que alegam a incorrecção dos resultados têm o dever de apresentar as suas recolhas das tais “actas-síntese” e mostrar que essa informação, coligida, desmente os resultados da Comissão Nacional Eleitoral. Os partidos que fazem essas acusações têm a responsabilidade de as substanciar – e têm os meios para isso. Podem, até, juntar-se os vários partidos para fazerem essa demonstração (suprindo as falhas das mesas onde não tenham estado todos).
(6) Cá estaremos para todos os protestos do mundo se se provarem distorções nos resultados transmitidos. Mas, igualmente, cá estaremos para condenar todas as acusações infundadas – por, jogando com aquilo com que não se brinca, serem irresponsáveis.

É inaceitável que, alguns, tendo "profetizado" a fraude eleitoral, agora queiram verificar a sua "profecia" sem se darem ao trabalho de apresentar uma fundamentação séria das suas graves acusações.


Porfírio Silva, 25 de Agosto de 2017
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Eleições em Angola.



Falaremos mais detidamente sobre este assunto daqui a dias. Mas, acabado de regressar da Missão de Observação Eleitoral da CPLP às eleições angolanas, posso dizer que registei uma grande convergência entre aquilo que pude ver pessoalmente no terreno, aquilo que testemunharam os outros observadores da mesma Missão da CPLP nas reuniões que fizemos para formar uma visão de conjunto e, ainda, aquilo que pude constatar nas reuniões de Chefes de Missão (em que tive oportunidade de participar integrado na delegação da CPLP) acerca da leitura dos observadores das outras missões. Aquilo que vimos representa um grande salto qualitativo para a democracia angolana. Brevemente explicarei mais detidamente as razões para afirmar isto.

Pergunta-se: mas está tudo resolvido ao nível do que há a fazer em termos de qualidade da democracia angola? Claro que não. Está garantido que a nova liderança faça o que é preciso fazer para resolver os principais problemas de Angola? Não está garantido. Mas estas eleições, pela sua qualidade e pelo seu significado, podem abrir muitas portas, tanto do lado do poder como do lado da oposição.

Claro que as democracias não se fazem só de eleições. É preciso aproveitar o impulso aberto por estas eleições. Por exemplo, é certo que o acesso à comunicação social não é igualitário para todas as forças políticas e é importante que mude o cenário por esse lado. Mas também é certo que os partidos da oposição têm um caminho a fazer para se credibilizarem como verdadeiras alternativas de poder, mostrando que serão capazes de governar melhor do que os que estão em funções.

Reservando uma análise mais cuidada para depois, não posso deixar de lamentar aqueles que fazem a festa, deitam os foguetes e apanham as canas. Refiro-me aos que se prestam à figura de considerar anti-democráticas e fraudulentas todas as eleições em que não sejam vencedores os seus partidos de sempre. Esses são tão inimigos da democracia como os que viciam actos eleitorais. E, pior ainda, desacreditam a própria crítica, porque deixam ver que dirão mal de tudo o que não corresponda às suas profecias de desgraça, privando o debate da seriedade de quem primeiro se informa e depois se pronuncia.

Como observador eleitoral, não tenho a pretensão de que, só por mim, vejo a verdade. Mas fomos muitos, angolanos (observadores nacionais) e estrangeiros (observadores internacionais) a ver, a ouvir e a cruzar informação, permitindo-nos dizer que estas eleições angolanas fizeram do 23 de Agosto de 2017 um dia bom para Angola. Agora, é preciso aproveitar o balanço para fazer o muito que falta e corrigir o muito que carece de modificação.

Porfírio Silva, 25 de Agosto de 2017
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5.7.17

Ciência 2017




Estive esta manhã a intervir no Ciência 2017, tal como os demais representantes dos diferentes grupos parlamentares na Comissão Parlamentar de Educação e Ciência.Nos poucos minutos que nos foram dados, procurei focar os seguintes pontos:

1. A ciência atinge o seu melhor quando não está fechada em fronteiras, quando se abre ao mundo - e isso coloca a questão da internacionalização da actividade científica. Também por aqui somos europeístas, porque não será produtivo estarmos sozinhos no mundo global: participando no espaço da UE, estaremos de forma mais proveitosa no mundo global.

2. Não obstante, no plano dos diferentes territórios no país, é preciso democratizar o acesso à internacionalização. Não pode haver outra divisão litoral/interior no acesso do conhecimento à internacionalização, não podemos aceitar que viver em certos territórios implique ficar para trás no acesso da investigação à internacionalização. Por isso é importante, por exemplo, o actual investimento em intensificar o esforço de investigação feito nos Politécnicos.

3. Outro caminho que é preciso traçar, ao mesmo tempo, é aprofundar a interacção entre ensino e investigação. Há espaços onde essa interacção é forte, mas também há espaços de resistência a essa interacção. Precisamos que o ensino (e a aprendizagem) seja mais robustecido com a prática da investigação, precisamos que a investigação contribua para robustecer o ensino (e a aprendizagem). Essa questão coloca-se no plano das carreiras (de docência e de investigação), mas também se coloca como desafio às próprias instituições, em termos de estratégia e de governação. Esse acréscimo de interacção entre ensino e investigação deve ser benéfico quer para os profissionais, quer para o desenvolvimento institucional.

4. Precisamos também ultrapassar algumas dicotomias improdutivas. Por exemplo, excessiva insistência na utilidade da investigação aplicada, com menor apoio à investigação fundamental, seria um erro. Apostar só (ou quase só) em investigação aplicada seria, a prazo, matar a ciência como um todo. Os sistemas de produção de conhecimento não podem guiar-se quase exclusivamente pela “competitividade à vista”, imediata – mesmo que esse enviesamento nos seja apresentado com as roupagens da inovação.

5. O chamado “mercado” não pode ser o único, ou quase exclusivo, destinatário da produção científica. A comunidade nacional organizada, o Estado, precisa de recorrer mais assídua e intensamente ao conhecimento, para que tenha oportunidade de melhorar a qualidade da decisão. Isto implica escolhas acertadas quanto à configuração da rede de unidades de investigação, na sua diversidade e coerência.

6. Aprofundar a ligação entre conhecimento e sociedade passa, também, por responder ao desafio da multidisciplinaridade – pelo menos, quando essa multidisciplinaridade é necessária para considerar os aspectos societais dos problemas. Neste Ciência 2017 já houve um interessante debate em torno da questão dos incêndios – e esse é um bom exemplo para o que quero dizer. A questão dos incêndios não é só a questão da propagação do fogo, nem só a questão da meteorologia. Como muitos já assinalaram, também é a questão da organização territorial do país, a questão social das transformações do mundo rural, a questão do ambiente no sentido mais vasto. E aqui já precisamos de uma ampla multidisciplinaridade para compreender o que está em causa. Mas há também – e aqui temos outro alargamento – a questão política da forma como uma comunidade nacional se organiza para resolver problemas complexos e que só podem ser enfrentados com sucesso num prazo longo. Há a responsabilidade política (como é que não resolvemos isto depois de 30 anos?), mas é uma responsabilidade política que não é só dos chamados políticos. É uma questão da comunidade como um todo, como é que organizamos um processo de decisão tão complexo – e esta questão também deve mobilizar conhecimento, provavelmente de áreas de conhecimento que alguns tendem a desvalorizar.



#Ciencia2017PT


Porfírio Silva, 5 de Julho de 2017
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2.7.17

Quando o país está melhor




Ontem participei na apresentação do Pedro Ribeiro como candidato do PS a Presidente da Câmara Municipal do Cartaxo. Foi um privilégio, quer pela mobilização que testemunhei, quer pela qualidade da obra e do projecto da candidatura, envolvendo também os candidatos às Juntas de Freguesia e à Assembleia Municipal. O discurso de Pedro Ribeiro foi bem um sinal dessa vitalidade. #CartaxoMelhor #PedroRibeiro2017

Na minha intervenção, além de temas autárquicos, foquei também aspectos da situação política nacional. Deixo parte do que disse nessa ocasião.

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Portugal está melhor.
Começámos a devolver rendimentos às famílias.
Voltámos a investir nos serviços públicos: nunca tivemos tantos profissionais no Serviço Nacional de Saúde desde o início da crise; há muitos milhares de portugueses que ainda não tinham médico de família e a quem está a chegar esse serviço; nunca houve tantos professores nas escolas como este ano.
Conseguimos dar um novo alento à economia: é por isso que o desemprego baixa e o emprego sobe. Em Abril, com 9,5 de taxa de desemprego, tivemos o valor mais baixo de desemprego desde Dezembro de 2008. O emprego continua a aumentar.
Afinal, não era preciso mandar as pessoas emigrar, nem dizer que os portugueses viviam acima das possibilidades, nem era preciso o sistemático desrespeito pela Constituição. O que era preciso era juntar a noção de progresso do país e a noção de qualidade de vida das pessoas. O que foi preciso foi deixar para trás aquela teoria de um alto dirigente do PSD, que dizia que o país estava melhor, embora a vida das pessoas não estivesse melhor. Para nós, o país só está melhor quando a vida das pessoas estiver melhor.

Afinal, até os mais céticos começam a dar sinal de finalmente compreenderem que o governo do PS está a fazer o que é preciso fazer. A Comissão Europeia começou a querer aplicar sanções a Portugal, pelos maus resultados de 2015, que não eram da responsabilidade da atual governação. Hoje, a Comissão Europeia confia que sabemos o que estamos a fazer.
E, temos de dizê-lo, conseguimos mudar a atitude da Comissão Europeia face a Portugal porque temos um governo europeísta, que quer mudar as políticas europeias quando essas políticas estão erradas, mas não está contra a Europa nem está contra os nossos parceiros europeus. E esse europeísmo esclarecido do nosso governo foi fundamental para o percurso que temos vindo a fazer.
E agora até o FMI, que teve o papel que se sabe no programa austeritário, acabou de fazer uma previsão de crescimento da economia portuguesa para 2017. A previsão é um crescimento de 2,5% para este ano. Ora, a verificar-se essa previsão, 2017 seria o melhor ano para a economia portuguesa desde a nossa adesão ao Euro.
Os níveis de confiança dos consumidores estão a bater recordes históricos. E todos sabemos como a confiança é importante.

Mas não nos equivoquemos: há ainda muito para fazer. Não é tempo de repousar sobre os louros dos sucessos alcançados. Porque, em boa verdade, estamos ainda apenas a firmar as bases do muito que tem ainda de ser feito. Até porque é preciso ainda percorrer um longo caminho para devolver aos poderes públicos todas as capacidades necessárias para que o Estado, no seu todo, a nível central e a nível local, seja eficaz e eficiente a prosseguir o bem público.
Uma certa Direita, e alguns comentadores de serviço, andaram décadas a defender o Estado Mínimo. À boleia das teorias do Estado Mínimo, o Estado foi enfraquecido e entregaram-se aos privados funções que deviam ser assumidas por um Estado Social de Direito, e até funções que, em bom rigor, deviam ser consideradas funções de soberania - num conceito robusto e democrático de soberania.
Nada temos contra a economia privada, cujos direitos fazem parte da nossa conceção de sociedade livre, aberta, de iniciativa. Nada temos nada contra quem, respeitando as regras, procura o lucro. Mas a prossecução das funções de soberania não pode ser confundida com a prossecução do lucro. Ambas são legítimas, mas são diferentes. Ora, não se respeitando essa diferença, enfraquece-se o Estado, enfraquecem-se os serviços públicos, desprotege-se o país e as pessoas.
E essas políticas inspiradas na ideologia do Estado Mínimo têm consequências. Não podemos descuidar o nosso automóvel, andar por aí com os pneus carecas, e depois ficarmos surpreendidos porque há um despiste.
E muito menos é admissível, como alguns fazem, que aqueles que deixaram os pneus carecas sejam os que mais barulho fazem a criticar o condutor.
O governo do Partido Socialista está a reconstruir o papel que o Estado deve ter numa sociedade democrática, livre, aberta à iniciativa de todos mas que cuida do bem comum, que cuida do interesse geral, que olha para as responsabilidades do futuro e não apenas para o momento presente.

Mas Roma e Pavia não se fizeram num dia. Enfrentamos uma tarefa imensa.
Precisamos muita humildade para fazer o que é preciso fazer. Não é só ter as políticas certas. Ter as políticas certas é muito necessário. Mas também é preciso ter a atitude certa.
Combater toda a arrogância. Evitar qualquer triunfalismo. Manter a humildade de ouvir e respeitar, e a humildade de sabermos que há muito ainda por fazer.
Mas também não nos resignamos face às dificuldades: mantemos a determinação de quem quer continuar a fazer cada vez melhor.

2 de Julho de 2017

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