30.9.13

comentário eleitoral.


O resultado básico das eleições de ontem é claro: o PS venceu folgadamente as eleições, o PSD perdeu claramente.
Isso é importante, mas não é tudo. Sem prejuízo de uma reflexão mais calma, e sobretudo de uma análise mais informada que ainda não fiz, julgo que é preciso acrescentar mais alguma coisa na tentativa de perceber o dia de ontem. Desde logo, há claramente uma leitura política nacional a fazer destes resultados, como reconhece gente de todos os quadrantes. Os factores locais não explicam tudo e é importante reconhecer o que acresce.

Primeiro, os eleitores não engolem qualquer escolha partidária. Quando os partidos tentam descaradamente abusar do apelo à “fidelidade”, tentando impor cromos inenarráveis, os eleitores são capazes de se zangar. Se os eleitores não gostam que lhes tentem vender gato por lebre, também não apreciam que os partidos tentem remover quem faz bom trabalho. Felizmente que assim é. Dou, aqui, o exemplo de Matosinhos, um resultado que me deixou muito contente e que julgo ser de justiça, mas há exemplos noutros quadrantes.

Segundo, os independentes são um factor positivo nessa dinâmica de controlo dos excessos dos partidos. Claro que há independentes que são ainda piores que os partidos a que se opõem, mas isso não impede que, em geral, constituam um positivo factor de alargamento das possibilidades dos eleitores em termos de prémio e castigo. Houve, do lado do PS, quem soubesse lembrar isso em público ontem à noite e identificasse – bem – a necessidade de dar uma leitura democrática a esse fenómeno. Cabe lembrar que a brilhante vitória de António Costa em Lisboa, verificada ontem, começou a ser construída quando, no seus primeiros mandatos, encetou um processo de diálogo com grupos independentes e com representantes de outros partidos, permitindo-lhe criar uma “frente lisboeta” em que o PS não perde nenhum protagonismo mas, ao mesmo tempo, se abre a uma dinâmica muito produtiva.

Terceiro, os partidos, quando se agarram demasiado à sua sigla e à sua contabilidade, podem tornar-se míopes. No caso do Porto, não poderia a esquerda (PS incluído) ter-se empenhado em tomar a seu cargo a tarefa de gerar uma plataforma cívica que fizesse aquilo que acabou por ser feito por um candidato apoiado pelo CDS? Em sinal contrário, na Madeira conseguiram encontrar uma configuração plural que encurralou – finalmente! – o mesquinho ditador Jardim, abrindo caminho para que o 25 de Abril possa finalmente vir a abranger também aquela porção do território nacional.

Quarto, e entrando agora na contabilidade partidária, é importante perceber o reforço do PCP e a hecatombe do BE. O PCP volta a mostrar que há um segmento da sociedade que pode ser mobilizado pelo seu discurso “contra tudo e contra todos” – e nenhum partido responsável de esquerda pode ignorar isso. Em particular, o PS não pode ignorar o facto de, mesmo nesta conjuntura de confronto violento com o governo, não conseguir atrair este segmento do eleitorado. O Bloco, tendo-se mostrado desinteressado de usar as suas vitórias passadas para influenciar efectivamente a condução do país, parece estar a ser percepcionado como uma inutilidade pelos cidadãos interessados em alternativas políticas de esquerda: escondidos na sua toca de pureza arrogante, não servem para grande coisa e é assim que o eleitorado de esquerda os está a ver. Irreversivelmente? Ou ainda irão a tempo de repensar o seu papel na esquerda portuguesa? Veremos.

Quinto, o PS precisa moderar a sua euforia. Comparando o seu resultado de ontem com os das anteriores autárquicas, o PS não fica recomendado para abrir demasiado a boca. Pode dizer-se, querendo baixar a temperatura, que foi mais o desastre do PSD do que os avanços do PS que fizeram o tom da noite de ontem. Isso, juntamente com os resultados do PCP, deve fazer pensar se o PS não está a confiar demasiado na navegação à bolina. Aliás, alguns dos vícios que, manifestamente, prejudicaram o PSD nestas eleições, agravando os efeitos do descontentamento global, também aconteceram, embora em menor escala, no PS. Passar por cima dessa análise, no PS, será uma cegueira perigosa. O que vai o PS fazer com esta vitória? Seguro ficou, com estes resultados, com suficiente margem de manobra para não ter de temer qualquer convulsão interna imediata. Se julgar que isto lhe resolveu todos os problemas e continuar na relativa modorra política que tem sido a sua liderança até agora, isso pode ser-lhe fatal no futuro, mesmo que ganhe as próximas legislativas. Se perceber que, acima de tudo, esta vitória lhe dá mais responsabilidades e aproveitar a onda para afinar os projectos, os métodos e os rostos da alternativa – pode ter muito trabalho árduo pela frente e, nessa senda, transformar esta vitória autárquica num passo importante rumo a qualquer coisa de novo para os próximos difíceis anos para os portugueses. Mas essa é outra conversa.


23.9.13

Mais gasparinos que Gaspar.


Anda por aí quem “esclareça” que Vítor Gaspar (VG) nunca deu a data de 23 de Setembro de 2013 para o regresso aos mercados. Ou, numa variante do argumento, diga que, uma vez que hoje temos dinheiro para honrar o empréstimo que vence, se cumpriu a promessa. Quanto a esta variante, já respondi na posta anterior. Quanto à tese de que, afinal, Gaspar não disse aquilo que toda a gente diz que disse, decidi ir voltar a ver o vídeo (que deixo abaixo).

Gaspar diz: “A data crucial para o regresso aos mercados é 23 de Setembro de 2013.” Isto quer dizer o quê? Segundo alguns, isto não quer dizer que regressamos aos mercados neste dia. Mas esses “alguns” estão errados. Aquela frase quer dizer exactamente o que todos ouvimos: é nesse dia que conseguimos ou se nota que não conseguimos. Em rigor, aquele “regresso aos mercados” podia ter sido antecipado. Aliás, foi esse mesmo o truque (como já expliquei na posta acima mencionada). Mas aquela frase, em si e por si, era a promessa de que neste dia de hoje estávamos com acesso normal ao financiamento internacional. Coisa que não se verifica. Tentar iludir isto com uma leitura desgarrada da declaração, é pouco curial. Aliás, nem na altura nem em qualquer outro momento VG veio esclarecer que não tinha dito isso, o que deveria ter feito se tinha sido mal interpretado por toda a gente. Mas não, ele não foi mal interpretado, ele disse mesmo isso. Apesar dos "intérpretes graciosos" que agora lêem de outro modo.

Aliás, indo agora pelo lado do contexto, importa lembrar que Passos Coelho tinha declarado uns dias antes: "Já dissemos que vamos voltar aos mercados de dívida em Setembro de 2013 e é o que vai acontecer." (lembrado aqui) Ou seja: Gaspar estava, naquela declaração que consta do vídeo, a precisar a data do regresso aos mercados. Vemos isso pelo conteúdo da declaração e pelo contexto dela (declarações do PM).

Posto isto, sejamos claros: vir agora pretender que Gaspar não disse que hoje estaríamos regressados aos mercados é tentar atirar-nos areia para os olhos. É desonestidade intelectual. (Podia ser burrice, incapacidade de ouvir ou entender uma declaração, mas estou a deixar de lado esses casos, que merecem mais piedade do que censura.) Gaspar disse isso. E a realidade é bem outra, como sabemos. E não são quaisquer ilusionistas que reescrevem a história.




porque hoje é dia 23 de Setembro: Gaspar e o regresso aos mercados.


23 de Setembro era dia de Portugal pagar um empréstimo. Como hoje é o dia e Portugal tem dinheiro para pagar o empréstimo, estamos muito contentes.
Ainda bem.
De facto, era bem pior se chegasse o dia de pagar o empréstimo e não houvesse dinheiro para isso. Era mau financeiramente e era mau em reputação, que também custa dinheiro.
Pergunta: como é que temos esse dinheiro? Resposta: há uns meses atrás pedimos emprestado "outro" dinheiro para pagar este empréstimo. Numa altura em que ainda não se tinha visto a extensão do estrago que a política Passos-Gaspar causou ao país real, emprestaram-nos esse "outro" dinheiro a juros até certo ponto aceitáveis.
Isto quer dizer - como há por aí quem diga - que se cumpriu a visão de Gaspar?
Não, não quer dizer isso.
Se fossemos hoje aos mercados buscar "outro" dinheiro para pagar esse empréstimo... vínhamos da praça sem couro e sem cabelo, tão altos que estão os juros agora. Quer dizer: nós não regressámos aos mercados. Nós demos uma voltinha aos mercados enquanto eles ainda não sabiam o efeito da receita Gaspar e não tinham visto a irresponsabilidade política do governo a criar as suas próprias crises políticas. Hoje não podemos ir aos mercados financiar-nos porque a "fruta" está a um preço que nós não podemos alcançar.
Este é o truque dos que dizem que Gaspar cumpriu: falam como se Portugal estivesse outra vez em condições de se financiar no mercado internacional, normalmente. Ora, Portugal não está nessas condições. E não está nessas condições porque a conjugação dos efeitos da politica de Gaspar com a crise política mais recente (iniciada com a demissão de Gaspar) fizeram com que os mercados tapem o nariz quando lhes cheira a obrigações portuguesas.

Em resumo: um raide aos mercados é muito diferente de regressar aos mercados. Nessa medida, é justo que no dia de hoje se lembre Gaspar - por ter tido a inteligência (individual) de se ir embora a tempo de fazer de conta que não tem culpa do resto do filme.

22.9.13

23 de Setembro de 2013 é já amanhã. Literalmente.


Deixo esta ligação para umas declarações de Vítor Gaspar pela simples razão de que há quem já não se lembre delas. Estão aqui: Vítor Gaspar marca regresso aos mercados...


15.9.13

Alexandre Soares dos Santos sabe "lá quando é que isso foi feito".


Alexandre Soares dos Santos fez mais um discurso. Sem surpresa, como qualquer tipo que faz discursos e quer palmas fáceis e tem pouca imaginação para as buscar, disse mal dos políticos (dos políticos em geral, como se os políticos fossem todos iguais) e fez questão de se arvorar em juiz da qualidade dos agentes da República no mundo: estes e aqueles têm que ser formados e preparados, como se os servidores do País nas funções referidas pelo senhor não fossem, na maioria dos casos, bem preparados. É pena que gente que é ouvida aproveite as ocasiões que tem para dizer banalidades perigosas - até porque, no meio disso, dizem coisas certas que acabam por se perder no meio do barulho das suas próprias palavras. Por exemplo, tem razão quando defende que "os aparelhos partidários devem acabar imediatamente com a destruição contínua e sistemática da nossa administração pública, operada com nomeações políticas e amiguismos". Sim, a partidarização da administração é um cancro insuportável - embora haja outras maneiras de destruir a administração e nem sempre se ouça ASS preocupado com isso.

De qualquer modo, a minha principal embirração com mais este aparecimento público deste senhor está na ligeireza com que a ignorância se coloca ao serviço de palavras-de-ordem politicas. ASS diz que é preciso rever a Constituição. Não diz onde, nem por quê - mas acha que tem de ser revista. "Adaptar a nossa Constituição aos tempos de hoje, que são completamente diferentes dos tempos de 1976 ou lá quando é que isso foi feito. Nós temos que ter uma actualização permanente". Mas, então, o senhor pensa que a Constituição da República Portuguesa ainda é a de 1976? O senhor não faz ideia nenhuma de quantas vezes a Constituição foi revista, pois não? Não sabe. Ou não quer saber. Ou não lhe interessa para os seus propósitos. E, portanto, aldraba. E, no entanto, vem a público dar lições disto e daquilo. Senhor Alexandre Soares dos Santos, faça-nos um favor: quando quiser vir dar lições a todo o mundo, no uso da liberdade de expressão de que felizmente goza, por muito que lhe custe faça um esforço para não dizer disparates, nem falsidades, nem distorções. É que, a proceder assim, ficamos com a fundada impressão que as suas palavras não são tão transparente como querem parecer, nem desinteressadas, nem inocentes. E, acima de tudo, quem aparece a dar lições aos outros deveria cuidar, no mínimo, de não falsear grosseiramente a realidade. Será pedir muito?

12.9.13

Sinfonia Hiroshima.


Mamoru Samuragochi é filho de sobreviventes da bomba atómica de Hiroshima.
Mamoru Samuragochi ficou surdo.
Acaba de sair (20 de Julho) em disco a sua Sinfonia nº 1, intitulada "Hiroshima" (tocada pela Tokyo Symphony Orchestra dirigida pelo maestro Naoto Otomo). Fica o terceiro andamento.



11.9.13

Allende.



Allende, Pinochet, o Chile, enfim, foram sempre para mim uma fronteira. Quem culpa Allende por ter tentado mudar um bocadinho os poderes tradicionais, quem desculpa Pinochet de qualquer forma (especialmente apelando para o "milagre económico"), para mim está do lado de fora do admissível. E não esqueçamos que anda por aí (ou já andou) muita gente "de calibre" que limpava os carniceiros que acompanhavam Pinochet (o primeiro deles) com desculpas as mais variadas, geralmente a disfarçar a conveniência de uma ordem internacional policiada pelas grandes potências. Frequentemente, esses eram os mesmos que arrancavam os cabelos com os crimes do comunismo (que, infelizmente, não foram inventados). A hipocrisia tem muitas caras, mas uma delas consistiu em criticar "a via revolucionária para o socialismo" e, ao mesmo tempo, desculpar quem interrompeu com extrema violência a respectiva via "eleitoral".

(Imagem: "Anteojos ópticos del Presidente de Chile Salvador Allende, encontrados en el Palacio de la Moneda, tras el bombardeo.")

10.9.13

A honra é toda minha, Senhor Presidente !


Faltei. Como se imagina, não compareci ontem à apresentação da comissão de honra da candidatura liderada por António Costa a Lisboa. Tóquio, ainda assim, fica longe. Mas o meu apoio está formalizado. Ser da comissão de honra, se era para honrar quem se candidata, neste caso honra quem apoia. É assim que sinto. Deixo o testemunho do Herman, porque ele diz coisas importantes parecendo que está a brincar. Lisboa precisa - e, atrevo-me a dizer, Portugal precisa - de uma grande vitória de António Costa em Lisboa.



7.9.13

"os políticos enganam os cidadãos". e quem ajuda à festa ?



Hélder Guerreiro publica no Aventar esta imagem (primeira página do Público de 8 de Abril de 2005) com o seguinte título-tese: "Os políticos enganam os cidadãos". Até concordo: o que se passou com a lei da limitação dos mandatos foi vender gato por lebre. Embora seja de sublinhar que nem todos os partidos tiveram exactamente o mesmo comportamento, uns aproveitaram as dúvidas à farta, outros nem por isso.

Contudo, acho que - já que se invoca o que veio nos jornais - vale a pena fazer outra pergunta: e os jornalistas, designadamente os que publicam estas matérias, andavam a dormir? Não há um jornalista que seja capaz de ler uma lei e perceber um truque e dizer com clareza que é um truque? Ou os jornalistas são só para papar briefings?

5.9.13

a guerra do piropo.


Para abreviar, estou a referir-me a umas ideias do Bloco de Esquerda sobre uma prática muitas vezes designada imprecisamente por piropo.

A forma como está a ser ridicularizada a questão é bem o espelho da degradação a que chegou o debate público de coisas sérias em Portugal. Escorados em alguma falta de jeito no lançamento de uma ideia, há uma tropa de "comentadores" que se agarram ao osso dos pormenores e deitam para o lixo, sem um mínimo de cuidado com o que importa, o essencial da ideia. O que é que importa? Importa se há ou não um fenómeno social que merece atenção e merece cuidado. A atenção e o cuidado que são espezinhados pela ligeireza. Não me venham falar de piropos inteligentes e de piropos delicados e de piropos amorosos e de mais trinta bezerros num prado: não é nada disso que está em causa. O que está em causa são situações de abuso, em campo aberto, em que homens tratam mal mulheres, contra a vontade destas, contra a dignidade das relações entre as pessoas. Tratam mal falando, sim, porque a linguagem é muito poderosa. E, muitas vezes, o falar é também ameaça de outras coisas.

Já contei que não me esqueço, à porta da escola secundária que frequentava em Aveiro, ter passado um grupo de homens e um deles dizer para uma colega nossa, realmente muito jeitosa, "dava-te uma foda" - tendo a resposta deixado o paspalho de cara à banda: "só uma, seu paneleiro?". Isto aconteceu mesmo e fartei-me de rir com o barrete do atrevido, mas não se pode exigir a todas as mulheres que reajam assim e fazer de conta que isso é solução para o problema. Ninguém pode ser obrigado a aceitar esse jogo.

A questão das mulheres tem sido cada vez mais difícil de tratar politicamente, porque tem crescido o número daqueles e daquelas que se contentam com estarem bem e são incapazes de tentar perceber o peso de certos fenómenos na sociedade real, com as pessoas reais. Não me venham com teorias sobre os feminismos e o diabo a sete: o que me interessa é que as práticas de agressão às mulheres continuam a existir e a viver bem com a indiferença de muitos. Por isso é bom que essas coisas se discutam seriamente - e não aproveitando eventuais erros na apresentação política das ideias para as ridicularizar. Esse método, muito seguido, é uma verdadeira doença da cidadania. Daí que me custe ver a alegria apalhaçada com que tantos participam desse jogo, dizendo "graças" muito "inspiradas" sobre o tema do piropo. O problema dessas "graças" é serem mais "inspiradas" do que informadas.

Há dias assim, em que as vossas brincadeiras com assuntos sérios me irritam.

informar ou nem por isso. a foto de Hollande.


A agência noticiosa AFP publicou, primeiro, e depois retirou de circulação, uma fotografia do presidente francês em que este aparecia com um ar "apatetado". Face às suspeitas de que os serviços da presidência poderiam ter tido a ver com essa opção (retirar uma foto de Hollande, sem nada de mal mas pouco edificante para a pose de um presidente), o director de informação da agência veio explicar-se em público. No essencial, afirma que foi uma decisão editorial, com fundamentos que incluem o seguinte: a linha editorial da agência inclui a orientação de não publicar imagens que ridicularizem as pessoas. Até porque, em geral, essas fotos "ridículas" retiram a imagem do seu contexto ou distorcem o sentido do que supostamente se está a noticiar.

Julgo que, face às práticas de alguma (muita) comunicação social entre nós, vale a pena reflectir nisto. Qual o valor para a informação de divulgar "peripécias" que são meras acrobacias para "vender notícias" ? Não tenderão essas práticas a sair do perímetro da informação, na realidade desviando a atenção do que realmente é de interesse público?

Claro que aqui podem responder-me: se as pessoas se interessam, é de interesse para o público. Pois, mas "ser de interesse para o público" é diferente de "ser de interesse público". Ser "de interesse público" diz respeito ao que importa para vivermos bem em comum, ao que importa para sermos uma comunidade, para sermos capazes de gerir esta coisa de estarmos todos ao mesmo tempo no mesmo espaço e em relação. "Ser de interesse público" não deveria ser confundido com a circunstância de haver muita gente com curiosidade mórbida acerca de coisas pelas quais um humano saudável não deveria ter qualquer interesse. Na verdade, muita "informação" que por aí anda serve exclusivamente para fragilizar o "interesse público" em nome do "interesse para o público".

1.9.13

por que quer o "Ocidente" intervir na Síria ?


«Síria: Obama decidiu-se por um ataque.»

Voltando alguns anos atrás no rolo compressor da história internacional, contemplo o escárnio com que alguns opinadores entusiásticos na palavra expressavam o seu desprezo do alto pelas minhas muitas dúvidas acerca da "Primavera árabe". Dando outras tantas voltas à fita, deparamos com as certezas criminosas dos que levaram "o Ocidente" para o Iraque - sendo que todos escaparam sem o mais pequeno beliscão político das respectivas democracias. Agora a propósito da Síria, essas várias ingenuidades (os que são ingénuos e os que fazem de nós ingénuos), parecem preparar-se para retomar algum tipo de salvação do mundo que, como de costume, só pode servir para nos fazer duvidar de que haja salvação possível nesta ordem internacional. Contudo, pensando mais um pouco, vemos que temos de ser nós a estar enganados em algum lado. Não se pode acreditar que ninguém aprenda nada. Alguém vai agora para a Síria em condições de ilegalidade internacional só para retirar um ditador e deixar que outros ditadores ocupem o seu lugar? Não creio. Terá de haver outra explicação.

A minha hipótese é a seguinte: as potências ocidentais que querem intervir na Síria não vão lá especialmente por causa de Assad. Poderiam apoiar quem fizesse esse trabalho por interpostas mãos. As potências ocidentais que querem intervir na Síria querem fazer uma limpeza selectiva na oposição armada. Não é para aborrecer Assad que é preciso entrar no vespeiro, mas para cortar alguns dos ramos mais perigosos da frágil coligação que poderia tomar o poder se Assad fosse derrubado. O futuro depois de Assad poderia ser bem mais espinhoso para os "amigos" do "Ocidente" do que o próprio Assad - e é para podar esses arbustos que os Americanos e outros querem aproximar-se do vespeiro. Apesar dos riscos de qualquer vespeiro.