23 de Setembro era dia de Portugal pagar um empréstimo. Como hoje é o dia e Portugal tem dinheiro para pagar o empréstimo, estamos muito contentes.
Ainda bem.
De facto, era bem pior se chegasse o dia de pagar o empréstimo e não houvesse dinheiro para isso. Era mau financeiramente e era mau em reputação, que também custa dinheiro.
Pergunta: como é que temos esse dinheiro? Resposta: há uns meses atrás pedimos emprestado "outro" dinheiro para pagar este empréstimo. Numa altura em que ainda não se tinha visto a extensão do estrago que a política Passos-Gaspar causou ao país real, emprestaram-nos esse "outro" dinheiro a juros até certo ponto aceitáveis.
Isto quer dizer - como há por aí quem diga - que se cumpriu a visão de Gaspar?
Não, não quer dizer isso.
Se fossemos hoje aos mercados buscar "outro" dinheiro para pagar esse empréstimo... vínhamos da praça sem couro e sem cabelo, tão altos que estão os juros agora. Quer dizer: nós não regressámos aos mercados. Nós demos uma voltinha aos mercados enquanto eles ainda não sabiam o efeito da receita Gaspar e não tinham visto a irresponsabilidade política do governo a criar as suas próprias crises políticas. Hoje não podemos ir aos mercados financiar-nos porque a "fruta" está a um preço que nós não podemos alcançar.
Este é o truque dos que dizem que Gaspar cumpriu: falam como se Portugal estivesse outra vez em condições de se financiar no mercado internacional, normalmente. Ora, Portugal não está nessas condições. E não está nessas condições porque a conjugação dos efeitos da politica de Gaspar com a crise política mais recente (iniciada com a demissão de Gaspar) fizeram com que os mercados tapem o nariz quando lhes cheira a obrigações portuguesas.
Em resumo: um raide aos mercados é muito diferente de regressar aos mercados. Nessa medida, é justo que no dia de hoje se lembre Gaspar - por ter tido a inteligência (individual) de se ir embora a tempo de fazer de conta que não tem culpa do resto do filme.