30.9.07

Fenómeno linguístico

Sguedno um etsduo da Uinvesriadde de Cmabgirde, a oderm das lertas nas pavralas não tem ipmortnacia qsuae nnhuema. O que ipmrtoa é que a prmiiera e a utlima lreta etsajem no lcoal cetro. De rseto, pdoe ler tduo sem gardnes dfiilcuddaes... Itso é prouqe o crebéro lê as pavralas cmoo um tdoo e nao lreta por lerta.

(Roubado, com uma vénia, ao Incursões.)

ECAL 2007 foto


É que descobri hoje esta foto na página da ECAL 2007. Lá estou eu a receber o certificado do prémio (e o cheque...) das mãos de Takashi Gomi, estando também, entre outros, o presidente da Comissão Organizadora, o português (mas trabalhando na Universidade de Sussex), e filósofo, Fernando Almeida e Costa.


(Clicar para aumentar.)

28.9.07

Como fui atirado para as primeira páginas dos jornais franceses pela direita populista e radical (ou: "excurso sobre uma não-notícia")

Durante o corrente semestre Portugal exerce a presidência da União Europeia (ou, mais correctamente, do Conselho da União Europeia). Por razões que expliquei em posta anterior – Política, Ciência, Linguagem (e Memórias) – esse facto desperta em mim certas memórias. Hoje, mais uma vez, exercito essas recordações. Aqui se conta como a extrema-direita me levou, sem eu saber ler nem escrever (quer dizer, sem qualquer mérito ou propósito), às grandes páginas da imprensa francesa.

A coisa conta-se como segue.

É costume, no arranjo institucional da UE, que os ministros dos Estados Membros se reúnam, além dos formalíssimos Conselhos de Ministros disto ou daquilo, em “Conselhos de Ministros Informais”. Servem tais ocasiões, se a coisa corre bem, para apurar sensibilidades sobre assuntos que estão em fogo lento, antes de os mesmos serem presentes à verdadeira mesa de negociações.

É de tradição há vários anos que, no calendário de uma presidência, o primeiro “Informal” seja o dos ministros do trabalho e dos assuntos sociais – e que o mesmo se faça logo nos primeiros dias do semestre em causa.
Ora, quando começou a presidência de Portugal em 1 de Janeiro de 2000, isso estava previsto como mandava a tradição: o “Conselho Informal” do Trabalho e Assuntos Sociais teria ligar a 11 de Fevereiro, em Lisboa (na antiga FIL). Mas algo de picante veio aquecer a festa.

Na Áustria, o partido FPÖ, então liderado pelo populista de direita radical Jörg Haider, tinha chegado ao governo em coligação com os circunspectos conservadores, que tinham passado tantos anos a apoiar os socialistas (ou social-democratas, como por lá se chamam). A esquerda europeia, num dos seus acessos de pressa e precipitação, achou que pela Áustria vinha a entrar a besta dos últimos dias e que se deveria, por isso, mobilizar todas as fibras da alma para resistir. Assim sendo, a vinda da ministra Elisabeth Sickl (FPÖ) ao Informal dos Ministros do Trabalho e Assuntos Sociais tornou-se um campo de batalha mediático. Era a primeira ocasião em que um “fascista austríaco” vinha sentar-se à mesa dos bem-comportados europeus (o Libération falava do lobo a misturar-se com as ovelhas).

A tendência para o espalhafato entre a esquerda europeia foi, como de costume, liderada pela França, cuja ministra do trabalho, a socialista Martine Aubry, apoiada de perto pela belga Laurette Onkelinx, entendeu manifestar o seu repúdio abandonando a sala e o seu lugar à mesa dos ministros e respectivos séquitos enquanto usasse da palavra a temível senhora Sickl. Começava a técnica do boicote, promovida um tanto a medo pela presidência portuguesa – e que não haveria de levar a lado nenhum, porque os austríacos sabiam como resolver o problema pelos seus próprios meios.

Jornais franceses, como o Libération (de esquerda) ou o Le Figaro (de direita), deram no dia seguinte grande destaque à coisa – fotografando o lugar vazio deixado pela ministra francesa à mesa dos trabalhos.

Ora, como na ordem protocolar a França se sentava à direita de Portugal, e como na altura do número da cadeira vazia me cabia a mim estar só e abandonado na delegação portuguesa (os nossos governantes de turno estavam a presidir), eu deveria forçosamente aparecer nas fotografias a delimitar o enorme buraco deixado no mundo pelo desaparecimento da ministra francesa. Assim ganho um lugar tão efémero como involuntário (e imerecido) no mundo de papel, um fait-divers dentro de um fait-divers, sem importância rigorosamente nenhuma mas com piada suficiente para me ficar na memória.



Testemunho do que valem certas coisas a que por vezes damos tanta importância: a ministra dos negócios estrangeiros da Áustria na altura destes acontecimentos, Benita Ferrero-Waldner, é actualmente membro destacado da Comissão Europeia. Sem qualquer escândalo, é claro.


As imagens abaixo testemunham a coisa (clicar para aumentar).


(Le Figaro, 12-02-2000, primeira página)



(Le Figaro, 12-02-2000, detalhe da primeira página)




(Libération, 12-02-2000, página 2)



(Libération, 12-02-2000, detalhe da página 2)




(Libération, 12-02-2000, primeira página)

Formação cívica?

Helena Matos, na sua fala de hoje no "pingue-pongue" da última página do Público, fala da escola. E às tantas escreve: "E como é possível que o guichet da venda de senhas de refeição encerre quando estão dezenas de crianças numa fila à espera para comprar a senha para o almoço desse dia?" .
O texto de HM intitula-se "Formação cívica". Alguma formação cívica dar-lhe-ia a compreender que um tal problema deveria ser enfrentado pelos envolvidos na própria escola, nesse que devia ser um espaço de cidadania por excelência. Quer dizer: mexer-se para rever o procedimento que dava esse resultado. Substituir o exercício dos nossos direitos e deveres, lá onde eles se concretizam, pelo exercício de "soprar no trombone" nas colunas de um jornal - é bem o espelho de quão baixo descemos. Outros pais, que os conheço, mexem-se para resolver os problemas lá onde eles acontecem. Mas esses não podem tergiversar escrevendo sobre essas coisas nas páginas dos jornais, como se coubesse ao Supremo Guia regular o guichet das senhas de refeição.

26.9.07

Lococentrismo

(O sol da manhã sobre o betão de Shinjuku, Tóquio. 8-11-2005.)
(Foto de Porfírio Silva.)


«Segundo a interpretação do historiadores europeus, são os indivíduos que tomam a iniciativa de intervir no curso da história. […] Um acontecimento é, pois, o resultado de uma vontade. Ora, segundo a análise de Maruyama [Masao Maruyama, especialista de história das ideias políticas no Japão], nenhum facto histórico no Japão se explica como o produto de vontades individuais. A história é interpretada em princípio como se (a) todas as coisas se formassem por si mesmas, (b) sucessivamente e (c) com força. [Exemplo é o seguinte excerto da] declaração de guerra aos países aliados, e antes de todos aos Estados Unidos, pronunciada pelo imperador a 8 de Dezembro de 1941: […] Chegámos infelizmente ao ponto em que a guerra estoirou contra os Estados Unidos da América e o Reino Unido por uma necessidade que não podia ser de outra maneira. Teria sido assim por minha vontade?»
(Hisayasu Nakagawa, Introduction à la culture japonaise, pp. 19-20)

A este fenómeno chama o autor “lococentrismo”, para significar que, para o japonês, o que comanda e domina tudo é a força do lugar, as forças da terra no sítio onde se está.

As causas dos terremotos

«E eis-nos chegados ao momento de dizer algo acerca das causas dos terramotos.
Não é difícil para um investigador da Natureza simular os seus fenómenos. Peguemos em vinte e cinco libras de limalha de ferro, noutras tantas de enxofre, e misturemo-las com água vulgar. Em seguida, enterremos esta massa a um pé ou pé e meio de profundidade e calquemos bem a terra que a cobre. Decorridas algumas horas, poderemos observar a libertação de um fumo espesso, a terra estremecerá e chamas irromperão do solo. Não há que duvidar que as duas primeiras matérias se encontram frequentemente no interior da terra e a água que se infiltra pelas fendas e frinchas das rochas pode pô-las em fermentação.»

Immanuel Kant, Escritos sobre o Terramoto de Lisboa, Coimbra, Almedina, 2005, p. 47 (primeiro artigo, datado de 1756, neste particular seguindo as teorias de vários cientistas, entre os quais o químico Lémery)





Earthquake House. US Patent Issued In 1995.
De Totally Absurd Inventions.

Vida Artificial, o que é isso? (4/4)

O jogo da vida. O “Vida”, concebido por John Hoston Conway em 1970, é um autómato celular (AC) – simples, mas suficiente para referenciar os princípios gerais básicos dos AC.

Um AC é constituído por uma rede de células (um universo). Damos agora um exemplo de 3 linhas por 5 colunas. Cada célula pode estar activa ou inactiva. Neste exemplo, as células 22, 23 e 24 estão activas e todas as demais estão inactivas. A cada célula interessa o seu próprio estado e o estado das suas vizinhas imediatas (na vertical, na horizontal e na diagonal).



O “Vida” tem 3 regras:
(i) uma célula inactiva que tenha como vizinhos 3 células activas, torna-se activa;
(ii) uma célula activa que tenha como vizinhos 2 ou 3 células activas, mantém-se activa;
(iii) em qualquer outro caso, uma célula torna-se ou permanece inactiva.

Uma interpretação possível destas regras é, em coerência com a designação de “jogo da vida”, a seguinte: para que haja nascimentos, tem de haver uma certa densidade populacional; as células não sobrevivem em isolamento extremo; uma densidade populacional demasiado forte não permite a sobrevivência.

O “Vida” funciona por etapas (gerações), sendo que em cada geração se aplicam todas as regras a cada célula. Calcula-se assim para cada célula o seu estado na geração seguinte e, quando esse cálculo está completo, procede-se à transição. Vamos aplicar esse procedimento ao exemplo apresentado acima e teremos a seguinte “geração 2” (em cada célula, indica-se o número de vizinhos activos que ela tinha na geração 1):



Tal como ilustrado neste caso, um AC tem três propriedades fundamentais:
- paralelismo: todas as células mudam de estado simultaneamente e independentemente umas das outras;
- localismo: a mudança de estado de uma célula depende apenas do seu estado inicial e da sua vizinhança imediata;
- homogeneidade: as leis são universais (comuns a todo o espaço do AC).

Um exemplo da dinâmica do "Vida". Apresentam-se a seguir as primeiras gerações de um padrão, chamado “planador”, que funciona precisamente segundo as regras anteriormente descritas.



O “planador” volta à forma original ao fim de quatro gerações, deslocando-se no “universo” – e assim continuará geração após geração.

Um outro tipo interessante de padrão é aquele em que uma configuração "invade" outra, o que pode ter várias consequências, uma delas sendo o desaparecimento de uma das configurações e a permanência de outra (aquela é "comida" por esta). É o caso no exemplo seguinte.



Muitos investigadores em VA dão muita importância aos autómatos celulares, que consideram processar informação da mesma forma que os seres vivos: em paralelo (muitas pequenas unidades processando informação simultaneamente), de baixo para cima e com um controlo completamente local do comportamento – e que consideram, através destas propriedades, capazes de auto-reprodução. O “Vida” é, no entanto, apenas um exemplo dos mecanismos computacionais utilizados neste domínio.

O desenvolvimento do computador abriu novos caminhos à matemática, mostrando um conjunto desconcertante de estruturas que não podiam sequer ser imaginadas há vinte anos sem a capacidade do computador para mostrar imagens. O computador é agora como foram antes o telescópio e o microscópio: também esses deram imagens duvidosas e a desconfiança que agora tenhamos acerca da realidade do que nos mostra o computador pode ser apenas uma replicação do mesmo fenómeno. Isto levanta de novo a questão da relação entre a matemática e a realidade. O que os experimentadores em VA consideram é que o que os computadores nos mostram é a biologia do possível, vida artificial que também ela tem de respeitar as leis universais da auto-organização e da evolução.

Que dizer dessa ideia? Quimera? Ou algo que pode estar ao virar da esquina?


MAIS COISAS:


Quem queira experimentar um pequeno programa com uma versão muitíssimo limitada do "Vida", usando os seus próprios padrões, pode ir aqui. Antes de iniciar o autómato, clicar com o rato nas "células" (casas) do "universo" (grelha) que se querem preenchidas para ter uma "criatura" inicial. Clicar numa célula já preenchida faz com que ela fique vazia. Depois carregar na seta verde "press to start" para iniciar o processo. Quando já não acontecer mais nada, clicar no quadrado vermelho "press to stop". Experimentar várias figuras. Este simples programa não permite analisar o desenrolar do processo.

Quem tenha um pouco de paciência para experimentar software, encontra uma excelente versão, muito mais complexa e muito mais rica, do "Vida", nesta página, e completamente à borla: Life32 by Johan Bontes: Conway's Game of Life freeware . A ideia é descarregar, instalar, ler as instruções - e tornar-se mais um pequeno deus das máquinas de vida artificial.


Quem queira ter uma visão actualizada do que se tem andado a fazer em "Vida Artificial" nos últimos anos, pode ler a versão escrita da apresentação de Luis M. Rocha (da Universidade de Indiana, nos EUA, e do Instituto Gulbenkian de Ciência) à ECAL 2000: Reality is Stranger than Fiction. What can Artificial Life do about Advances in Biology? Clicando aqui pode ler a versão html. Clicando aqui pode descarregar a versão pdf.



Quem tenha algum treino filosófico-científico, ou queria começar a tê-lo, e queira aceder a uma perspectiva que, sendo favorável à Vida Artificial, tenta não cair em grandes ingenuidades, pode com proveito ir à página de Peter Cariani (que tive o gosto de encontrar há dias em Lisboa, na ECAL 2007) e descarregar o seguinte texto: Peter Cariani, “Emergence and artificial life”, in Christopher G. Langton, Charles Taylor, J. Doyne Farmer, Steen Rasmussen (Eds.), Artificial Life II, Addison-Wesley, Redwood City, pp. 775-797 .

24.9.07

Ainda a documentar a Robótica Institucionalista


Como adenda ao que aqui temos escrito sobre Robótica Institucionalista, direi ainda o que segue.
A primeira menção à Robótica Institucionalista numa publicação científica aconteceu em Outubro de 2004, na Revista Trajectos. Num artigo aí publicado exponho o que me deixa insatisfeito com as experiências existentes em Robótica Colectiva, bem como os interesses teóricos subjacentes à ideia que estava a ser formada na minha investigação de uma alternativa. A referência é a seguinte (clicando sobre a referência pode descarregar-se um ficheiro pdf com o artigo):

SILVA, Porfírio, "Por uma robótica institucionalista: um olhar sobre as novas metáforas da inteligência artificial", in Trajectos, 5 (Outono 2004), pp. 91-102

Instituições para colectivos robóticos

Robótica Institucionalista, o que é isso? Já aqui se falou disso. Mas hoje, no Edit on Web, há uma desenvolvida peça sobre a matéria:
Nova forma de conceber sistemas multi-robots dá prémio a investigadores portugueses

Vida Artificial, o que é isso? (3/4)

Vida, lógica e máquina – Como na Inteligência Artificial clássica, a Vida Artificial, como programa de investigação, não escapa à ideia de que a lógica é uma espécie de explicação universal do existente. Isso traduziu-se desde muito cedo na idealização de “máquinas”. A ideia da lógica da vida tem a ver com a tentativa de determinar as leis a que a vida está sujeita. Essa é uma pesquisa comum a biólogos e à Vida Artificial. Encontrarão a mesma lógica? Poderemos fazer esta investigação apenas do ponto de vista formal (da matemática e da lógica)?

Em 1940, John von Neumann tentou responder a esta questão, e a sua resposta qualifica-o como um dos pais da Vida Artificial. O que pretendia saber era qual a organização lógica que um autómato precisava para ser capaz de se auto-reproduzir. Um autómato não é uma máquina qualquer, mas uma máquina que se pode mover a si mesma. Isso pode ser julgado, generalizando e não analisando caso a caso as concretizações materiais (as componentes físicas), se considerarmos a estrutura de controlo abstracta (ou programa) que rege o autómato. De um ponto de vista abstracto, o autómato é um conjunto de estados físicos não especificados, input, output, regras de operação. Estudando este conjunto de estados, podemos determinar o que o autómato pode fazer. Estamos no mesmo tipo de abordagem das máquinas de Turing.

A primeira observação de von Neumann foi que os produtos dos organismos vivos (ao contrário das máquinas) eram tão complexos como os seus “progenitores”. John von Neumann não estava completamente satisfeito com o seu modelo, porque não captava os requisitos lógicos mínimos para a auto-reprodução (ainda se baseada em componentes concretas, não era geral). Ulam sugeriu outra abordagem, que von Neumann seguiu e que veio a dar aqulo a que se chama “autómatos celulares”. Era nesses objectos que von Neumann pensava implantar a lógica da vida. Em 1952-53, trabalhava num manuscrito que tinha uma solução parcial (transpunha o modelo anterior para um modelo “celular”), mas nunca terminou esse trabalho. Edgar Codd e Chris Langton desenvolveram depois modelos com a mesma base, mas muito mais simples.

Para saber mais:

Amanhã diremos o que são "autómatos celulares".

Para saber o que são "máquinas de Turing", ainda está disponível, num antigo blogue editado por mim, uma explicação acessível: Pequena história da máquina de Turing.

Uma secção do meu livro mais recente, A Cibernética: Onde os Reinos se Fundem, chama-se precisamente "Os autómatos auto-reprodutores de von Neumann" e lá se explicam com mais detalhe alguns dos pontos mencionados acima.


21.9.07

Desigualdades, Discriminações e Preconceitos


Musa Gumus (Turquia), "Wolf"


Este cartoon ficou em terceiro lugar no Concurso Europeu de Cartoon 2007, subordinado ao tema "Desigualdades, Discriminações e Preconceitos", que foi organizado pelo Instituto Nacional para a Reabilitação e pelo Museu Nacional de Imprensa.

Lógica e Natureza

«É impossível, só com a lógica, ultrapassar a natureza! A lógica prevê uns três casos, mas existem milhões deles! Como é? Deita-se fora o milhão de casos e reduz-se tudo ao problema do conforto! É a solução mais fácil do problema! É sedutoramente clara e não obriga a pensar! O principal é não ser preciso pensar! Todo o mistério da vida cabe em duas folhas de papel!»

Fiodor Dostoiévski, Crime e Castigo (1866)

(Isto constitui um comentário ao que aqui se tem vindo a escrever sobre o programa de investigação científica designado por "Vida Artificial".)

Paraíso Alternativo

Se a verdade vem sempre ao de cima, o que fazem eles lá em baixo?
Leandro Erlich, da Argentina, responde por esta Piscina, de 2004. Que aqui vemos no dia em que abriu, no Museu Século XXI de Arte Contemporânea de Kanazawa, a exposição Alternative Paradise.)



(Foto de Porfírio Silva. Kanazawa, Japão, 5 de Novembro de 2005)
(Clicar para aumentar.)

20.9.07

Vida Artificial, o que é isso? (2/4)

Como é a criação da forma? Há vários caminhos por onde se tenta uma resposta: embriologia, biologia molecular, teorias físicas da auto-organização – e ciência da computação. Em Setembro 1987, no Laboratório Nacional de Los Alamos, teve lugar a primeira conferência sobre vida artificial, organizada por Chris Langton, que tinha vindo a trabalhar em autómatos celulares. (Numa nota posterior explicaremos o que são autómatos celulares.)

Os sete mandamentos da Vida Artificial, seguindo (Langton, 1989). A forma mais ambiciosa da Vida Artificial é passível de ser descrita por sete pontos, sendo essenciais os primeiros quatro e de natureza mais operacional (metodológica) os últimos três.
1. A biologia do possível. Enquanto a biologia actual está limitada a um único exemplo (diz respeito apenas à vida tal como ela existe presentemente neste planeta), a biologia poderia desenvolver-se mais se estudasse todas as formas possíveis de vida. VA segue esse projecto: trata da vida como ela poderia ser.
2. Método sintético. Enquanto a biologia tradicional usa o método de analisar os seres vivos em termos das suas partes constituintes, a VA procura sintetizar processos ou comportamentos vivos (em computadores, por exemplo).
3. Vida (artificial) real. A VA é o estudo de sistemas criados pelos humanos que exibem comportamentos característicos dos sistemas vivos naturais e considera que nas formas de vida artificial só são artificiais as componentes utilizadas (elas são criadas pelos humanos), enquanto os comportamentos produzidos são realmente vida (não são produzidos pelos humanos, mas pelas formas de VA).
4. Toda a vida é forma. A vida, seja o caso concreto que conhecemos ou outros, é forma: a vida é um processo – a lógica, a forma desse processo é que importa. A matéria em que se realiza essa forma não é essencial. A vida é fundamentalmente independente do meio.
5. Construção de baixo para cima. As formas de vida artificial emergem de pequenas unidades de base, às quais são dadas apenas regras simples relativas às suas interacções locais: só isso é programado. É destas interacções locais, definidas apenas para as unidades de base, que surge o comportamento global coerente. Isto contrasta fortemente com a abordagem da AI tradicional.
6. Processamento paralelo. O processamento da informação em VA é massivamente paralelo (cada unidade de base processa informação ao mesmo tempo que todas as outras).
7. Permissão da emergência. Das meras interacções locais das unidades de base emergem comportamentos do todo que não foram programados enquanto tal.


REFERÊNCIA


(Langton, 1989) LANGTON, Christopher G., “Artificial Life”, in LANGTON, Christopher G., (ed.), Artificial Life: The proceedings of an interdisciplinary workshop on the synthesis and simulation of living systems held September, 1987 in Los Alamos, New Mexico, Redwood City, Addison-Wesley, 1989, pp. 1-47


18.9.07

Vida Artificial, o que é isso? (1/4)

A origem. Os pioneiros da biologia gostariam de explicar a geração da forma e a regulação do crescimento. O darwinismo veio dar uma explicação: a evolução. O problema é que se trata apenas de metade da explicação: é uma teoria sobre organismos já existentes, complexos e já parcialmente adaptados – mas que não explica a criação original nem a criação de novos organismos multicelulares individuais em cada geração. Como é a criação da forma?

Exobiologia. Só conhecemos a nossa forma de vida baseada no carbono: carbono, mais hidrogénio, oxigénio e nitrogénio são os elementos básicos que se encontram em todas as macro-moléculas que compõem as células. É fácil tornarmo-nos “chauvinistas do carbono” e considerar impossível a existência de outras formas de vida, mas há quem considere injustificada essa forma de pensar. Há, pois, uma certa lógica em investigar em exobiologia: o estudo da vida para além da terrestre. E, havendo vida, pode haver inteligência.
Experiências em exobiologia podem ser feitas com outras “químicas” no laboratório, quer dizer, sem os materiais orgânicos das células terrestres. O problema dessa investigação é não termos nenhuma definição de vida que não seja contingente às formas de vida que conhecemos na terra: não sabemos o que é mera coincidência e o que é essencial (estamos como um investigador que só conhecesse a vida no fundo dos oceanos e tivesse de estudar a vida num bosque de faias). Como é que podemos saber se encontrámos vida em Marte? Como é que um marciano que aterrasse no Sahara saberia se uma bactéria da areia é vida? Este é o argumento para investigar em “biologia do possível”, tal como procede a Vida Artificial, tentando encontrar formas vivas que não dependam das formas que conhecemos como naturais.

O que é a vida? (Farmer e Belin, 1992) fizeram a seguinte lista de propriedades da vida:
1. Vida é uma forma de organização, não um objecto material.
2. Vida envolve auto-reprodução.
3. Vida está associada a armazenamento de informação relativa a uma auto-representação (uma descrição parcial de si mesmo).
4. Vida prospera com a ajuda do metabolismo.
5. Vida tem interacções funcionais com o ambiente (adaptam-se, adaptam-no, respondem a estímulos).
6. As partes internas dos organismos vivos dependem criticamente umas das outras (o organismo pode morrer).
7. Vida exibe uma estabilidade dinâmica face a perturbações.
8. Vida, enquanto linhagem, pode evoluir.
Este é um exemplo do tipo de “listagem” que os investigadores em VA procuram implementar de forma artificial.


REFERÊNCIAS


(Farmer e Belin, 1992) J. Doyne Farmer e Alletta d’A. Belin, “Artificial life: The coming evolution”, in (Langton et al. 1992)

(Langton et al. 1992) Christopher G. Langton, Charles Taylor, J. Doyne Farmer, Steen Rasmussen (eds.,)Artificial Life II, Addison-Wesley, Redwood City


17.9.07

9ª Conferência Europeia sobre Vida Artificial

A semana passada estive com uma única ocupação: a ECAL 2007 (9th European Conference on Artifical Life), que desta vez foi em Lisboa.
Além de assistir, estava com um paper que explora e consolida o principal resultado da minha tese de doutoramento, mas agora já virado para uma futura implementação computacional. O paper, publicado nas Actas da conferência, intitula-se "Institutional Robotics" (Robótica Institucionalista) e tem como segundo autor Pedro Lima, do Instituto de Sistemas e Robótica (do Instituto Superior Técnico), meu orientador no doutoramento e principal cúmplice no projecto de transformar esta ideia filosófica num colectivo robótico concebido segundo a inspiração da Economia Institucionalista, uma corrente de pensamento económico não ortodoxo.
Ora, este trabalho é, do ponto de vista do enquadramento disciplinar, um tanto atrevido: é uma proposta de uma nova estratégia para projectar sistemas de controlo de equipas de robots, mas é uma proposta construída na base de uma crítica filosófica e epistemológica da Inteligência Artificial clássica e, mesmo, das correntes actualmente dominantes na robótica colectiva e nas ciências do artificial em geral. Mas por isso mesmo nos pareceu interessante, ao Pedro Lima (roboticista) e a mim (filósofo), apresentar essa ideia à comunidade da Vida Artificial. E assim fizemos.
A coisa teve um resultado interessante: além do habitual prémio atribuído pelo Comité do Programa da conferência ao melhor paper, este ano foi também atribuído, com base na recomendação do Comité do Programa, o prémio do melhor paper de filosofia levado à conferência. Ora acontece que o prémio para o melhor paper de filosofia apresentado à ECAL 2007 foi o que eu e o Pedro Lima apresentámos.
Tenho muita pena, mas o pecado de uma certa vaidade, desta vez, cometo-o e reconheço-o publicamente.

A referência formal aqui fica para registo:
SILVA, Porfírio, e LIMA, Pedro U., “Institutional Robotics”, in Fernando Almeida e Costa et al. (eds.), Advances in Artificial Life. Proceedings of the 9th European Conference, ECAL 2007, Berlim e Heidelbergh, Springer-Verlag, 2007, pp. 595-604

O artigo está online no sítio da editora: Institutional Robotics (mas aqui só está o resumo, o texto completo é a pagar; se alguém quiser mesmo ler, contacte-me que se arranja maneira de).

Abaixo, uma imagem do certificado, emoldurado e tudo, tal como me foi entregue no jantar da conferência. (O Pedro Lima tem um similar, é claro.) Por razões de segurança não mostro aqui o cheque de US$ 1000 que é a componente monetária do prémio!

Nos próximos dias direi aqui mais qualquer coisa acerca do que é isso de "vida artificial".


Foto do Certificate for Best Philosophy Paper, ECAL 2007

(clicar para aumentar)



ADENDA (30/09/07): Descobri hoje esta foto na página da ECAL 2007. Lá estou eu a receber o certificado do prémio (e o cheque...) das mãos de Takashi Gomi, estando também, entre outros, o presidente da Comissão Organizadora, o português (mas trabalhando na Universidade de Sussex) e filósofo Fernando Almeida e Costa.


(Clicar para aumentar.)



ADENDA (24/09/07): A primeira menção à Robótica Institucionalista numa publicação científica aconteceu em Outubro de 2004, na Revista Trajectos. Num artigo aí publicado exponho o que me deixa insatisfeito com as experiências existentes em Robótica Colectiva, bem como os interesses teóricos subjacentes à ideia que estava a ser formada na minha investigação de uma alternativa. A referência é a seguinte (clicando sobre a referência pode descarregar-se um ficheiro pdf com o artigo):

SILVA, Porfírio, "Por uma robótica institucionalista: um olhar sobre as novas metáforas da inteligência artificial", in Trajectos, 5 (Outono 2004), pp. 91-102

13.9.07

Curtas de Margarida Leitão

No próximo domingo dia 16 de Setembro passam na RTP 2 a partir das 00h30m, no programa Onda Curta, as curtas-metragens de Margarida Leitão: " A Ferida " e "Parte de Mim". Digo-vos que valem a pena... e não se trata apenas de admiração pela realizadora.


PARTE DE MIM
Portugal, 2006
Sinopse: Uma mulher grávida pela primeira vez, vive a solidão de um segredo.
Ela sabe que o filho que vai nascer irá afastá-la de quem ama.
UMA ESTREIA NA TELEVISÃO

A FERIDA
Portugal, 2003
Sinopse: Uma mulher vive uma dor intensa, a morte do filho num acidente. O marido procura aliviá-la da dor que, igualmente, sente. Separados no sofrimento, vagueiam, acariciam-se, lutam. A ruptura surge inevitável e a fuga é o único caminho. Ferida, corre no meio da rua procurando a morte. No entanto, encontra o que menos esperava... uma possibilidade de salvação.
Em 2003 "A Ferida" recebeu prémios para o Melhor Actor em Língua Portuguesa no Festival de Vila do Conde, para a Melhor Curta-Metragem Portuguesa no FIKE de Évora, e o prémio dos Cineclubes no Festival Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira.

Mais informações em www.partedemim.com.sapo.pt .

11.9.07

10 livros que não mudaram a minha vida

Trata-se de mais uma corrente. Iniciada por meia-noite todo o dia e com respostas curiosas. Exegese. Hermenêutica. E não seria caso para menos: até Teologia podíamos invocar em tal caso, pois caberia saber se há um deus que guia os nossos passos ou se esses passos podem ser desviados por um livro outro que não seja a palavra de deus. Ou se não será qualquer livro a palavra de deus, ou pelo menos uma das palavras de deus.
Por exemplo, Insónia terá alguma razão quando diz que um livro citado muitas vezes nesta lista macabra alguma coisa há-de ter, se não seria simplesmente ignorado. E acrescenta com pertinência: “Na verdade, partindo da interpretação que faço do desafio lançado pelo manuel, os livros que não mudaram a nossa vida são aqueles que nos defraudaram nas expectativas sobre eles criadas.”
Entretanto, a coisa (o convite para listar) chegou-me pelo Absorto. Curiosamente, o amigo Eduardo confessa aí publicamente que “rezara a todos os santos para que me não tocasse” (este convite)... mas mesmo assim lembrou-se de mim. Bem.
Então, sem os brilhantes alfinetes teóricos que temos visto na blogosfera acerca desta magna questão de regresso às lides, fico-me, humildemente, sem comentários, pela lista.
Que é como segue:


1 – René Descartes, O erro de Damásio, Haia, Editora do Museu

2 – Ivan Denisovitch, Um dia na vida Alexander Soljenitsin, Varsóvia, Editora Reverso

3 – Karl Marx, Pour Althusser, Carnaxide, Edições Novo Progresso

4 – Foucault, O pêndulo de Eco, Torino, Editora Técnica

5 – Sigmund Freud, La mégalomanie de Israel Rosenfield, Paris, La librairie do XXème siècle

6 – Sísifo, O mito de Camus, Argel, Editora Existência

7 – Símon Bolívar, Garcia Marquez en su laberinto, Caracas, Editora Mondadori

8 – Fausto, Goethe, Bona, Editora do Ministério da Ciência

9 – Ulisses, James Joyce, Tróia, Editora Exílio Obscuro

10 – Brodie, El informe de Borges, Buenos Aires, Editora MC


Quero eu dizer: como é que eu sei agora o que me mudou a vida ou não?

Convites para continuar - a ver se conseguem voltar a dar seriedade à corrente - os mesmos de antes (com uma variação): Cogir; No Mundo; Arqueologia do Corpo ; Ciência ao Natural ; Turing Machine (nem sei o que farei se este não responder!).

10.9.07

Progressismos

Diego de Rivera, O homem controla o universo, 1934

(clicar para aumentar, porque vale a pena observar os pormenores)



Diego de Rivera foi marido de Frida Khalo, hoje muito mais conhecida do que ele. Mas, a seu tempo, era um importante muralista (pintor de murais) mexicano. De esquerda, virado para as temáticas sociais, era também um "progressista" no sentido de acreditar na ciência e no seu papel no avanço da sociedade. O mural aqui reproduzido junta esses dois "progressismos", o científico e o social. Os temas da ciência e da técnica são omnipresentes nesta pintura, mas também lá se encontram Marx, Engels, Lénine e outros. Este destaque a estes senhores é que motivou a destruição do original do mural, que foi pintado em 1933 no Rockefeller Center em New York.

6.9.07

Para que serve fomentar a desconfiança e o desalento (Lendo Teodora Cardoso - 3)

Quem quiser compreender para que servem as permanentes campanhas de poluição do debate público nacional com questões menores e laterais, a desviar os escassos recursos cívicos que deviam ser consagrados ao debate sério e profundo das verdadeiras encruzilhadas que este país à beira mar plantado tem de enfrentar, deve ler Teodora Cardoso. Neste caso, na sua coluna no Jornal de Negócios, edição de 3-07-07, sob o título "Confiança", de que destacamos apenas isto:

«Os portugueses são desconfiados. Desconfiam dos estrangeiros e desconfiam uns dos outros. O Norte desconfia do Sul e o Sul do Norte (para não falar da Madeira). Os patrões desconfiam dos empregados e os empregados desconfiam dos patrões.
Mas, pior que tudo isso, os portugueses desconfiam de si mesmos e esperam secretamente que um benfeitor ou um político providencial lhes resolva os problemas sem lhes pedir esforço, iniciativa e sobretudo sem os obrigar a assumir riscos.(...)
Como todas as generalizações apressadas esta é profundamente injusta, mas tem também um fundo de verdade que todos reconhecemos. O que a torna relevante na situação actual é o facto de estarmos a assistir a um ataque sistemático à pouca confiança que nos caracteriza, o que tem por resultado natural reduzir ainda mais o diminuto "capital social" de que dispomos. A expressão "capital social" é aqui usada na acepção que lhe dá Robert Putnam, em especial num livro que devia ser de leitura obrigatória para os políticos portugueses: Making Democracy Work. Civic Traditions in Modern Italy.»

A falta de confiança paralisa. Por isso ela é fomentada por tantos, à custa dos verdadeiros debates sobre as reais questões.

5.9.07

Ibéria, Saramago, Cavaco


Cavaco julga absurda a ideia do iberismo. Comentando Saramago. "À luz da história", diz ele. De qual história, já agora? Isso é uma condenação da élite portuguesa, incluindo cabeças reinantes, que a certa altura tudo fez para a União Ibérica, por a julgar indispensável ao sucesso dos mais altos projectos portugueses (designadamente a grande expansão dos descobrimentos)?
Não seria melhor não invocar a história pátria de forma unilateral - e desinformada - como se a vida de um povo, de uma nação, de um Estado, fosse algo que se encontra escrito nas estrelas para todo o sempre, em vez de ser algo que se vai fazendo em cada fase segundo as forças que fazem as dinâmicas?
Não é preciso ser a favor da União Ibérica para ser contra os simplismos políticos que se movem segundo a música das conveniências. E talvez até das antipatias pessoais.

Já que falamos de Estado (Lendo Teodora Cardoso - 2)

Comecemos então por afastar todos os factos, porque eles nada têm a ver com a questão.
J-J.Rousseau, Discours sur l’origine et les fondements de l’inégalité parmi les hommes (1755)

[Deixado no estado primitivo], o homem não conheceria as artes, as letras ou a sociedade; e a sua vida seria solitária, pobre, vil, brutal e curta.
Thomas Hobbes, Leviathan (1651)

Depois de começar pelas citações acima, escreveu Teodora Cardoso, na sua coluna no Jornal de Negócios de 17-07-07:

«As campanhas políticas entre nós estão a adquirir – talvez a retomar? – uma perigosa inclinação para se situarem num plano que agrega o que de pior resulta das opções materialista e idealista de interpretação da realidade. Um dos elementos mais salientes dessa propensão consiste, não em afastar simplesmente os factos, como o idealista Rousseau, mas em os desrespeitar, seleccionando-os e deformando-os. O outro opta por deturpar o pensamento de Hobbes, o autor do Leviathan, mais conhecido entre nós pelo "monstro" e identificado com o Estado gigantesco e ineficiente que impede a sociedade de desenvolver-se, mas que, pelo contrário, o autor definia como a entidade a quem os homens teriam de confiar a responsabilidade pela ordem e bem-estar sociais, por forma a saírem do estado primitivo descrito na citação acima.»

4.9.07

O facilitismo, doença infantil dos radicais da palavra (Lendo Teodora Cardoso - 1)

Teodora Cardoso escreveu na sua coluna regular no Jornal de Negócios (31-07-07), sob o título "Mudança Estrutural":

«A economia portuguesa está a mudar na direcção certa, com base no seu próprio esforço de adaptação e não só no acesso a fundos externos e a endividamento, como sucedeu na década de 90.O crescimento e a diversificação das exportações, o abrandamento das importações, a aceleração do investimento empresarial e o crescimento da produtividade total dos factores são indicadores seguros dessa evolução, que tem vindo a acentuar-se desde 2005. O último dos indicadores apontados – a produtividade total dos factores – é especialmente interessante dado que mede a variação do produto que não é devida nem à variação do stock de capital nem à do emprego, reflectindo, portanto, alterações de natureza tecnológica e organizacional, ou seja, acréscimos de eficiência da estrutura produtiva, que terão de constituir a fonte essencial de aumento do rendimento e bem-estar num país cuja população está estagnada, ou mesmo em declínio, e que tem de competir internacionalmente com países com grande abundância de mão-de-obra e custos de produção muito baixos.(...)
Não admira (...) que a opinião pública esteja mais consciente dos aspectos negativos da evolução – exemplificados pela persistência do desemprego, pela quase estagnação do consumo, ou pela correcção das expectativas quanto à evolução da idade da reforma e do valor das pensões – do que do seu lado positivo. As reformas necessárias em áreas chave das políticas públicas, como a educação (desde o ensino básico às universidades), a formação profissional, a saúde ou a segurança social tendem a acentuar essa percepção negativa, não porque reduzam a qualidade dos serviços prestados, mas porque – exactamente para a melhorar – são obrigadas a inverter o facilitismo que caracterizou o período de abundância financeira.
Desse facilitismo resultou, demasiadas vezes, a opção por falsas soluções (...).»

Comentários que valem a pena

No período em que de facto eu já estava de férias do blogue (apesar de continuarem a pingar por aqui certas banalidades que deixei a escorrer), houve dois comentários interessantes a um texto aqui publicado anteriormente e que dera polémica. Para que não se percam nas profundezas do passado, permito-me passar à respectiva indexação.

A posta que motivou esses comentários intitula-se "Mesmo num filósofo, mesmo num amigo, o atrevimento da ignorância é uma vergonha", diz respeito ao ensino profissional e está, incluindo as peças principais da polémica, aqui.

SL, depois de passada a excitação inicial (minha e do Desidério), veio acrescentar o que se pode ler aqui.

Vitor Guerreiro, logo a seguir, vem também com uma contribuição interessante que se encontra aqui.

Não é que eu concorde com tudo o que se escreve nesses comentários, mas eles denotam, pelo menos e isso é essencial, algum conhecimento e sensibilidade para o que está em causa, em vez do simplismo redutor de certos porta-preconceitos. Por isso achei que devia desenterrar esses comentários das "caixas de comentários", precisamente.

3.9.07

A genética do mosto


Os jornais noticiavam há poucos dias um feito científico que ligava o vinho e a genética. Na versão de O Público, o título rezava assim: "Cientistas traçam o mapa genético da casta Pinot Noir". E continuava: "Não é preciso ter olfato, nem paladar apurado. Um geneticista olha para a cartografia e vê os genes associados a aroma e sabores."

Por mim, que não estou agora para comentários de filosofia da ciência acerca das ilusões da genética, fico-me pelo comentário proporcionado pelo Marc S., no primeiro cartoon dele que aqui se publica na nova estação.




(Cartoon de Marc S.)
(Clicar para aumentar.)