23.7.21

Desinformação na era digital

 
Deixo, para registo, a minha intervenção (pedido de esclarecimento ao deputado Telmo Correia, do CDS), no debate (dia 20 de Julho de 2021) sobre o artigo 6 da Carta Portuguesa dos Direitos Humanos na Era Digital, com propostas da IL e do CDS para o revogar, e de propostas do PS e do PAN para o regulamentar / modificar.
 
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Obrigado, Senhor Presidente.

Senhor Deputado Telmo Correia,

Queria colocar-lhe algumas questões, a primeira delas é a seguinte: como é que o senhor deputado compagina aquilo que acabou de dizer, e que tem vindo a dizer, com a votação a favor, do CDS-PP, à Resolução da Assembleia da República nº 50/2019, que, no essencial, tem aquilo que temos no artigo 6º. Gostava que explicasse isso, para entendermos esta reviravolta.

Senhor deputado, eu parto do princípio de que estamos todos com boas intenções, mas talvez nem todos tenhamos percebido aquilo que está em causa. Portanto, eu, talvez puxando aquelas matérias que, em termos de deformação profissional me interessam mais, queria fazer uma pergunta prática.

Todos conhecemos, há vários anos, o deep fake de Barack Obama, supostamente uma alocução do antigo presidente dos Estados Unidos.

Um deep fake é um vídeo, feito com ferramentas de Inteligência Artificial, onde todas as partes parecem verdadeiras, mas o conjunto é completamente falso: as expressões são falsas, os lábios são falsos, as palavras são falsas, o som é falso, mas no conjunto tudo parece verdadeiro e é impossível a olho nu detetar que é um deep fake.

O deep fake de Obama foi uma experiência de investigadores. Inofensiva, nesse sentido.

E agora imaginemos, se alguém fizer e espalhar um deep fake do Presidente da República, digamos, a apelar à tomada imediata de Olivença pela força?

Ou um deep fake do Primeiro-Ministro a apelar ao assalto da sede do CDS no Caldas?

Ou um deep fake do Secretário-Geral do PCP a apelar à tomada pela força do palácio de S. Bento para acabar com a democracia burguesa?

Ou mesmo um deep fake de um conhecido apresentador de televisão, que gosta muito de piscar o olho a fechar os telejornais, a anunciar que Lisboa foi completamente arrasada por um terremoto durante a noite e que não sobreviveu ninguém?

E se qualquer uma destas manobras for apoiada, difundida, por um exército de perfis falso, daqueles que já existem ou de outros que não existem?

 Isto é liberdade de expressão?

Não se pode fazer nada?

Ficamos sentados a ver o que acontece?

Algumas destas ações deveria estar protegida pela liberdade de expressão?

 Nada devemos fazer contra a liberdade de expressão, mas não pode valer tudo em nome da liberdade de expressão.

O digital, as redes e a Inteligência Artificial, combinadas, representam desafios claramente novos e gigantescos para as democracias. A desinformação é uma ameaça real. No PS, não somos dogmáticos quanto às melhores soluções e estamos perfeitamente abertos a entender que não descobrimos a pólvora e que temos de trabalhar todos para descobrir a pólvora nessa matéria. Mas o que nós não podemos permitir-nos é não fazer nada. E aquilo que o CDS propõe é que não façamos nada.

 O enquadramento jurídico das democracias já assume que não vale tudo em nome da liberdade de expressão.

Já existe legislação europeia, que apesar de ainda não estar em aplicação já está em vigor, que dá o prazo de uma hora para retirar conteúdos terroristas do online. Uma hora! Já existe.

Para proteger direitos económicos, estamos aqui, em sede de especialidade na Assembleia da República, a trabalhar dois projetos-lei para controlar, para tirar de linha, para impedir a publicação de informação falsa em matéria financeira, designadamente informação enganosa em matéria de créditos e de investimentos. O que se quer, nesses projetos que estão em discussão, é reforçar o que já existe e poder agir preventivamente: tirar quer dos órgãos de comunicação social tradicionais, quer do online. A minha pergunta é: temos que fazer para proteger os direitos económicos e não temos que fazer para proteger a democracia? É outra pergunta que gostava que respondesse.

Senhor deputado Telmo Correia, entendemos claramente que não estaremos sempre de acordo com o Presidente da República, mas o facto de o Presidente da República ter dito, claramente, que não havia aqui, no artigo 6º, nem pingo de censura, nem pingo de controlo do Estado, deve fazer-nos refletir.  Disse, e sabe por que é que disse? Porque o atual Presidente da República é um homem da comunicação social e da liberdade de expressão desde o tempo em que a censura era a sério e nesse tempo não se brincava com a palavra censura, porque essas pessoas sabem o que é a censura e não vêm aqui misturar belas palavras com a tentativa de não fazer nada. Gostava muito de saber por que é que o CDS não atende a estas questões que estão em cima da mesa.


 
Porfírio Silva, 23 de Julho de 2021 
 
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22.7.21

O estado da nação

 
 
Para registo, deixo aqui a minha intervenção no debate do estado da nação de 2021, que teve lugar ontem na Assembleia da República.
 
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Senhora Presidente, senhores membros do Governo, senhores deputados,

Há uns meses, num dos momentos mais difíceis da pandemia, um porta-voz do PSD dizia “temos um Primeiro-Ministro cansado”, e insistia, com um certo desdém, “o Primeiro-Ministro está cansado, precisa de ir descansar”.

O Primeiro-Ministro pode ter tido momentos de cansaço...

Como certamente tiveram enfermeiros e médicos, professores, cuidadores - e os milhões de trabalhadores que saíram de casa todos os dias para que os portugueses pudessem continuar a alimentar-se, a ter recolha de lixo, segurança nas ruas, produção industrial essencial, etc. etc. etc.

Mas, mesmo cansados, os portugueses não desistiram, não seguiram aquele mau conselho do deputado do PSD – cujas palavras ilustravam uma  política: enquanto o governo, como a esmagadora maioria dos portugueses, das instituições, das famílias, enquanto essa grande parceria lutava para preservar a saúde e debelar a crise, o principal partido da oposição escolheu fazer da pandemia uma oportunidade para tentar desestabilizar a governação, talvez mesmo sonhando derrubar o governo. E, em alguns momentos, terão acreditado que tinham encontrado parceiro disponível para tal.

Levamos ano e meio de pandemia, mas o maior partido da oposição não terá levado mais do que mês e meio a desistir de uma postura responsável face ao maior embate das nossas vidas. E mostrou isso ao país atolando-se na contradição continuada e sistemática.

O Orçamento, primeiro dava tudo a todos, depois era curto.

No Natal, era para atenuar as medidas, depois não devia ter havido Natal para ninguém.

Rui Rio dizia que havia professores a mais, agora parece que já é o contrário.

Em maio, era urgente abrir as fronteiras aos britânicos, mas quando os britânicos vieram, afinal tínhamos sido vexados pelos súbditos de Sua Majestade.

Primeiro, o governo não fazia reformas, depois, havia reformas escondidas no PRR.

E foi este caldo de contradição continuada e sistemática que alimentou o vale tudo: o “fecha, fecha” quando se abria, seguido do “abre, abre”, quando a preservação da saúde obrigava a encerrar.

Que deu cobertura à irresponsabilidade, como quando ouvi aqui no parlamento ser dito “a variante britânica não determina o encerramento das escolas, a variante britânica é uma desculpa do Primeiro-Ministro”. Pasme-se, ouvimos isto aqui.

O ataque à Presidência portuguesa do Conselho da União Europeia teve o seu momento pífio quando uma eurodeputada do PSD comparou Portugal com a Hungria de Orbán, escrevendo que “em matéria de regime político parece ser cada vez mais o que nos aproxima do que o que nos separa”. Orbán saiu do PPE, a custo, mas o estilo ficou, pelos vistos.

 

Senhores deputados, senhores membros do Governo,

Numa democracia, o estado da nação é também o estado da oposição. Uma oposição negativista, sem uma visão para a recuperação, é uma oposição que falha ao país. Quanto a isso, nada podemos fazer.

Mas temos feito a parte que nos toca. Antes da pandemia, estávamos a crescer acima da média europeia e tínhamos excedente orçamental. Antes da pandemia, a nossa agenda progressista já estava em marcha. 

A aposta no digital, aplicado na saúde ou na educação, por exemplo, não a descobrimos na pandemia. O combate às desigualdades e à pobreza, a aposta na habitação, no emprego digno, nos serviços públicos, numa transição climática justa, na mobilidade sustentável, na coesão territorial, na descentralização – não esperámos pela pandemia para avançar em nenhum destes domínios e a nossa agenda anterior à pandemia preparou o país para a extraordinária resposta que os portugueses deram a este desafio.

 

Senhores deputados, senhores membros do Governo,

Estamos prontos para o futuro. E queremos partilhar a responsabilidade de juntar as forças de todos aqueles que, nos últimos anos, fomos construindo um caminho de progresso, onde Portugal só pode estar bem se os portugueses estiverem melhor.

 
Porfírio Silva, 22 de Julho de 2021
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