18.4.18

Voltando à Educação Física.



Volta a discutir-se a Educação Física, a necessidade de a valorizar - e se contribuiu para isso que a nota da disciplina conte para a média relevante para o acesso ao Ensino Superior. Deixo aqui alguns elementos de reflexão sobre a questão, tanto em termos substanciais como em termos de processamento político da questão.


Comecemos por um pouco de história política da questão.
Desde 2004 (por iniciativa do Ministro David Justino) até 2012, a disciplina de EF contava para o cálculo da média de acesso ao Ensino Superior e de conclusão do Ensino Secundário. Isso sempre foi encarado com normalidade e nunca houve especial contestação a esse facto.
Em 2012, Nuno Crato, sem consultar ninguém, fez um ataque à EF: por exemplo, reduziu os tempos semanais de EF no Ensino Básico e Secundário. Dessa desvalorização da EF fez parte a decisão de que a disciplina deixava de contar para as médias de conclusão do Secundário e acesso ao Superior. O que Nuno Crato fez em 2012 foi excepcionar a disciplina de EF de todo o modelo de gestão curricular, avaliação e certificação das aprendizagens, foi criar um gueto de excepção para a EF. O que está em causa é desfazer esse ataque à EF e acabar com a excepção, de modo a que a disciplina de EF seja tratada como as restantes disciplinas de carácter obrigatório, cuja classificação conta para todos os efeitos. Note-se que a EF e o Português são as únicas disciplinas que acompanham os alunos desde o 1º ano do 1º CEB até ao 12º ano. Porque são, ambas, fundamentais em termos educativos.
O PS sempre criticou aquela orientação. Na anterior legislatura, o Grupo Parlamentar do PS criticou em plenário aquelas opções de Nuno Crato. Antes das últimas eleições, houve pronunciamentos públicos de deputados do PS a favor da reversão da medida de Nuno Crato.

Contudo, o que importa é sublinhar a linha de rumo: valorizar a Educação Física. O que agora se propõe não se trata de uma medida desgarrada, faz parte de uma estratégia a ser desenvolvida há bastante tempo.
A valorização da Educação Física faz parte do Programa do XXI Governo.
Toda a política pública de Educação deste Governo converge para o objetivo do desenvolvimento integral da pessoa, no que se inclui a cultura física. É assim com o Perfil do Aluno à saída da Escolaridade Obrigatória, onde também contam as aprendizagens relativas à saúde e ao bem-estar, individual e comunitário. É assim com as Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar, ligadas à estratégia geral de valorização do pré-escolar, que inscreve a EF como um domínio-chave na Área de Expressão e Comunicação. É assim com a valorização da área de EF no 1º Ciclo, por exemplo, não deixando a EF fora das provas de aferição.
Especificamente, no que toca à contagem da EF para a nota do Secundário e para acesso ao Ensino Superior, há um alargado trabalho de auscultação a correr desde 2016 e há um processo legislativo de iniciativa governamental a decorrer desde 2017.

De qualquer modo, o essencial é a questão educativa de base: o que é que, nesta matéria, está em causa quanto à educação integral das pessoas (crianças e jovens) que estudam nas nossas escolas?
O essencial é que a Educação Física é parte essencial da formação que a escola tem de proporcionar às crianças e jovens.
A EF é a única disciplina do currículo que trata das questões da corporalidade, da interacção do corpo com os outros, com o espaço. A EF é uma questão de cultura: cultura física.
Há evidência abundante da necessidade de aumentar a cultura física das nossas crianças e jovens. Ver, por exemplo, os dados COSI (Childhood Obesity Surveillance Initiative, da OMS), que monitoriza regularmente a situação nutricional das crianças em muitos países. Os dados para Portugal evidenciam valores muito elevados de excesso de peso e obesidade das crianças em Portugal.
Está estimado que 80% das crianças e dos jovens em idade escolar apenas praticam actividade física na escola, sendo essa a única via para implementar as recomendações da OMS na matéria.
Pode a escola pública demitir-se das suas responsabilidades nesta matéria?

Analisemos uma objecção no plano instrumental: será que a nota da disciplina de EF prejudica o acesso de alguns alunos ao Ensino Superior?

Tal como os alunos e as famílias hoje experienciam a escola, há um factor incontornável: o que não conta para a nota, não conta. É isso que relatam muitos Encarregados de Educação e essa é uma das razões para muitos apoiarem esta medida. Valorizar a EF não é compatível com a desvalorização avaliativa de uma das duas únicas disciplinas que acompanham os alunos em todos os 12 anos de escolaridade obrigatória.
A nota de EF contar para a média prejudica a “carreira” de estudante? Então e as notas de outras disciplinas não prejudicarão o acesso de outros alunos ao Ensino Superior? No parecer do Conselho das Escolas sobre estas medidas, lê-se: “a solução implementada em 2012 (…), sendo benéfica para muitos alunos, é prejudicial para muitos outros”. Com essa medida do anterior Governo “saíram prejudicados na média final de curso e no concurso de acesso ao ensino superior milhares de alunos do ensino secundário, com magníficas prestações e com excelentes classificações na disciplina de EF.”
O facto de haver muitos políticos e figuras relevantes da sociedade que gostam mais de Literatura ou de Ciências ou de Filosofia do que de EF, não nos deve permitir discriminar contra aqueles para quem a disciplina de EF é a porta para adesão à escola e uma via de crescimento pessoal. Contando com a nota de EF, desce a média de uma pequena minoria dos alunos e sobe a nota da esmagadora maioria dos alunos – pelo que é escandaloso adoptar um argumento que só vale na óptica de uma pequena minoria contra uma esmagadora maioria.

Nada nesta questão é sobre desporto, desempenho, carreiras desportivas. Tudo nesta questão é sobre bem-estar, saúde, fruição do corpo, saber-estar no espaço e na interacção com os outros. Tudo nesta questão é sobre educação integral da pessoa, deixando para trás preconceitos intelectualistas sobre a educação.

Deixo estes elementos para reflexão.



Porfírio Silva, 18 de Abril de 2018

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16.4.18

Centeno, défice, esquerda plural e soberania nacional



No Orçamento de Estado para 2018 estava prevista uma meta para o défice: 1,1% do PIB.

No Programa de Estabilidade, apresentado mais recentemente, está prevista uma meta para o défice de 0,7%.

Conclusão de alguns: a meta definida agora é mais exigente, vamos ter menos recursos para Saúde, Educação, Segurança Social, Ciência, Cultura, Transportes Públicos, etc.

Acusação: estão a querer “mostrar serviço” a “Bruxelas” em vez de investir nos serviços públicos!
Verdade?

Não!

Errado!

A execução orçamental de 2017 foi apertada? Foi. Em 2016 e 2017, Portugal superou as metas orçamentais fixadas. Podemos até queixar-nos disso, dizendo que podíamos ter devolvido mais a Portugal. Mas é razoável ter em conta o seguinte: os “brilharetes” de que alguns se queixam não foram uma “tara” de Mário Centeno, foram o resultado da necessidade absoluta de garantir o estrito cumprimento das metas. Falo de uma necessidade política. Foram o resultado da necessidade de não falhar, quando todos os nossos adversários, internos e externos, estavam a apostar que falharíamos. Como cumprimos, colhemos os frutos: credibilidade externa e interna, aumento da confiança, baixa das taxas de juro, poupança no serviço da dívida. Se tivéssemos falhado, muitos candidatos a “diabos” fariam propaganda por todo o mundo contra a maioria das esquerdas e o governo do PS, que seriam acusados de falhar a sua política económica e orçamental. Portanto, mais vale termos cumprido com mais rigor do que termos falhado com menos rigor.

Agora, a questão mais relevante é: o que vamos fazer daqui para a frente?

Na prática: com a nova meta do défice, de 0,7%, vamos ganhar mais margem do que aquela que estava associada ao OE 2018 que previa um défice de 1,1%. Porquê? Porque vamos aproveitar bem os esforços passados. Vamos investir mais nos portugueses, vamos investir mais nos serviços públicos, aproveitando o balanço de uma execução orçamental rigorosa que Mário Centeno já demonstrou ser capaz de liderar. Vejamos.

No OE 2018, estava proposto reduzir o défice em 716 milhões de euros durante o ano de 2018. No Programa de Estabilidade, a redução do défice proposta desce para 280 milhões de euros, menos de metade da meta original. Portanto, uma redução do défice que é 560 milhões de euros inferior à que foi aprovada por todos os partidos de esquerda no OE 2018.

E isto serve para quê?
Para investir mais no Estado Social!

O OE 2018 previa que as despesas com pessoal aumentassem 71 milhões de euros em 2018. Agora pretende-se aumentar as despesas com pessoal em cerca de 450 milhões de euros.
No investimento, o OE previa um crescimento superior a mil milhões de euros face a 2017. O Programa de Estabilidade reforça o investimento em mais 74 milhões de euros.
O que se trata, portanto, é de aproveitar o que foi alcançado até agora para ir ainda mais longe e fazer melhor.
Para compreender isto politicamente, é preciso olhar para os números – e não apenas para a meta do défice.

A direita, a julgar pelas críticas que faz a Mário Centeno, parece sonhar com um governo sem Ministro das Finanças. Na realidade, não perdoam a Centeno que ele tenha demonstrado que a direita, portuguesa e europeia, estava errada quanto à forma de sair da crise. Não perdoam a Centeno que ele tenha sido capaz de, com o PM, fazer com que todo o governo reme para o mesmo lado em termos estratégicos. Infelizmente, alguns sectores da esquerda optam pelo discurso fácil de também visar Centeno, não percebendo como assim vão cair no colo de uma estratégia estranha à esquerda. Nisto, o PCP tem tido uma posição inteligente, tanto quanto permite o seu eurocepticismo: não discutem o défice, porque isso é coisa lá da União Europeia, só discutem as políticas que por cá se fazem. Isso permite-lhes evitar cair no alçapão de outros que olham para a meta do défice e esquecem tudo o que está à volta e é muito positivo no Programa de Estabilidade recentemente apresentado.

Já agora, uma última palavra sobre este debate. Para falar de soberania nacional. Não vamos aqui voltar ao debate soberanista, onde a “soberania nacional” encarada de uma perspectiva isolacionista se confronta com uma “soberania real” que tem em conta a inescapável pertença do país (de todos os países) a um campo de forças que ultrapassa em muito as fronteiras nacionais. Mas convém não esquecer que protegemos a soberania nacional quando baixamos o défice e que protegemos a soberania nacional quando baixamos a dívida externa – pela simples razão de que ficamos menos expostos às variações do estado do mar na cena internacional. Coisa que já devíamos ter aprendido todos – talvez excepto aqueles que, no passado, usaram a Grande Recessão para, aproveitando a circunstância, imporem ao país o seu programa ideológico destruidor de que estamos agora a recuperar com esforço e inteligência.

Neste contexto, não resisto a trazer para aqui uma citação de Álvaro Cunhal, num discurso que proferiu no VII Congresso do PCP, em Outubro de 1974: «O atraso de Portugal é grande. A economia é deficitária. Mesmo que se eliminassem todos os lucros da grande burguesia e se procedesse a uma melhor distribuição da riqueza, o produto nacional não asseguraria, ao nível actual, a acumulação necessária para um desenvolvimento rápido e uma vida desafogada para todos os portugueses. Para o melhoramento das condições de vida gerais será necessário aumentar a produção em ritmo acelerado. E isso obrigará não só a investir como a trabalhar mais e melhor.» Aqui está, passados todos estes anos, um excelente programa para um debate no seio da Esquerda Plural.



(dados comparativos trazidos do João Galamba )




Porfírio Silva, 16 de Abril de 2018

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