No Orçamento de Estado para 2018 estava prevista uma meta para o défice: 1,1% do PIB.
No Programa de Estabilidade, apresentado mais recentemente, está prevista uma meta para o défice de 0,7%.
Conclusão de alguns: a meta definida agora é mais exigente, vamos ter menos recursos para Saúde, Educação, Segurança Social, Ciência, Cultura, Transportes Públicos, etc.
Acusação: estão a querer “mostrar serviço” a “Bruxelas” em vez de investir nos serviços públicos!
Verdade?
Não!
Errado!
A execução orçamental de 2017 foi apertada? Foi. Em 2016 e 2017, Portugal superou as metas orçamentais fixadas. Podemos até queixar-nos disso, dizendo que podíamos ter devolvido mais a Portugal. Mas é razoável ter em conta o seguinte: os “brilharetes” de que alguns se queixam não foram uma “tara” de Mário Centeno, foram o resultado da necessidade absoluta de garantir o estrito cumprimento das metas. Falo de uma necessidade política. Foram o resultado da necessidade de não falhar, quando todos os nossos adversários, internos e externos, estavam a apostar que falharíamos. Como cumprimos, colhemos os frutos: credibilidade externa e interna, aumento da confiança, baixa das taxas de juro, poupança no serviço da dívida. Se tivéssemos falhado, muitos candidatos a “diabos” fariam propaganda por todo o mundo contra a maioria das esquerdas e o governo do PS, que seriam acusados de falhar a sua política económica e orçamental. Portanto, mais vale termos cumprido com mais rigor do que termos falhado com menos rigor.
Agora, a questão mais relevante é: o que vamos fazer daqui para a frente?
Na prática: com a nova meta do défice, de 0,7%, vamos ganhar mais margem do que aquela que estava associada ao OE 2018 que previa um défice de 1,1%. Porquê? Porque vamos aproveitar bem os esforços passados. Vamos investir mais nos portugueses, vamos investir mais nos serviços públicos, aproveitando o balanço de uma execução orçamental rigorosa que Mário Centeno já demonstrou ser capaz de liderar. Vejamos.
No OE 2018, estava proposto reduzir o défice em 716 milhões de euros durante o ano de 2018. No Programa de Estabilidade, a redução do défice proposta desce para 280 milhões de euros, menos de metade da meta original. Portanto, uma redução do défice que é 560 milhões de euros inferior à que foi aprovada por todos os partidos de esquerda no OE 2018.
E isto serve para quê?
Para investir mais no Estado Social!
O OE 2018 previa que as despesas com pessoal aumentassem 71 milhões de euros em 2018. Agora pretende-se aumentar as despesas com pessoal em cerca de 450 milhões de euros.
No investimento, o OE previa um crescimento superior a mil milhões de euros face a 2017. O Programa de Estabilidade reforça o investimento em mais 74 milhões de euros.
O que se trata, portanto, é de aproveitar o que foi alcançado até agora para ir ainda mais longe e fazer melhor.
Para compreender isto politicamente, é preciso olhar para os números – e não apenas para a meta do défice.
A direita, a julgar pelas críticas que faz a Mário Centeno, parece sonhar com um governo sem Ministro das Finanças. Na realidade, não perdoam a Centeno que ele tenha demonstrado que a direita, portuguesa e europeia, estava errada quanto à forma de sair da crise. Não perdoam a Centeno que ele tenha sido capaz de, com o PM, fazer com que todo o governo reme para o mesmo lado em termos estratégicos. Infelizmente, alguns sectores da esquerda optam pelo discurso fácil de também visar Centeno, não percebendo como assim vão cair no colo de uma estratégia estranha à esquerda. Nisto, o PCP tem tido uma posição inteligente, tanto quanto permite o seu eurocepticismo: não discutem o défice, porque isso é coisa lá da União Europeia, só discutem as políticas que por cá se fazem. Isso permite-lhes evitar cair no alçapão de outros que olham para a meta do défice e esquecem tudo o que está à volta e é muito positivo no Programa de Estabilidade recentemente apresentado.
Já agora, uma última palavra sobre este debate. Para falar de soberania nacional. Não vamos aqui voltar ao debate soberanista, onde a “soberania nacional” encarada de uma perspectiva isolacionista se confronta com uma “soberania real” que tem em conta a inescapável pertença do país (de todos os países) a um campo de forças que ultrapassa em muito as fronteiras nacionais. Mas convém não esquecer que protegemos a soberania nacional quando baixamos o défice e que protegemos a soberania nacional quando baixamos a dívida externa – pela simples razão de que ficamos menos expostos às variações do estado do mar na cena internacional. Coisa que já devíamos ter aprendido todos – talvez excepto aqueles que, no passado, usaram a Grande Recessão para, aproveitando a circunstância, imporem ao país o seu programa ideológico destruidor de que estamos agora a recuperar com esforço e inteligência.
Neste contexto, não resisto a trazer para aqui uma citação de Álvaro Cunhal, num discurso que proferiu no VII Congresso do PCP, em Outubro de 1974: «O atraso de Portugal é grande. A economia é deficitária. Mesmo que se eliminassem todos os lucros da grande burguesia e se procedesse a uma melhor distribuição da riqueza, o produto nacional não asseguraria, ao nível actual, a acumulação necessária para um desenvolvimento rápido e uma vida desafogada para todos os portugueses. Para o melhoramento das condições de vida gerais será necessário aumentar a produção em ritmo acelerado. E isso obrigará não só a investir como a trabalhar mais e melhor.» Aqui está, passados todos estes anos, um excelente programa para um debate no seio da Esquerda Plural.
(dados comparativos trazidos do João Galamba )
Porfírio Silva, 16 de Abril de 2018