Numa das últimas trocas que tivemos em sua vida, Mariano Gago dizia-me por sms que ainda não me tinha agradecido o exemplar dos Monstros Antigos (o meu livro de poesia) que lhe tinha chegado. A troca de mensagens era por outra causa – a causa da política de ciência em Portugal – mas, com ele, nenhuma parte do mundo andava desligada das outras coisas do universo. Lembro-me de, nos alfarrabistas de sábado na Rua Anchieta, Mariano Gago nos dar conselhos sobre a qualidade de uma dada tradução de poemas de Goethe para português. Era um homem de todas as culturas e que compreendia a ciência como cultura. Isso, também, deu outro voo à sua política de ciência. Os que, em Portugal, sendo investigadores, não estamos nas “ciências duras”, mas antes nas Humanidades, nas Ciências da Sociedade ou nas Filosofias, sabemos que ele rompeu com o dogma de que nós não servimos para nada. Ele, físico, vindo de um domínio com todas as condições para entrar no batalhão dos arrogantes, dos que só vêem ciência onde há “aplicação” e negócio, praticou uma completamente diferente e ousada ideia de pluralidade no conhecimento.
Se fosse hoje, morto Mariano Gago e enterrado o seu legado pelos coveiros da Fundação para a Ciência e Tecnologia, talvez o meu doutoramento não tivesse merecido uma bolsa: pois, por que havemos de apoiar um filósofo, já de si coisa bizarra que existam filósofos, ainda por cima um filósofo que quer estudar os robôs e outras máquinas que dizem inteligentes? Hoje, para a FCT, ciência é coisa de alguns, escolhidos pela sua “utilidade prática” e, talvez, pela sua “utilidade política”, onde uns “avaliadores” bem escondidos pelos segredos convenientes dos procedimentos fazem a “limpeza étnica” do campo dos que são pagos para pensar de forma profissional.
A direita que nos governa não é simplesmente incompetente: só é incompetente quando isso serve os seus propósitos. A destruição de certas áreas da investigação que não servem os ideais desta direita radical faz parte de um plano: reduzir a escombros aquilo que lhes não serve ideologicamente, permitindo depois que “cientistas amigos” encontrem uma sombra para medrar. Crato, misturando o que tem de pior no seu passado e no seu presente político, lidera uma estratégia de destruição da liberdade de investigação que não deve nada ao pior do estalinismo e ao banal fascismo. Como exemplifica este artigo, sobre as práticas continuadas da FCT: As ciências sociais e humanas na roleta russa com a FCT.