30.8.15

notas à margem de uma política de ciência com pouca ciência e muita politiquice.




Numa das últimas trocas que tivemos em sua vida, Mariano Gago dizia-me por sms que ainda não me tinha agradecido o exemplar dos Monstros Antigos (o meu livro de poesia) que lhe tinha chegado. A troca de mensagens era por outra causa – a causa da política de ciência em Portugal – mas, com ele, nenhuma parte do mundo andava desligada das outras coisas do universo. Lembro-me de, nos alfarrabistas de sábado na Rua Anchieta, Mariano Gago nos dar conselhos sobre a qualidade de uma dada tradução de poemas de Goethe para português. Era um homem de todas as culturas e que compreendia a ciência como cultura. Isso, também, deu outro voo à sua política de ciência. Os que, em Portugal, sendo investigadores, não estamos nas “ciências duras”, mas antes nas Humanidades, nas Ciências da Sociedade ou nas Filosofias, sabemos que ele rompeu com o dogma de que nós não servimos para nada. Ele, físico, vindo de um domínio com todas as condições para entrar no batalhão dos arrogantes, dos que só vêem ciência onde há “aplicação” e negócio, praticou uma completamente diferente e ousada ideia de pluralidade no conhecimento.

Se fosse hoje, morto Mariano Gago e enterrado o seu legado pelos coveiros da Fundação para a Ciência e Tecnologia, talvez o meu doutoramento não tivesse merecido uma bolsa: pois, por que havemos de apoiar um filósofo, já de si coisa bizarra que existam filósofos, ainda por cima um filósofo que quer estudar os robôs e outras máquinas que dizem inteligentes? Hoje, para a FCT, ciência é coisa de alguns, escolhidos pela sua “utilidade prática” e, talvez, pela sua “utilidade política”, onde uns “avaliadores” bem escondidos pelos segredos convenientes dos procedimentos fazem a “limpeza étnica” do campo dos que são pagos para pensar de forma profissional.

A direita que nos governa não é simplesmente incompetente: só é incompetente quando isso serve os seus propósitos. A destruição de certas áreas da investigação que não servem os ideais desta direita radical faz parte de um plano: reduzir a escombros aquilo que lhes não serve ideologicamente, permitindo depois que “cientistas amigos” encontrem uma sombra para medrar. Crato, misturando o que tem de pior no seu passado e no seu presente político, lidera uma estratégia de destruição da liberdade de investigação que não deve nada ao pior do estalinismo e ao banal fascismo. Como exemplifica este artigo, sobre as práticas continuadas da FCT: As ciências sociais e humanas na roleta russa com a FCT.



23.8.15

O Japão é um lugar estranho.





Uma crítica a dois livros sobre o Japão: "O Japão é um lugar estranho", de Peter Carey; e "Caderno de Tóquio", de minha autoria. Aqui: O eterno desconhecido.


22.8.15

Uma pergunta às televisões.




Por causa do problema da pesca da sardinha, a cabeça-de-lista do PS por Leiria, Margarida Marques, esteve hoje, desde a primeira hora da manhã, em Peniche, para contactar com as associações de armadores e de pescadores, para perceber como se poderá corrigir a incompetência e a incúria da ministra Cristas, que nada se interessa pela pesca nacional e que não percebe sequer como a ligação ibérica pode ajudar neste caso.

As televisões estavam lá, para cobrir a reunião de pescadores e armadores com os presidentes de câmara. A candidata do PS, depois de reunir com a OPCENTRO (Cooperativa da Pesca Geral do Centro), pretendeu fazer declarações à comunicação social presente. As televisões recusaram-se. Alguma terá mesmo dito que não podiam recolher declarações do PS sem recolher também do PSD.

A minha pergunta é: mas isto é jornalismo? Não é notícia que a direita fica a dormir, enquanto a pesca e os pescadores estão aflitos, e enquanto o PS se mexe, nomeadamente para atalhar as consequências sociais do problema? Será bom jornalismo fazer uma espécie de "informação quadrada", na qual os meios só cobrem aquilo que os chefes previram com antecedência, fazendo de conta que "no pasa nada" quando há notícia a correr? Será que o PS tem de ir acordar os candidatos da direita à cama, para confortar as equipas de reportagem que só podem cobrir as declarações dos socialistas quando a direita também se lembra de que os problemas existem?

Portas, um homem com dois fatos.



Ontem, o Dr. Paulo Portas, com meio fato de Vice-Primeiro-Ministro e meio fato de dirigente partidário, usou uma circunstância oficial para fazer campanha eleitoral e para atacar o Partido Socialista. Até aqui, a indignidade não surpreende, porque dela o actual governo tem usado e abusado. Mesmo assim, desta vez, o desplante do Dr. Paulo Portas conseguiu surpreender.

O Dr. Paulo Portas diz que o Partido Socialista reviu as contas do cenário macroeconómico. Ficamos a saber, por esta declaração, que o Dr. Portas não viu o documento de que fala, ou se viu não leu, ou se leu não compreendeu.

O PS fez as contas ao Impacto Financeiro do Programa Eleitoral, e tornou essas contas públicas, de forma transparente. Nós avaliámos o impacto de cada medida que consta do nosso programa, para que a nossa campanha eleitoral seja uma campanha esclarecedora. Já a Direita não mostra as contas, limita-se a atacar o método e a seriedade com que o PS tem trabalhado.

E por que é que a Direita não mostra as contas? Porque tem um programa escondido, nomeadamente um programa de privatização da Segurança Social, que não poderia esconder se mostrasse as contas. Porque se não escondesse as contas teria de explicar como vai cortar 600 milhões de euros no sistema de pensões, como prometeu em Bruxelas.

É, aliás, irónico que quem fala em revisão das contas seja o Vice-Primeiro Ministro do governo que mais revisões fez aos Orçamentos de Estado. O actual governo apresentou 12 orçamentos, uma média de 3 por ano durante a legislatura. Em matéria de revisão de contas, o dirigente partidário PP já se esqueceu de que ainda é Vice-Primeiro-Ministro.

O que confunde o Dr. Portas é que os compromissos que o PS tem vindo a apresentar aos portugueses são estudados, com método e com seriedade, e por isso são coerentes. Isso confunde o Dr. Paulo Portas porque, em matéria de programa, a Coligação tem duas caras: enviou em Abril para Bruxelas um Programa de Estabilidade diferente do programa eleitoral apresentado aos portugueses.

O Dr. Portas, se tivesse lido e compreendido o Estudo sobre o Impacto Financeiro do Programa Eleitoral do PS, também não teria confundido as nossas previsões sobre o emprego com promessas eleitorais. O Dr. Portas, nem como dirigente partidário nem como vice-Primeiro-Ministro deve ter lido o Plano de Estabilidade enviado pelo governo para Bruxelas. Porque, nesse caso, teria de assumir que ele próprio (na sua interpretação) fez promessas de criação de emprego. Infelizmente, nenhum jornalista presente da conferência de imprensa se lembrou de fazer tal pergunta...

O Dr. Portas diz que não são os governos que criam emprego, que são as empresas. Mas deveria dizer mais: este governo, se não cria emprego, pelo menos trabalha bastante bem as estatísticas: tem "trabalhado" muito para que os números escondam a realidade, para que muitos desempregados deixem de contar como tal, para que muitos emigrantes, ao partir, deixem de pesar nos números do desemprego. O governo cujas políticas mais provocaram destruição de emprego, o governo Passos & Portas, é o governo que mais fabrica estatísticas de emprego. Que, na matéria, é apenas o que sabe fazer.

Se o Dr. Portas tivesse, apenas, um pingo de noção das enormidades que disse num único encontro com a imprensa, teria vergonha. Seria uma vergonha merecida, justa, razoável. Mas isso seria pedir demasiado ao Dr. Portas, um Vice-Primeiro-Ministro em funções a fazer campanha eleitoral enganadora. Sim, porque ele não quer ficar atrás de Passos.

(Imagem daqui)