25.7.13

retrato do governo.



Há muitos anos li na revista semanal "Opção" (quem se lembra?) um conto, do qual ainda me lembro do acontecimento-chave. Apenas isto: um homem em cadeira de rodas está junto a um declive acentuado e pede insistentemente à pessoa que empurra a cadeira que o aproxime mais da beira, desprotegida, "para ver a vista", apesar da cautelosa resistência do cuidador. Chegado, afinal, junto da beira, impulsiona bruscamente as rodas para se lançar no precipício, ao mesmo tempo que, caindo, vai gritando como se em desespero, bem alto para ser ouvido pelos circunstantes: "tem pena de mim, não me empurres, não me mates".

Esta é a cena preferido do governo que temos.

24.7.13

parabéns, Paulo Portas !



O CDS pode revelar-se, a prazo, o grande vencedor da recente crise política. Mantenho que isso, a acontecer, terá custado o resto da honra pessoal de Paulo Portas, mas em política dura esse assunto pode ser irrelevante. Vou tentar explicar-me.

Se o governo tiver algum engenho para isso, a crise política recente pode ser usada junto da troika para explicar que algumas mudanças de rumo são indispensáveis para evitar o fracasso completo do programa de "ajustamento". Ou seja, o governo pode explicar aos políticos da UE e do FMI que já nada é seguro neste país (nem o Presidente da República) e que, para evitar novas crises, a única solução é mostrar algumas mudanças que possam ser apresentadas como motivo para nova esperança e aguentem o eleitorado. A Alemanha, depois das eleições de Setembro, estará provavelmente mais à vontade para algumas novidades e os políticos de direita que mandam em quase tudo o que conta nas instituições europeias tenderão a fazer alguma coisa para evitar que os vejamos como incapazes de nos dar mais do que nova dose de um Barroso sempre sempre à procura de emprego. Vão mudar o essencial? Não, não vão, mas podem dar alguns rebuçados que criem a ideia, até às eleições, de que o pior já passou (mesmo que isso seja falso).
Cá dentro, o CDS pode apresentar a sua versão da história: foi a profunda renovação da coligação e a remodelação do governo que garantiram a mudança para melhor. Se Portas não tivesse batido o pé, teria continuado tudo na mesma. Se, contra toda a lógica, a troika achar que não há problema em deixar a direita perder as eleições, o CDS poderá não ganhar muito, mas também perdeu pouco: os restos da aparência de confiabilidade do dr. Portas.

Entretanto, se problemas podem vir dos novos ministros, esses problemas tenderão a cair para o lado do PSD.
Pires de Lima, que, goste-se ou não dele, conhece alguma coisa da vida real, não é um radical e tenderá a mostrar algumas melhorias relativamente ao desempenho do seu antecessor, um brilharete para que Álvaro contribuiu muito.
Já Rui Machete, embora relativamente escondido nos Negócios Estrangeiros, onde pode fazer por só ser visto ao longe, arrisca fazer regressar as novelas do BPN e do BPP ao topo da actualidade política. Se o seu grau de coragem e verticalidade política continuar a ser o mesmo que demonstrou quando era vice-PM do Bloco Central e teve de conviver com a então fresca chegada de Cavaco Silva à liderança partidária, nomeadamente no episódio da tentativa cavaquista para adiar a assinatura do tratado de adesão à CEE por mero interesse pessoal/partidário, tudo se pode esperar.
Moreira da Silva pode surpreender, tanto pela positiva como pela negativa. Ambicioso, com a força de um aparelhista ilustrado, pode ser um bom governante nas suas áreas de competência específica e, no entanto, "borrar a escrita" com um excessivo interesse pelas guerras internas do PSD. E elas serão muitas daqui para a frente, com a ala passista reanimada pelos tiros no pé dos cavaquistas nestes últimos tempos.
Já a Ministra das Finanças, mais uma aquisição recente da lavra do PSD, está cada vez mais enredada na embrulhada política em que se meteu, sendo cada vez mais evidente para mais gente que andou muito longe da verdade quando tentou lavar as mãos do caso dos contratos swap e, para tanto, não encontrou melhor do que desrespeitar gravemente o parlamento.

Feitas as contas, se as novas circunstâncias trouxerem algum suplemento de alma ao governo, o CDS poderá explicar que isso só se tornou possível graças às piruetas de Portas. E, sim, Portas faz piruetas, mas é a vida. Por tudo isto digo que o CDS pode revelar-se, a prazo, o grande vencedor da recente crise política.

20.7.13

o PS de que o país precisa.


O PS, sob a direcção de Seguro, aguentou a pressão e não assinou nenhum acordo de salvação do PSD e do CDS. Bastou-lhe, para isso, reafirmar o que tem vindo a propor, quer institucionalmente quer em público. Que a maioria governamental não tenha tido rins para pegar nas propostas do PS tem um significado: queriam o PS apenas para muleta. Não espanta. A forma como Seguro comunicou ao país a situação foi (apenas li, não ouvi a comunicação) equilibrada e convicta. O PS teve a sabedoria táctica para, no período de negociação, não deixar estabilizar nenhuma antevisão do que faria afinal: deu, assim, credibilidade à sua rejeição do acordo, porque fez crer que, fosse outra a posição das outras partes negociais, poderia ter assinado.

Fico, agora, à espera dos que fizeram previsões catastróficas. Dos que previram que o PS não votaria a moção de censura dos melancias (votou). Dos que previram que o PS entregaria o ouro ao bandido a pretexto da "salvação nacional" (não entregou). Refiro-me, não tanto aos comentadores, mas aos partidos políticos que já ensaiavam nova manobra da coligação negativa com os partidos da direita. Esses, se tivessem alguma decência política, não entrariam agora em discursos de encobrimento. Encobrimento de quê, perguntarão. Infelizmente, a esquerda da esquerda vai agora entrar em tentativa de encobrimento de que desejaram ver o PS nos braços da direita, porque só isso os salvaria do que mais temem: ver o PS assumir o seu papel de alternativa.

Tudo isto, para mim, não significa que o PS esteja já em condições de ser essa alternativa. Tem de fazer mais. Visar mais longe. Lutar para merecer uma base social de apoio alargada. E, além do mais, aprofundar o espaço de convergência interna para se abalançar às lutas nacionais, como opinei anteriormente.

19.7.13

é contra toda a teoria política que a direcção do PS tenha enlouquecido, não é ?


Leio por aí (não vi, não ouvi) que António Costa disse ontem na Quadratura do Círculo que não tem informação nenhuma sobre o que está a ser negociado entre o PS e os partidos da coligação governamental de direita. Se isso for verdade - se AC o disse, acredito que seja - isso quer dizer que a direcção do PS tem um entendimento estranho da "paz interna" celebrada no último congresso.

Quer dizer: se for verdade que António Costa não está a ser tido nem achado neste momento crucial para o PS, isso quer dizer que a direcção de António José Seguro apenas quis meter os descontentes no bolso com o "consenso interno" e, depois, na prática, está-se marimbando para a opinião e o envolvimento de uma das figuras do PS que mais esperança representa hoje na sociedade portuguesa: o actual e futuro presidente da câmara municipal da capital.

Se também for verdade, coisa que também leio por aí, que António Costa defendeu um acordo entre todos os partidos que mostre a quase unanimidade dos portugueses a pretender a renegociação do memorando, ficamos entendidos: ou a direcção do PS está só a fazer ginástica de aquecimento na mesma sala que o PSD e o CDS mais uns amigos de Cavaco Silva, para os entreter, ou, se está mesmo a negociar qualquer coisa que possa salvar este governo das chamas do inferno (e não o país) , vai causar um grande estrago ao PS.

São momentos como estes que definem um líder. Seguro, que parece que ainda não teve direito à sua prova de fogo, pode vir a definir-se nesta tempestade. Eu, que sou paciente e tolerante, espero para ver - mas Seguro que não se fie, porque, com esta direcção do PS, há pouco por aí quem ainda seja paciente e tolerante. Et pour cause.

18.7.13

o acordo PSD-CDS-PS.


Em princípio, não rejeito nenhum compromisso nem nenhum acordo a priori: costumo esperar para ver o conteúdo de qualquer coisa para ter opinião sobre a mesma. Também assim, apesar do nome, com o acordo de salvação nacional.
Agora, há uma coisa: ou o PS consegue que o PSD e o CDS façam um duplo mortal à retaguarda e aceitem mudar tanta tanta asneira que andaram a fazer, e o acordo torna isso evidente em letras gordas, ou a assinatura do PS num qualquer entendimento com essa configuração será um suicídio. E eu gosto pouco de entrar em suicídios.
Mas vou esperar para ver.

16.7.13

lágrimas de crocodilo.


Anda por aí muita gente a fazer figas para que o PS se estatele no meio desta crise.

Claro que a maioria dos que assim desejam evitam dizê-lo claramente. Vão antes pelo lado dos rodriguinhos.

Fazem previsões de que o PS aceitará isto e aquilo, sendo "isto e aquilo", sem excepção, enormes traições à pátria. Podiam expressar a vontade política de que o PS não aceite o inaceitável (para usar a expressão do "monstro inominável", que o PS não pegue na pá para ajudar a cavar mais no buraco). Podiam elencar "linhas vermelhas" que exemplificassem o que o PS nunca poderia aceitar. Seria, esse, um exercício saudável: contribuir para o debate público acerca daquilo que o PS tem de obter, para o país, nesta crise. Mas não: fazem previsões de traição do PS. Também fizeram a previsão de que a moção de censura dos melancias ia entalar o PS (o que, aliás, só podia ser o seu, dos melancias, real intento), mas não me parece que tal profecia tenha encontro com a história. Não importa: as previsões de traição do PS são o próprio objectivo das previsões: falar do PS como traidor.

Acusam o PS de se ter sentado à mesa com a direita. Esquecendo que o PS exigiu, contra o requisito presidencial, que fossem participantes todos os partidos parlamentares. E esquecendo que foram o PCP e o BE que se auto-excluíram (aliás, legitimando a questão: será que o PCP e o BE se auto-excluíram só para poderem concentrar melhor os seus ataques no PS?). E que o PS só aceitou conversar a três depois de a esquerda da esquerda ter desistido deste debate. Cavaco e a esquerda da esquerda estão a voltar a montar a barraca da coligação negativa?!

Culpam o PS por ter entrado num exercício macabro montado por Belém, onde o objectivo do presidente politiqueiro é entalar o PS no buraco da austeridade. E, com uma lógica quase tão científica como a lógica do xamanismo, entendem que o PS devia simplesmente facilitar a hipocrisia política do presidente: pondo-se de fora, era isso que o PS faria. Sim, porque se o PS simplesmente dissesse "não", Cavaco e a direita diriam com facilidade que os socialistas fogem com o rabo à seringa quando se trata de concretizar as críticas de oposição em termos propositivos de governação. O objectivo da direita (de mão dada com um presidente partidário) é insistir na ideia de que não há alternativa - e os que defendem que o PS devia ficar em casa, defendem que o PS devia facilitar essa estratégia desesperada de Cavaco e seus aliados.

Suponho que, seja conhecendo-me pessoalmente, seja lendo o que escrevo com alguma regularidade, ninguém acreditará que eu sou um ingénuo crente nas virtualidades políticas de Seguro, o actual SG do PS. Só que, mesmo assim, parece-me bizarro que se parta do princípio de que o PS fará tudo mal, mesmo contra factos que deveriam falar pelo PS. Em boa verdade, já voltámos ao tempo em que atacar o PS (mesmo que seja com a desculpa de atacar Seguro) se tornou a prioridade das prioridades para uma certa esquerda. Uma prioridade que se atravessa mesmo à frente da sua oposição à direita. Doença que as últimas notícias instanciam bem: PCP exclui PS de "contactos, reuniões e encontros" para discutir a situação política.

Será que não há, também do lado do PS, responsabilidades neste estado de coisas do lado da alternativa? Claro que há responsabilidades do PS. Desde logo, porque vozes de peso no PS têm assinalado que gostariam de ver acordos com a direita, dando a entender, por vezes, que não há fosso nenhum entre, por exemplo, o partido de Portas e os socialistas. Olhando mais ao longe: o PS continua a evitar o desafio histórico de abrir um diálogo profundo, aberto, sem preconceitos e também sem amarras, com as forças da esquerda parlamentar. O PS tem tido medo dos riscos dessa aposta, talvez por fraqueza, talvez por convicção - como se o mundo estivesse para ser salvo por pequenas acomodações. Os dirigentes do PS continuam sem perceber que a questão do diálogo à esquerda não é uma questão de paixão ideológica, mas, antes de mais, uma questão de sustentação social de qualquer tentativa de mudar o estado de coisas. O PS tem, pois, as suas próprias responsabilidades - mas o sectarismo militante da esquerda da esquerda tem feito muito bem o seu trabalho de dar álibis às direcções do PS para esconderem a mão dos gestos do diálogo necessário.

As lágrimas de crocodilo, mesmo quando os crocodilos sejam bons actores, não deixam de ser, pelo menos quando pensamos em política a sério, um truque desonesto e que não está à altura do actual sofrimento dos portugueses. O que precisamos do PS - que, nestas circunstâncias, se torna um último reduto de responsabilidade patriótica - é que seja firme e só aceite acordos que contenham uma mudança substancial da posição de Portugal face à crise. Porque, se não há milagres, é preciso mudar muito a nossa voz no mundo: deixarmos de ser o idiota do marrão a fingir de bom aluno, que engole toda a porcaria que os experimentalistas lhe colocam no prato, e passarmos a assumir colectivamente o que não aceitamos, o que queremos - e o estrago que estamos dispostos a fazer à Europa se a Europa optar por nos afogar. Esse é o elemento de mudança que só o PS pode trazer: a direita já mostrou que a sua receita é a submissão, a esquerda da esquerda está entregue à estratégia da deserção e à manobra eleitoral de assestar baterias no PS. Aliás, o comportamento do BE e do PCP é, desde já, uma primeira vitória de Cavaco: a iniciativa presidencial encontra no PCP e no BE aliados objectivos no seu principal alvo: entalar o PS. Neste sentido, as lágrimas de crocodilo são, apenas, o mais recente acto da peça intitulada "a coligação negativa".


14.7.13

há muitas maneiras de ser valente. umas enchem mais o olho, outras são mais úteis.


Julgo resultar meridianamente claro, do que tenho escrito, o apreço que me (não) merece o actual Presidente da República, bem como a falta de sentido que vejo na forma como veio pôr a marinar o governo e lançar, em termos um tanto obscuros, a ideia de um pacto a médio prazo.
Contudo, dada a excepcional gravidade da situação do país (e da Europa) e o estado de desesperança em que tantos de nós portugueses nos encontramos, acho que o Partido Socialista fez bem em aceitar o incómodo de se sentar à mesa das negociações com os líderes irresponsáveis do PSD e do CDS, que nas últimas semanas levaram ao cúmulo as suas demonstrações de impreparação para governarem o que quer que seja. Não se pode perder nenhuma oportunidade de levar o país para um rumo mais conforme ao que necessitamos. O PS, note-se, teve a correctíssima posição política de exigir que essas negociações incluíssem todos os partidos com assento parlamentar, recusando assim uma das graves entorses da abordagem de Cavaco Silva, que reservava o assunto à direita coligada e ao PS. Foi muito importante, por parte do PS, ter dado esse sinal claro de não estar entregue a uma visão restrita dos protagonistas que o país precisa para enfrentar este grave momento.
Infelizmente, parece que o PCP e o BE vieram recusar-se e entrar nesse processo negocial. A táctica política continua a sobrepor-se à necessidade de criar condições para uma discussão séria acerca de como chegámos aqui e de como daqui haveremos de sair. Lamento, porque tenho defendido, contra ventos e marés, que o PS deve esforçar-se arduamente para que o PCP e o BE tenham um verdadeiro papel no debate da governação. Só que, contra a preguiça intelectual e política de quem acha mais cómodo ficar de fora, sem ir à luta de tentar que algumas das suas ideias-chave possam fazer vencimento - o que se pode fazer? A posição do PCP e do BE será até mais cómoda: tanta coragem que se quer demonstrar só por recusar aparecer! Mais difícil é ir ao exercício da negociação: claro que partindo de posições divergentes, caso contrário nem seria uma negociação - mas não fugindo à exigência democrática de voltar a colocar as suas propostas em cima da mesa.
Fica assim claro que aplaudo o PS por ter aceite o repto de negociar: e deixo-o escrito por saber que é um risco ser visto em más companhias. Só espero que marque bem as suas "linhas vermelhas" e não se deixe envolver no mero tacticismo que a direita, hoje mais do que nunca, está a mostrar sem pudor.

12.7.13

Cavaco explica o erro de Cavaco.


Cavaco Silva, Roteiros VI (2011/2012), página 21, a justificar-se de não ter procurado criar as condições para um governo maioritário na sequência das eleições legislativas de 2009:


Roubado à Palmira F. Silva no FB, à Shyznogud no jugular e ao Câmara Corporativa. Mas podem ir à fonte presidencial.

Bullying parental.


Este artigo do Dinheiro Vivo, 9 formas de castigar os filhos usando o Facebook, é escandaloso. Desconfio, aliás, que algumas das práticas aconselhadas devem ser ilícito criminal, talvez susceptíveis de justificar um questionamento judicial do exercício do poder parental.

a democracia não está nas galerias.


Não é de agora, mas tem conquistado mais espaço nos últimos tempos, um certo fenómeno ligado ao parlamento. O fenómeno tem um aspecto local e um aspecto global. O aspecto local consiste em grupos de cidadãos, presentes nas galerias do parlamento, se manifestarem (que seja ruidosamente, é lateral) durante o decurso das sessões plenárias - e na consequente repressão dessas manifestações (evacuação das ditas galerias, nomeadamente). O aspecto global consiste no clamor, que logo se espalha, contra o suposto carácter anti-democrático dos actos legais e legítimos que visam impedir essas manifestações naquele sítio. Estou, nesta matéria, de alma, coração e razão contra essas manifestações na galeria e contra a sua defesa.

Não estou minimamente interessado em discutir aqui e agora se a actual presidente da Assembleia da República tem mais ou menos jeito para controlar esses acontecimentos, se diz mais ou menos disparates nessas ocasiões. Isso são pormenores (embora haja manifesto abuso na interpretação demasiado literal de certas citações de Assunção Esteves, que não se coíbe de usar o seu conhecimento e a sua inteligência, mesmo quando seria politicamente prudente ser menos rebuscada e mais terra-a-terra) . O que me interessa é a legalidade e legitimidade democrática da repressão dessas manifestações.

Desde logo, não há nenhuma dúvida quanto à legalidade: são proibidas essas manifestações naquele lugar e quem lá vai e desrespeita a proibição tem obrigação de saber disso e das consequências. Numa democracia (que não seja uma bandalheira) os direitos, para serem exercidos no seio da comunidade, são regulados. Também há os que confundem o direito constitucional à manifestação de rua com a tentativa de fazer manifestações de rua que não obedeçam aos critérios legais para fazer manifestações, designadamente, dar delas conhecimento atempado às autoridades. Tanto desrespeitam a Constituição aqueles que julgam que "a crise" justifica as derrogações aos direitos que mais lhes convêm orçamentalmente, como (também desrespeitam a Constituição) aqueles que a invocam mas querem atropelar os mecanismos legais, definidos no respeito pela Constituição, para a concretização desses direitos. O respeito pela lei não está, nem pode estar, à disposição do momento político. Aliás, o respeito pela lei é, antes de mais, uma garantia do Estado de Direito aos "de baixo", porque os "de baixo" precisam sempre mais de protecção contra a arbitrariedade do que os "de cima".

Falta argumentar a questão da legitimidade. Coloco-me, aí, no plano dos princípios.

O parlamento representa o povo. Deviam, aliás, gastar-se mais tiros a criticar os que não votam, ou os que votam de modo a tornar-se responsáveis pelo que se vê, do que os tiros que se gastam a defender os manifestantes de galeria. O parlamento representa o povo todo, não o povo que cabe nas galerias, ou quer ir às galerias, ou vive perto das galerias, ou tem tempo para ir às galerias. A rua também representa o povo: o direito de manifestação é importante - mas uns gritos nas galerias não são uma manifestação. Defender que "a rua" tem um lugar na democracia (também defendo isso) não é a mesma coisa que dizer que o método da rua se pode estender a todos os planos do regime democrático. Não pode. É da essência da representação que ela passa pela argumentação: quando defendo uma posição e ataco outras posições, tenho de explicar-me - e esse processo faz parte da construção do edifício democrático. A argumentação é um processo social e um processo histórico, que vive da sua continuidade e de uma certa coerência interna. Dar razões. Mostrar razoabilidade coerente. Ora, gritar nas galerias não é argumento. Gritar nas galerias é atacar o carácter argumentativo do mecanismo representativo. Não estou sequer a invocar a pressão física sobre os deputados, embora esse aspecto não possa ser descurado. Estou a invocar o enviesamento do mecanismo: trocar razões é essencial à democracia, sobrepor gritos a esse mecanismo não enriquece em nada a democracia. Portanto, a meu ver, as galerias devem ser mesmo para observar: para aprender como funciona o debate parlamentar, para sentir aquele aspecto da democracia a funcionar. As galerias não servem para misturar lógicas diferentes. A lógica do grito, enxertada no parlamento, é um ataque à democracia. No próprio plano dos princípios. Já para não explorar a "hipótese" de que as manifestações das galerias não sejam nada espontâneas (o que, no caso de uso colectivo e coordenado de artefactos próprios para a acção, é muito mais do que uma mera hipótese, multiplicando por mil todas as minhas críticas a tais actos e seus inspiradores).

E agora volto, para terminar, à distinção entre local e global. A democracia representativa é necessária para sociedades complexas, onde não podemos sentar-nos todos, aos milhões, numa mesma sala a decidir os nossos assuntos. Por isso, porque não podemos estar todos no mesmo local, arranjamos formas de estarmos, indirectamente, presentes numa instância de decisão. Para isso servem os parlamentos. O que se passa naquele momento naquele sítio ultrapassa aquele momento e aquele sítio: através dos que foram mandatados para ter em conta as minhas opiniões e as opiniões de alguém que está noutro sítio qualquer, mas fazendo parte da mesma comunidade política. Um parlamento é um mecanismo para tornar concreta (local) uma comunidade política dispersa (global). Querer sobrepor a galeria ao parlamento é não perceber isto. É que cada cidadão presente na galeria só se representa a si mesmo, mas cada deputado no hemiciclo representa muito mais do que isso. A lógica da intervenção da galeria é ignorar isso e desrespeitar isso. Quer dizer: atacar um mecanismo básico da democracia.

Revolta-me a demagogia de confundir as pessoas nas galerias do parlamento com o povo. O "povo" é grande demais para ser confundido com qualquer grupo instantâneo. A democracia não está nas galerias. Seria mais útil à democracia castigar pela opinião os que não votam, ou votam sem pinga de reflexão no que fazem, do que tecer elogios aos manifestantes das galerias. Mas isso estaria, decerto, menos na moda. Na moda está "aplanar" as instituições e reduzir tudo ao imediatismo da "acção directa".

11.7.13

Cavaco surpreendeu.



Às nove e pouco da manhã, na biblioteca universitária do campus de Komaba, nesta cidade quente e húmida de Tóquio, ligo o computador, abro o Público e leio: “Cavaco veta acordo PSD/CDS para a refundação do Governo.” Lá terei, então (enquanto, madrugada em Lisboa, quase todos os meus concidadãos dormem) de ir ler o seu discurso na íntegra.

1. Cavaco surpreendeu. E não devia ter-nos surpreendido. Tínhamos obrigação de saber que quem não presta pode sempre fazer pior do que aquilo que já conhecemos – especialmente, quando isso pareça, aos olhos de tal espécime, uma boa escapatória para si próprio. Cavaco, depois de morto, a querer fazer de conta que está vivo, é ainda pior do que um Cavaco assumidamente morto e enterrado. Agora, estando embora morto e enterrado, com toneladas de terra por cima (toneladas cavadas por si próprio, com a sua mesquinhez e cegueira auto-induzida), conseguiu meter uma mão de fora da tumba e abaná-la. Para agitar o fantasma.

2. A quem não gosta deste governo (escuso de repetir que não gosto), pode até parecer simpático que Cavaco tenha desta vez virado a sua traiçãozinha para Passos e Portas. Sim, traiçãozinha, porque um Presidente normal explica-se atempadamente, em privado, aos seus parceiros, fazendo ver claramente, a tempo e horas, quais os seus critérios; não deixa correr o marfim, ouvindo e calando, como quem engole, apenas para induzir uma falsa confiança nos interlocutores, os quais, desprevenidos, serão mais facilmente apanhados na esquina seguinte. Aparentemente, Cavaco deu aos chefes do governo a ilusão de que mantinha a sua ideia sempre repetida: se o parlamento quer o governo, o presidente nada pode contra. E, depois de os apanhar nessa ilusão (a ilusão de que a sua palavra vale alguma coisa), mata o governo e guarda o cadáver no frigorífico, com um mordomo a vigiar as entradas e saídas. Porque foi isso que Cavaco fez ao governo e ao país: dizer ao mundo que Portugal deixou de ter governo. Parece, afinal, ser essa a ideia de estabilidade que Cavaco fermenta na sua cabeça de estadista de junta de freguesia. O que, aliás, é incongruente com aquele ponto do discurso em que o Presidente compra a tese do governo de que estamos a começar a dar a volta, quando fala dos “sinais de recuperação económica surgidos recentemente”. Se o governo tem o apoio parlamentar que Cavaco achava garantia bastante, e ainda por cima começa a recuperar a economia, a que vem este volte-face presidencial?

3. Cavaco passa uma parte importante do seu discurso a raciocinar contra a realização de eleições antecipadas durante a vigência do resgate, sempre com o argumento dos mercados e dos credores – sem nunca explicar que esse argumento contra eleições só piorará depois de terminar a vigência do resgate. Sim, porque por enquanto estamos fora dos mercados: a variação das taxas de juro é um indicador do que poderia acontecer se estivéssemos nos mercados, mas sem consequência directa nenhuma, porque não estamos. Depois estaremos nos mercados e todos estes receios virtuais serão receios reais, pelo que o argumento para não realizar eleições agora se transforma, por deslizamento, num eterno argumento contra a realização de quaisquer eleições em que os mercados não possam ditar o resultado.
Outro argumento extraordinário contra a realização de eleições antecipadas é que elas “processar-se-iam num clima de grande tensão e de crispação entre as diversas forças partidárias”, o que “tornaria muito difícil a formação, após o acto eleitoral, de um governo com consistência e solidez”. Cavaco Silva, o político português que mais uso fez nos últimos anos dos discursos violentos contra os seus adversários políticos, e que mais pactuou com aquilo que há muito tempo chamo “a política do ódio” (designadamente durante o governo de Sócrates), está preocupado com a crispação (eu também estou, mas já estava quando Cavaco era o seu representante institucional) e espera… espera o quê? Espera que a crispação nasça de uma estadia nas termas? Depois de ter andado a dormir?

4. Na verdade, Cavaco quis dizer outra coisa e promover outro cenário. Cavaco quis, em primeiro lugar, colocar oficialmente em cima da mesa o segundo resgate. Depois do fracasso desta austeridade ideológica, que o partido e os amigos do presidente a seu tempo apoiaram com entusiasmo, estamos sem pinta de sangue e vamos precisar de outro resgate (malgrado os tais sinais de recuperação económica, que, por alguma razão, Cavaco entende que não nos salvarão). E quis, em segundo lugar, desqualificar o PS: dizendo que “as eleições legislativas antecipadas comportam o sério risco de não clarificarem a situação política “, o que Cavaco quer dizer é que o PS não é alternativa e, mesmo que mude a correlação de forças, isso não vai resolver problema nenhum.

5. Contudo, como poderia ser normal em condições normais, e como é corriqueiro com Cavaco, ele não diz exactamente aquilo que quer dizer. Especialista como é em dizer uma coisa e o seu contrário, para mais tarde poder usar uma das citações disponíveis consoante o que ditem os astros, o Presidente tem de inventar uma tese que pareça ser o seu ponto. Neste caso, serviu esta: “o País necessita urgentemente de um acordo de médio prazo entre os partidos que subscreveram o Memorando de Entendimento”. E diz e repete: “trata-se de um compromisso de salvação nacional”. Na prática, esse compromisso traduziria um requisito já acima abordado: é preciso neutralizar as eleições. As eleições terão de se fazer (por esse lado, não resultará reclamar a alteração da Constituição), mas é preciso capturar desde já o seu resultado: o tal “acordo de médio prazo” assegurará “desde já, que o Governo que resulte das próximas eleições poderá contar com um compromisso entre os três partidos que assegure a governabilidade do País, a sustentabilidade da dívida pública, o controlo das contas externas, a melhoria da competitividade da nossa economia e a criação de emprego”. Quer dizer: tem de haver um acordo para definir qual será a política do país qualquer que seja o resultado das eleições. Uma tese que nem é nova nesta cabeça presidencial.

6. Ou, mais exactamente, é preciso partir o país em dois, em torno apenas de duas opções políticas de fundo e globais: queremos a política da troika ou não queremos a política da troika. É preciso amarrar o PS ao bloco da política da troika. E esperar que esse bloco ganhe as eleições, com um programa de governo que será o mesmo desde que os partidos pró-troika tenham maioria no parlamento, quaisquer que sejam os perdedores relativos e os vencedores relativos. Quer dizer: o que Cavaco quer é que a única maneira de mudar de política seja eleger um governo do PCP e do Bloco. É esse o entendimento que Cavaco faz da sua função presidencial. Tendo até agora achado que não podia fazer nada, porque o governo tinha maioria parlamentar, acha agora que a sua função é partir o país em dois e transformar as opções políticas numa escolha binária: PSD+CDS+PS ou PCP+BE.
Qualquer ideia de que um Presidente a sério deveria tentar desbloquear a situação criando condições para matizar posições e encontrar saídas que ainda não estejam queimadas pela luta política (como seria encontrar uma base política para uma viragem no sentido do investimento e do crescimento com alívio dos sacrifícios a quem eles doem mais) – não passa pela mente de Cavaco. Entretanto, Cavaco vai adiantando que dará “todo o apoio a esse compromisso patriótico”: ainda não o viu, mas já o apoia? Não, já deve saber o que quer, está escrito e guardado na cómoda do Possolo, só falta chamar Passos, Portas e Seguro e recolher as assinaturas. Por alguma razão se trata de um governo de salvação nacional: não pode estar sujeito às opções dos partidos, tem de ser inspirado na sapiência do supremo árbitro que está em Belém. E, claro, na teoria económica que nos trouxe aqui.

7. Quase a terminar, depois de reduzir o actual governo ao estado de governo interino, Cavaco declara: “Chegou a hora da responsabilidade dos agentes políticos.” Deveria ter chegado essa hora há mais tempo. E Cavaco deveria ter começado por dar o exemplo. Agora é tarde. Este discurso é um discurso passa-culpas. Cavaco prolonga a crise governamental e aprofunda-a. Com consequências que serão, decerto, pesadas. Parece que só na “Na semana passada”, com “Os efeitos (…) no aumento das taxas de juro e na deterioração da imagem externa de Portugal”, é que “Desse modo, os Portugueses puderam ter uma noção do que significa associar uma crise política à crise económica e social que o País atravessa”. Isto já é alguma coisa: Cavaco, finalmente, percebeu que nós percebemos que ele tinha sido ligeiro quando, na vigência do anterior governo, aproveitou como pôde para deixar criar uma crise política que, de facto, levou ao primeiro resgate. Falta, contudo, o teste do algodão: o que fará Cavaco se os mercados reagirem ao seu golpe, e à manifestação presidencial de que estamos agora com um governo interino, aumentando as taxas de juro? E se o mundo não compreender a excelência do seu guião? Demite-se, finalmente?

Adenda. Perguntam-me: "e então?". E, então, nada. A não ser que Seguro aceite a molhada, Cavaco terá de aceitar o governo que a maioria PSD/CDS lhe dá ou dissolver o parlamento e convocar eleições. Ou seja: só Seguro pode dar satisfação a esta aventura cavaquista. Se não der, Cavaco que se desembrulhe da barafunda que inventou.


10.7.13

Peço imensa desculpa de não servir devidamente o empreendedorismo.


Peço imensa desculpa de não ser operário qualificado. Sei lá, metalúrgico, talvez. Ainda há empregos para metalúrgicos? Não sei, mas metalúrgico parece-me uma profissão sólida, um operário à séria, um aristocrata da classe operária.

Pois, mas eu não sou metalúrgico. Um metalúrgico deve fazer falta à economia, não é? Já um médico, provavelmente não. Um médico é apenas uma ocasião de despesa: pessoas que querem cuidar da saúde, ou tratar a doença, ou minorar as penas, acabam por ocasionar mais despesa, coisa que só podem concretizar com a ajuda de médicos, enfermeiros, especialistas nisto e naquilo. Mas, enfim, apesar da despesa, há sempre quem não dispense um profissional da saúde, talvez médico ou enfermeiro seja uma boa profissão para fazer pela vida.

Só que eu, além de não ser metalúrgico, também não sou médico, nem enfermeiro, nem operador de nenhuma daquelas máquinas que fazem parte da parafernália dos meios auxiliares de diagnóstico. Podia ser advogado, que fazem sempre falta, nem que seja contra a nossa vontade, porque há sempre contendas e necessidade de nos desembaraçarmos delas. E um advogado é um especialista nas partes mais recônditas do Estado, uma espécie de meio médico e meio engenheiro da grande máquina da vida colectiva. Coisa em grande, portanto, além de ser coisa a que temos de recorrer em tanta tralha miúda.

Má sorte a minha: também não sou advogado. E, a esta altura, além dos advogados que pensam que eu não faço ideia do que eles sofrem (mas faço), e dos arquitectos que queriam construir o mundo e estão todos desempregados porque não há dinheiro para colar dois tijolos, e dos metalúrgicos que pensam que eu penso que a vida deles é fácil, e dos médicos e dos enfermeiros que pensam que eu brinco com a saúde, há uns tantos outros que imaginam que eu sou um inútil para a sociedade.

E pensam bem. Um tipo que diz que é filósofo, mas o que vem a ser isto. Para já, em Portugal ninguém é filósofo. Um tipo que estudou engenharia e se inscreveu na Ordem é engenheiro. Que estudou medicina e deu os passinhos necessários até estar nos registos centrais do império, é médico. E por aí adiante. Um tipo que estudou filosofia e se dedicou à filosofia é… “doutorado em filosofia”, ou “professor de filosofia”, mas não filósofo. Filósofo é só para os mortos de respeito. Só um delirante diz que é “filósofo”. É isso mesmo que eu sou e digo que sou. Mau, decerto, mas filósofo.

E é esse o problema. Como filósofo – e apesar de respeitar os colegas que fazem pela vida e tentam arranjar ocupações que sejam vendáveis – não me dá jeito nenhum criar uma empresa para vender filosofia. O empreendedorismo, comigo, está tramado. Aí tenho logo um diploma de inútil. Nada do que eu faço dá exactamente para ganhar dinheiro na praça – e quem não serve para “mexer a economia” é um parasita. Já o outro dizia que os historiadores não servem para nada. Mas a filosofia ainda serve menos para coisa alguma. É pior ser filósofo do que ser teólogo, porque pelo menos o teólogo trabalha com um assunto graúdo: mesmo que não exista, o assunto é graúdo. Já o filósofo trabalha com assuntos com que qualquer comentador televisivo se desembaraça bem sem mais demora. Se o outro tivesse escolhido fazer o curso por equivalências em filosofia, faria uma lista de discursos como material de equivalência e encontraria alguém para lhe dar razão.

Talvez eu devesse enviar currículos a propor-me para empregos na economia real. Se não fizer isso, nem sequer posso mostrar que estou interessado na vida activa e sou considerado um parasita sem emenda. Estou a percorrer a lista telefónica à procura de empresas que me pareçam potencialmente interessadas em recrutar filósofos. Já vou na letra Z e ainda não catei nada que me cheire. Faltará muito para chegar ao fim da lista?

Então, só me resta, mais uma vez, pedir desculpa por não ser operário metalúrgico. Não, que disparate, operários metalúrgicos são gente que até poderia fazer greve se fosse o caso. Indiferenciado. Indiferenciado é que é: a máxima flexibilidade, a máxima disponibilidade, a máxima liquidez: ir pelo cano é a ocupação preferida do indiferenciado… e como isso é agradável a quem tem de “fazer mexer a economia” (a sua economia). Porque a filosofia, vendo bem, nunca serviu para nada. Claro, podemos suportar o Sócrates e o Platão, o Hobbes e o Hume, o Russell e o Heidegger, e, vá lá, mais meia dúzia, para enfeitar o mundo: mas doze ou treze por milénio chegam bem. Agora, andar por aí e não ser pessoa que possa, ao menos, criar uma PME, isso é que não se compreende.

Má sorte a minha não terem fechado a tempo os cursos de filosofia.


8.7.13

o novo cardeal patriarca de Lisboa.


O até agora bispo do Porto, D. Manuel Clemente, novo patriarca de Lisboa, não é um homem qualquer. Homem preparado, homem de cultura, podemos exigir dele o melhor testemunho do que vale a Igreja Católica hoje em Portugal.

Só que, quanto maior a expectativa, maior a decepção possível. Algumas declarações mais ou menos soltas do novo patriarca de Lisboa, um lugar sempre de referência na Igreja portuguesa (embora não seja o seu chefe, como alguns pensam), merecem preocupação. Vir, num momento político como este, dar a ideia de que está a defender uma determinada fórmula governativa (em concreto, o actual governo, ou a actual maioria) é, no mínimo, pouco prudente (se deu a entender o que não queria realmente dizer) e, no máximo (se estava conscientemente a pronunciar-se a favor de uma determinada saída e contra outras, como eleições antecipadas), um sinal grave de enviesamento do seu múnus.

Esperemos para ver. Esperemos que se dê ao respeito quem deve ser respeitado, para não termos de concordar com os que, da direita, trataram logo de tentar apropriar-se de D. Manuel Clemente (seja pela presença impositiva dos dignitários da República à procura de fotografia em cenário bento, seja pela palavra de comentador muito embrenhado em tribunais eclesiásticos por interesse próprio).

O essencial é que me importa; coisas do cerimonial, que podiam evoluir, como deixar de tratar o senhor por D. Manuel III (logo nos Jerónimos), são sinais, mas não são o que me escandaliza. O que me escandalizaria seria que o patriarca de Lisboa usasse de uma suposta candura para fazer jeitos políticos aqui ou ali, tornando-se um digno sucessor de quem não merece ter propriamente sucessores (e refiro-me aqui àquele cardeal recordado na toponímia ali para os lados do parque Eduardo VII, em Lisboa).


Adenda: não é "novo" quem quer, mas quem sabe.
Não resisto a colocar aqui o comentário do Miguel Marujo, no Facebook:

«O novo Papa chegou e apresentou-se como Francisco, o novo patriarca entra e recupera um título com dezenas (centenas?) de anos: D. Manuel III, aquele que antes todos chamavam de Clemente.»

7.7.13

a culpa é da Constituição.


A culpa toda disto é, afinal, da Constituição.
Se a lei fundamental, que tem essa característica insane de não deixar cada um fazer o que lhe dá na bolha a cada momento, não mandasse convidar para formar governo o líder do partido mais votado, o PR podia ter logo chamado Portas para PM. Assim teria poupado tanta "crise política" para chegar a este resultado de dar o nome a um (Passos) e a função a outro (Portas).
Tanto é certo que a culpa é da Constituição, que acho que ainda há quem suspire por Portas como "parceiro de coligação". Parece que até no PS.

5.7.13

o meu burrico desvalorizou.


Na segunda-feira passada, ia eu com o meu burrico a caminho da feira, encontrei o compadre Manel que me disse: "Compadre, se me quiser vender o burrico dou-lhe 10 contos de réis por ele." Agradeci e segui.

Na terça-feira, encontrámos de novo o compadre Manel, desta feita junto ao chafariz cá da terra. Disse-me, voltando à mesma tecla: "Compadre, venda-me o burrico que lhe dou 5 mil réis." Gracejei qualquer coisa e andei. E pensei cá para mim: andas variando, compadre.

Comentário dos nossos comentadores políticos de serviço: o meu burrico desvalorizou 50% num só dia.

Só que o meu burrico continua o mesmo, nem mais gordo nem mais magro. E preciso dele para o trabalho, é isso que ele me vale: o meu burrico não está à venda. As variações de humor do compadre Manel só teriam importância se eu tivesse de vender o burrico. Não servem para determinar como se resolve a crise. (Como não estamos a financiar-nos nos mercados e estamos com os dois pulmões emprestados pelo Banco Central Europeu, o nosso burrico não está à venda, apesar das larachas do compadre Manel. Quem tiver ouvidos para ouvir, qu'ouça.)

3.7.13

apontamentos sobre o caos.


1. Paulo Portas morreu. Quer dizer: meteu-se dentro do esquife e lá esperará pelo fim dos seus dias. Sim, porque os partidos mais pequenos só servem para alguma coisa se forem de confiança. (Era bom que os "grandes" também fossem de confiança, mas em política o tamanho conta.) E Paulo Portas, com ou sem razão nas guerras que travou, deixou de ser um parceiro de confiança para o PSD. No imediato, pagou a Passos Coelho na mesma moeda: desconsideração leva como troco desconsideração. Talvez Portas pense que "outro PSD" até lhe agradeça ter despachado o incompetente PPC, mas engana-se: qualquer PSD, de futuro, pensará duas vezes antes de se colocar na mão de Paulo Portas.

2. Passos Coelho chegou a este ponto porque, além de ser incompetente, é um enorme mentiroso. Ganhou as eleições a dizer às pessoas que não eram precisos sacrifícios, já que as dificuldades se deviam à má governação de Sócrates. Começou aí a alienar a genuína confiança que as pessoas precisam de ter nos governantes - e minou as condições para pactuar com os outros partidos as melhores escolhas em momentos difíceis, quando ignorava olimpicamente todas as opiniões diferentes da de Gaspar. Até Seguro, que chegou com vontade de ser manso com o governo da direita, por causa da sua estratégia de distanciamento de Sócrates, tanto pontapé levou do governo que acabou por ter de se afastar da sua preferida afabilidade. Esta crise política não é sequer culpa da oposição, nem mesmo, lamento dizê-lo, da luta popular: é culpa do autismo (que me perdoem os autistas) e da impreparação de PPC.

3. No meio disto tudo, e quanto ao essencial, a esquerda continua a ver passar os navios. Como já aqui escrevi muitas vezes, o PS tem muitas ideias, provavelmente até muito boas, mas ainda não se percebeu qual é "a sua ideia" para o país. E isso nota-se. A esquerda da esquerda dá poucos sinais de perceber que o maximalismo não leva a lado nenhum e, provavelmente, não aprendeu nada com a estratégia pela qual levou Passos Coelho às cavalitas ao palácio de S. Bento. Se o PS, assustado com isso, se virar para o CDS, vai pagar um preço assustador, porque precisamos de encontrar um caminho que substitua o afrontamento pelo diálogo social e deixar a esquerda de fora é tornar isso ainda mais difícil.

4. Precisamos de gigantes no governo, anões não servem. E gigantes com apostas claras, capazes de um contrato de verdade e justiça com o povo. Verdade e justiça. Afinal, dar resposta a um problema que se encontra equacionado numa frase que está em exposição permanente no meu blogue há bastante tempo: «O atraso de Portugal é grande. A economia é deficitária. Mesmo que se eliminassem todos os lucros da grande burguesia e se procedesse a uma melhor distribuição da riqueza, o produto nacional não asseguraria, ao nível actual, a acumulação necessária para um desenvolvimento rápido e uma vida desafogada para todos os portugueses. Para o melhoramento das condições de vida gerais será necessário aumentar a produção em ritmo acelerado. E isso obrigará não só a investir como a trabalhar mais e melhor.» São palavras de Álvaro Cunhal, em discurso ao VII Congresso do PCP, em Outubro de 1974.

2.7.13

o segundo briefing de Lomba.




Isto é apenas o que há a dizer depois disto, disto e disto.

1.7.13

o que significa Maria Luís nas finanças.


Significa que já nem os ministros deste governo acedem aos pedidos de Passos. Creio firmemente que Paulo Macedo fez bem em recusar.

(Isto não é uma notícia. É uma análise. Não acredito que Passos seja tão bronco que não tenha convidado Paulo Macedo. E este recusou: não acredita no chefe, nem no resto da equipa, nem na coerência da coligação. E é suficientemente honesto para não ser capaz de fazer as palhaçadas com que Gaspar entretinha os correlegionários.)

duas postas sobre Gaspar no mesmo dia é obra.


Depois de swap, ou, mentiras ajustáveis com rabo de fora, há que acrescentar...

Gaspar, o ministro de Estado que fazia gala de não ter sido eleito coisíssima nenhuma, levou longe demais o desprezo pelas instituições: ser governante e mentir ao parlamento, ser ministro e deixar que a sua "ajudante" minta no parlamento (ou andar a enganá-la e empurrá-la para isso), usar um assunto como os contratos especulativos para fazer baixa política e ao mesmo tempo proteger alguém que tinha andado com a mão nessa massa - não é que repugne a alguém deste governo, incluindo o secretário-adjunto que mora em Belém. Não, não foi por isso que Gaspar foi borda fora. Gaspar foi borda fora porque há eleições, muitas eleições à vista, e o "que se lixem as eleições" de Passos era apenas mais uma das inúmeras mentiras de Passos. Gaspar, na sua redoma, tornou-se inconveniente. Não esperem milagres. Embora, se o sucessor for Paulo Macedo, podem esperar mais algum bom senso. Também, "mais algum bom senso" nem sequer é difícil.

swap, ou, mentiras ajustáveis com rabo de fora.


Governo admite que contratos swap foram abordados em reunião com Teixeira dos Santos.

Afinal, os responsáveis do Ministério das Finanças andaram a mentir sobre as suas responsabilidades no caso dos contratos swap. Eles foram alertados, mas não mexeram as canetas para tratar do assunto, talvez por a Secretária de Estado estar descansada sobre o assunto, já que tinha confiança no que tinha andado a fazer. Agora, caída a máscara, dizem que sim mas talvez: afinal houve informação, mas não era completa.
Mais, mais extraordinário: estes senhores, quando chegaram ao governo, esperavam que o governo anterior deixasse escrito como se deviam resolver os problemas. Em comunicado, o Ministério das Finanças "esclarece" que a informação deixada pelo governo anterior "sobretudo, não apontava para nenhuma solução" para o problema dos riscos orçamentais dos contratos. A informação deixada pelo governo anterior "não apontava para nenhuma solução"?! É mesmo isso que estes governantes escrevem no comunicado?! Percebemos agora: se calhar o Dr. Gaspar e a sua Secretária de Estado não esconderam o assunto tanto tempo para o usar na guerrilha política; se calhar só o esconderam este tempo todo porque estavam à espera que Teixeira dos Santos mandasse uns apontamentos a explicar o que havia a fazer para resolver o problema.