29.6.12

a minha ideia do inferno.


Viver dentro de um quadro de Bruegel. Por exemplo, dentro de "A Procissão e o Calvário", que Peter Bruegel pintou em 1564: uma representação a óleo em tela com mais de 500 personagens, sob o tema da crucificação de Jesus e as perseguições religiosas na Flandres. Agora no filme "O Moinho e a Cruz".



a política da vaia.


O Público escreve que «A ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, foi esta quinta-feira vaiada violentamente no Terreiro do Paço, em Lisboa, por centenas de manifestantes, depois de um conjunto de presidentes de câmara terem sido impedidos de entregar à ministra um documento reivindicativo sobre a revisão do mapa judiciário.»

Decididamente, a política em Portugal tornou-se um assunto de vaia. Certos políticos menos apreciados são recebidos, em qualquer lado onde se desloquem, por vaias supostamente populares. E digo "supostamente" porque estou em crer que a maior parte desses "espontâneos" são "encaminhados". Esta técnica de perseguição foi iniciada, na modalidade sistemática, ao tempo da oposição ao anterior governo. Poderia, assim, pensar-se "cá se fazem, cá se pagam", aprovando que os actuais governantes provem da mesma receita com que foram coniventes anteriormente, quando pensavam que esse tipo de oposição lhes convinha. Não é essa a minha posição: fui antes, e sou agora, frontalmente contra essas tentativas de cercar os governantes, contra essa maneira de transformar um governante desamado num alvo de fúria.
Neste caso noticiado pelo Público parece que há alguma convergência entre autarcas - eleitos, também eles - e a multidão vaiante. Pior ainda, se assim foi: políticos usam directamente contra outros políticos aquele dispositivo que pretende usualmente estar legitimado pela "espontaneidade" "popular" (não queiram calar o povo que vaia, parece ser o fundo dessa perspectiva, que aqui perde qualquer credibilidade, se ainda a tinha).
Eu posso até perceber a fúria, perceber que a fúria tenha razões, que seja necessária alguma raiva para não nos deixarmos amordaçar ou adormecer - mas não concordo que essa pulsão seja levada para a posição de substituto da luta de ideias. Se a política deixar de ser fundamentalmente uma luta de ideias e interesses enquadrada por instituições, deixa de ser uma forma de nos entendermos no quadro nacional e passamos ao estado de guerra civil latente.
Já houve, num passado muito próximo, forças partidárias que jogaram nessa espécie de "guerra civil" em lume brando. Foi esse, aliás, o cimento possível para a coligação negativa entre a direita e a esquerda da esquerda, contra o inimigo comum que era o governo do PS. Essa forma de política mínima não deu bons resultados: provocou uma crise política que nos atirou para o "resgate", em nome de promessas tolas que rapidamente se revelaram puras mentiras com os actuais governantes. Como foi possível essa forma irracional de lidar com as dificuldades? Foi possível porque o estado de guerra civil sem tiros criou as justificações para todos os comportamentos irracionais que as guerras civis são quando as olhamos na óptica do bem comum.
É isso que não podemos tolerar, não podemos deixar que volte a acontecer: numa democracia "a rua" tem o seu papel, mas ele não pode ser fundamentalmente esta promoção do desafio físico às pessoas dos governantes, este cerco permanente e omnipresente aos rostos do poder. Por muito desagradáveis que eles nos sejam, tenham eles mais ou menos culpa pelas nossas fúrias.
Por isto sou contra a política da vaia sistemática.


(Adenda: E continua: Ministro da Economia insultado e cercado na Covilhã.)

28.6.12

direito à greve.


Sou, fortemente, um defensor do direito à greve. Nem costumo alinhar nos protestos contra os prejuízos e os incómodos causados pelas greves: uma greve que não cause prejuízos nem incómodos é apenas um acto de masoquismo inútil. Aliás, o que me preocupa não é que haja muitas greves; o que me preocupa é que a esmagadora maioria dos trabalhadores não tenham, na prática, direito à greve - porque as retaliações efectivas não olham a lei nenhuma.
Contudo, além da legalidade há a legitimidade. Numa sociedade democrática a legalidade não é suporte suficiente para nada que diga respeito à vida em comum. É fácil reconhecer isso no tocante à acção do Estado: certas acções, justificadas pelos poderes com o respectivo suporte legal, não se tornam por isso menos odiosas se for evidente que são desproporcionadas na relação entre fins e meios, ou que afectam o equilíbrio de direitos e deveres vários que não se harmonizam "naturalmente".
O uso da greve também não pode ser colocado apenas no plano da legalidade. Vem isto a propósito da anunciada greve dos pilotos. Quando "estes trabalhadores reivindicam a cessão de funções do director de operações de voo e do piloto chefe e ainda a anulação de sanções e de faltas injustificadas aplicadas pela administração da TAP" e para isso usam a greve, se isso for verdade julgo haver um abuso de um direito. Mesmo que a greve seja legal. Aliás, não é inovador este uso da greve para tentar impor decisões de gestão e, mesmo, cortar cabeças dentro de uma empresa. Assim se deslegitima um direito, porque a maior parte das pessoas não reconhece que a greve deva servir para isso. Quero dizer: mesmo as pessoas que apoiam o direito à greve. Afinal, só a esses importa se o direito é ou não deslegitimado, desvitalizado, por usos impróprios.


26.6.12

o roubo dos gravadores.


O Público noticia que o deputado socialista Ricardo Rodrigues foi condenado a 110 dias de multa de 45 euros por dia, por ter sido "considerado culpado no caso do roubo dos gravadores aos jornalistas da revista Sábado".
Acontece que Ricardo Rodrigues não foi julgado em nenhum "caso do roubo dos gravadores", apesar de os habituais contadores de estórias insistirem nessa versão. Para qualquer pessoa que tenha investido dois segundos a pensar na questão, é claro que nunca esteve em causa o roubo dos gravadores. E o deputado não foi sequer julgado por tal suposto crime. Apresentar o caso como "o roubo dos gravadores" faz parte de uma estratégia dupla: vender mais (falsa) informação e fazer mais mossa política no partido de Ricardo Rodrigues (na altura dos factos, fazer mossa ao governo Sócrates).
Ricardo Rodrigues foi julgado por atentado à liberdade de imprensa: por causa dos efeitos que, supostamente, obteve por ter levado consigo os dois gravadores. Porque com essa sua acção teria tentado impedir a publicação de declarações suas. E o deputado reagiu assim, na altura, por ter sido obrigado a voltar ao tema da acusação de pedofilia que lhe tinha sido dirigida, apesar de nada justificar o regresso a esse tema depois de ter sido ilibado. De boa-fé, a questão está em saber se um político injustamente enxovalhado - de novo - numa entrevista, tinha ou não o direito de reagir atacando os meios de trabalho dos trabalhadores da informação. O tribunal considerou agora que não.
Pode julgar-se que Ricardo Rodrigues foi tolo em ter agido daquele modo. É a minha opinião. Mas tem de compreender-se que reagiu assim por estar a ser assediado com uma velha história, uma invocação a despropósito que só podia visar sujá-lo sem justificação, diminui-lo moralmente e impedi-lo politicamente. Voltar a afirmar, num "jornal de referência", que ele foi condenado no "caso do roubo dos gravadores", quando nem sequer foi julgado por qualquer roubo de gravadores, só pode ser má-fé. E, quando está realmente em jogo uma questão relativa ao equilíbrio da liberdade de informar com outros direitos das pessoas, um jornal decente deveria ter mais cuidado na forma como apresenta o caso - até por ser, indirectamente, parte interessada.
Bem sei que vir aqui emitir opinião sobre este caso, sem aproveitar para morder as canelas de Ricardo Rodrigues, só vai atrair a raiva ou o desprezo de muitos leitores. Desde logo, os que estão sintonizados com os que bradaram, na altura, contra o "roubo". Tal como então, não me guio pela (im)popularidade esperada da minha posição. Guio-me pelo que julgo ser o meu dever de não embarcar nas evidências enganadoras das certezas propagandistas.

um pequeno delírio sem factura.




Estamos já todos encharcados de piadas "subtis" explorando a coincidência terminológica entre o Euro (moeda, zona monetária) e o Euro (campeonato europeu de futebol), com as para-notícias de que o país tal saiu do Euro, que este empurrou aquele para fora do Euro, que o Euro acabou para... Agora, há uma concentração de atenção no mata-mata de hoje entre a Alemanha e a Grécia, que vai muito para lá da solidariedade portuguesa com o treinador Fernando Santos da equipa grega ou do despeito português contra uma Grécia que nos roubou (supõe-se que injustamente, atentos os méritos relativos) a possibilidade de sermos campeões europeus em festa recente, ainda por cima organizada por nós. Já há quem peça ou anseie por uma solução cósmica, querendo umas meias-finais apenas para PIGS (países aflitos, descarada ou encobertamente, contando Portugal, Espanha, Grécia e Itália). Enfim, com este Euro "a poesia está na rua" (que a poeta me perdoe o abuso).
Tudo isto para dizer o quê? Vejam bem que não há só realidades brutas ao cimo da Terra; que o simbólico por vezes toma o freio nos dentes e produz discursos que pelos séculos dos séculos se tornarão cada vez menos escrutináveis pela antropologia positiva; que encontramos, uma vez ou outra, um descanso momentâneo num pequeno sono da razão. Deliramos e, por uma vez, não ficam cicatrizes: assim espero, para o momento de acordar.

21.6.12

premiar a mentira.


No caso das pressões do (ainda?!) ministro Relvas sobre o Público, a ERC não encontrou ilícitos, embora tenha visto comportamentos do ministro susceptíveis de reprovação nos planos ético e institucional. Mas isso a ERC deixa para outrém, não se sabe quem.
É notável que a ERC só tenha dado por provados os factos acerca dos quais as partes concordam que tiveram lugar, como afirma a directora do Público. Dito de outro modo: se assim foi, tudo aquilo que Miguel Relvas tenha feito, mas tenha dito que não fez, não havendo outro tipo de prova conclusiva, é dado como não provado. Aparentemente, a maioria dos membros da ERC renunciaram a um juízo de credibilidade das declarações dos vários intervenientes. Ora, como já se tornou evidente que Miguel Relvas tem usado a mentira para se furtar a um juízo cabal do seu comportamento, tendo até mentido ao Parlamento (em condições consideradas sob juramento), o método seguido pela ERC significa apenas isto: beneficiar o infractor. Aliás, a própria deliberação da ERC inclui a constatação do mentirismo de Relvas: o ministro mentiu repetidamente sobre circunstâncias factuais relevantes (sobre a insistência nos telefonemas para o jornal), tendo de ser desmentido por outras vias (registos de chamadas).
Sendo assim as coisas, a ERC premiou a mentira. Contudo, todo o país percebeu o que se passou. Todo o país menos o primeiro-ministro. Será que PPC também escolhe premiar a mentira?

19.6.12

a nova carne.


Há já algum tempo, a filósofa Ana Paula Sena Belo escreveu um texto em que interroga alguns aspectos do meu livro “Das Sociedades Humanas às Sociedades Artificiais”. Comecei há tempos a dar elementos para uma reflexão conjunta sobre as questões por ela suscitadas. Prometi voltar a outros aspectos da interrogação, mas tem-me faltado o tempo para a fala que me falta neste diálogo, aquilo que referi como "a nova carne". Entretanto, fizeram-me notar um vídeo que aborda uma parte substancial do que eu queria dizer com essa expressão. Playing God. Vim aqui para o mostrar.



(Podem activar-se as legendas em inglês no botão CC da janela do vídeo)

18.6.12

só há democracia a sério quando houver...


Só há democracia a sério quando houver possibilidade de mandarmos pela borda fora os cidadãos que não concordam connosco? É o que parece pensar quem escreve isto: Com o Syriza metido no meio, a possibilidade de um governo de unidade nacional é praticamente impossível. Quer dizer: para haver unidade, "tiramos do meio" os que não pensam como nós. Ganda teoria da democracia (ou da unidade nacional), cum carago!


somos todos gregos. e os gregos, são todos gregos?

Eduardo Torassa, La Furia del Crepusculo


1. A Nova Democracia, a direita grega cujas aldrabices foram a causa próxima da actual crise naquele país, ganhou as eleições de ontem. O crime compensa, portanto. Neste caso, beneficiar o infractor passou por um problema que é hoje em dia corrente para os socialistas europeus: os socialistas não representam os mesmos interesses, nem a mesma base social, que a direita, pelo que, quando aplicam as mesmas políticas que a direita, pagam um preço muito mais alto por isso. O PASOK foi tirar do lume as castanhas que a Nova Democracia tinha lá colocado, mas, nessa altura desacompanhado no resto da Europa, não conseguiu inventar margem de manobra para uma receita menos brutal socialmente – e assim se tornou uma das principais vítimas da situação. Por muito que custe dizê-lo, é saudável que assim seja: se partidos diferentes fizerem as mesmas políticas quando chegam ao governo, isso constitui uma fraude à obrigação que a democracia tem de oferecer alternativas ao eleitorado. Esta é uma lição que não serve apenas para a Grécia.

2. Parte do sucesso da Nova Democracia é o preço pago pelo medo à coligação Syriza, medo que muitos eleitores tiveram de uma força política que, como muita da esquerda que por aí anda, é boa a protestar mas menos boa a explicar o preço a pagar pelas soluções radicais, menos boa a falar concretamente acerca dos seus reais planos de governação. Hoje, é preciso um debate democrático, quer dizer, um debate em que todos colocam em cima da mesa uma avaliação das consequências expectáveis das suas propostas, uma estimativa de custos e sofrimentos associados. Em geral, os proponentes das saídas mais radicais esmeram-se a apontar os defeitos dos planos dos outros, mas cuidam menos de explicar o dia de amanhã no caso de aplicarem as suas próprias receitas. Curiosamente, entre a esquerda portuguesa, as teses acerca da saída de Portugal do Euro acalmaram um pouco depois de Louçã ter co-autorado um livro cujo primeiro capítulo explica bem o que isso poderia acarretar. A Syriza amedrontou muita gente precisamente por pedir um voto de ruptura sem apresentar ideias claras acerca do que fazer a seguir. A sua reacção inicial aos resultados, recusando à partida entrar para um governo se não for o seu governo, só justifica o medo que provocou em muitos eleitores, apesar de ser mais ou menos evidente que qualquer governo vai tentar obter dos financiadores melhores condições para o país.

3. A estratégia da pureza – os bons contra os maus, os puros contra os impuros, os limpos contra os sujos – continua a ser a marca de uma radical incompreensão. A radical incompreensão de que a democracia não é uma procura da linha absolutamente justa (como é o caso de regimes teológicos). A radical incompreensão de que a democracia só pode ser a procura, em situações historicamente concretas, da melhor combinação possível dos interesses em presença – não segundo um critério dogmático, exterior ou superior, mas a melhor combinação possível segundo os critérios dos próprios interesses em presença. É, por isso, de aplaudir a proposta do grupo dos Socialistas e Democratas no Parlamento Europeu, que apelou a uma grande coligação na Grécia, incluindo a Syriza. Em certos momentos, o conteúdo do que se pode fazer é indissociável da combinação de forças que são chamadas a participar. É este o momento para perceber isso – e é também o momento para saber se a chamada esquerda radical grega percebe o desafio. Isso interessa-nos, por todas as razões: por sermos europeus, por sermos de esquerda.

4. Quer isto dizer que a Syriza deve esquecer o seu eleitorado anti-austeridade? Não; os eleitos devem representar quem os elegeu. O que isto quer dizer é que há uma grande diferença entre insistir num objectivo ou insistir em que tenha de usar-se o nosso próprio método para avançar em direcção a esse objectivo. Uma coisa é firmeza, outra coisa é sectarismo. A firmeza é necessária à salubridade da democracia; o sectarismo é o seu coveiro. E vai nisso uma grande diferença.


17.6.12

o significado da vitória dos socialistas franceses.


No dia de todos os euros (futebol, França e Grécia), o mais relevante para o futuro foi o que se passou em França. (Na Grécia, a direita trauliteira, o partido que mais directamente contribuiu para espoletar a crise, chega à frente com um alívio incompreensível de alguma esquerda surpreendente - mas disso falamos depois.)
É importante para a Europa que haja um farol de uma alternativa, uma força que chega ao poder (em condições de governar) sufragada para fazer diferente, com apoio popular para alguma coisa que não seja austeridade recessiva em nome das contas certas. A Europa não poderia sobreviver com uma total ausência de alternativas políticas ao pensamento único, com uma visão unanimista acerca do caminho a seguir. Uma democracia (e a Europa é um espaço democrático, mesmo que a arquitectura institucional não facilite a compreensão desse ponto) - uma democracia precisa de gerar alternativas no seu seio, debate, comparação. A vitória segura do PS, e dos seus aliados, em França, garante esse pluralismo real (e não apenas potencial) de que a UE precisa para não perder a alma - e as funcionalidades básicas.
Claro que só agora começa o exercício: ninguém tem soluções de êxito garantido, está tudo por reinventar, incluindo o método comunitário, tão atropelado nos últimos tempos, mas mais do que isso ainda precisamos políticas novas capazes de conciliar rigor, equidade e crescimento. Tudo pode ainda correr mal, mas a França, como ponto de esforço de uma tentativa de fazer diferente, dá uma certa esperança de que não se morra por pura acomodação à ideologia do austeritarismo.

O treinador Fernando Santos não vai ganhar as eleições gregas.


Vejo por aí que já há uma leitura bem comportada para o resultado das eleições gregas: se a Syriza não ganhar é porque os gregos foram amedrontados pelos alemães e outros maus da fita. Presumivelmente, se ganhar a Nova Democracia, os gregos serão uns cobardes que se deixam amedrontar. Que bizarra visão da democracia!

Será assim tão simples? Não haverá nada a dizer sobre o facto de que a coligação Syriza, além de ser um saco de gatos que pode ter dificuldade até em se entender internamente, na verdade não explicou nada bem o que vai fazer com o rasgar do memorando com a troika se ganhar as eleições? É que isso pode indicar que mesmo eles não sabem o que hão-de fazer se o puderem fazer...

Tenho simpatia pelos que tentam encontrar uma alternativa às actuais políticas dominantes na Europa, principalmente quando só há hipóteses de sucesso em caso de a Europa agir em conjunto. Mas não tenho simpatia nenhuma pela ideia de que é fácil fazer isso, nem pela ideia de que estar contra é o mesmo que ter alternativas viáveis.
Defendo que os gregos, como todos os outros, têm tanto direito à escolha democrática como os alemães ou os holandeses; e sou contra a tentativa de prejudicar o debate interno na Grécia; mas estou firmemente convencido de que ninguém tem a saída ideal para os gregos ou para os europeus em geral. Em qualquer caso, vai ser preciso negociar e continuar a aproximar posições depois das eleições. É por isso que estou convencido que servirá melhor a Grécia o partido que seja mais capaz de continuar a reduzir o fosso interno após as eleições, não o partido com mais ideias feitas acerca do futuro próximo: é que "conhecer o futuro" quando o futuro está em aberto, pode ser boa magia, mas é certamente má politica. Creio, aliás, que a Syriza percebe isso melhor do que muitos dos seus apoiantes lusos.

16.6.12

O Cavalo de Turim.



Fui ver o último filme do húngaro Béla Tarr, O Cavalo de Turim, e sobrevivi para vos contar.

Segundo a revista Atual/Expresso de hoje, o realizador terá dito, para afastar os intérpretes filosóficos, em jeito de conselho, o seguinte: "Por favor, acredite só nos seus olhos". Não posso imaginar conselho mais disparatado, para não dizer conselho mais carregado de má-fé, do que este, ainda por cima sobre este objecto. Como bem disse, e explicou, N. R. Hanson (Patterns of Discovery, 1965), os olhos não vêem, quem vê são as pessoas. E há ali muito para ver, coisa que vai muito além de acreditar nos olhos.

O Cavalo de Turim pinta um quadro, com dois traços principais em termos de ideias sobre o mundo e um esquema formal significativo a que se pode dar mais ou menos importância, mas não esquecer.

Quanto às duas ideias sobre o mundo.
Primeira: tudo no filme se passa num mundo fora das instituições humanas, num mundo o mais possível enterrado na nossa condição natural de bichos. Não há sequer uma família no sentido em que a família é uma instituição social, culturalmente enraizada, complexa e sofisticada. Há um pai e uma filha que tratam de sobreviver, ponto final. Os contactos com outras pessoas são hostis (como com os ciganos) ou banalmente necessários na ordem do imediato (como com o anti-Nietzsche que vem comprar aguardente - e sei que o realizador nega que algo no filme tenha a ver com Nietzsche, mas isso não depende do que ele diz querer, nem sequer do que ele quer realmente).
Segunda: o filme passa-se num mundo onde o mal moral e o mal natural são a mesma coisa. Assim como continuar a pensar que o terremoto de Lisboa em 1755 foi castigo divino para os pecados dos alfacinhas. A tempestade tem um significado moral, não é o fim do mundo físico, é o fim da ordem do mundo, é o fim da ordem como mundo, é o desabar de que alguém tem a responsabilidade (talvez a América, para onde os ciganos querem ir).

Quanto ao esquema formal: o filme é uma anti-criação, o desfazer da criação divina, provavelmente de novo desempenhada pelo mesmo Deus. São seis dias (na criação bíblica, o sétimo dia é de descanso depois da obra, aqui não cabe haver descanso depois do desmontar da obra) e a última coisa a ser des-criada é a luz. O desaparecimento da luz consuma o desaparecimento do mundo.

As duas ideias sobre o mundo que, a meu ver, dominam o filme, mereceriam uma dúvida: Tarr propõe que pensemos nessas ideias, porque elas andam por aí e devem ser reflectidas, ou propõe que elas são caminhos interessantes para ler a condição humana? Não consigo demonstrar, pelo que entendi do filme, qual é a resposta mais adequada. Contudo, o esquema formal da anti-criação sugere-me que o filme propõe uma metafísica que incorpora aquelas duas ideias acerca do mundo: um mundo vazio de instituições e um mundo onde a ordem natural expressa uma ordem moral. Provavelmente, faltaria acrescentar que a des-criação do mundo seria o castigo dos nossos pecados.

O filme é belo: custa a aceitar que estamos a ver aquilo mas, depois de o aceitarmos, é um objecto poderoso (a cuja estratégia convêm os seus 146 minutos de duração). Mas este filme contém uma visão do mundo que cava em tudo o que me repugna como metafísica. E de nada vale o realizador pedir para acreditarmos apenas nos nossos olhos.

Rio parece que deu uma aula.


Rui Rio defendeu, há dias, que, nas autarquias sobre-endividadas, devia deixar de haver executivos eleitos e passar a haver comissões administrativas. Não há maneira de fugir ao significado político desse pronunciamento: Rui Rio defende um sistema em que haja formas de poder político colocadas fora da esfera da legitimação democrática pelos eleitores (justificadas pela "emergência", como se a democracia só valesse para os momentos fáceis, esquecendo que as grandes democracias continuam a sê-lo mesmo em tempo de guerra, ou até debaixo de bombardeamento).
Rui Rio, que faz habitualmente tudo o que consegue para parecer um político diferente, escreve hoje um artigo no Expresso sobre esta questão, no qual aproveita para se mostrar banalmente pequeno.
O artigo de Rui Rio no Expresso de hoje é um manual de truques básicos: básicos, mas ilustrativos. Que Rio ainda julgue que tem algum conteúdo concreto a acusação de que os seus críticos sofrem da doença do politicamente correcto, é apenas fumaça: adiante (embora seja de notar que RR não distinga fumaça de um argumento). Já escrever que se limitou a "desenvolver uma ideia numa aula", como se alguém acreditasse que a Universidade do Poder Local da JSD é mesmo um espécime de escola de ensino superior, onde se dão aulas, é, mais do que ridículo, uma forma particularmente desajeitada de mentir: o seu discurso foi um discurso político, num contexto político, tentar ocultá-lo é risível. Se o país tivesse ovacionado a ideia de Rio, ele não viria dizer "tenham calma, não me incensem, eu estava apenas a expor um problema numa aula numa universidade"...
Quando Rio, ultrapassados os truques, entra na defesa da sua ideia, continua pequenino: a "suspensão da democracia" justifica-se porque os eleitos para uma autarquia sobre-endividada não vão poder cumprir o programa sufragado: mas não se deveria antes garantir que o eleitorado saiba qual é a situação a gerir após umas eleições, exigindo aos candidatos que se apresentam com um programa adequado à situação, em vez de um programa imaginário para uma situação inexistente? Rio afirma que, em situações de dívida excessiva, os eleitos vão cumprir o programa dos seus antecessores: mas, nas comunidades políticas dos humanos, estamos sempre a continuar o que fizeram os anteriores, não é? Claro: infelizmente, muitos políticos esquecem que não são deuses, que são apenas mais uma camada de acção entre o passado e o futuro, julgam erradamente que são super-heróis com poderes conferidos magicamente pela eleição. Mas esse é um problema corrente, um problema de má compreensão das condições da acção política, não um problema apenas das câmaras sobre-endividadas.
Quando Rio insiste em que as tais comissões administrativas poderiam ser nomeadas pelo Tribunal de Contas, mostra que as suas declarações não foram mal entendidas, nem mal interpretadas: ele defende mesmo que a gestão da coisa pública pode ser reduzida a um algoritmo, que pode ser aplicado por uma entidade "que faz contas e não política" e que aplica "a receita" "objectiva" de um qualquer pensamento único.
Quer dizer: precisamente quando as coisas são mais difíceis, anula-se a política e entrega-se a casa a uma "grande calculadora", porque nessa altura já não haveria escolha política, opções, nem alternativas.
A ideia é de um primarismo atroz, mas, enfim, é uma ideia. Rio tem direito a tê-la e a defendê-la. O que não tem direito é a querer enganar-nos com a sua conversa do politicamente correcto e com a sua tese peregrina de que "a coisa" foi parida numa "aula" (supostamente um lugar onde se podem apresentar monstrinhos sem que alguém peça responsabilidades pelo dito).

Este artigo de Rui Rio é tão honesto intelectualmente como aquele senhor que explicava assim a expressão "Rio é um fdp", cujo aparecimento na capa de uma publicação era de sua responsabilidade: «"Rio" é um substantivo próprio que significa um curso de água e o resto são três iniciais, um verbo e um artigo.» Em qualquer dos casos, cabe-me protestar contra as tentativas de nos comerem as papas na cabeça, de nos fazerem de tolos.

15.6.12

Porque é que o 'X' é o desconhecido?


Quatro minutos de pura delícia intelectual.

Presidente do Bundesbank critica a Alemanha, é isso?


Face a estas declarações publicadas no Público de hoje, só se pode interpretar que o presidente do Bundesbank está a criticar a Alemanha, porque se há país que tem feito chantagem sobre todos os outros, em toda esta crise, é a Alemanha. (Incluo o outro título, sobre a Espanha, para se perceber o ridículo de tentar encontrar um bode expiatório.)


13.6.12

Sherry Turkle: "esperamos mais da tecnologia e menos uns dos outros".


Vale muito a pena investir 15 minutos a ouvir esta conferência de Sherry Turkle: "Ligados mas sós?"

 



12.6.12

podemos importar os empresários dos países desenvolvidos (alternativa à emigração dos trabalhadores).


Citação:
Enquanto isso, por cá, o responsável por um dos maiores grupos nacionais proclama, perante jovens finalistas universitários, que naquela casa não há lugar para mandriões. Ninguém ali trabalha só 8 horas.

Ler "Mandriões", por Alberto Castro.

essa malta da investigação não passa de uma cambada de chupistas.


Valor dos apoios aos doutoramentos no estrangeiro vai ser cortado em 60%.

A "pérola" melhor é esta: «os bolseiros são aconselhados a procurar formas do co-finaciamento para as propinas juntos dos laboratórios ou centros de investigação de acolhimento, informa o organismo tutelado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia.»

Exacto. O país dos investigadores portugueses não os apoia para eles se internacionalizarem, mas aconselha os portugueses a pedirem aos outros que paguem para nós para lá irmos. É tipo este "raciocínio" assim: qualquer universidade estrangeira há-de querer pagar para ter lá um espécime de investigador português; vai passar a ser tão exótico ter um dos novos pobres da Europa na equipa! Ter um bolseiro português vai passar a ser mais da moda do que ter um macaquinho ou um pássaro, coisa rara e quase nunca vista desde que estas (des)orientações (e outras do mesmo pacote) entrem em vigor. Investigadores portugueses passarão a ser exibidos em circos e feiras (científicas, claro) para mostrar que o governo de Portugal não conseguiu acabar com a espécie, apesar do programa traçado para o efeito. Aliás, dar bolsas a investigadores portugueses que deixaram de ser prioritários para o governo de Portugal vai passar, em países desenvolvidos, a entrar na rubrica orçamental "ajuda ao desenvolvimento", o que é conveniente para compor a imagem internacional desses países. E se alguém não conseguir entrar no lote das raridades, será por lhe faltarem capacidades empreendedoras: querer ser bom investigador sem ser capaz de se vender como carninha da boa no mercado internacional dos cérebros? Estultícia!

(É difícil fazer, fácil desfazer, dificílimo refazer.)

11.6.12

Histórias do Facebook.



Aqui há tempo tive no Facebook um "bate-papo" com Raquel Freire. As conversas no FB têm um estatuto estranho: por serem mais ou menos imediatistas e, assim, facilitarem uma certa espontaneidade; por "falarmos" com uma certa informalidade, mas em público. Na altura registei a dita conversa e ficou por aí, a remoer no meu persistente incómodo com usos (a meu ver) extraviados de comparações com o tempo antes do 25 de Abril de 1974. Depois de outra conversa que tive hoje, também no FB, onde, a meu ver, volta ao de cima, com outra pessoa completamente diferente, o "síndroma da falta de perspectiva histórica", decidi publicar o "velho material", onde duas pessoas, sem grande recuo, expõem pontos de vista diferentes, que na sua articulação - e nos seus erros mútuos - podem ajudar outros a pensar. Não para "alinhar" ou "desalinhar", mas pensar.

***


Raquel Freire coloca esta fotografia acima com este comentário: «das vítimas da tolerância zero: no dia 25 de abril de 1974, a pide abriu fogo sobre as pessoas| matou Fernando C. Gesteira, José J. Barneto, Fernando Barreiros dos Reis, José Guilherme R. Arruda».

Eu reagi: «Se a referência à "tolerância zero" é para fazer um paralelo com certos elementos da actualidade, devo dizer que discordo desses paralelos abusivos. Comparar a acção assassina da PIDE com o que existe hoje, por muita razão que haja para discordar de muitas coisas que se fazem hoje, é um desrespeito por quem morreu às mãos de uma ditadura.»

Raquel Freire: «e eu fui censurada por uma democracia? não, fui censurada por este governo. numa democracia há censura política?»

Eu: «Raquel, não foste a primeira a ser censurada, nem serás a última. Tiveste a minha solidariedade, e tens, e terás. Mas isso não te transforma no centro da revolução mundial, nem te faz morta como os que morreram às mãos da PIDE, nem te justifica intelectualmente a misturares tudo. De qualquer modo, se não distingues as situações, acho que estás a misturar um ponto de vista pessoal com um ponto de vista político. Não me sinto autorizado a comentar perspectivas pessoais, o meu comentário era político. E, nessa medida, reitero-o.»

Raquel Freire: «o meu comentário foi político. eu não sou o centro de nada, fui censurada (entre outras coisas), como (infelizmente) mais pessoas. a censura foi um acto político. ou achas que o 1º ministro tem algo de pessoal contra mim? estamos a falar de política, do fim da democracia e do pacto social que foi estabelecido com o 25 de abril de 1974. estamos a entrar numa nova ditadura que se impõe duma forma insidiosa, através das mesmas formas de repressão: censura, repressão policial, controle da informação, medo e controlo social.»

Eu: «Raquel, o teu comentário foi uma comparação entre a fotografia (mortos pela PIDE) e as actuais vítimas de práticas erradas e perigosas. Mas, por muito que te censurem da forma que te censuraram, as tuas actuais possibilidades de expressão são infinitamente maiores do que eram as do antigamente. E eu acho uma irresponsabilidade - e um grave erro político - comparar o que havia neste país antes do 25 de Abril e o que há agora. Foste tu que chamaste a tua pessoa à conversa com a resposta que me deste ali acima: respondeste-me com o teu caso pessoal. O teu caso pessoal é importante, mas foste tu que o deste como resposta política. Acho que a comparação expressa ali acima denota uma distorção política grave e uma falta de sentido da história.»

Raquel Freire: «eu invoquei um caso de censura política porque é um forte sinal de um sistema que se diz democrático mas que manifesta formas de repressão que caracterizam os regimes totalitários. invoquei o meu caso, porque eu vivi-o, é um relato de repressão da liberdade na 1ª pessoa. não falo de um "ouvi dizer", não, aconteceu-me e teve pormenores pidescos, que serão revelados em breve. e sim, faço comparações, porque ter memória e ter pensamento crítico é isso: analisar o que se está a passar e conseguir ver para além das aparências. eu tenho pessoas da minha família que foram assassinadas pela pide. nada do que se possa passar hoje os vai trazer de volta. mas cabe-me a mim lutar para que hoje isso não se repita. a humanidade evolui em espiral, nada se repete, a repressão agora não tem a mesma cara, mas existe, e não a ver é um erro político gigantesco.»

Eu: «Raquel, quem não percebe a diferença que vai entre o pré-25 de Abril e os dias de hoje, não percebe nada. Não é uma questão de escala: há coisas hoje que são mais graves do que eram no passado. É, sim, uma questão de "qualidade" das coisas: há hoje perigos de uma "qualidade" mais difícil de apanhar do que quando as coisas eram mais contrastadas. De todos os modos, devemos evitar pensar que nós, aqui e agora, somos sempre os mais sofredores. Não te critiquei por alertares para isto ou aquilo; critiquei-te por comparares "isto" com a foto daqueles assassinados a 25 de Abril de 74 pela PIDE. E mantenho a crítica. E julgo que devemos, além das nossas penas, manter uma perspectiva histórica sobre as coisas, o que evitaria acharmos que somos nós as grandes vítimas da história. Porque fazer comparações como aquela que fizeste lá em cima, com o teu comentário à foto, é perder a memória. E perder a memória histórica é muito grave.»

Raquel Freire: «temos visões políticas diferentes. a mim custa-me que Porfírio Silva não perceba o que se está a passar hoje, connosco. custa muito termos a lucidez de constatar que 38 anos depois do 25 de abril, as bases em que fundámos a democracia foram e estão a ser destruídas, uma a uma. é mais fácil dizer: antes é que era mau. desresponsabiliza-nos. a pide também não começou por se chamar pide, nem por matar pessoas. foi tudo devagar. as pessoas na altura diziam o mesmo que o Porfírio.»

Eu: «Raquel, francamente acho que precisa estudar história. Mesmo essa conversa de que a PIDE não começou assim é bastante longe do que realmente se passou. Tenho tendência para sentir urticária quando os intelectuais, com ou sem aspas, fazem muitas piruetas para se colocarem no centro do mundo. Esta nossa conversa começou por causa da Raquel se colocar como vítima em paralelo com os populares que foram assassinados pela PIDE no 25 de Abril. Achei isso um disparate, e um abuso, e continuo a achar. Quanto à pretensa maior lucidez sua do que a dos outros, é como a água benta: cada um toma a que quer.»

Acho que este diálogo merece reflexão.

anda um homem à solta.


"Chamada Geral", poema de Mário Henrique Leiria, em Contos do Gin Tonic. Dito por Manuela de Melo.



(Sugestão de Isabel Santos.)

bioética.



III Workshop "Dinamizar a bioética na Universidade de Lisboa: Transplantação"

14 de Junho, 9:00 H, Anfiteatro 58 (Edifício Egas Moniz, Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa)

Organização: Centro de Bioética da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Center for Biodiversity, Functional & Integrative Genomics, Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa

Programa detalhado aqui (pdf).

8.6.12

Rio é um substantivo próprio que significa um curso de água.




Câmara do Porto retira guias com insulto a Rui Rio e processa editora.

Fazer publicar uma revista com uma fotografia de capa onde consta a inscrição "Rio és um fdp" (mesmo que a foto não seja falsa, como alguns afirmam que é) mostra absoluta falta de sentido do que seja a dignidade devida à vida pública. Vir depois, como quem se explica, dizer que "Rio" é um substantivo próprio que significa um curso de água e o resto são três iniciais, um verbo e um artigo - é querer fazer-nos passar por tolos. Trata-se certamente de alguém que, por ter acesso a decisões editoriais num órgão de comunicação, se acha no direito de sujar as instituições e, ainda por cima, chamar-nos parvos.
Não gosto de Rui Rio, mas gosto ainda menos que haja disto à solta.

a fala do bispo e a imprensa da raiva.

Um bispo critica o governo.
Muitos aplaudem: por ser um bispo, como se ser bispo lhe desse mais sabedoria, ou mais autoridade - mesmo quando alguns dos que aplaudem as palavras critiquem que um bispo possa fazer tais declarações.
Acho que um bispo não pode ser impedido de fazer declarações políticas, seja a título pessoal seja como membro ou representante da Igreja. Ao mesmo tempo duvido que seja apropriado para um bispo fazer declarações do tipo "PPC faz lembrar Salazar", porque espero que membros de uma Igreja que se reclama de estar acima da vida política sejam capazes de falar do essencial e evitar as picardias. Não respeitei os padres que usavam o altar para apelar contra o voto no PCP, não apoio a entrada na luta política menor e esperava que os bispos falassem só de coisas sérias e sem entrar na politiquice. E isto nem sequer quer dizer que eu discorde do que o bispo disse.
Depois um jornal vem publicitar quanto ganha o bispo. Trata-se de uma forma miserável de atacar quem fez uma declaração política - e espanto por haver quem apoie a atitude do jornal. O bispo ganha aquilo que cabe à sua posição profissional (incluindo o seu trabalho nas forças armadas): deveria ele prescindir? Ganha 8 ou 9 salários mínimos; fico à espera que o mesmo jornal faça manchetes com toda a gente que ganha mais do que isso neste país. Mas o bispo não ganha nenhuma fortuna, ser bispo não o condena a ser pobre (parece que há quem julgue que ser de uma igreja implica um voto de pobreza; se calhar também acham que ser comunista, ou mesmo de esquerda, implica um voto de pobreza).
Contudo o ataque funciona pela razão simples de haver muita gente disposta a explorar a pobreza deste país, tanto a pobreza material (uns 3 ou 4 mil euros por mês parecem suficientes para ser tratado como um explorador do povo) como a pobreza espiritual (a inveja por qualquer um que seja mais do que eu, sem querer saber dos méritos relativos, do esforço e de muitas outras diferenças que merecem crédito). A maior pobreza espiritual, de qualquer modo, está em sermos tolerantes com uma imprensa que cria alvos desta maneira para tentar intimidar quem critica. E dessa forma de pobreza somos participantes quando arranjamos qualquer desculpa que seja para dourar o comportamento dessa imprensa.

Maria da Conceição Tavares.

Recados para economistas.


(Ladrão que rouba a ladrões tem cem anos de perdões.)

7.6.12

o sonho da razão.




Luis Miguel Cintra faz uma colagem de textos de Diderot, Voltaire, Marquês de Sade e Voisenon, rouba o título à famosa gravura de Goya, monta um jogo cénico para três actores e põe-se a discorrer sobre questões como a Civilização face à Barbárie, a hipocrisia Social, o Casamento, a Igreja Católica, os privilégios de classe, o valor subversivo da libertinagem, a conquista da Liberdade - e ainda diz que são abordadas em tom de brincadeira! Mas como pode isso ser, se denuncia que se esconde nestes textos a vontade de uma mudança social pré-revolucionária?

Partes práticas: De 28 de Junho a 8 de Julho e de 17 a 29 de Julho, no Teatro do Bairro Alto. De 3ª a Sábado às 21.00h e Domingo às 16.00h. Nos dias 5, 6, 7 e 8 de Julho integrado na programação do Festival de Almada. Toda a informação aqui.

Depois não digam que não avisei.

6.6.12

Carta ao Guilherme.


Caro Guilherme,

Vejo que a Galp Energia te levou ao estágio da selecção nacional para que lesses aos jogadores a carta que lhes escreveste (e que aparece no vídeo que deixo abaixo). A julgar por uma fotografia que aparece no sítio « 11 por todos, todos por 11», terás sido tu mesmo a escrever a carta, à mão e tudo. A carta está num bom português e isso é de sublinhar, em tom positivo, porque é importante que na tua idade já se saiba escrever português de forma escorreita. Além do mais, estar de bem com a nossa língua é uma competência importante para facilitar outras aprendizagens, escolares e não só. Deves ser um rapaz aprumado e inteligente, o que sempre gostamos de ver. Assim sendo, achei que podia tratar-te como um cidadão, capaz de ouvir opiniões - mesmo sendo divergentes da tua.

Queria, por isso, dizer-te que discordo de aspectos importantes do conteúdo da tua carta.
Não concordo nada com essa ideia de que a selecção nacional de futebol terá "a oportunidade de mudar em campo a opinião que o mundo tem de nós; de mostrar que não somos fracos e preguiçosos, que sempre fomos e continuamos a ser um povo honesto, lutador e corajoso". A meu ver, a opinião que o mundo tem de nós não depende do que vai fazer a selecção nacional - e, se fosse esse o caso, "o mundo" estaria errado. A nossa diligência, honestidade e coragem dependem do que fizermos todos - todos e cada um - e não do que fizer um punhado de portugueses, mesmo que sejam bons jogadores de qualquer coisa. Eu diria mesmo mais: tenho dúvidas de que, como povo, tenhamos essas características morais que são próprias dos indivíduos, tais como honestidade e coragem. Pelo menos estou firmemente convencido de uma coisa: não é a soma das qualidades morais de cada pessoa que resulta nas qualidades próprias do colectivo, do povo, do conjunto dos cidadãos ou simplesmente habitantes de um país. Podemos ser todos pessoas excelentes e não sabermos organizar-nos para fazer as coisas como elas devem ser feitas no plano da nossa vida em comum - e isso não se resolve com passes de mágica, tipo campeonato europeu de futebol.
Sabes, Guilherme, a quem nasceu onde eu nasci e teve a vida que eu tive (e não vou estar aqui a queixar-me), faz uma certa confusão esse teu ponto de abordagem às nossas realidades como país. Há muita gente nesta terra que não merece que se diga sequer que sermos ou não considerados preguiçosos depende do desempenho da selecção. Há muita, muita gente neste país que trabalha muito, e sofre muito, apenas para alimentar a sua família. Há muita gente que trabalha arduamente e não obtém a justa retribuição por isso. Isso é que pede coragem, coragem cada dia, luta cada dia - e mesmo muita honestidade cada dia. Longe dos palcos e dos holofotes, essa gente anónima não pode sofrer a injustiça - mais uma - de aceitarmos que o que se pensa dela depende dos jogos da selecção. Temos obrigação de pensar o país de outra maneira, sem ligarmos as nossas às vezes duras realidades à circunstância de um europeu de futebol.
Se aquelas afirmações tivessem sido feitas por algum profissional de discursos inflamados para entreter as pessoas, nem me daria ao trabalho destes comentários. Como tu dás a cara por um grupo etário que tem a oportunidade de pensar Portugal de outra maneira, julguei útil dirigir-te esta minha reflexão, a ver se ela aproveita a alguém. Quero sugerir-te que, quando voltares a ter a oportunidade de escrever assim uma carta a puxar aos grandes sentimentos, não te deixes levar pela aparente grandiosidade do momento e evites fazer o que pode parecer "dar lições" aos teus concidadãos, mesmo que alguns te saúdem pela qualidade do texto. É que o ser fraco ou forte, preguiçoso ou diligente, honesto ou trapaceiro, lutador ou encolhido, corajoso ou cauteloso - depende de muita coisa; não se trata de pecados originais, nem de virtudes caídas do céu. E seria justo pedir-te que essas qualidades todas (as que tu mencionas, não as qualidades menos heróicas que eu trouxe à baila) fossem vistas à luz da vida difícil que muitos levam nesta terra.

Porta-te bem e desculpa lá esta impertinência de velho, vir com remoques à carta de que deves estar tão orgulhoso. Aproveita e guarda-a, para a releres daqui a uns dez campeonatos europeus de futebol - a ver se nessa altura ainda pensas assim as coisas. Será um exercício interessante, quero crer.



um postal dirigido aos austeritários.


Alguns franceses passam a poder reformar-se aos 60.

Parece que Hollande queria dizer qualquer coisa quando falava em preferir o "rigor" à "austeridade".

negócios.




A Visão de hoje traz um trabalho intitulado "O que é a Finertec?".
Abre assim: "A empresa que Miguel Relvas administrou, até maio do ano passado, foi investigada na Operação Furacão. O banco de Cabo Verde que aparece nos registos como proprietário da Finertec tem três arguidos por suspeitas de branqueamento de capitais, fraude e evasão fiscal. A VISÃO reconstitui os meandros complexos de uma empresa, sediada em Lisboa, com ligações a Angola. A reunião que Relvas manteve com a Ongoing, onde estava Jorge Silva Carvalho, conhecida na semana passada, puxou o fio à meada."

(clicar na imagem)

Um dos aspectos a seguir para futuro são as perguntas que a Visão enviou a Miguel Relvas e ainda não obtiveram resposta. Por enquanto, claro.

Embora, aparentemente, alguns cuidados estejam a ser tomados:





é um querer, dizem eles.

O Público hoje traz esta notícia na primeira página.



Então, as empresas que não queiram suportar certos custos salariais podem, digamos, fazer o quê?
Tenho de estudar bem as respostas possíveis, já que andam por aí certos custos que eu tão-pouco quereria suportar. Por exemplo, preferia ir ao supermercado e poder não suportar os custos.
A Troika adora satisfazer desejos...


5.6.12

comunicado aos publicitários de caixas de comentários.


Não, não é censura. É que a caixa de comentários deste blogue não se confunde com nenhuma página de anúncios gratuitos. Mesmo que a publicidade seja a outros blogues.

o dia da libertação dos impostos.


Passo a citar João Pinto e Castro:
É fácil perceber-se a eficácia propagandística da coisa falando com os cidadãos comuns (ou mesmo com alguns não tão comuns), os quais imaginam que o grosso dos impostos serve para pagar os salários dos políticos, ou, no melhor dos casos, os dos funcionários públicos.
E que tal se a Universidade Nova passasse a assinalar também o "dia da libertação do Serviço Nacional de Saúde", o "dia da libertação da educação", o "dia da libertação dos tribunais", o "dia da libertação das infraestruturas de transportes e comunicações" e o "dia da libertação da segurança pública"? Talvez fosse mais educativo, não?
Outra ideia: registar o "dia da libertação do crédito imobiliário", o "dia da libertação do retalho alimentar" e o "dia da libertação da água, do gás e da electricidade".
Sabem onde é que o "dia da libertação dos impostos ocorre mais cedo"? É em países como o Gana, o Afeganistão e o Bangladesh. Pois.

Ainda bem que ainda há quem tenha pachorra para desmontar estes truques de demagogia fácil - os quais, objectivamente, são fraudes intelectuais e ataques terroristas à nossa vida em comum. Chegámos onde estamos por causa destas ideias simples que são erradas - e perigosas - mas se vendem com a roupagens das virgens e a "autoridade" da "ciência".

Na íntegra aqui.

austeridade e pequenos sinais de fumo.

Ana Vidigal, sempre a bulir.





(Ana, desculpa ter cortado o teu convite ao meio... mas é para dar para dois. Não é nada: é para se ler melhor!)

o nosso corta-fitas.

O grande destaque noticioso do Público de hoje.

Uma magistratura de influência... ou lá o que é. Assuntos de Estado, isso é que não. Safa.






4.6.12

um sintoma de uma doença grave.


Nesta história dos espiões que continuam a ser espiões quando saem das secretas, mantendo-se em comércio carnal com os colegas que ficaram para trás a fazer parcerias público-privadas com o segredo de Estado, estão a descobrir-se muitas carecas. Claro que alguns julgam tapar a calva com uns capachinhos de segunda mão, mas espero que tarde ou cedo uma revoada de vento deixe ao léu o que já se cheira com grande intensidade. E fede.

Entretanto, enquanto esperamos para saber se a blogosfera lava-tudo se impõe como o padrão moral desta maioria ou se um arrepio de decência se impõe a algum primeiro-ministro em exercício que sonhe ainda vir a descobrir-se como homem de Estado, enquanto esperamos para saber isso, algumas coisas foram entretanto ficando claras. Pequenos sintomas de graves doenças. Exemplifico, que para isso peguei agora na pena.

Segundo foi noticiado, o espião estatal que, embalado pela ideologia dominante, veio a decidiu empreender ser espião empresarial - embora, como muitos outros "empreendedores" em sectores menos chocantes, achasse conveniente ser empreendedor à custa dos serviços do Estado - tinha umas ideias acerca da relação desejável entre os serviços secretos e a democracia. E escrevia mensagem curtas a esmo espraiando as suas teorias. Segundo notícias, terá enviado uma mensagem a Relvas a queixar-se de que Teresa Morais, então membro do conselho de fiscalização dos serviços de informações, era uma chata e, em consequência, devia ser removida. Quando Relvas foi a ministro, pouco depois, com a tarefa de mandar em Passos Coelho e em mais meio mundo, Teresa Morais subiu a secretária de Estado. Relvas desmente categoricamente que isso tenha sido uma forma de atender ao pedido do espião metediço - e não tenho nenhum dado que me permita afirmar que, aí, Relvas esteja a mentir. (Um mentiroso nem sempre está a mentir, também precisa do seu descanso.)

Assim sendo, aceitamos a palavra de Relvas e vamos descansados? Nem por sombras: aceitamos a palavra de Relvas e não vamos nada descansados. Explico-me.

Que eu tenha tido oportunidade de ler ou ouvir, Relvas negou que tenha levado Teresa Morais para o governo para a remover da fiscalização das secretas, mas não negou que o espião maravilhoso tenha suscitado a chateza da senhora para a pretensão de a ver removida. Segundo alguns relatos, Relvas até terá discutido as datas daquela diligência do espião e a data do convite da sua secretária de Estado, evidenciando assim que o espião fez tal diligência quando Relvas já estava a instalar-se como guarda-chuva do governo. Ora - e é este o meu ponto -, a queixa de que Teresa Morais era uma chata como fiscalizadora, como tentativa de a afastar, teria despertado a desconfiança de qualquer pessoa bem formada. Qualquer pessoa com um módico sentido de Estado perceberia a gravidade de uma tentativa tão clara de afrouxar os mecanismos de fiscalização dos serviços de informação. Isso faria soar todas as campainhas na cabeça de qualquer político democrata. Relvas, face a essa situação, deveria ter logo cheirado o esturro - e, mais, deveria ter ido logo alertar o PM para as situações graves que deveriam ocorrer num serviço que alguém estava a tentar eximir ao controlo democrático. Relvas, pelo contrário, engoliu e seguiu, não fez nada do que devia ter feito. Neste caso, nem é preciso perguntar se fez algo que não devia: basta saber que não denunciou a tentativa de furtar os serviços secretos ao escrutínio dos representantes do soberano.

Não é que Relvas seja a única flor desta estufa onde crescem estes comportamentos anti-institucionais, onde medram estas espertices de furar os controlos democráticos com recurso a palavrinhas pessoais e a amiguismos espúrios. Aliás, Relvas nem se dá conta da gravidade de não ter percebido o sinal. Um sinal tão claro como um tipo telefonar para a esquadra e perguntar faça a fineza senhor guarda diga-me por favor se a ronda hoje passa em tal rua a tal hora que a mim dava-me jeito saber cá por coisas. Relvas não é o único e o grave é que estes fenómenos não são raros fenómenos do Entroncamento e, pelo contrário, parecem bastante espalhados.

Espero que os partidos democráticos, incluindo os partidos da maioria, não tratem assunto tão grave como mais uma refrega mediática em torno de um actor de momento. Espero que percebam que eles começam sempre por levar os outros. Até um dia.


troikar o comunicado por miúdos.


A Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional emitiram hoje um comunicado sobre a quarta avaliação trimestral do programa económico de Portugal. Trocando por miúdos: os funcionários da troika deram o boletim de notas deste período à turma portuguesa, aproveitando para fazer redacções escolares sobre a sua fé ideológico-económica.
O comunicado mostra como são sagazes. Vejamos este exemplo:

«O acentuado aumento do desemprego exige medidas políticas decisivas. O desemprego temporariamente mais elevado faz parte da transição para uma economia mais direccionada para as exportações, mas a sua subida foi exacerbada pela já antiga rigidez do mercado laboral português. A recente aprovação da revisão do Código do Trabalho deverá atenuar a perda de postos de trabalho. O amplo programa de reformas estruturais e o reforço da capacidade de utilização do sector da exportação deverão ajudar a recuperar o emprego, a médio prazo. Contudo, são urgentemente necessárias mais medidas para melhorar o funcionamento do mercado laboral. Estas incluem reformas institucionais que permitam às empresas maior flexibilidade para ajustarem os custos do trabalho e a produtividade.»

Quer dizer: aumentem a precariedade dos trabalhadores para que eles se dêem por satisfeitos pelo simples facto de continuarem vivos; retirem qualquer entrave ao arbítrio dos patrões de vão de escada, porque só quando se sentirem ditadores caseiros de pleno direito é que terão as boas ideias de gestão que nunca mostraram (excepção feita à conversão de fundos públicos em Ferraris privados); transformem o mercado de trabalho - ainda mais, se possível for - numa selva, porque a fé económica que professamos só compreende a selva.
Quer dizer: tudo o que seja qualificar as organizações, condição necessária à produção competitiva, coisa impossível sem trabalho mais digno e mais estimado, tem de ser afastado. A teoria selvagem de que somos todos melhores quando estivermos todos à rasca continua, after all these years, a ser um neurónio isolado a chocalhar nestas cabeças.

Felizmente, este é o trabalho das formiguinhas da troika, mas há quem, apesar de tudo, e em grande medida graças ao impacte da eleição de Hollande, esteja a pensar mais seriamente em aprender com as lições dos erros passados.

3.6.12

Para acabar com a única ditadura que resta em território nacional.


Todos os partidos da oposição regional, numa iniciativa inédita em 36 anos da autonomia político-administrativa da Madeira, assinam na segunda-feira um “pacto pela democracia” na região.

Um pormenor: «A assinatura do “pacto pela democracia” estava marcada para um salão do parlamento, mas a sua cedência foi recusada pelo presidente da Assembleia, pelo que a cerimónia ocorrerá no exterior do edifício, no largo entre a capela da Mouraria e o comando da GNR, em zona entretanto autorizada pela câmara municipal.»


auto-retrato com Skapinakis.


Finalmente arranjei tempo para ir ver a exposição Nikias Skapinakis, Presente e Passado 2012-1950, que está no CCB. Grande exposição, com muita coisa que eu não conhecia.

Nikias Skapinakis, Ilustração para poema erótico de Vitorino Nemésio, 1977


Auto-retrato com ilustração de Nikias Skapinakis para poema erótico de Vitorino Nemésio, ao jeito do período skapinakisiano do cartazismo 

pode bem ser que os deuses gregos sejam deuses muito comuns na Europa.

Isto não é uma teoria minha. É apenas um divertimento de domingo.



Cosmopolis, um Cronenberg vazio.



Sou um admirador antigo e persistente do realizador David Cronenberg. Já aqui escrevi várias vezes sobre o seu trabalho, nomeadamente: O filósofo Cronenberg, Promessas Perigosas, Um Método Perigoso.

Ontem fui ver Cosmopolis, o mais recente Cronenberg. E só posso dizer que achei uma porcaria. Um filme que, de tanto ser sobre o nihilismo contemporâneo, é ele mesmo um filme nihilista. Um filme que se compraz no vazio. Uma enchente de lugares-comuns, uma correria de banalidades, mal embrulhadas e ditas com a mesma profundidade filosófica de qualquer taxista de Lisboa. Não é de espantar: se tanto cientista social, arregimentado nas melhores cátedras de todo o mundo, não foi capaz de prever a desordem que vivemos na nossa sociedade, e ainda menos capaz é de propor um diagnóstico (já nem digo uma saída), por que carga de água teria um cineasta de ser capaz de o fazer? O que Cronenbeeg poderia era ter-nos poupado ao espectáculo da vacuidade, que não é só sua, mas é dominante quando de trata de falar da cidade contemporânea como arena do nosso esvaziamento civilizacional.


2.6.12

o PCP no mundo.


O PCP, na sua tomada de posição sobre a Síria, é fiel a si mesmo em questões internacionais: não percebe que acabou a União Soviética e continua a reagir como se continuasse obrigado, por "internacionalismo proletário", a colocar-se sempre sempre ao lado de toda a espécie de ditadores e assassinos que supõe que seriam aliados do Partido Comunista da União Soviética se este ainda governasse o gulag. Se tiverem que inventar coisas, do género de os autores dos massacres não serem os autores dos massacres, mas malandros da NATO, ou de qualquer forma de "Ocidente", disfarçados, não hesitam em inventar o que seja necessário. Politicamente, além de julgar que nos pode tratar a todos como idiotas, o PCP tem as mãos sujas em política internacional. E isso é grave.


retratos.


um inconsciente, ou um criminoso, ou um inconsciente-criminoso, pode querer fazer-nos engolir a patranha de que a informação publicada pelo Expresso sobre o escândalo das secretas é mera guerra entre empresas. Algumas pessoas pensam que podem reduzir a gravidade do caso - um verdadeiro golpe de Estado na forma tentada - a uma questão de estética da capa. Posts destes ilustram o grau zero de responsabilidade em que se transformou alguma da nossa blogosfera. Nem lhes falta, claro, o argumento salazarento de que estas politiquices não interessam nada o povo.

matar o tigre.


A maior parte das famílias prezam a segurança de que necessitam para levar a sua vida em liberdade. Sim, a segurança é necessária à liberdade. Algumas optam por reforçar as portas e as janelas; outras por um sistema de alarme; outras por um guarda-nocturno partilhado com a vizinhança. Outras compram um cão.
A família Silva optou por um cão. Para delícia das crianças, escolheu um pequeno cachorro, lindo de morrer com apenas uns dias, de uma raça meiga com os conhecidos mas feroz com os intrusos, lindo e possante ao mesmo tempo. Compraram o cachorro num fornecedor tido por idóneo e fiaram-se nos seus conselhos - mas, passado pouco tempo, o cachorro começou a crescer numa linha de desenvolvimento inesperada. Rapidamente perceberam que o bicho era um tigre - e não podia viver-se com um tigre naquela vivenda familiar. Entretanto, hesitaram: não queriam chamar um especialista para confirmar o desvio, ou o erro, ou o logro; tinham receio de estar a apreciar mal a situação, devido aos seus poucos conhecimentos daquela raça rara; chegaram a pensar, quando se convenceram de que era mesmo um tigre, que afinal talvez um tigre criado em família e com muito carinho pudesse ser um animal doméstico e viver num bairro urbano em harmonia com a vizinhança. Consultaram peritos em domesticação de animais selvagens, em psicologia animal, em psiquiatria de felinos, estudaram métodos de meditação trans-espécies para tentar mudar a natureza do animal.
A situação foi-se arrastando e toleraram umas mordidelas e uns arranhões até ao dia em que o tigre, já suficientemente esfomeado e poderoso, mostrou todo o seu potencial...

(Um país precisa de serviços de informação. Isso: espiões. Não acreditem naqueles que dizem que isso são resquícios da PIDE: um Estado democrático não pode simplesmente estar à mercê dos que o atacam pela calada, de fora ou de dentro. Mas há remédios que são perigosos, têm de ser (ad)ministrados com toda a cautela. E quando o equilíbrio químico do remédio/veneno se altera, normalmente a única solução é deitá-lo fora. Tendo chegado onde chegaram as coisas com os nossos serviços secretos, minados por interesses privados e por abusos escandalosos que nem as mais altas instituições foram capazes de detectar e contrariar, não há solução de recurso que transforme um serviço secreto corroído pela deslealdade organizada num futuro departamento de defesa da democracia. A República precisa de serviços secretos, mas isso já não existe, como mostram as últimas notícias. O cancro corroeu a estrutura numa extensão impossível de compreender: os que, de dentro, podiam ser vozes limpas, foram calados pelo controlo dos fiéis à manobra, não se sabendo até que ponto isso pode ter acontecido. Resta cortar o mal pela raiz: extingam-se estes serviços secretos, criem-se outros, com outra gente, com outro controlo democrático, longe desta teia de conivências no poder político, no poder económico e em interesses pouco escrutináveis. Portugal, como qualquer democracia, precisa de serviços secretos. Para isso, tem de acabar com "isto" que actualmente faz de conta que presta esse serviço, para depois poder começar sem os tecidos contaminados que hoje só nos podem causar medo do pior. É preciso matar o tigre e comprar o tal cão, que era o que queríamos desde o princípio. E isto não é ser radical: é perceber que com a liberdade não se brinca.)


1.6.12

A Madeira e o preço da impunidade.



Por Daniel Oliveira:
Acontece que a degradante vida política madeirense não nasceu do nada. Nasceu da impunidade que a República garante, há décadas, a este deprimente "elite" local. Nasceu de uma cultura antidemocrática que o presidente regional alimenta e as instituições do país toleram.

Na íntegra aqui.