31.5.12

quem são os pornógrafos, afinal.




June 30, 1922, Washington policeman Bill Norton measuring the distance between knee and suit at the Tidal Basin bathing beach after Col. Sherrill, Superintendent of Public Buildings and Grounds, issued an order that suits not be over six inches above the knee.

Fonte: The Official Houston Police Department Blog.

30.5.12

retratos de Portugal.


Está no sítio do Público esta notícia: Ministério Público pede destruição das escutas telefónicas que envolvem Sócrates.

De momento, essa noticia tem os seguintes comentários:

Devem ser publicadas e não destruidas
SE o MP manda destruir significa que são irrelevantes e não ofendem o atingido, assim e não havendo qualquer problema e para acabar de vez com as desconfianças da generalidade dos Portugueses as mesmasDevem ser publicadas com grande divulgação e transparencia e não destruidas nem manipuladas.

Porquê?
O Ministério Público pediu agora a destruição das escutas telefónicas feitas no âmbito do processo Face Oculta envolvendo o ex-primeiro-ministro José Sócrates, que escaparam à ordem de destruição do presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Esta atitude não retira a ninguém que fiquem suspeitas sobre alguns actos imputados ao ex-primeiro-ministro, e que parece existir interesse que isso seja uma lamentável realidade. Alias, isto só vem provar que qualquer caso como este da Face Oculta nunca irá ter outro desfecho senão a prescrição, ou por outras palavras, nunca serão descobertos. É pena.

Onde está a democracia?
Não se deve fazer isso. Todas as pessoas envolvidas em crimes devem de ser punidas de igual forma. Que país, onde se protege pessoas obsoletas e hipócrita. Façam uma petição para se julgar os criminisos políticos, gestores entre outros, deste país. Vão para a praça pública. Reevindiquem pelos direitos de um verdadeiro estado democrático.

Vergonha
A procissão passa, e os malandros ficam... Qual o motivo da destruição das escutas???? contêm algum segredo de Justiça???? contêm elementos/informações confidenciais??? quais os motivos de não as quererem divulgar??? são portadoras de linguagem menos propria???? porque tantos segredos a volta destas escutas e destes SMS que envolvem o Face Oculta... Tenham vergonha e façam aos acusados politicos, para variar, um pouco de justiça...

(Foi preservada a qualidade literária dos comentários, bem como o "acordo ortográfico" praticado em cada caso.)

É um retrato bastante aproximado da democracia que temos, do povo que somos, da cultura democrática que foi pelo cano há muito tempo. Vivemos na completa inversão de valores, numa terra onde a noção dos direitos e dos deveres é uma questão de opinião pessoal e de ocasião, onde ladra quem quer e morde quem pode. E tudo isso tem sido alimentado por todos os poderes. Todos.


se querem participar, vão para fora da sala bater nos vidros das janelas.


Nuno Crato foi dar uma aula a uma escola de Évora, ensinando a construir um relógio de sol (que classificou como o 'Magalhães' do antigamente !!!) e foi bem recebido, em seu entender.

Um aspecto desse bom acolhimento é assim descrito pelo "Sol": «A visita de Nuno Crato suscitou protestos de alguns alunos, concentrados à porta do estabelecimento, com cartazes. A essa altura, já o ministro estava no interior da escola e apenas ouviu protestos quando, a meio da aula com a turma envolvida na construção do relógio de sol, estudantes gritaram do lado de fora e bateram nas janelas.»

Ora, Nuno Crato, que já foi um cientista, mas aprendeu depressa a hipocrisia que muitos consideram (erradamente) intrínseca à política, explicou a coisa assim: «Nuno Crato (...) considerou "óptimo" o "acolhimento" dos alunos: "Vivemos em democracia e é bom que haja participação cívica, das mais diversas maneiras".»

O que Nuno Crato devia ter dito, a meu ver, é que bater às janelas durante uma aula não é uma forma de participação cívica, mas antes uma selvajaria.

Percebe-se, contudo, que a capacidade do ministro Crato para discernir o que é participação cívica e o que é selvajaria é uma sua capacidade que anda muito embotada por esta altura. É que aplaudir protestos que perturbam uma aula e, ao mesmo tempo, enxotar os estudantes da vida cívica própria da escola, como fez ao querer excluir os alunos dos conselhos pedagógicos, é realmente uma baralhada indigna de um ministro, especialmente quando é suposto ser ministro da educação.


Passos Coelho dá aula de música, mas não arrisca cantar.


Se fosse só em música-música-mesmo que Passos Coelho dá a teoria, mas sem prática a condizer, não faria assim muito dano. O pior é quando o desacerto entre a pauta e a música que realmente se ouve acaba por chegar tão manifestamente ao governo do país: Passos rejeita em absoluto nebulosa entre PSD, secretas e privados. Como dizia a minha avó, "quem não tem vergonha, todo o mundo é seu". Passos Coelho escolheu ficar enterrado na mesma lama que o espião abelhudo e o seu amigo ministro; ele lá sabe das suas escolhas, mas não me parece que isso seja bom para o país - e nem sequer para o governo.

espiões em família.


Grupo de personalidades defende “limpeza” nos serviços secretos.

Parece que o país está a perceber que há importantes podres na nossa vida comum. Mas, como de costume, muitos de nós continuamos a pensar o país como se se tratasse de uma espécie de família alargada, uma doença paralela àquela outra de julgar que o orçamento de Estado é uma espécie de orçamento familiar da grande casa portuguesa. Exemplo desta forma de pensar é o facto de algumas daquelas personalidades, preocupadas com o que se anda a fazer nos serviços secretos, julgarem que o que é necessário é apostar em espiões com "elevado nível ético". Estamos tramados se o nosso descanso em relação ao que andam a fazer os nossos espiões depende da nossa confiança em relação à ética dos ditos e das ditas.
O que precisamos é de instituições que funcionem. Neste caso, que o conselho de fiscalização tenha os meios necessários para fiscalizar - e que o próprio conselho de fiscalização seja efectivamente fiscalizado pelo Parlamento, para que se saiba se faz o seu trabalho. A vida de uma nação pode ser muito melhorada por uma ética pública adequada, bem como pela acção consequente de pessoas privadas com a ética adequada. Mas isso não chega, temos de insistir em que as instituições funcionem.
A fiscalização dos serviços secretos pelo Parlamento é uma função essencial numa democracia e essa função tem de ser garantida. O descuido permanente em relação a assuntos deste melindre tem muito a ver com o facto de certos partidos (do chamado "arco da governação") terem tomado conta do assunto e terem excluído "as franjas esquerdistas" do acesso à função de fiscalização efectiva. Ficaram, desse modo, livres para um certo relaxamento da vigilância, que nunca devia esmorecer. Trata-se de uma sobrevivência do espírito da guerra fria, que teorizava que os comunistas não podiam aceder a segredos de Estado no Ocidente para não irem bufar aos seus camaradas soviéticos. Esse tempo já lá vai, mas a democratização da fiscalização das partes mais secretistas do Estado continua a deixar muito a desejar.
Se a democracia não souber resolver esta questão de forma cabal, ganharão terreno aqueles que acham que um país pode dispensar serviços secretos: outra versão dos que pensam o Estado como espécie de família alargada que vive da boa vontade dos seus membros.



fazer o pino por um prato de lentilhas.


São tão liberais, tão liberais, para afinal venderem a alma por tão pouco. (Nem sei se "eles" sabem o que quer dizer "alma", mas, enfim...)

29.5.12

Corpos racionais mastigam-se melhor.

Visto o corpo pelo olhar da racionalidade, por que razão não há-de ele ser susceptível de partição, de decomposição em partes - talvez segundo um critério funcional, segundo a razão de ser de cada um dos seus subsistemas? Tal como num computador podemos, por exemplo, separar os dispositivos de comunicação com o exterior (teclado e monitor, nomeadamente) da unidade central de processamento e da memória - porque não haveremos de poder desconstruir o corpo, cada peça para seu lado, segundo o uso padrão que lhe conferimos? Quem diz desmontar, diz re-montar; partir/compor; descontruir/reconstruir. Isto se, como foi dito, virmos o corpo pelo lado da racionalidade. Porque não haveremos de fazer humanos segundo a receita de Cindy Sherman? Chegará essa receita a ser um algoritmo? Ou haverá qualquer coisa que falha numa leitura do corpo que vai só pela racionalidade, mesmo que ela seja tecnologicamente dotada?


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Cindy Sherman nasceu em New Jersey em 1954. Foi antes de qualquer outra coisa fotógrafa. Em muitas das suas obras ela é o seu próprio modelo. "Ela", quer dizer, transfigurada de muitas maneiras. Nos anos '90 do século passado fez uma série de "bonecas": entre elas a que se vê abaixo.




Cindy Sherman, Untitled # 250

28.5.12

mal "acomparado"...


Cabe ao Parlamentar fiscalizar a actividade do governo e zelar pela coisa pública. Mas «O deputado do PSD, Nuno Encarnação, garantiu no Fórum da TSF que assim que o ministro Miguel Relvas se mostrar disponível os social-democratas dão luz verde para uma audição parlamentar no caso das secretas.» Quer dizer (salvas as distâncias, claro está), que o polícia só interpela o ladrão quando o ladrão gritar "oh da guarda, que quero um polícia que me interpele e nenhum se presta a isso".

lógica e natureza.

«É impossível, só com a lógica, ultrapassar a natureza! A lógica prevê uns três casos, mas existem milhões deles! Como é? Deita-se fora o milhão de casos e reduz-se tudo ao problema do conforto! É a solução mais fácil do problema! É sedutoramente clara e não obriga a pensar! O principal é não ser preciso pensar! Todo o mistério da vida cabe em duas folhas de papel!»

Fiodor Dostoiévski, Crime e Castigo (1866)

lococentrismo.


(O sol da manhã sobre o betão de Shinjuku, Tóquio. 8-11-2005.)
(Foto de Porfírio Silva.)


«Segundo a interpretação do historiadores europeus, são os indivíduos que tomam a iniciativa de intervir no curso da história. […] Um acontecimento é, pois, o resultado de uma vontade. Ora, segundo a análise de Maruyama [Masao Maruyama, especialista de história das ideias políticas no Japão], nenhum facto histórico no Japão se explica como o produto de vontades individuais. A história é interpretada em princípio como se (a) todas as coisas se formassem por si mesmas, (b) sucessivamente e (c) com força. [Exemplo é o seguinte excerto da] declaração de guerra aos países aliados, e antes de todos aos Estados Unidos, pronunciada pelo imperador a 8 de Dezembro de 1941: […] Chegámos infelizmente ao ponto em que a guerra estoirou contra os Estados Unidos da América e o Reino Unido por uma necessidade que não podia ser de outra maneira. Teria sido assim por minha vontade?»
(Hisayasu Nakagawa, Introduction à la culture japonaise, pp. 19-20)

A este fenómeno chama o autor “lococentrismo”, para significar que, para o japonês, o que comanda e domina tudo é a força do lugar, as forças da terra no sítio onde se está.

26.5.12

os sons da ciência.



Canção "Jules Verne", álbum Moon (1991) da banda electrónica holandesa "Peru".


Donde vem isto e a que propósito.

acha que já sabe tudo sobre o que se passou a 25 de Abril de 1974?


No próximo dia 30 de Maio é apresentada a edição do primeiro livro digital elaborado pelo ISCTE-IUL. “Militares e Sociedade, Marinha e Política: um século de História” apresenta um novo olhar sobre a relação da Marinha e das Forças Armadas ao longo do séc. XX, em especial nos acontecimentos que antecederam e que se seguiram ao 25 de abril de 1974.
A apresentação acontece pelas 18h00, no Auditório B203, Edifício II (Avenida das Forças Armadas, Lisboa).

A capa é como se vê e publicamos abaixo um excerto do livro - para abrir o apetite.


«Centremo-nos na ocupação da sede da PIDE-DGS, polícia política aliás cujo destino não era consensual.
Num rascunho manuscrito do plano geral de operações, o então major Otelo Saraiva de Carvalho previu a tomada da sede da PIDE/DGS por um grupo de 12 a 15 comandos, no mínimo, que deveria conquistá-la e dominá-la, de surpresa, aguardando a chegada de reforços. Porém, segundo o próprio, a missão foi logo abandonada devido à oposição do major Jaime Neves, oficial de comandos, que a considerou muito perigosa . A missão esteve depois para ser executada por uma companhia de atiradores do Regimento de Infantaria 1 da Amadora mas, à última hora, falhou. O líder operacional do 25 de Abril, Otelo Saraiva de Carvalho, tem referido várias razões para a omissão da ocupação da PIDE/DGS no plano operacional final. Para além da falta de meios para cumprir a missão, não possuiria elementos sobre a organização interna, as instalações ou ainda sobre o armamento existente na sua sede, pelo que não a teria definido como um objectivo prioritário a atingir nas primeiras horas do golpe. Otelo Saraiva de Carvalho esperava que a PIDE/DGS viesse a cair quando os governantes caíssem, com uma menor intervenção das forças do MFA e com menores riscos de derramamento de sangue. Como a PIDE/DGS tivera um papel importante na contenção da revolta das Caldas da Rainha, a 16 de Março, teria considerado que o poder da polícia política era forte e teria temido os efeitos de uma possível reacção violenta.
Durante a fase da conspiração, se alguns sectores defendiam a extinção da PIDE/DGS em geral, outros defendiam o seu fim na metrópole mas a sua conversão em polícia de informações militares nas colónias.
No próprio dia do golpe, esta proposta de reformulação e saneamento da PIDE /DGS nas colónias foi defendida pelo general Francisco da Costa Gomes, membro da Junta de Salvação Nacional, enquanto durasse a guerra, já que aí as informações das Forças Armadas eram fornecidas pela PIDE/DGS. A continuação da PIDE/DGS, ainda que reformulada, foi sustentada pelo general António de Spínola, da mesma Junta e primeiro Presidente da República após a revolução, que chegou a nomear um inspector da própria polícia política para a dirigir após o 25 de Abril, horas após a queda do regime.
Foi, aliás, a postura de diferenciar a PIDE/DGS da metrópole da PIDE/DGS das colónias que vingou no Programa do MFA de 26 de Abril, donde constava: “Extinção imediata da DGS, Legião Portuguesa e organizações políticas de juventude. No ultramar, a DGS será reestruturada e saneada, organizando-se como Polícia de Informação Militar enquanto as operações militares o exigirem”.
Porém, no Programa do MFA de 25 de Abril, com que os revoltosos partiram para o golpe, estava claramente escrito: “Extinção imediata da DGS, Legião Portuguesa e organizações políticas de juventude”, sem a ressalva da situação colonial. Contudo, não foi esta versão do Programa do MFA de 25 de Abril que foi difundida. Nas declarações públicas e nos meios de comunicação social, surgiu a versão de 26 de Abril, resultante das modificações finais introduzidas pelos generais Spínola e Costa Gomes no Posto de Comando do MFA, na Pontinha. Apenas no jornal República foi publicada a versão de 25 de Abril do Programa do MFA. Aquele caso único do República explica-se pelo facto do então primeiro-tenente Martins Guerreiro ter ido entregar a este jornal, na manhã do dia 25, uma cópia do Programa – tal como estava formulado naquele momento, obviamente. Aliás, também noutros locais, os revoltosos se encarregaram de distribuir exemplares do Programa do MFA, em mão, como prevenção para o que viesse a acontecer, para que mais pessoas pudessem saber o que Movimento pretendia, se este fosse derrotado. Assim, o República publicou a versão que lhe havia sido entregue enquanto os outros órgãos de Comunicação Social difundiram a versão oficial - que era obviamente a de 26 de Abril. Não obstante, a discrepância entre os programas divulgados passou despercebida na voragem dos acontecimentos.
Foi num contexto marcado por estas indefinições que, durante as operações do próprio dia 25, o então capitão-tenente Vitor Crespo (no Posto de Comando do MFA na Pontinha) e o então capitão-tenente Almada Contreiras (no Centro de Comunicações da Armada, no Terreiro do Paço, a partir do qual fez a ligação entre as forças da Marinha e o Posto de Comando da Pontinha) diligenciaram para que a tomada do edifício da rua António Maria Cardoso constituísse um objectivo das movimentações militares. Pela voz dum suposto “tenente Barata”, identidade inventada por Almada Contreiras por razões de segurança, pelo telefone, foram solicitadas ao então capitão-de-mar-e-guerra Pinheiro de Azevedo, comandante da principal unidade de fuzileiros navais, forças para ocupar a sede da PIDE/DGS. Pinheiro de Azevedo, que pouco antes tinha aceitado integrar a futura Junta de Salvação Nacional, já estava avisado de que, após o início das operações, iria ser contactado por “alguém” do movimento e, portanto, não estranhou o telefonema. Deste modo, mandou sair forças de fuzileiros, sancionando a acção.
Num quadro marcado por uma forte pressão da população, que tinha ocupado as ruas próximas durante o dia, a tomada final da sede da PIDE-DGS foi o culminar de um trajecto com várias etapas. Primeiro, na manhã de dia 25, realizou-se uma operação de fuzileiros navais, mal sucedida. Seguiram-se horas de grande agitação com gente que se manifestava contra a polícia política e queria a tomada da sua sede, onde os agentes estavam acoitados em grande número e bem armados, tendo finalmente a PIDE/DGS disparado, matando 4 pessoas e fazendo dezenas de feridos. Depois, forças do Regimento de Cavalaria 3 de Estremoz, cujos efectivos orçavam pelos 100 homens, cercaram a área. Em seguida, verificou-se um substancial reforço com 230 fuzileiros navais, organizados em duas forças, uma dos quais já lá havia estado durante a manhã, na operação inicial. Finalmente, as forças presentes, comandadas pelo então capitão tenente Luís da Costa Correia conseguiram a ocupação e rendição da PIDE-DGS. No momento libertador, na manhã do dia 26, estão presentes Costa Correia, oficial da Marinha, à frente de 230 fuzileiros, bem como Carlos Campos Andrada, oficial de Cavalaria do Exército, às ordens de Spínola, também de Cavalaria, munido da autoridade emanada do general mas sem efectivos militares próprios. Estas tentativas, as presenças destes militares e os seus modos de acção são significativos das contradições que caracterizaram este momento, assim como das tensões entre as diversas correntes existentes nos militares envolvidos, entre spinolistas e não-spinolistas.
Interesse idêntico exigem os processos de libertação de todos os presos políticos das prisões da metrópole. Durante o golpe, houve hesitação sobre o âmbito do acto libertador: deveriam sair todos ou apenas parte dos presos? Devido à acção de militares, da população e dos próprios presos, a realidade no terreno permitiu forçar a saída de todos eles, ultrapassando, assim, o Programa do MFA de 26 de Abril.
É que, neste Programa, constava apenas: “amnistia imediata de todos os presos políticos, salvo os culpados de delitos comuns, os quais serão entregues ao foro respectivo”. E, mais uma vez, esta versão do programa de 26 de Abril representava um recuo em relação ao Programa de dia 25, com o qual os revoltosos tinham saído para o golpe, onde estava escrito “amnistia imediata de todos os presos políticos “, sem qualquer ressalva.
Através da descrição densa e da análise destes eventos, é possível perceber como, em tempos de grande aceleração da História como o 25 de Abril e os processos revolucionários, se cruzam acções previstas para grupos organizados com outras desencadeadas por decisões pessoais, não programadas, ou com movimentações espontâneas, entrelaçando-se projectos amadurecidos com circunstâncias imponderáveis. Ao estudá-las, pode-se entender como os homens lidam com as “janelas de oportunidade” e quais os riscos que correm em momentos em que ainda não se sabe quem vai vencer.»


25.5.12

(Na imagem, espião-adjunto a enviar muitas sms a uma empresa e a um ex-ministro, enquanto disfarçado de florzinha do mato.)



Então o sr. Jorge Silva Carvalho escondeu ao seu amigo Relvas, que trata(va) por tu, que o adjunto dele no Ministério trocava mensagens com ele?! Não se faz; coitado do sr. Ministro, que assim ficou sem saber o que andava a fazer o seu adjunto politico. O grande ex-espião ter-lhe-ia evitado, pelo menos, essa mentirinha ao Parlamento, caramba. É que, sob juramento, começa a haver demasiados pormenores.

(Estamos aqui a querer fazer um jeito a Passos Coelho: se mandar embora o seu controleiro Relvas, ficará mais livre e mais solto, o que só lhe fará bem.)




sms para Relvas.


À atenção do ministro Relvas, uma declaração minha, pessoal, sem assessor nem adjunto (que não se demitiu, simplesmente nunca existiu).

Eu, por vezes (quer dizer: com interrupções, mas involuntárias), vivo com uma pessoa (não vou dizer se é homem ou mulher, ou nem por isso) que é, ou foi, ou esteve para ser, ou ainda pode vir a ser, membro de um partido da oposição (não digo de qual oposição se trata, mas NÃO é o CDS, embora o CDS seja um partido e me pareça que actualmente está, pelo menos a meio tempo, na oposição).
Senhor ministro, digo isto para não lhe passar pela cabeça divulgar o nome dessa pessoa na "internet", porque a "internet" é um sítio tramado para se "colocarem" coisas, sendo que eu ficaria em grave risco se se soubesse que tenho qualquer tipo de ligação a pessoas da oposição, já que, com a popularidade que o senhor ministro granjeou por mérito próprio, a mera suspeita de que eu poderia não fazer parte dos seus admiradores acarretaria desgostos enormes aos meus amigos. Embora, como efeito secundário, isso poderia ter a consequência agradável de dissuadir alguns dos meus amigos (especialmente aqueles que mal conheço mas almoçam comigo de quando em quando) de continuarem, neste ano da graça de 2012, a enviar-me sms sobre a ida de Geoge W. Bush ao México em 2007, coisa manifestamente despropositada e que ainda pode causar-me aborrecimentos.

Relvas ameaçou divulgar na Internet que a jornalista do Público vive com um homem de um partido da oposição.

Miguel Relvas jantou com ex-espião no Gigi.

Adjunto de Miguel Relvas demitiu-se.

Cavar sentidos no corpo de carne.

Palimpsesto (s.m.) : papiro ou pergaminho cujo texto primitivo foi raspado, para dar lugar a outro. (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa)

Arnulf Rainer, um dos artistas do "accionismo vienense", pratica uma espécie de palimpsesto com as suas máscaras mortuárias: pinta sobre elas. Mas «Rainer nunca pinta para recobrir a pintura, mas antes para a clarificar na sua intencionalidade. Neste sentido, nada apaga e, simultaneamente, cobre para procurar a génese».[*]


Inscrevendo as minhas vidas nas tuas vidas, faço uma outra espécie de palimpsesto: inscrevo sentidos em vida e espero que o teu sentido esclareça o meu sentido, que o teu sentido seja gerador do meu sentido (e inversamente).


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[*] Carlos Vidal, O corpo e a forma. Dois conceitos, o mesmo tema. Cindy Sherman, Arnulf Rainer, Porto, Mimesis, 2003, p. 39





Arnulf Rainer, Cadaveri IV, 1980

enquanto os financeiros alemães inventam o tuga como euro português...


Os líderes da União Europeia encontraram-se ontem ao jantar e concordaram que as suas discordâncias não permitiam mais do que encomendar ao senhor Herman van Rompuy, presidente do Conselho Europeu, um estudo sobre perspectivas muito futuras de mutualização das dívidas soberanas na Europa. Como vem acontecendo com as cimeiras às dúzias dos últimos anos, isto provavelmente não quer dizer nada. É por isso que nem se nota muito a falta de Durão Barroso, que ainda aparece nas fotografias mas sem que se leia eco algum de alguma coisa que ele tenha proposto que tenha sido considerado relevante por alguém.
Claro que tudo isto é assim porque os teóricos da soberania dos Estados-nação, de direita e de esquerda, continuam a ter força suficiente para impor uma arquitectura institucional da União Europeia que não deixa fazer nada sem que se chegue a um perfeito consenso entre toda a gente sentada à volta da mesa. Sintomas - não causas, nem efeitos, mas sintomas - desse clima intelectual, que patina sempre nas mesmas poças de lama, são coisas como a extraordinária abertura que Pedro Lomba dá ao seu artigo de hoje no Público. Dizer - dizer não, passar a escrito - que a União Europeia é um território "cujas fronteiras ninguém sabe identificar com precisão", é um sintoma da falta de percepção institucional dos que confundem a União Europeia com a vaga "Europa". Se fosse mais claro para todos que pagamos todos os dias os delírios soberanistas de gente que não percebe que o conceito de "Estado" não tem a mesma idade do Condado Portucalense, mas que é uma construção, e que as construções servem para o que servem e podem ser deitadas fora se for necessário e conveniente, poderíamos então passar a outra fase do debate.
Esse é um ponto que o líder do PS percebe bem. O que António José Seguro está a fazer, bem, na qualidade de SG do PS, é tentar colocar o debate nacional em perspectiva europeia. O Parlamento aprovou ontem uma resolução retintamente segurista que "recomenda ao governo que proponha e apoie medidas de natureza institucional e políticas que vinculem juridicamente aos Estados Membros da União Europeia e que conformem uma agenda de crescimento e de criação de emprego na União Europeia". Só o PS votou a favor (votação final global), tendo-se abstido a maioria de direita e votado contra a esquerda da esquerda. No debate ponto por ponto, alguns aspectos da proposta do PS foram rejeitados por votação conjunta PSD, CDS, PCP/PEV e BE; outros mereceram a abstenção do Bloco; outros foram "substituídos" por texto da direita. Claro que, tivesse a recomendação ao governo sido aprovada tal qual o PS a propôs, isso não seria a salvação da pátria: a saída da crise não se faz com passes de mágica. Contudo, esta é a linha de procura em que o PS deve prosseguir e insistir: a saída para a nossa crise só pode ser uma saída europeia; o discurso simplista da esquerda da esquerda, quando se aproxima muito do mero "não pagamos", só poderia piorar a nossa situação, no imediato e a prazo (como até o líder grego do Syriza já dá sinais de perceber); a boleia que os fanáticos do liberalismo económico estão a apanhar da troika equivale a pedir mais chuva quando estamos alagados; a alternativa é outra orientação europeia, que não será fácil de construir, mas para a qual é preciso trabalhar, combinando rigor com mais justiça social e com políticas económicas focadas no emprego e na qualidade de vida das pessoas.
A estratégia europeia de Seguro não faz milagres. Aliás, nada faz milagres. Mas é a única via possível, em dois sentidos. Por um lado, é a única coisa que o PS pode fazer neste momento, consciente de que não pode contribuir para uma turbulência institucional que se pagaria com mais sofrimento de todos (esquecer isso foi o pecado da coligação negativa PSD, CDS, PCP, BE, quando entregaram a nossa cabeça numa bandeja aos mercados). Por outro lado, a manobra europeia é a única coisa que interessa a uma efectiva mudança de quadro que alivie a corda que nos aperta a garganta. Essa possibilidade foi o vento fresco que Hollande trouxe à Europa, por muito que isso desagrade aos comentadores raivosos com o despedimento de Sarkozy.

23.5.12

Luís Montenegro no Parlamento.

Luís Montenegro acusou o Primeiro-Ministro de ser o campeão dos cortes nos salários, nas pensões e no abono de família.



fenómeno linguístico.

Sguedno um etsduo da Uinvesriadde de Cmabgirde, a oderm das lertas nas pavralas não tem ipmortnacia qsuae nnhuema. O que ipmrtoa é que a prmiiera e a utlima lreta etsajem no lcoal cetro. De rseto, pdoe ler tduo sem gardnes dfiilcuddaes... Itso é prouqe o crebéro lê as pavralas cmoo um tdoo e nao lreta por lerta.

o blogue d'O Coiso.


Álvaro é muito mais esperto do que parece. Ele anda há anos a conceber a política económica que agora, como ministro, não está a aplicar. Pelo menos desde 14 de Janeiro de 2004 que tem um recanto teórico dedicado ao "coiso", como se pode ver aqui e com este conteúdo. Um verdadeiro retrato.



cuidado com as liberdades (continuação).


Enquanto a tal empresa não puder pedir ao tribunal que profira uma sentença e a esconda, podemos ler, transcritos na sentença, os comentários que a empresa pediu que fossem censurados e o tribunal acedeu a que fossem censurados. Está aqui à vossa disposição (obrigado, Shyznogud).
(Ou será que o tribunal é mais manhoso que a empresa e deu tal decisão para fazer ainda mais publicidade à tal empresa e às suas práticas?!)


22.5.12

Gostam das palestras TED?


Eu também gosto. Mas vale a pena reflectir sobre certas decisões editoriais.

Primeiro, vejam esta opinião acerca de um possível caso de censura. Se não conseguirem, voltem aqui.

Podemos ver o que foi, ali, apagado, recorrendo à cache do Google,: Is TED censoring talks as too partisan such as Nick Hanauer's TED talk on income inequality and job creation myths? If so, why?.

E a conferência censurada é esta:


À consideração dos leitores.

cuidado com as liberdades.


O blogue dos Precários Inflexíveis publica um post a dar voz a denúncias sobre uma empresa que, alegadamente, encontrara formas um tanto estranhas de explorar a força de trabalho dos que andam a precisar de sobreviver de algum modo. Esse post de denúncia recebeu muitos comentários, que em geral não tendiam a tecer loas às práticas da tal empresa. A dita empresa não gostou do efeito dessas denúncias na sua imagem corporativa e pediu a um tribunal que calasse tais denúncias.
O tribunal, considerando o direito à expressão, achou excessivo o pedido da empresa para que se mandassem apagar os tais comentários. Como tal (????) o tribunal mandou suspender esses comentários!!! Quer dizer, os comentários não são apagados para ter em conta o direito à liberdade de expressão, mas são suspensos... Quer dizer: os autores do blogue podem ler esses comentários, mas não podem deixar mais ninguém lê-los - e isso é que é proteger a liberdade de expressão?!
Dado o estatuto dos comentários a um post num blogue, isto quer dizer que se uma empresa me aldrabar eu não posso denunciar isso num grupo de amigos, porque um tribunal qualquer pode decretar que isso prejudica a empresa que eu estou a denunciar?
Está tudo doido ou sou eu que sou demasiado intolerante com empresas que aproveitam demasiado bem o estado de necessidade das pessoas?
Há que seguir as notícias sobre este assunto: Tribunal determina suspensão de comentários no blogue dos Precários Inflexíveis.

10 livros que não mudaram a minha vida.


1 – René Descartes, O erro de Damásio, Haia, Editora do Museu

2 – Ivan Denisovitch, Um dia na vida de Alexander Soljenitsin, Varsóvia, Editora Reverso

3 – Karl Marx, Pour Althusser, Carnaxide, Edições Novo Progresso

4 – Foucault, O pêndulo de Eco, Torino, Editora Técnica

5 – Sigmund Freud, La mégalomanie de Israel Rosenfield, Paris, La librairie do XXème siècle

6 – Sísifo, O mito de Camus, Argel, Editora Existência

7 – Símon Bolívar, Garcia Marquez en su laberinto, Caracas, Editora Mondadori

8 – Fausto, Goethe, Bona, Editora do Ministério da Ciência

9 – Ulisses, James Joyce, Tróia, Editora Exílio Obscuro

10 – Brodie, El informe de Borges, Buenos Aires, Editora MC

se faz quá-quá e se abana o rabinho, então é bem capaz de ser um pato.


Henrique Raposo, referindo-se a Relvas, escreve: «O problema não é a ameaça do blackout ao Público, uma hipótese meramente académica que infantilizaria, caso fosse concretizada, todos os membros do governo.» Parece que Henrique Raposo não sabe que há "personalidades" (e respectivos ajudantes) que riscam jornalistas de listas para almoços, de listas para entrevistas, ou apenas de listas para "recadinhos", quando o/a jornalista escreve ou diz qualquer coisa que não cola com a imagem oficial que foi fabricada para a dita "personalidade". Ou, se sabe, não percebe que isso é, de facto, manipulação da comunicação social. Ou, se percebe, quer guardar o "segredo" só para ele.

não sei se se confirma que Relvas tenha andado nesta escola.



Телеграфное агентство Советского Союза
(Telegrafnoye agentstvo Sovetskovo Soyuza)
Agência Telegráfica da União Soviética

a economia como ciência ou o pecado da barriga cheia sem motivo.


Coisas difíceis de compreender para pessoas tão ilustres:
A missão do Conselho das Finanças Públicas é contribuir para a qualidade da democracia, não substituir-se à democracia, aos partidos e ao parlamento. Em democracia, o Rei, através das instituições que o representam, é o povo. Se Teodora Cardoso (Presidente), Jurgen von Hagen (Vice-Presidente), Rui N. Baleiras, George Kopits e Carlos Marinheiro não gostam das escolhas que a democracia tem feito e planeia vir a fazer, sugiro que se candidatem em eleições. Em democracia, é assim que funciona.

Integral aqui, por João Galamba.

21.5.12

Os vulgares e os outros (epístola aos deterministas).


Dedico este excerto de uma obra de Dostoiévski a todos aqueles que acreditam que nós somos apenas peças de uma grande máquina, peças sem liberdade, cujas "acções" são apenas movimentos dos nossos constituintes físicos, determinados inexoravelmente pela longa sequência de tudo o que aconteceu antes.


- (…) Acredito apenas na minha ideia principal, que consiste precisamente em que as pessoas, pelas leis da natureza, se dividem em geral em duas categorias: a inferior (vulgares), ou seja, por assim dizer, o material que serve unicamente para engendrar semelhantes; e os homens propriamente ditos, ou seja, as pessoas que possuem o dom ou o talento de dizer, no seu meio, uma palavra nova. (…) a primeira categoria, ou seja, o material, consta em geral de pessoas conservadoras por natureza, correctas, que vivem na obediência e gostam de ser obedientes. (…) A segunda categoria consta dos que violam a lei, que são destruidores ou têm propensão para o serem, consoante as suas capacidades. (…) A primeira categoria é sempre senhora do presente, e a segunda é a senhora do futuro.

- (...) Mas diga-me uma coisa: como se podem distinguir os vulgares dos invulgares? Têm alguns sinais de nascença?


Fiodor Dostoiévski, Crime e Castigo (1866)

Tradução portuguesa publicada pela Editorial Presença, 2002, pp. 245-246

monumentos ao sentido de oportunidade.


Quando "sentido de oportunidade" é um palavrão muito feio.

Ler Daniel:

... tendo havido mesmo quem defendesse que vivíamos num ambiente de "asfixia democrática". Por essa altura, um grupo de jovens (e menos jovens) bloguistas chegou mesmo a organizar uma concentração em frente ao Parlamento em defesa da liberdade de imprensa, coisa nunca vista, nem nos tempos do cavaquismo, aqueles em que a pressão aos jornalistas foi, em democracia, mais sistemática.
É agora interessante observar o silêncio dessas mesmas pessoas. Fui ver a lista de promotores dessa passeata dos tempos socráticos. Deixei de fora os meros subscritores do apelo para a manifestação e os blogues coletivos que a ela se associaram. Fiquei-me pelos promotores individuais iniciais. À espera que gritassem presente por uma imprensa livre. Entre os poucos promotores estavam pessoas que o leitor pode não conhecer mas são relativamente populares na blogosfera: Adolfo Mesquita Nunes, Carlos Nunes Lopes, Vasco Campilho e Rodrigo Moita de Deus, por exemplo.
Porquê o seu silêncio? Porque alguma coisa mudou na vida do País e nas suas vidas. Adolfo Mesquita Nunes poderia ser coerente e protestar também agora. Mas entretanto tornou-se deputado do CDS. Carlos Nunes Lopes podia ter vindo de novo em defesa da liberdade de imprensa, mas agora é chefe de gabinete do secretário de Estado dos Transportes. Vasco Campilho poderia ir para a frente de São Bento defender os jornalistas dos abusos de Relvas, mas agora trabalha no Ministério do Ambiente e é um dos coordenadores do Plano Operacional de Valorização do Território. Rodrigo Moita de Deus, o mais ativo dos protestantes do passado, podia ter organizado outra concentração contra a "asfixia democrática", mas entretanto passou a ser membro do Conselho Nacional do partido de Miguel Relvas. Se em relação a José Sócrates não lhe faltaram palavras, hoje escreve: "Miguel Relvas lida com jornais e jornalistas há mais de uma década. Se fosse pessoa para fazer o que acusam já todos teríamos dado por isso. Nem teria sobrevivido até aqui." Ou seja, de indignados pela liberdade de imprensa os jovens bloguistas passaram a obedientes e silenciosos assessores, deputados e dirigentes partidários.

Integral aqui.


já que se fala por aí de portugalidade.


"José Mattoso [em A Identidade Nacional] conta-nos que um dia o rei D. Luís perguntou do seu iate a uns pescadores, com quem se cruzou na costa, se eram portugueses; e a resposta foi desconcertante e clara: «Nós outros? Não, meu Senhor! Nós somos da Póvoa do Varzim!». A resposta revela a complexidade do problema. O serem portugueses não lhes pôde ocorrer, quando a pertença à comunidade próxima é que estava presente."

Guilherme d'Oliveira Martins, Portugal - Identidade e Diferença, Gradiva, 2007, p. 16

20.5.12

O Império Romano e a União Europeia.




Muitos creditam à União Europeia (ex-CEE) 50 e tal anos (desde 1957) de paz e prosperidade (tendência geral nunca antes tão desmentida como agora) a benefício dos povos europeus. Contudo, mesmo entre os que foram intensamente financiados por outros mais prósperos (como os portugueses), uma moda de indiferença face a essa “casa comum” passou a uma moda de desconfiança e até hostilidade. A convicção de que o que temos está garantido e não nos pode ser tirado transformou-se na convicção de que vale tudo e qualquer coisa pode acontecer, graças aos egoísmos nacionais e ao pouco cuidado com o interesse comum. Tendemos, por isso, a ser ligeiros; a achar que podemos simplesmente entrar na lógica destrutiva do dente por dente, sem que paguemos mais por isso. Será assim? Procuremos contribuir para uma resposta com um paralelo com o império romano e a sua queda.

Poderíamos sempre tentar uma resposta “cultural”. Por exemplo, lembrando que ferramentas culturais básicas se ressentiram: a capacidade de ler e escrever, muito difundida no império romano devido às necessidades burocráticas e económicas, não apenas entre as elites mas também nas “classes médias”, regrediu no período pós-romano até ao ponto de mesmo grandes reis ocidentais terem sido analfabetos. (O clero foi, em larga medida, uma excepção importante.) Mas nesse campo poderíamos apontar, após a queda do império romano, o florescimento de formas superiores de cultura, por exemplo aquelas que foram protegidas e praticadas nos círculos religiosos. Por exemplo nos mosteiros e nas catedrais. Mas não vamos por aí. Vamos às coisas “menores”, à vida material quotidiana.

No auge da sua extensão o Império Romano incluía quase toda a Europa ocidental, largas faixas em redor do Mediterrâneo, bem como regiões mais orientais, desde os Balcãs à Grécia, Egipto, Ásia Menor, chegando à Síria e fazendo a oriente fronteira com a Pérsia e com as regiões caucasianas. A queda do Império a Ocidente, em 476 d.C., deu lugar a um longo período de retrocesso sócio-económico, como escreve Bryan Ward-Perkins, em “A Queda de Roma e o Fim da Civilização”: “o domínio romano, e sobretudo a paz romana, trouxe níveis de conforto e sofisticação para o Ocidente que não tinham sido vistos anteriormente e que não seriam vistos de novo durante muitos séculos”. Vejamos o que quer isso dizer mais em concreto.




O que Bryan Ward-Perkins procura mostrar é que a queda do império romano do ocidente representou um retrocesso na vida material da maioria da população - e não apenas de alguns escolhidos.

Os romanos produziam bens de uso corrente (não apenas de luxo), de qualidade muito elevada, em enormes quantidades, e depois difundiam-nos largamente, sendo por vezes transportados por muitas centenas de quilómetros para serem consumidos por todos os grupos sociais (não apenas por ricos). A existência de “indústrias” muito desenvolvidas, funcionando com trabalhadores razoavelmente especializados, produzindo em grandes quantidades e vendendo para zonas remotas do império, suportadas em sofisticadas redes de transporte e de comercialização, era possível graças à infra-estrutura de estradas, pontes, carroças, hospedarias, barcos, portos de rio e de mar – e à burocracia imperial, incluindo um exército numeroso, para enquadrar e proteger todo esse fervilhar. Exemplos concretos são como seguem.

A cerâmica, utilizada para o armazenamento, preparação, cozedura e consumo de alimentos, era de alta qualidade, tanto em termos práticos como em termos estéticos. O nível de sofisticação da cerâmica romana usada para preparar e servir alimentos só volta a ser observado alguns 800 anos depois, pelo século XIV. Também as artes da construção de edifícios, que os romanos tinham sofisticado quer para casas luxuosas quer para casas vulgares, em vastas regiões do antigo império perderam-se e deram lugar a povoados construídos quase inteiramente de madeira, onde antes se construía de pedra e tijolo (para já não falar das casas mais sofisticadas com aquecimento por baixo do chão e água canalizada). Já a fundição de chumbo, cobre e prata, que permitia a realização de muitos utensílios sofisticados, também entrou em queda com o desabar do império e só nos séculos XVI e XVII terá voltado a atingir os níveis da época romana.

Enquanto no império as moedas de ouro, prata e cobre eram perfeitamente acessíveis e largamente utilizadas nas trocas económicas, o que veio depois foi o desaparecimento quase total da utilização diária da moeda, a par com o desaparecimento de indústrias inteiras e de redes comerciais. Os produtos de luxo continuaram, em maior ou menor grau, a ser produzidos para os mais ricos, mas os produtos de uso mais geral e de qualidade é que escassearam ou desapareceram. Em certas zonas do antigo império, certos aspectos da economia e do bem-estar material regrediram para níveis da Idade do Bronze. Mesmo muitas economias regionais foram destroçadas pela instabilidade política e militar.

Os benefícios do império também se estenderam à agricultura. Um exemplo curioso: até o tamanho médio do gado aumentou consideravelmente no período romano, graças à disponibilidade de pastos de boa qualidade e de forragem abundante no Inverno. O tamanho do gado regrediu, depois da queda do império, para níveis pré-históricos.

E que é que isto tem a ver com a União Europeia?

Em que é que a queda do Império Romano do Ocidente pode contribuir para uma reflexão sobre a União Europeia? O que é que interessa que a queda do Império Romano do Ocidente tenha tido como consequência um abaixamento dos níveis de conforto e de sofisticação da vida de largos estratos da população?

A queda do império romano do ocidente não foi apenas um abalo para as elites políticas, sociais e culturais. Representou um retrocesso no conforto material da esmagadora maioria da população. Já para não falar de que desapareceu assim o instrumento do maior período contínuo de paz (500 anos) vivido na região mediterrânica. Talvez seja útil reflectir nisto: o progresso e o bem-estar (material e espiritual) não estão nunca garantidos - um horizonte que pode ser ainda mais negro do que vemos hoje. Podemos sofrer recuos profundos e duradouros se não soubermos preservar e melhorar as formas sociais e políticas que são as suas condições de possibilidade.

O império romano durou muitos séculos e foi finalmente abalado e destruído. E demorou muitos séculos a recuperar o que se perdeu. A “nossa Europa” tem 50 anos e poucos anos e há nela ainda muito por fazer. E também ela não está garantida para todo o sempre, como hoje parece claro, dependendo da sabedoria com que soubermos ajustá-la continuamente às novas necessidades. Estaremos conscientes disso quando alimentamos o cepticismo, ou mesmo a hostilidade, face a essa realização comum de paz e de progresso? Estaremos cientes de que nenhuma realização das sociedades humanas pode sobreviver à indiferença dos seus principais beneficiários ou à tentativa de resolver as dificuldades à custa dos outros?

Quererá isto dizer que devemos aceitar a UE como o melhor dos mundos possíveis? Aceitar sem crítica as suas políticas (e os seus políticos)? Não. Quererá isto dizer que a UE é intrinsecamente boa? Parece hoje, mais do que nunca, evidente que não. Que devemos prescindir de tentar torná-la mais útil aos seus povos e aos outros povos do mundo? Não. Isto quer apenas dizer que nada está historicamente garantido e que, se não assumirmos colectivamente a nossa quota-parte de responsabilidade pelo futuro comum, as consequências podem ser desagradáveis. E isto deve contar na forma como avaliamos as propostas que por aí andam para responder à crise. É, afinal, sempre e ainda, aquela história do bebé e da água do banho.


(Actualização)

uma estátua para Relvas.



(Budapeste, Março de 2006. Foto de Porfírio Silva)

19.5.12

o Relvas da escrita.


O ex-Secretário de Estado Vasco Pulido Valente usa a sua crónica no Público de hoje para expressar a raiva de uns tantos por Hollande ter ganho as presidenciais francesas e, em consequência, ter nomeado um governo com as cores que bem entende. O ex-Secretário de Estado, cujas glórias de governante já nos esqueceram, certamente por defeito da nossa memória e não do brilhante exercício do titular, faz isso passando para o papel da última página do jornal uma lista truncada de ministérios do novo governo da França. O objectivo é ridicularizar o PS francês e, de passagem, o PS português e o BE. Ficaria mais barato ao jornal, suponho eu, mandar escrever uma notícia com a composição do governo francês, em vez de deixar isso a um ex-Secretário de Estado que nem sabe traduzir "Économie Numérique", que diz ser "para enterrar para sempre a economia sem números". Ficamos sem saber se o ex-Secretário de Estado não se apercebe da importância da Economia Digital ou se, momentaneamente, alguma substância lhe fez esquecer o seu, seguramente portentoso, domínio da língua francesa.
Tolerar as diatribes intelectuais deste ex-Secretário de Estado é tão revelador do estado do nosso debate público como tolerar Relvas como ministro é revelador do estado ético do nosso governo.

18.5.12

já chegámos à Madeira?


Relvas em acção.

«O ministro adjunto dos Assuntos Parlamentares terá ameaçado promover um boicote de todos os ministros ao jornal Público e divulgar na internet detalhes da vida privada da jornalista Maria José Oliveira, revela um comunicado assinado hoje pelos membros eleitos do Conselho de Redacção do jornal. As ameaças, confirmadas pela direcção do jornal, terão sido feitas para o caso de ser publicada uma notícia que desenvolvia o tema das contradições no testemunho do ministro na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, na passada terça-feira.»

Mais aqui.

17.5.12

robô cria serigrafia contra as touradas.




Serigrafia sobre papel "criada pelo robô ISU em colaboração com Leonel Moura".

Assim o diz Leonel Moura.

Digam-me: poderemos verdadeiramente dizer que o robô criou uma serigrafia anti-tourada?


9.5.12

tudo a ver quem chega primeiro à porta de saída.


Sarkozy "aplaudido de pé" pelos seus ministros.

Também aplaudo de pé no fim dos concertos, quando quero despachar-me sem perder de vista a possibilidade de um encore. Vou aplaudindo enquanto me dirijo para a porta.

E pur si muove.


A coligação de centro-direita governante na Alemanha adiou as votações do Tratado Orçamental e do Mecanismo de Estabilidade Europeu (MEE) no parlamento federal, que estavam agendadas para 25 de Maio. Pode ficar tudo para depois da cimeira extraordinária de chefes de Estado e de Governo da União Europeia, a 23 de Maio, em Bruxelas, ou mesmo para depois do Conselho Europeu em finais de Junho. Os Social-Democratas e os Verdes, cujo apoio é indispensável para os dois terços que terão de aprovar o Tratado Orçamental, já tinham exigido o adiamento da votação.

a Grécia por um canudo.


Merkel e seus amigos votaram, e muito, nas eleições gregas. Votaram pela extrema-direita e votaram pela esquerda anti-europeia. É natural que os gregos se marimbem na Europa se os líderes da Europa demonstram desprezo pela Grécia. Barroso fala fala e não diz nada - ou diz sempre o que ouviu algures, mas com uns dias de atraso, sinal de que não está grávido de ideia nenhuma que interesse à União. Falar em nome da Europa como se os gregos nos devessem tudo e nós nada devêssemos aos gregos é convidar a Grécia a votar pelo isolamento. A negociação do nosso futuro comum é uma negociação global e em profundidade - coisa que não existe há muito tempo, porque a Europa está a ser pensada em função das próximas legislativas alemãs - e os aflitos não votam na Germânia.

pequenos sermões.


É preciso ter a coragem, hoje, de não andar a dizer aquilo que as pessoas, angustiadas, querem ouvir.
É preciso deixar de dizer coisas simples, para não induzir as pessoas a pensar que há soluções simples. Porque, de facto, não há.

8.5.12

e para um homem ser pai?


Portugal é o 15.º melhor país para uma mulher ser mãe.

E, para não deixar ninguém de fora: e para uma mulher ser pai? e para um homem ser mãe?

romper com a troika.


Soares diz que PS tem de romper com a troika.

A ideia de "romper com a Troika", expressa como ideia de um interruptor, ligado/desligado, agora-sim-agora-já-não, cortar agora e cortar a direito, "romper" - é uma ideia demasiado simplista para o que está em causa.
Há uma distância entre ter engolido as condições enfiadas mais ou menos à força na nossa goela pelos homens do fraque, que deixaram ao país pouca margem para escolher, e ser ideologicamente entusiasta de Troika e mais ainda, como já se identificou publica e expressamente Passos Coelho. Certo, há essa diferença e ela importa. Mas os países não são "peixes binários", nem o vento sopra no modo tudo ou nada. Há uma complexa equação e há uma série de incógnitas em jogo, que envolvem múltiplos actores e múltiplos níveis institucionais. Querer que ignoremos isso e demos passos maiores do que a nossa perna é pura irresponsabilidade. E aqueles que pagariam o preço real da ousadia, nas suas condições de vida, se "rompêssemos" com quem nos empresta o dinheiro assim como quem dá cá aquela palha, merecem mais respeito.
Um federalista como Mário Soares (nisso, sigo-o) não ignora nada disto, nem atira as culpas para o papão da perda de soberania nacional. Mas deveria ter sempre presente que não é simples o trabalho que há a fazer para deslocar as placas tectónicas do pensamento único. As palavras de ordem demasiado simples ficam, em geral, aquém do esforço de pensamento e concertação que precisamos para resolver situações complexas. É que, como me lembrava há poucos minutos, desde Belgrado Zagreb, o meu amigo Z., "os grandes navios viram muito lentamente". E convém não os atirar contra os icebergues.

errado. não é a excepção.


Tem sido muito repetido mas está errado. Valéry Giscard d'Estaing, presidente em funções, foi batido por François Mitterrand em 1981.

não pagamos.


Líder da extrema-esquerda na Grécia diz que acordo com a troika é nulo.

«Alexis Tsipras, líder da extrema-esquerda que está a tentar formar um governo de coligação na Grécia, disse hoje que “o veredicto popular anula claramente o acordo de ajuda”.»

Agora é que vamos começar a experimentar se palavras de ordem chegam para governar um país.

Esta é a tragédia da esquerda: os que só pensam em governar segundo "o costume", raramente arriscam tentar concretizar qualquer coisa que nos tire mesmo da irracionalidade dominante (sim, é irracional que haja gente entre nós que passe fome); os que só pensam no que seria bom, sem pensarem como se vai do "agora" para o "diferente", têm ideias bonitas que geralmente nunca passam das palavras e dos corações. São poucos os que tentam a porta estreita entre esses dois abismos.

Haverá alguém na Grécia a tentar a porta estreita?

(Isto, já para não perguntar por outros países.)


Grécia.


Sem prejuízo do que disse antes sobre Atenas e o resto, vai ser importante saber se todos os partidos que têm muito êxito a estar contra também são depois capazes de fazer as coisas de outra maneira.


7.5.12

devo deduzir daqui que quem se mete com os magistrados leva?


Nem as audições parlamentares escapam, é isso?

Emídio Rangel foi condenado hoje a 300 dias de multa e a 100 mil euros de indemnizações, por dois crimes de ofensa a pessoa colectiva, por ter acusado, no Parlamento, juízes e magistrados do Ministério Público pertencentes aos sindicatos de passarem informação em segredo de justiça aos jornalistas.

Uma acusação absolutamente absurda, a de Rangel: alguém já deu conta de que se passem informações em segredo de justiça para os jornalistas? Mesmo que isso, muito hipoteticamente, se verificasse, seria só em casos muito raros. E, mesmo assim, mais depressa seria o aspirador do pó a passar as informações do que os magistrados.

grande coisa.


Português apresenta projecto de casa que segue o Sol.

Grande coisa. Passos Coelho já tinha antes inventado um governo que segue a Merkel. (Ainda assim, melhor que Durão Barroso, que segue sempre as últimas notícias: agora também já é a favor das políticas para o crescimento, em vez de esperar que ele caia do céu.)

isto quer dizer que a França também tem o seu Miguel Abrantes?


Não em versão blogue, mas em versão vídeo.

Ou será que o Miguel Abrantes afinal era o Sócrates e agora anda para os lados de Paris? Isso explicaria o silêncio do Câmara Corporativa...



(Vídeo roubado à Shyznogud)

Atenas.


Agora está tudo muito preocupado porque a Grécia está num caos político.
Seria bom terem pensado nisso antes, quando reduziram as opções dos gregos ao tudo ou nada, quando ignoraram as dificuldades específicas da Grécia (por exemplo, ser a fronteira externa mais permeável da União), quando bateram na cabeça dos políticos pró-europeus até eles terem aceite que um bom grego é um grego ajoelhado. Quando a democracia não serve para cidadãos de pleno direito se concertarem acerca do que fazer em conjunto, a democracia deixa de servir para o que quer que seja. Ou, então, os cidadãos deitam a barraca abaixo e, nessa altura, pode ser que os sábios do norte comecem a pensar a sério no assunto.
Entretanto, o mesmo pensamento único que nos trouxe até aqui não desarma. É esse mesmo pensamento único que anda por aí a escrever que espera que Hollande não faça como presidente aquilo que prometeu em campanha. Parece que isso é que seria ser "responsável". O pensamento único é suficientemente quadrado para pensar que o mundo só pode ter uma solução. E, além disso, o pensamento único é suficientemente anti-democrático para defender que os políticos façam depois de eleitos o contrário do que diziam antes. O pensamento único, além de ser uma fraude intelectual, é uma vergonha moral quando chega à apologia da mentira como método geral da governação.

Paris.


Pela primeira vez, a esquerda ganha Paris numa eleição nacional.


normal.


O Libé de hoje.

Normal. Há gente que toma isto por um insulto. Há pessoas que tomam a sua errada percepção do seu próprio tamanho como grandeza ou sentido de Estado. Mas só gente normal se pode agigantar.
Oxalá seja o caso.



E mais isto:




6.5.12

a Europa que aí vem.


Do que já se sabe das eleições em França e na Grécia (vitória de Hollande; uma soberana confusão a sul) fica claro que a Europa não vai poder continuar a ser governada a golpes de martelo. Até agora têm imposto a sua vontade aqueles usam a sua força para vergar os demais e que têm do jogo democrático dentro da UE uma concepção muito esquemática. Vai ser preciso aprender a negociar mais abertamente, tendo em conta os eleitorados e não tratando os governos nacionais como filiais de um comando europeu cuja legitimação democrática é percebida como fraca pela generalidade dos cidadãos. A democracia não se esgota nas eleições, uma verdade válida para qualquer comunidade política sofisticada; numa estrutura de governo muito indirecta, como a da UE, perceber isso é ainda mais importante. Pode ser que estes resultados obriguem, com mais ou menos dor, a perceber isso.

França.


Sobre a Grécia, está mais difícil escolher o livro...


5.5.12

a tentação da expulsão.



Boaventura Sousa Santos terá afirmado que "Vítor Gaspar tem passaporte português mas é alemão". Discordo desse tipo de abordagem. A divergência política ou ideológica não pode excluir nenhuma das partes da discordância, não pode atirar o outro para o lado de fora da fronteira da comunidade de discussão. As ideias não têm pátria e é duvidoso que as pátrias ainda tenham ideias. Numa comunidade democrática não é admissível que se tente colar a ideia do outro à ideia do inimigo tal como o figuramos no nosso discurso. BSS não é um político qualquer que não conhece o peso das palavras. Devia ter vergonha de deixar sair da sua boca uma coisa destas. Uma pena: até porque certamente esta infeliz abordagem não nos deve desaconselhar de ler com proveito o resto.

colunas estreitas.


Henrique Monteiro reitera em mais um sábado (este sábado) o seu recorrente cinismo na coluna da última página do caderno principal do Expresso. A propósito do Pingo Doce, claro. É um daqueles textos que dá vontade de esmiuçar linha a linha, para demonstrar quase matematicamente a vacuidade da coisa (e é nessa vacuidade que se entranha o tal cinismo, pois lamber os dedos besuntados com chocolate enquanto os vampiros enterram o dente no pescoço da vítima - não é apenas lamber os dedos besuntados com chocolate, é ser cúmplice dos vampiros).
Detenho-me aqui, contudo, apenas numa passagem dessa coluna. Escreve HM, no seu ponto 4: "A esquerda e os sindicatos tiveram como primeira reação queixar-se de dumping. Algo de que deveria ser o engº Belmiro e outros proprietários de supermercados a queixar-se."(*)
Quer dizer: a concorrência é uma coisa que só interessa aos tendeiros, mais ninguém se deve preocupar com isso. Se algum lojista se sentiu prejudicado no seu negócio, que se queixe; caso contrário, que nos importa a nós isso? HM parece julgar que a protecção da concorrência é um assunto de capelinha entre oficiais do mesmo ofício. Pois, não, HM: a protecção da concorrência é para nos proteger a todos, aos que compramos, embora os interesses dos próprios concorrentes sejam instrumentais na protecção dos interesses dos clientes.
Aplicar o raciocínio de HM à política seria algo como defender que só os partidos políticos podem queixar-se se houver fraude eleitoral, porque eles é que são os interessados (os "concorrentes" nesse caso). Mas, não, a fraude eleitoral prejudica um bem que é de todos, que é o sistema de eleições livres.
Eu até acho, como já escrevi, que a questão do dumping não é a questão mais interessante nas comemorações que o Pingo Doce fez do 1º de Maio. Daí a fazer das questões de concorrência um assunto que "a esquerda e os sindicatos" deveriam colocar em segundo plano, vai um passo. Parece que HM aborrece que "a esquerda e os sindicatos" defendam mais a "liberdade capitalista" do que a própria direita e certo patronato. Sinais dos tempos.

(*) Eu não escrevo com a mesma ortografia que HM, mas isso pode ser defeito meu e não dele.

4.5.12

uma nova teoria sobre os sectores económicos.


O historiador José Pacheco Pereira espera pela clarificação da nova Lei das Fundações para decidir o destino a dar à sua biblioteca/arquivo, que “atingiu tal dimensão que não pode continuar a ser privada”.

Portanto, uma coisa privada, quando cresce, quando cresce muito, muito mesmo... torna-se pública! Poderá crescer também para o sector cooperativo?

Isto, claro, para o caso de o historiador estar mesmo certo, mesmo certo, de que ser privado e ser fundação é incompatível...

(Isto é reinar com o JPP: acho que a preocupação dele até faz sentido. Mas há certa coisas que podiam ser poupadas à respectiva inclusão no palavreado mediático, sobretudo a desoras, sob pena de começarmos de repente a pensar no senhor Berardo a propósito do historiador, coisa que não sei a qual deles desagradaria mais.)

grego ou romano, judeu ou gentio.


Evitar cair no multi-culturalismo relativista, evitando ao mesmo tempo cair na ortodoxia eurocêntrica, não é fácil quando chegamos ao concreto. Defender as nossas liberdades sem fazer de conta que isso é igual a impor as nossas opiniões; aceitar o Outro sem prescindir do que é fundamental para nós e sem descaracterizar nas nossas sociedades aquilo que não pode ser negociado; desfazer a velha dicotomia entre o "antes vermelhos que mortos" e o "antes mortos que vermelhos" - não é fácil.
Rob Riemen, filósofo holandês, em entrevista ao Público/2 do passado Domingo 29 de Abril (conduzida por Teresa de Sousa), dá uma pista: «a ideia socrática de cosmopolitismo: eu sou um cidadão do mundo. Ele disse precisamente que não interessa onde se nasceu: não és um grego porque nasceste neste solo, mas és um grego porque adquiriste um certo tipo de educação».
Adquirir um certo tipo de educação, digo agora eu, é fazer o caminho de, com a tua cultura, te aproximares da minha terra e da minha gente, usares as ferramentas de decisão em conjunto que por cá existem, e entrares numa troca mutuamente respeituosa de horizontes. Dar e receber, contando com o meu interesse e lealdade, mas dando também o teu interesse e lealdade. Percebendo que uma comunidade não é uma máquina que se manipula à vontade, mas uma história comum que tem a sua própria dinâmica e contingências, o seu próprio tempo e inércia. O que eu posso fazer é dar a mesma disponibilidade para quando me dirigir à tua terra e às tuas gentes - e, ainda, pregar esse padrão de comportamento aos meus semelhantes.


3.5.12

distopia.


Dystopia (Iced Earth)

Inspirações: Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley); Fahrenheit 451 (Ray Bradbury); Laranja Mecânica (Anthony Burgess, Stanley Kubrick no cinema)



Enter the nightmare, this future does implore
Hijack your city state, a prison nothing more.
Rounded up like cattle you're forced in to the trains
Nothing that you've ever known will bring you so much pain

If you try to resist me you'll find me inhumane
But if you just submit you'll live your life a slave
Your love, your servitude will medicate your pain
With our technology, we'll always keep you safe.

Micro-chipped like dogs, their thoughts are not their own
All that's left of human kind is now in their control
Planned out through centuries, patient and contrived
Pray on man's naivety, gullible and blind

If you try to resist me you'll find me inhumane
But if you just submit you'll live your life a slave
Your love, your servitude will medicate your pain
With our technology, we'll always keep you safe.

The nightmare unfolds before my eyes
I will resist till the end of time
A spirit born free has to break these chains
We're lost, we must find our way.
We'll find our way.

They say that you're a danger to everything that's pure
There are too many of you, they're offering the cure
Swift extermination if you refuse the game
Arrested development, you're vaccinated fates

If you try to resist me you'll find me inhumane
But if you just submit you'll live your life a slave
Your love, your servitude will medicate your pain
With our technology, we'll always keep you safe.

The nightmare unfolds before my eyes
I will resist till the end of time
A spirit born free has to break these chains
We're lost, we must find our way.

We must find our way.
We'll find our way

(uma sugestão Rock com Ciência)

uma parada do orgulho gay misturada com o compasso.


Governo vai travar alterações de spread nos contratos à habitação. A ideia é proteger as famílias em situação de sobreendividamento ou com dificuldades de cumprir os encargos bancários decorrentes de situações de desemprego.

Os anarco-liberais do costume defenderem a acção do Pingo Doce no Primeiro de Maio como se estivessem a defender a liberdade dos que foram comprar para aproveitar o desconto. É sempre assim: os anarco-liberais são a tropa de choque dos que mandam no mundo à conta da sua riqueza. Prestam aos poderosos esse serviço da forma mais cínica possível: fazendo de conta que estão a defender a liberdade de todos, ou a liberdade dos que nada têm. Realmente, apenas estão a defender a liberdade de ser explorado. Claro, o próprio Marx achava que havia um avanço histórico em passar-se da servidão tipo feudal à condição de proletário; o proletário é livre de se vender no mercado da força de trabalho, mesmo que isso não o livre da miséria, ou até o afunde ainda mais nela. Coisa diferente é achar que essa "liberdade" é a essência da liberdade.
Os anarco-liberais partem do pressuposto de que quem tem dinheiro pode fazer com ele o que bem entender. Para mim essa idéia é repugnante, na medida em que acredito que a "liberdade económica" não é a única liberdade numa sociedade civilizada, nem pode sobrepor-se a outros valores e a outras liberdades. A ideia segundo a qual não há problema nenhum porque ninguém foi obrigado a nada, enferma de uma concepção puramente abstracta de liberdade - e é uma ideia cúmplice das mesmas ideias acerca da "liberdade dos agentes económicos" que nos trouxeram à presente balbúrdia económica global.
No Facebook, ontem, alguém chamava salazarinhos aos que se escandalizavam com o Primeiro de Maio do Pingo Doce. Claro, quem assim dizia nem sequer falava no Primeiro de Maio: apenas falava de supermercados a fazer descontos brutais e de pessoas a aderir com entusiasmo. Claro, estes anarco-liberais pressupõem que os indivíduos em turba a esmurrar o parceiro para chegar mais depressa à prateleira do arroz são espécimes de indivíduo livre a dar largas ao seu entusiasmo. Nem lhes passa pela cabeça estudar um pouco de psicologia para perceber que género de "liberdade" é esta. Nem lhes passa pela cabeça que pode ser feita uma análise económica da distribuição temporal das preferências daqueles consumidores, que essa análise poderia dar a perceber que o que é melhor neste instante não é necessariamente garantia de que se vai ter o melhor a um prazo um pouco mais longo. E, claro, desconfiar de uma cadeia de supermercados que explora os impulsos das pessoas, ou a sua insegurança, ou a sua necessidade, é algo que parece salazarento a esses anarco-liberais. Bem entendido, os anarco-liberais servem, acima de tudo, para defender a liberdade dos grandes explorarem os pequenos.
Ontem perguntei aqui como seria se o Pingo Doce escolhesse o dia de Natal para fazer aquela provocação. A mim não me interessa muito saber se houve, ou não, dumping naquela promoção. Não que a questão me pareça despicienda: é uma questão interessante para perceber como funciona a máquina de fazer dinheiro. Há outras questões interessantes, tal como saber o que aconteceria aos funcionários do Pingo Doce que tivessem aderido a uma greve convocada para esse dia (questão que toca a outras cadeias de supermercados, também). Mas essas questões importantes têm, em princípio, quem cuide delas: a ASAE, os sindicatos. Mas a questão simbólica de escolher o Primeiro de Maio não é protegida por nenhuma polícia económica, ou sindicato. A questão simbólica, como todas as questões essenciais, não pode ser protegida se nós, todos, não cuidarmos disso. Os anarco-liberais do costume dizem que quem quiser respeitar o simbolismo pode respeitar, mas os outros não têm nada a ver com isso. Também aí os anarco-liberais mostram quão profundamente concebem a sociedade dos humanos como uma selva. Se alguém decidisse fazer uma parada do orgulho gay e lésbico no dia de Natal, ou no dia de Páscoa e misturá-la com o compasso, explicando que cada um dá atenção aos simbolismos que lhe apetece, e só a esses - fácil seria perceber que vai uma distância entre não alinhar com o simbolismo do outro e, coisa diferente, atacar o simbolismo do outro, desprezando-o. É essa demonstração activa de desprezo pelo simbolismo do Primeiro de Maio que, para mim, constitui o principal pecado da "promoção" do Pingo Doce. Pode ser interessante apurar se aquilo, afinal, foi mais publicidade negativa ou positiva - mas nem todas as questões interessantes são, para mim, as questões relevantes.
Os anarco-liberais, que defendem a "liberdade económica" no vácuo da sociedade e das condições concretas, que defendem que quem tem dinheiro pode fazer com ele o que bem entender, deveriam escandalizar-se com a ideia (notícia acima) de limitar as alterações de spread nos contratos à habitação. Afinal, para proteger as famílias em situação de sobreendividamento ou com dificuldades de cumprir os encargos bancários decorrentes de situações de desemprego, vão limitar a liberdade dos bancos fazerem com o seu dinheiro o que bem entenderem. Os anarco-liberais, para serem coerentes, deveriam assumir que estão contra qualquer medida de protecção do consumidor. Mais, que estão contra qualquer medida, contra qualquer instituição. O paraíso de um anarco-liberal é a selva.

2.5.12

3 perguntas a...


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E se o Pingo Doce tivesse escolhido o dia de Natal?


Por muita repugnância que nos causem os descontrolos consumistas (a mim, causam), é preciso manter a calma suficiente para perceber que o essencial não é necessariamente o mais visível. A reflexão do Sérgio Lavos sobre a bomba do Pingo Doce ajuda a perceber que pode não ser produtivo limitarmo-nos a apontar o dedo aos demais. Falta-lhe, a meu ver, uma menção explícita ao carácter simbólico da escolha do primeiro de Maio para festa do consumo. É que tentar riscar datas do calendário, para lá colocar brindes de supermercado que fazem os compradores correr e arfar, vale mais, para certos "empresários", do que qualquer objectivo comercial. Sim, porque quem tem muito dinheiro gosta, frequentemente, de o gastar em ideias - em geral, nas suas ideias acerca do valor intrínseco do seu dinheiro.
O Pingo Doce não é um caso de polícia, é um caso de sociedade.

1.5.12

uma canção para o 1º de Maio.


Sigo a sugestão do Pedro e deixo esta canção para o primeiro de Maio: Billy Bragg com "There is Power in a Union"