30.12.11

e que é que Cristo tem a ver com isto?


Em alguma blogosfera da esquerda lusa, durante o dia de ontem, houve uma certa comoção por António Pinto Leite, presidente da Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE), ter defendido que a lei deve permitir cortes salariais por mútuo acordo entre empresas e trabalhadores. Muitos blogues sublinharam o escândalo de quem assim fala ser dirigente de uma associação cristã (no género: "Imagine-se se não fosse uma associação cristã..."). Em alguns casos, a notícia até era apresentada truncada: o homem teria dito que a legislação laboral deveria ser alterada para permitir às empresas baixarem salários. Ponto final, parágrafo, deixando para depois do link a questão do mútuo acordo requerido na tal sugestão.
Com o devido respeito, esta forma de abordar o assunto é ligeira e simplista - e deixa passar por entre os dedos a verdadeira questão. O ponto é que há sistemas de regulação do trabalho em que a defesa dos direitos dos trabalhadores está mais entregue à negociação e acordo entre as partes do que à legislação. É o caso dos nórdicos, na Europa, onde quase tudo se pode fazer por acordo entre empresas e representantes dos trabalhadores, ficando a eficácia da legislação, muitas vezes, para o continente das ausências de acordo. Não se pode dizer que o sistema nórdico seja o pior da Europa para a parte mais desprotegida.
A questão é a das condições em que esses acordos podem ser feitos. Designadamente, é preciso impedir a pulverização das negociações, o que prejudicaria a parte mais fraca: se a empresa negociar directamente com um pequeno grupo de trabalhadores, pode ter meios de coacção para levar a um falso acordo; se tiver de intervir o sindicato, ou uma representação organizada dos trabalhadores, apoiada em meios apropriados para avaliar as alternativas, poderá ser mais justa a negociação.
É, portanto, a questão do modelo que uma sociedade oferece para que as discussões entre trabalho e capital sejam justas e produtivas, em vez de acentuarem os desequilíbrios, que está em causa. E é, também, a questão das unhas que têm os nossos empresários e os nossos trabalhadores para entrarem num caminho desse tipo. Essa era a discussão que merecia a proposta de António Pinto Leite. As piadolas sobre o seu "cristianismo" são mais uma peça desta arte, que está entre nós a tornar-se universal, de desviar sempre as atenções para o lado anedótico das questões que precisamos discutir seriamente.


prendas para 2012.


Impiden a un indignado subir a bordo de un avión por llevar carteles anarquistas.

Se isto for verdade (não creio que esteja ainda claro o que realmente aconteceu), e práticas deste tipo ("prevenção do terrorismo" visando pessoas que divulgam as suas ideias acerca do tempo actual) se espalharem em 2012, voltamos à trincheira onde se discutem as liberdades básicas. Não os direitos sociais e coisas assim sofisticadas, mas o mínimo de podermos comunicar o que pensamos. Note-se: nada disto depende de estarmos de acordo com esta ou aquela leva de "indignados". Está em causa, tão-somente, que sem a liberdade de expressão de ideias diferentes das minhas, são as minhas ideias - as minhas liberdades - que entram no inferno. Está em causa o terrorismo empresarial: empresas que se chegam à frente para discriminar cidadãos com certas ideias, em nome do sossego da clientela. E comunidades políticas que aceitam isso. Vergonhosamente.

29.12.11

e eu acredito em duendes.



Não.
Nada se cumpre pela boa ordem do mundo.
É preciso meter as mãos.
Que, por vezes, resultam sujas.
Humanamente sujas.

27.12.11

quem nos salva dos salvadores?


Ataque mais recente dos Anonymous divide grupo de hackers.

Dentro da lógica de "milícias populares" a fazerem "justiça por suas próprias mãos" - mais intelectuais que as milícias do Norte que atacavam "ciganos" sob o aplauso do Dr. Portas, mas igualmente longe de qualquer controlo democrático - mais tarde ou mais cedo isto havia de acontecer. Hackers acusam outros hackers de serem puros criminosos escondidos sob a máscara de puras intenções políticas.Kilgoar, um dos Anonymous, terá afirmado sobre esta acção: “[Estas] não são acções de anarquistas justos, mas de criminosos oportunistas”. Está em causa quem se ataca (em geral, os hackers acham que lhes cabe definir as fronteiras do bem e do mal), está em causa o uso que se faz da informação roubada (é normal usarem os dados bancários para fazer "doações" forçadas de terceiros?), está em causa a legitimidade da "justiça popular".
Nada disto é surpreendente. A lógica das milícias populares leva sempre ao abuso. O abuso pode parecer mais romântico por ser praticado em nome da democracia, da anarquia, ou da transparência - mas não deixa de ser abuso por isso. Quem se engana acerca disso não aprendeu nada, para não ir mais longe, com as desgraças que o século XX sofreu às mãos de ideias românticas.

26.12.11

vale tudo.


Uma notícia que vos dou tardiamente, mas que não quero ocultar, para que se acautelem com as doenças da cabeça que, temo, podem atacar qualquer um. "É assim": Popota vai dirigir jornal Metro.

23.12.11

a greve dos maquinistas.


Sempre fui - e continuo a ser - um claro defensor do direito à greve. Sempre recusei aqueles ataques às greves justificados com os prejuízos e incómodos que as greves provocam - pois esse é o único modo de elas se fazerem sentir. Sempre entendi que apoiar ou não uma greve deveria depender de um juízo acerca da sua justeza própria.
Ora, no caso da presente greve dos maquinistas, essa acção parece-me francamente condenável. Os maquinistas querem impedir que a empresa proceda à averiguação das responsabilidades que alguns deles terão tido no incumprimento dos serviços mínimos em greves anteriores. O que o sindicato pede, portanto, é a impunidade para os maquinistas: fazem greve para não terem de respeitar o Estado de direito e os seus deveres laborais. Isso é completamente inadmissível. Aliás, acho bizarro que possa ser legal uma greve que tem como objectivo promover a impunidade dos que furam a legalidade. Mais ainda: um sindicato que promove o desrespeito pelas regras do exercício do direito à greve é um sindicato que está a minar a solidez do edifício legal que envolve essa arma dos trabalhadores.
Por isso, a actual greve dos maquinistas é repugnante. Não por nos causar transtorno ou prejuízo, mas por ser um abuso às regras que regulam o próprio direito à greve.

privatizações.


O Estado português vendeu a sua parte na EDP ao Estado chinês. Até é melhor entrar em negócios com quem tem dinheiro e vontade de o fazer render - e a China tem - do que fazer negócios com pobretanas que andam a contar os tostões e querem vender os móveis na primeira oportunidade. Até é melhor entrar em negócios com quem não vai aproveitar a sua participação na empresa para proteger os seus outros negócios, em prejuízo da EDP, o que poderia ser o caso dos alemães, por exemplo - mas não é o caso dos chineses, que não têm interesses conflituais com a EDP. Contudo, isto não é uma privatização: é uma venda Estado a Estado. Nada que pareça preocupar muito os ideólogos liberais, que inventam maravilhosas teorias acerca das vantagens de largar as empresas aos mercados.
Mas, claro, os mercados não nascem na natureza, tudo nele são criações institucionais. Como se vê neste caso: o principal interesse dos chineses na EDP estará, provavelmente, nas renováveis - e a grandeza da EDP nas renováveis é largamente um produto das políticas "voluntaristas" e "irresponsáveis" de governantes que sonharam colocar-nos entre os melhores a nível mundial nas indústrias do futuro. Foi isso que deu o "preço simpático" a que se referia a senhora secretária de estado, não foi o espontâneo moinho dos mercados.

22.12.11

"le ha tocado bailar con el más feo".



O novo ministro da Economia e da Competitividade de Espanha, Luis de Guindos, depois de receber o testemunho da sua antecessora, Elena Salgado, vice-presidente de Zapatero, disse dela: "le ha tocado bailar con el más feo" (calhou-lhe dançar com o mais feio). Quer dizer: ela teve a tarefa mais difícil. E explicitou: reconheceu o esforço da senhora Salgado e disse dela que "soube sempre estar à altura das circunstâncias", que "nunca foram fáceis".
Ainda há gente com um pingo de educação em política.

tinta da China.


Manuela Veloso, professora portuguesa na Universidade de Carnegie Mellon (CMU), nos Estados Unidos, está entre as 20 cientistas internacionais premiadas pela Academia de Ciências Chinesa. A investigadora é a criadora dos robôs-futebolistas e também dos robôs “CoBts” e é a única distinguida na área de inteligência artificial e robótica.

Saber mais aqui.




prefiro viver num país governado por PPC...


... do que num país governado por esta gente: PCP contra voto de pesar por Havel.
Jerónimo de Sousa saiu do hemiciclo durante a votação. Seria para mandar escrever um voto de pesar pelo "Querido Líder"?

plano de acção para um 2012 melhor do que "tão bom quanto possível".

Com os cumprimentos da CFDT (Confédération française démocratique du travail).





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os traquinas de ferro.



Legislação laboral: Propostas do Governo dão às empresas 23 dias a mais por ano.

A agenda ideológica do governo continua a ser aplicada. Uma parte dessa agenda está no seu conteúdo: o empobrecimento é apresentado como normal; tudo pode ser cortado, tudo está em causa, tudo é precário. A agenda da austeridade é tornar cada português que viva do seu trabalho um precário. Que ganhemos menos, nem sequer é o objectivo em si mesmo: mais importante é que sejamos eternamente dependentes, porque essa é a receita da submissão.
Outra parte dessa agenda está no método: o sistemático desrespeito pela concertação social representa a mensagem central, a saber, manda quem pode, seja o patrão seja o "Estado", e "os de baixo" que obedeçam. Um Passos Coelho não chega para fazer uma senhora Thatcher, mas um PPC, mais um Vítor Gaspar e um Álvaro, juntos e bem colado, fazem um arremedo de Dama de Ferro. Uns traquinas de ferro. A sua grande ideia de reforma social é a mesma: partir a espinha aos sindicatos - numa acepção abrangente: partir a espinha a tudo que não seja patrão ou chefe, é a receita social destes pequenos de ferro. Não espanta: a "liberalização" da economia resulta muitas vezes dessa "espontânea forma de liberdade" dos que têm poder contra os que o não têm, a liberdade que "os de cima" gostam de ter para esmagar "os de baixo".
Entretanto, a Comissão Europeia, que não consegue de facto produzir um único acto a caminho de uma saída para a crise, vai fazendo a única coisa de que é capaz: falar. Mais propriamente: dizer coisas. Ele é o comissário que diz que empregos de 400 euros é o que a Espanha precisa. Ele é o relatório que diz que há interesses instalados que travam as reformas em Portugal. Tudo, como se vê, ideias concretas, bem fundamentadas e, essencial!, viradas para o interesse geral. Entretanto, o insondável Barroso está definitivamente desaparecido. Um saco de ar que nem um ou outro doutoramento Honoris Causa em terras lusas consegue encher de alguma da substância que se esperaria do chefe do executivo comunitário em tempos de crise. No fundo, o híbrido Merkozy e o senhor Cameron estão a tratar Barroso como presidente da Associação de Estudantes da Escola Básica: deixem-no sentar-se à mesa e falar um pouco, mas não lhe liguem que ele há-de habituar-se.

21.12.11

emigração.


Neste país não se pode discutir nenhum assunto sério seriamente. (Sérgio Godinho canta: "só neste país é que se diz só neste país"; mas uso a expressão para não ter de arrancar os cabelos.)
Emigração. A forma como se tem andado a discutir a emigração é de uma enorme falta de respeito para com as pessoas concretas. Uns, falam de emigrar como se isso fosse a solução miraculosa, a que só não deita mão quem não quer, mostrando (quem assim fala) leviandade ao referir-se a uma decisão que nunca será leve da parte de ninguém. A forma como o governo tem falado do assunto inscreve-se nesse tom. Outros falam da emigração como se isso fosse uma hipótese diabólica, a condenação aos infernos, algo que só pode ser um mal nacional e pessoal. O tom da oposição difusa tem sido esse - e esse tom também é desrespeito pelas pessoas, na medida em que afasta liminarmente uma possibilidade de agir que, para muitos, pode ser uma saída melhor que outras disponíveis. Seria bom que pudéssemos debater assuntos difíceis sem a manipulação imediata que apenas quer despertar adesão ou repulsa por um determinado grupo político em presença.
A emigração é pior do que obrigar uma pessoa com responsabilidades familiares a viver com menos de 500 euros por mês? A emigração é pior do que ter de sair da escola, mesmo que seja da universidade, por falta de dinheiro? A emigração é pior do que ter de ir viver para o Porto Santo para ser professor? Será a emigração, afinal, o pior de todos os males? Duvido, sinceramente duvido, e lamento que a discussão pública sobre esta matéria tenha pouco em conta as necessidades das pessoas que realmente podem querer - ou podem ser obrigadas a querer - emigrar. Excepção a esse tom foram as declarações de Paulo Rangel, ontem, mas no meio da barulheira elas são tomadas como mais uma manobra para salvar a face dos companheiros que disseram disparate. Quando, seriamente, aquilo que ele disse merecia ser discutido, mesmo que fosse para criticar. Só que isso deixou de ser possível num país onde quem fala são as cadeiras voadoras e o telejornal das vinte.
Emigração. Não aceito grandes lições de vida nesta matéria. Sei por experiência própria o que é a emigração tradicional para fugir à pobreza do país, também sei por experiência própria o que é a emigração de luxo, e sei também por experiência própria o sabor que tem a mobilidade dos "intelectuais assalariados". Não nasci na Maternidade Alfredo da Costa, nem fui amamentado nos salões da capital do império, o que custa a alguns engolir é que eu não falo (nunca) do ponto de vista dos "privilegiados de Lisboa" ou de uma qualquer "classe possidente", que olham para os outros como paisagem. Falo como um tipo igual a tantos outros que anda na rua e se zanga por tratarem todos os temas pesados como motivo de barulheira político-mediática. E não, não estou a defender o governo, estou a defender que as ideias do governo, e as da oposição, e as dos sindicatos, e as dos patrões, têm de ser discutidas, não abafadas.
Já aqui escrevi anteriormente sobre isto. A 5 de Abril de 2011 (portanto, no "tempo da outra senhora"), defendi que a questão da emigração devia ser encarada na óptica da mobilidade, tendo na altura atacado o discurso da "perda de talentos" pela via emigratória. Esse post intitulava-se hoje esperam por si 1.080.565 ofertas de emprego. Nessa altura achavam que eu estava a ser "socrático" e a defender a "situação". Mas não estava. Tal como agora não estou. Estou é cansado de tanto ruído.

20.12.11

'Champagne socialist'.


Eu acho que isto vai dar gozo aos leitores que me acham esquisito. Uns por causa do champagne, outros por causa do socialista...
Sirva, então, de prenda de Natal.


I was just rated 'Champagne socialist' in the Guardian's 'How revolutionary are you?' test. Try it yourself here: http://gu.com/p/347jb


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how revolutionary were you in 2011?



Para um exame de consciência em linha, clicar na imagem.



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pontuação.


Aos meus amigos, conhecidos e desconhecidos, que abominam os escritos (ou os escritores) que, em nome de valores estéticos que se levantam mais alto do que a obediência à norma (ou a uma norma), produzem textos onde as vírgulas e outros sinais são preteridos em favor do ritmo interior, da emoção, ou de um qualquer arremedo de realismo do subconsciente, dedico esta referência. Encontro-a em Maria Leonor Carvalhão Buescu, na obra Gramáticos Portugueses do Século XVI. Segundo a insigne senhora, Isidoro de Sevilha, no Livro das Sentenças, teria ensinado, aos que tinham por obrigação, ou até ofício, compreender o que se escrevia, que deviam, antes de mais nada,
«conhecer satisfatoriamente a gramática para compreender, sem o auxílio da pontuação, onde termina um grupo de palavras, onde a frase fica em suspenso e onde, finalmente, se completa o sentido.»

"Compreender sem o auxílio da pontuação", vêem? Então, não se abespinhem com o exercício de ler mesmo onde falta boa pontuação.

querido, mudei o regime.


Kim Jong-il, o "Querido Líder" da Coreia do Norte, um país com um regime comunista hereditário, ainda encontra por cá quem lhe dê a bênção. Para além das defesas de peito feito, também há o humor de mau gosto. Como aquele post que compara a fome na Grécia (quem duvida que haja, até na minha rua há) com a fome na Coreia do Norte. É que nem vou "linkar": não gosto nem de olhar para coisas que andam por aí a meter-se na pele de "esquerda".

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jogos trocados.



The European Union and the euro. Game, set and mismatch.

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16.12.11

uma questão de fé.






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uma lista de pecados do New Labour.


Ten admissions the Labour party should own up to before voters will listen, por Éoin Clarke, no Liberal Conspiracy.

E nós por cá, todos bem?


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no es posible el keynesianismo en un solo país.


Cesáreo Rodríguez Aguilera, em artigo de opinião no El País, pergunta ¿Existen los europartidos?. Começa assim:
En medio de la peor crisis vivida por la UE, se ha señalado —probablemente con acierto— que no es posible el keynesianismo en un solo país: en este caso, la única respuesta viable frente al neoliberalismo hegemónico debería tener una dimensión paneuropea. Para poner en marcha una estrategia neokeynesiana a nivel europeo haría falta, en primer lugar, que el centro-izquierda recupere el Gobierno en algunos de los principales Estados de la UE (Alemania, Francia e Italia) y, a continuación, que el conjunto de las izquierdas —moderadas y radicales (socialdemócratas, verdes, poscomunistas y comunistas demócratas)— se coordine a fondo y propugne recetas de aquel tenor sin medias tintas.

Vale a pena ler o resto.

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a esquerda e a dívida.


Não é só em Portugal, mas é também em Portugal. Há sinais evidentes de que a esquerda não está a encontrar a sua via para responder à crise. Não estou a falar dos partidários do "não pagamos": só começo a pensar a sério no "não pagamos" quando os seus proponentes explicarem ao povo o que isso nos custaria - e o que custaria, em primeiro lugar, aos mais desprotegidos. Estou a falar dos que acreditam na vantagem de não nos isolarmos, de tentarmos manter-nos no concerto das nações, de mantermos laços com a economia internacional que existe - por muito que queiramos mudá-la. Essa esquerda, convicta de que só pela Europa isto se resolve, mas consciente de que não podemos parar à espera da Europa (quando se está montado na bicicleta, tem de continuar-se a pedalar), essa esquerda está à procura e não está a ser fácil encontrar a sua resposta. Não é só cá, é por todo o lado. Mas, entre nós, essa evidência tem sido bastante ruidosa.

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15.12.11

isto aplica-se em geral ao conhecimento humano.


Imagine um círculo contendo todos o conhecimento humano:


Quando acaba a primária, sabe alguma coisa:


Quando acaba o secundário, sabe um pouco mais:


Com uma licenciatura, tem uma especialização:


Com um mestrado, aprofunda essa especialização:


A leitura de papers de investigação aproxima-o dos limites do conhecimento humano:


Chegado à fronteira, foca-se verdadeiramente numa questão:


Durante uns anos empurra a fronteira:


Um belo dia, a fronteira cede:



Esse entalhe é um doutoramento:



Claro, agora o mundo parece diferente:



Mas convém não esquecer a paisagem global:


(Fonte)

como método de acção política...


... não aceito que se insulte publicamente um PM, nem que se organize uma vaia ou um abandono de sala num congresso de freguesias, nem que se qualifique uma má política como "roubo". Não aceitei antes, não aceito agora. Isso são métodos primitivos. E não me digam que políticas primitivas merecem oposição primitiva. Não; quanto mais séria for a necessidade de seguir outro caminho, menos inteligente é tentar desenhar o mapa ao pontapé.

simplificação jornalística, dizem eles.


O Público de ontem destacou em título que Rui Rio discordaria da redução do número de freguesias. Hoje, o mesmo jornal publica uma missiva de Rui Rio a mostrar que todas as suas declarações desmentem esse título. A direcção do Público dá-lhe razão e passa a uma narrativa sobre os intestinos do jornal: publica o título que a jornalista tinha proposto, aparentemente sem pudor de mostrar que uma jornalista possa ter proposto um título com um estilo próximo das redacções da Guidinha; assume que o título foi modificado no fecho da edição (o título ficou conveniente mais curto, mas errado); e diz que o erro resultou de uma «necessária simplificação jornalística».
Quer dizer: a direcção do jornal, em vez de assumir o erro em nome do jornal, aponta o dedo à jornalista, num gesto que a mim me parece de pura falta de solidariedade funcional, numa espécie de passa-culpas que fica mal a qualquer direcção; a direcção do jornal confunde uma notícia objectivamente falsa sobre uma figura pública, que por isso é prejudicada por essa notícia falsa, com «a necessária simplificação jornalística».
Acho que assim se percebe muita coisa do que se passa por essa comunicação social. Afinal, é tudo parte d'«a necessária simplificação jornalística».

crime e política.


Os políticos podem cometer crimes. Quer dizer, no exercício de funções podem agir em desrespeito por preceitos legais. Devem ser punidos por isso. Isso não é criminalizar a política: é aplicar aos políticos o primado da lei, que deve valer para todos. A condenação do ex-Presidente francês Jacques Chirac por corrupção inclui-se nesse campo.
Criminalizar a política é coisa muito diferente: é querer tratar escolhas políticas e de governo como crimes, em geral apelando a "crimes" que não estão assim definidos em lei nenhuma. Tentar criminalizar a política é uma forma particularmente abjecta da política do ódio, expediente que Hitler já conhecia - e que, infelizmente, continua a ser usado por alguns exaltados de serviço hoje em dia.
Convém não confundir as coisas. É que, se há "crime político" que devia ser perseguido, é a instigação ao ódio irracional. Esse crime de instigação ao ódio irracional é moeda corrente hoje entre nós, mas, se o ódio é irracional, a instigação é muito consciente: os políticos e comentadores que apelam à criminalização da política estão a trabalhar o lado irracional das pessoas, que é a metade da lua onde trabalha o ódio; mas eles, esses políticos e comentadores, estão conscientes disso e é mesmo essa irracionalização da vida pública que querem obter e assim buscam. Isso sim é criminoso.

14.12.11

grandes ideias.


Rui Tavares, hoje no Público, lembra o discurso de Hitler a 11 de Dezembro de 1941, perante os deputados no Reichstag, no qual declarou guerra aos Estados Unidos.
Um dos aspectos desse discurso lembrados por Rui Tavares é a comparação que Hitler faz de si próprio com o presidente Franklin Delano Roosevelt. Hitler lembra que ambos chegaram ao poder no mesmo dia - mas as semelhanças acabam aí. Hitler diz que Roosevelt sempre fora um menino bonito da elite, rico, estudante nas melhores universidades, com bons empregos; Hitler diz de si próprio que fora um zé-ninguém, soldado raso, morto de fome. Quanto às políticas, Hitler gaba-se de ter resolvido os problemas do desemprego e da desordem das contas públicas, enquanto acusa Roosevelt de, com o New Deal, ter perturbado ainda mais a economia, aumentado a dívida do seu país, desvalorizado o dólar.
Dado esse diagnóstico, Hitler pronuncia a acusação, falando da política de Roosevelt: "o New Deal deste homem foi o maior erro jamais cometido por alguém... num país europeu a carreira deste homem teria terminado num tribunal por desperdiçar o tesouro público, e dificilmente evitaria uma pena por gestão criminosa e incompetente".
Voilá. A ideia da criminalização dos políticas com que discordamos, de tratar como criminosos os políticos a que nos opomos apesar de eles não terem praticado nenhum acto previsto nas leis como crime, essa ideia de criminalização da política, tão em voga hoje em dia, é uma ideia com grandes patronos.

rua do loureiro.


Coimbra, Rua do Loureiro (e arredores).








A última imagem é da República das Marias do Loureiro.

Tudo isto estava lá ontem. Em ponto.

12.12.11

milplanaltos.




Resumo:
Estávamos habituados a que as máquinas saíam feitas das mãos dos humanos. Entretanto, certas experiências em Nova Robótica terão talvez a potencialidade de nos surpreender neste ponto, espoletando processos que resultem em robôs que os seus criadores não conhecem tão intimamente como se espera que o engenheiro conheça o controlo das suas máquinas. Referimo-nos aos robôs que resultam de processos de evolução artificial ou de desenvolvimento “pós-natal” artificial. Daremos, como exemplo, o robô iCub, desenvolvido por uma equipa internacional de que o ISR/IST é um dos parceiros. Se pode vir daí grande novidade, teremos de contar com os que temem – ou anseiam – o momento em que os robôs possam ser agentes entre humanos ao mesmo título que os humanos. A esses diremos que, para esses robôs serem tal, terão de ser capazes de instituição – de viver em ambientes institucionais com humanos. Seguimos John Searle para dizer o que é “instituição” e acompanhamo-lo na ideia de que só há instituições, na forma em que as caracteriza, nas sociedades humanas. Exploramos essa possível divergência com estudiosos de sociedades de outros primatas com a ajuda de um episódio notável do século XX português, o “caso Alves dos Reis”, cujo nome empregamos num “teste de inteligência” muito diferente do teste de Turing.

(clicar acima para ir a MILPLANALTOS)



Europa a 2 velocidades.



Para não ficar em marcha lenta sobre a Europa, siga o link - e habitue-se!

é oficial: o euro vai ser substituído por nova moeda.


Publicamos aqui pela primeira vez um dos estudos para a nova moeda que circulará entre nós.


«Golgota Picnic» é o quê?


Uma prisão arbitrária?
Uma grande fome?
Uma epidemia que não se combate por causa de um preconceito?

«Golgota Picnic» deve ser algo do género, para mobilizar assim uma manifestação...

Mas não. «Golgota Picnic» é uma peça de teatro. Os censores em nome da religião há semanas que andam nas ruas de França.


(clicar na imagem para a notícia)

Robot Film Festival (5)


Double A - Robot, de Julien Vanhoenacker



(Fonte)

e agora mais uma coisinha para os meus amigos de esquerda me detestarem.


Candidato republicano Newt Gingrich volta a gerar polémica ao classificar os palestinianos de povo “inventado”.

A boa consciência está contra os meios pouco democráticos que os grupos de pressão pró-Israel usam para controlar a política dos Estados Unidos da América no que toca ao Médio Oriente. Eu também estou contra esses métodos e julgo que eles tornam os EUA virtualmente irrelevantes para a paz nessa parte do mundo, apesar das aparências. Dessa novela, o episódio mais recente é o episódio Gingrich.
Newt Gingrich, ideólogo da direita dura americana, ressuscitado dos escombros do "bem prega Frei Tomás" em matéria de moral sexual e familiar graças aos despistes de uma série de outros proto-candidatos republicanos, não surpreende quem se lembra dele. É um revolucionário de direita, um combatente de ideias, portanto. Um tipo que, por ser ideólogo e revolucionário, sabe o que as palavras valem. E usa as palavras como armas das ideias. Mas essa guerra não começou ontem, nem com Newt Gingrich. Mesmo assim, vai por aí um clamor porque ele disse que os palestinianos são um povo “inventado”.

Só que Gingrich tem toda a razão.

Nessa forma específica de descrever essa parte do problema, Gingrich tem toda a razão. Os palestinianos são um povo “inventado”. No mesmo sentido em que Israel é um país inventado. Tal qual todos os países são inventados.

Povos, países, estados - não são entes de natureza, são realidades institucionais inventadas, criadas de uma forma, quando outras formas seriam perfeitamente possíveis. Onde o homem não tem razão é em estar a usar essa verdade específica - os palestinianos são um povo inventado - para esconder a verdade mais geral de que há, naquela parte do mundo, demasiadas coisas que deviam ser inventadas de outra maneira.
Portugal também é um país inventado, só que foi inventado há muito mais tempo. D. Afonso Henriques inventou um ente político separado e conseguiu que não lhe tirassem o brinquedo. Embora se festeje, ainda, o 1º de Dezembro, é sabido que parte das elites portuguesas trabalharam longamente para juntar o reino de Portugal aos demais reinos ibéricos - e, embora o "espanholismo" seja popularmente abominado entre nós, a opção ibérica não é menos deste mundo do que a opção da independência portuguesa.
Isto é tudo inventado, no sentido em que se podia ter feito de outra maneira - apesar de, em geral, não ser possível voltar com o relógio para trás para desinventar ou desfazer o que já foi gerado pelas dinâmicas históricas. Assim, o homem tem o grão de razão que se pode ter num aspecto do mundo, embora não tenha razão nenhuma em tomar Israel como um "facto natural" e a Palestina como um "facto inventado", quando a verdade é que são, todas, formas que resultam da humana capacidade para a instituição.
Provavelmente, das poucas coisas que são feitos exclusivos da espécie humana, as instituições.

ponto final sem pausas.


Está agora, e até meados de Janeiro, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, uma exposição da paulista Elisa Bracher (n. 1965).
Quando lá passámos, e apesar de "proibido", não resistimos a fotografar a instalação em curso da monumental instalação "Ponto Final Sem Pausas".
Se tiverem de emigrar subitamente, passem por lá.




MACBETH.


MACBETH
um espectáculo de Mónica Calle
a partir de Heiner Müller
na Casa Conveniente
de 7 a 17 de Dezembro, todos os dias (duas sessões: 20h / 22h)
reservas: 912818164 e 967580171



Foto de Bruno Simão.

City saved! Europe isolated!


Martin-Rowson, no The Guardian:

(clicar na imagem para saber o que se diz da Europa por esse mundo fora)

Robot Film Festival (4)


Absolut Quartet, de Jeff Lieberman, Dan Paluska, Noah David Smith, Willie Mack
[Botsker Award for Best Robot Actor]



9.12.11

porque amanhã é sábado...


... espreitem um blogue que só dá luz aos sábados - que pena que assim seja, Maria do Sol!

E, para tornar a temperatura mais amena, que bem precisamos, e para percebermos que a decência e a capacidade para pensar sem andar aos pulos são requisitos mais básicos e mais fundamentais do que estarmos de acordo, leiam este texto.

São duas sugestões de fim-de-semana.


Robot Film Festival (3)


Chorebot, de Greg Omelchuck
[Botsker Award for Ethics and Impact]



uma cimeira que se revelará, a prazo, a mãe de todas as guerras.


Guerras na Europa. Guerras - com ou sem aspas, veremos.


(Clicar na imagem)

milplanaltos.




Resumo:
Estávamos habituados a que as máquinas saíam feitas das mãos dos humanos. Entretanto, certas experiências em Nova Robótica terão talvez a potencialidade de nos surpreender neste ponto, espoletando processos que resultem em robôs que os seus criadores não conhecem tão intimamente como se espera que o engenheiro conheça o controlo das suas máquinas. Referimo-nos aos robôs que resultam de processos de evolução artificial ou de desenvolvimento “pós-natal” artificial. Daremos, como exemplo, o robô iCub, desenvolvido por uma equipa internacional de que o ISR/IST é um dos parceiros. Se pode vir daí grande novidade, teremos de contar com os que temem – ou anseiam – o momento em que os robôs possam ser agentes entre humanos ao mesmo título que os humanos. A esses diremos que, para esses robôs serem tal, terão de ser capazes de instituição – de viver em ambientes institucionais com humanos. Seguimos John Searle para dizer o que é “instituição” e acompanhamo-lo na ideia de que só há instituições, na forma em que as caracteriza, nas sociedades humanas. Exploramos essa possível divergência com estudiosos de sociedades de outros primatas com a ajuda de um episódio notável do século XX português, o “caso Alves dos Reis”, cujo nome empregamos num “teste de inteligência” muito diferente do teste de Turing.

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um Natal europeu.

"Foge Baltazar, foge" 

 


(roubado no Bicho Carpinteiro)

relatório Titanic, primeiras impressões.



No que vai de cimeira europeia, a União está menos União: as várias "velocidades" vão-se multiplicando, a caminho de uma arquitectura institucional que se tornará cada vez mais opaca, mais confusa, mais difícil de gerir. Um dos grandes travões, como de costume, vem do outro lado da Mancha. De imediato, a mensagem que se passa para o mundo é que a Europa está dividida. E está, pois.
Mas não é boa ideia fazer dos britânicos a única coisa a correr mal no que vai de caminho. Fazer um arremedo de "governo económico da Europa" com regras automáticas de detecção e punição de desvios orçamentais, quando no passado recente a Alemanha e a França foram as primeiras a eximir-se à má-fila às regras automáticas já existentes, é comprar mais aborrecimentos futuros. Querer tratar os países em dificuldades como protectorados, deixa a milhas de distância aquilo a que até agora se tem chamado perdas de soberania, porque se destina a ser feito de forma intrusiva e humilhante. Mais: porque se destina a domesticar as divergências políticas e as diferenças de interesses entre Estados-Membros, mesmo aqueles que de momento não estão a ser "ajudados", pela ameaça de um futuro incerto: "se um dia tiveres dificuldades, vai pagar cara a ousadia da divergência".
Em troca, fica a esperança (o que é uma esperança financeira?) de que o Banco Central Europeu vai fazer mais pelo euro - mas não se vê qual é a base dessa esperança, dada a respectiva "independência" e os sucessivos sinais de que não quer assumir um papel qualitativamente diferente daquele que tem assumido até agora. Em termos "concretos" (cacau), os fundos/mecanismos de socorro dos aflitos continuam a não chegar para grandes tormentas e o BCE continua a não dispor de todos os meios de acção que estão nas mãos dos bancos centrais de qualquer outra zona monetária. Para compensar, uns tantos países europeus vão emprestar ao FMI para o FMI emprestar a países europeus.
Já hoje, o banco central alemão baixou as previsões de crescimento do seu próprio país para 2012; os juros da dívida francesa baixam um pouco, sobem os da Itália e da Espanha. Parece que uma reunião de chefes da Europa, com a pompa e a circunstância da "última oportunidade", passa por ser mais um dos pequenos episódios que empurram as bolsas para cá e para lá, à espera de amanhã, onde a agitação da cimeira será consumida por qualquer outro estimulador dos "mercados".
Quanto aos aspectos sociais de tudo isto, combater o desemprego, salvar a protecção social, animar a economia - fica para a próxima.

um predador.


União Europeia falha revisão do Tratado e avança para integração a duas velocidades.

«O fracasso foi provocado pelo primeiro-ministro britânico, David Cameron, que condicionou o apoio à revisão do Tratado à obtenção de algumas derrogações às regras europeias de regulação dos serviços financeiros, o que os outros países rejeitaram categoricamente. [...] “Para aceitar uma reforma dos tratados a 27, Cameron pediu – o que nós todos considerámos inaceitável –, um protocolo no Tratado para exonerar o Reino Unido de um certo numero de regras sobre os serviços financeiros”, afirmou o Presidente francês, Nicolas Sarkozy, no final dos trabalhos. “Não pudemos aceitar porque consideramos, pelo contrário, que uma parte dos problemas do mundo vem da desregulação dos serviços financeiros”, sublinhou.

Os cavalos de Tróia tomam historicamente muitas formas e são de geometria variável. Cameron, na União Europeia, é esse o papel que joga neste turno. E ele não é o primeiro, vindo daquele lado, a jogar esse papel. Charles de Gaulle viu o filme todo. Os britânicos viajam para o continente principalmente para plantar ervas venenosas. Nesta crise, o seu papel tem sido o de colocar pedras no caminho de qualquer solução. E não se julgue que isso é exclusivo dos seus governos conservadores. Assim se vê que é deslocado focar todas as frustrações dos europeus na Alemanha e na senhora Merkel.

8.12.11

O Império Romano e a União Europeia.



I


Muitos creditam à União Europeia (ex-CEE) mais de 50 anos (1957-????) de paz e prosperidade a benefício dos povos europeus. Contudo, mesmo entre os que foram intensamente financiados por outros mais prósperos (como os portugueses), parece haver uma moda de indiferença ou até desconfiança face a essa “casa comum”. Parece pairar a convicção de que o que temos está garantido e não nos pode ser tirado, mesmo que demos largas aos egoísmos nacionais e cuidemos pouco de participar na construção europeia. Será assim? Procuremos contribuir para uma resposta com um paralelo com o império romano e a sua queda.


Poderíamos sempre tentar uma resposta “cultural”. Por exemplo, lembrando que ferramentas culturais básicas se ressentiram: a capacidade de ler e escrever, muito difundida no império romano devido às necessidades burocráticas e económicas, não apenas entre as elites mas também nas “classes médias”, regrediu no período pós-romano até ao ponto de mesmo grandes reis ocidentais terem sido analfabetos. (O clero foi, em larga medida, uma excepção importante.) Mas nesse campo poderíamos apontar, após a queda do império romano, o florescimento de formas superiores de cultura, por exemplo aquelas que foram protegidas e praticadas nos círculos religiosos. Por exemplo nos mosteiros e nas catedrais. Mas não vamos por aí. Vamos às coisas “menores”, à vida material quotidiana.


No auge da sua extensão o Império Romano incluía quase toda a Europa ocidental, largas faixas em redor do Mediterrâneo, bem como regiões mais orientais, desde os Balcãs à Grécia, Egipto, Ásia Menor, chegando à Síria e fazendo a oriente fronteira com a Pérsia e com as regiões caucasianas. A queda do Império a Ocidente, em 476 d.C., deu lugar a um longo período de retrocesso sócio-económico, como escreve Bryan Ward-Perkins, em “A Queda de Roma e o Fim da Civilização”: “o domínio romano, e sobretudo a paz romana, trouxe níveis de conforto e sofisticação para o Ocidente que não tinham sido vistos anteriormente e que não seriam vistos de novo durante muitos séculos”. O que quer isso dizer em concreto?



II




O que Bryan Ward-Perkins procura mostrar, em “A Queda de Roma e o Fim da Civilização”, é que a queda do império romano do ocidente representou um retrocesso na vida material da maioria da população. Vejamos alguns dos seus exemplos.


Os romanos produziam bens de uso corrente (não apenas de luxo), de qualidade muito elevada, em enormes quantidades, e depois difundiam-nos largamente, sendo por vezes transportados por muitas centenas de quilómetros para serem consumidos por todos os grupos sociais (não apenas por ricos). A existência de “indústrias” muito desenvolvidas, funcionando com trabalhadores razoavelmente especializados, produzindo em grandes quantidades e vendendo para zonas remotas do império, suportadas em sofisticadas redes de transporte e de comercialização, era possível graças à infra-estrutura de estradas, pontes, carroças, hospedarias, barcos, portos de rio e de mar – e à burocracia imperial, incluindo um exército numeroso, para enquadrar e proteger todo esse fervilhar. Exemplos concretos são como seguem.


A cerâmica, utilizada para o armazenamento, preparação, cozedura e consumo de alimentos, era de alta qualidade, tanto em termos práticos como em termos estéticos. O nível de sofisticação da cerâmica romana usada para preparar e servir alimentos só volta a ser observado alguns 800 anos depois, pelo século XIV. Também as artes da construção de edifícios, que os romanos tinham sofisticado quer para casas luxuosas quer para casas vulgares, em vastas regiões do antigo império perderam-se e deram lugar a povoados construídos quase inteiramente de madeira, onde antes se construía de pedra e tijolo (para já não falar das casas mais sofisticadas com aquecimento por baixo do chão e água canalizada). Já a fundição de chumbo, cobre e prata, que permitia a realização de muitos utensílios sofisticados, também entrou em queda com o desabar do império e só nos séculos XVI e XVII terá voltado a atingir os níveis da época romana.


Enquanto no império as moedas de ouro, prata e cobre eram perfeitamente acessíveis e largamente utilizadas nas trocas económicas, o que veio depois foi o desaparecimento quase total da utilização diária da moeda, a par com o desaparecimento de indústrias inteiras e de redes comerciais. Os produtos de luxo continuaram, em maior ou menor grau, a ser produzidos para os mais ricos, mas os produtos de uso mais geral e de qualidade é que escassearam ou desapareceram. Em certas zonas do antigo império, certos aspectos da economia e do bem-estar material regrediram para níveis da Idade do Bronze. Mesmo muitas economias regionais foram destroçadas pela instabilidade política e militar.


Os benefícios do império também se estenderam à agricultura. Um exemplo curioso: até o tamanho médio do gado aumentou consideravelmente no período romano, graças à disponibilidade de pastos de boa qualidade e de forragem abundante no Inverno. O tamanho do gado regrediu, depois da queda do império, para níveis pré-históricos.


E que é que isto tem a ver com a União Europeia?



III



Em que é que a queda do Império Romano do Ocidente pode contribuir para uma reflexão sobre a União Europeia? O que é que interessa que a queda do Império Romano do Ocidente tenha tido como consequência um abaixamento dos níveis de conforto e de sofisticação da vida de largos estratos da população?


A queda do império romano do ocidente não foi, como vimos ontem, apenas um abalo para as elites políticas, sociais e culturais. Representou um retrocesso no conforto material da esmagadora maioria da população. Já para não falar de que desapareceu assim o instrumento do maior período contínuo de paz (500 anos) vivido na região mediterrânica. Talvez seja útil reflectir nisto: o progresso e o bem-estar (material e espiritual) não estão nunca garantidos. Podem sofrer atrasos profundos e duradouros se não soubermos preservar e melhorar as formas sociais e políticas que são as suas condições de possibilidade.


O império romano durou muitos séculos e foi finalmente abalado e destruído. E demorou muitos séculos a recuperar o que se perdeu. A “nossa Europa” tem 50 e poucos anos e há nela ainda muito por fazer. E também ela não está garantida para todo o sempre, dependendo da sabedoria com que soubermos ajustá-la continuamente às novas necessidades. Estaremos conscientes disso quando alimentamos o cepticismo, ou mesmo a indiferença, face a essa realização comum de paz e de progresso? Estaremos cientes de que nenhuma realização das sociedades humanas pode sobreviver à cupidez das suas elites ou à cegueira dos seus dirigentes ?


Quererá isto dizer que devemos aceitar a UE como o melhor dos mundos possíveis? Aceitar sem crítica as suas políticas (e os seus políticos)? Não. Quererá isto dizer que a UE é intrinsecamente boa? Que devemos prescindir de tentar torná-la mais útil aos seus povos e aos outros povos do mundo? Não. Isto quer apenas dizer que nada está historicamente garantido e que, se não assumirmos (individual e colectivamente) a nossa quota-parte de responsabilidade pelo futuro comum, as consequências podem ser desagradáveis.

à pluralidade dos votos.


O principal problema político que a UE tem para resolver, quando tentar "atacar a crise" nessa cimeira que está para começar, é este: a democracia e a eficiência são compatíveis?
Quer dizer: a única forma de desatar o nó da crise do euro é ignorar o que os povos e os países tenham a dizer à pluralidade dos votos? Se as instituições funcionarem de modo a que as vozes sejam sopesadas, isso será um impeditivo do necessário ataque à crise? Esta é a equação mais geral espetada como uma espinha no pescoço da Europa.
Acompanhar o que aí vem em termos europeus é importante, em todos os pormenores e diferentes visões. Só que, se os nossos "líderes" se mostrarem incapazes de meter democracia e eficiência no mesmo saco, em verdade vos digo: estamos tramados e não nos safaremos com melhores rodriguinhos tratadísticos.

um problema quase de neurociência.


O barulho todo em torno da charla de Sócrates em Paris, incluindo o regresso do fantasma do MNE, parece ser para evitar que se veja na íntegra o tal objecto escabroso. Querem que só ouçamos uma frase. Concentram-se numa frase. O ruído todo é sobre uma única frase descontextualizada. Mas o problema dos propagandistas não é essa frase. O problema deles é todo o resto da charla. O problema que têm é a memória, porque sabem que a memória de curto prazo apaga-se rapidamente, o que vai ficar é a memória de longo prazo. E "eles" sabem que a memória de longo prazo não vai acolher as suas diatribes correntes.

Robot Film Festival (2)


Out In The Street, de Mark Simpson, Nick Paroz, Sixty40, Superfad
[Botsker Award for Best Story]



o homem controla o universo?


Diego de Rivera nasceu, faz hoje anos, em 1886. Grande pintor mexicano, foi também marido de Frida Kahlo.

Diego de Rivera, O Homem Controla o Universo, 1934
(Clicar amplia - e fica lindo.)

Apetece comentar: são tão perigosas as ideias! Os entusiasmos que elas provocam, a arte que elas justificam, vão tão a par do mal que se faz à sua sombra! Nisso, as ideias de "esquerda" e as ideias de "direita" são muito parecidas.