28.4.10
CV
A "coisa" que podem ver mais abaixo é um comentário a esta notícia no sítio do Público:
Carlos Costa concordou com renovação dos créditos às off-shores investigadas do BCP.
Note-se que o ilustre comentador também tem de apelido Costa. Mesmo que seja falso.
O problema é que "disto"... é às sacadas.
só não percebo por que Sócrates apoiou Barroso
Em muitos aspectos da política-política, Sócrates é melhor do que foi Guterres. Sócrates brilha menos mas firma mais a cabeça quando investe. (Quando marra, se quiserem.) E isso importa num país de malditas falinhas mansas. Às vezes dou comigo a pensar o que Sócrates não teria feito se lhe tivesse calhado o tempo que calhou a Guterres.
Só que, por outro lado, Guterres voa muito mais alto. Com visão global e de precisão. Como a águia. Como se vê/lê agora. O antigo primeiro ministro António Guterres considerou hoje em Bruxelas que tem faltado "clareza" à Europa na forma de lidar com a crise financeira e económica, apontando que é essa incerteza que se tem reflectido no comportamento dos mercados. Se Guterres fosse agora PM teria, provavelmente, uma oportunidade de ouro para mostrar a sua visão de fundo, sempre muito bem informada, sempre global, sempre focada nas tendências pesadas. Esse é o palco onde ele é bom. Faz-nos falta agora, enquanto a tropa fandanga anda por aí a fazer oposição ao governo com base na tola ideia de ser o governo de Portugal o culpado de uma forte crise institucional da Europa. Crise de que são principalmente responsáveis: (1) o egoísmo de vistas curtas da Grande Alemanha, guiada por uma Merkel que aparentemente atingiu o limite da sua capacidade de compreensão; (2) a paralisia do sapo, que em geral só abre a boca para balbuciar aquilo que já lhe encomendaram antes, e que continua incapaz de uma única ideia a sério para este barco.
Pode pensar-se que as pessoas passam e as instituições ficam. Mas uma pessoa do tipo nem c*** nem desocupa a moita pode dar cabo de uma instituição que devia ser liderante. Liderante para além da letra dos Tratados, porque a liderança que conta assenta nas ideias.
Só que, por outro lado, Guterres voa muito mais alto. Com visão global e de precisão. Como a águia. Como se vê/lê agora. O antigo primeiro ministro António Guterres considerou hoje em Bruxelas que tem faltado "clareza" à Europa na forma de lidar com a crise financeira e económica, apontando que é essa incerteza que se tem reflectido no comportamento dos mercados. Se Guterres fosse agora PM teria, provavelmente, uma oportunidade de ouro para mostrar a sua visão de fundo, sempre muito bem informada, sempre global, sempre focada nas tendências pesadas. Esse é o palco onde ele é bom. Faz-nos falta agora, enquanto a tropa fandanga anda por aí a fazer oposição ao governo com base na tola ideia de ser o governo de Portugal o culpado de uma forte crise institucional da Europa. Crise de que são principalmente responsáveis: (1) o egoísmo de vistas curtas da Grande Alemanha, guiada por uma Merkel que aparentemente atingiu o limite da sua capacidade de compreensão; (2) a paralisia do sapo, que em geral só abre a boca para balbuciar aquilo que já lhe encomendaram antes, e que continua incapaz de uma única ideia a sério para este barco.
Pode pensar-se que as pessoas passam e as instituições ficam. Mas uma pessoa do tipo nem c*** nem desocupa a moita pode dar cabo de uma instituição que devia ser liderante. Liderante para além da letra dos Tratados, porque a liderança que conta assenta nas ideias.
negociar em directo (aquilo não é cheap talk)
Berardo diz que ministra da Cultura mentiu na Assembleia da República.
«Segundo os estatutos, o museu tem para aquisições um milhão de euros por ano, a ser entregues em partes iguais pelo Estado e por Berardo. "Não vejo nada nos estatutos da Fundação Berardo que mostre que seja possível substituir 500 mil euros por obras de arte", disse Canavilhas.» (Público)
Ainda estou para ver se, mais uma vez, a comunicação social vai fazer o papel de reforço negocial de Berardo contra o Estado e o interesse público (que, nem sempre, mas às vezes coincidem).
«Segundo os estatutos, o museu tem para aquisições um milhão de euros por ano, a ser entregues em partes iguais pelo Estado e por Berardo. "Não vejo nada nos estatutos da Fundação Berardo que mostre que seja possível substituir 500 mil euros por obras de arte", disse Canavilhas.» (Público)
Ainda estou para ver se, mais uma vez, a comunicação social vai fazer o papel de reforço negocial de Berardo contra o Estado e o interesse público (que, nem sempre, mas às vezes coincidem).
o forno faz bem à saúde
Aqui está um forno na rua. Imaginam o que isso faz à paisagem humana.
(Como hoje ainda não li jornais, falo fora da agenda.)
os factos não se vestem, contrariamente aos fatos
«Ana Catarina Mendes, do PS, opôs-se àquilo que designou como “juízos de carácter” e defendeu que o objecto desta comissão é outro: “Eu quero objectivamente saber se os depoentes têm alguma coisa factual a dizer” sobre o envolvimento do Governo no negócio PT/TVI.» (Público)
Oh, Ana Catarina, factual? A Comissão de Inquérito, se fosse para procurar o factual, nunca tinha sequer começado. É que está mais que visto que, por muitas comissões que se montem umas atrás das outras, é impossível transformar nada em coisa alguma. E aquela gente, que odeia o suspeito do costume, pensa que isso (o ódio) basta para o condenar. Se não pensassem isso, tinham vergonha de ir ao Parlamento fazer de conta que prestam depoimento, gastar o dinheiro da nação. Mas não têm. Vergonha.
no teatro da escola
Tudo isto pode ser a propósito da importância da escola nas nossas vidas (ou de como, fracassando essa mesma escola, ela pode não ter importância nenhuma). Pode ser acerca de como na escola somos sujeitos a tantas influências diferentes, desde o mais estúpido mecanicismo à mais cuidada das confusões. Acerca de quão grave é ser professor. E aluno, e aluno. Acerca de como o mundo é complicado, de como as pessoas não são lineares, de como os heróis são novelas em fascículos e alguns dos capítulos vêm escritos em páginas erradas. Esta peça, que podia parecer coisa simples de ver e contar, talvez mesmo demasiado simples, acabou capaz de revelar algo importante: não há cores puras neste mundo. Só misturas.
The History Boys (Los Chicos de Historia), de Alan Bennett, estreada em Londres em 2004, é a história de um grupo de estudantes de história a preparar-se intensamente para o exame de acesso a Oxford ou Cambridge, sob a batuta de três professores, Hector, Irwin e Lintott, com estilos bastante diferentes, orquestrados por um Director que, claro, quer que o seu estabelecimento suba no ranking.
Hector ama o saber e quer ensinar esse amor na sua pureza – mas lecciona “conhecimentos gerais” e ensina francês nas aulas de inglês. Lintott é limitada e não quer aborrecimentos, é boa pessoa mas nem sempre sabe bem como sê-lo. Irwin é contratado para ser um professor mais realista, mais focado nos resultados do que na educação (que nem sabe bem o que seja), apesar de os seus próprios resultados não terem sido tão bons como ele os afirma. Para Hector, que passa a vida a tentar contagiar os alunos com os vírus da língua, da literatura, do teatro, do cinema e da música, o Holocausto não pode ser reduzido ao objecto de um exercício de malabarismo verbal para surpreender o júri de um exame de história. Para Irwin, num exame a verdade histórica é tão irrelevante como a sede numa prova de vinhos. O medíocre director da escola gere o barco com um manuseamento hábil dos regulamentos, mas o barco é mais a sua carreira do que outra coisa.
Cabe lembrar que esta peça, que já deu um filme, localiza a acção em 1983, nos anos Thatcher, no norte industrial em dificuldades. O professor novo, focado nos resultados, é um cínico: mas isso ia bem com o liberalismo que reinava. A peça não se preocupa em desfazer preconceitos. Oxford e Cambridge é que são a meta, as outras universidades não contam, isso nunca é posto em causa, nunca se desmente que o raciocínio do director seja o raciocínio do autor do texto. Interessante é o questionamento (ou a simples exposição) das práticas sexuais pouco conformes ao regulamento que se desenvolvem entre o herói (o professor interessante) e os seus alunos. Talvez hoje poucos autores metessem esta vertente num espectáculo “para todos os públicos”.
No centro deste espectáculo, numa das salas dos Teatros del Canal, está o catalão José María Pou, actor muito premiado de teatro, de cinema e de televisão, encenador, director do Teatro Goya de Barcelona desde a sua inauguração em 2008, que começou com esta peça que lançou oito jovens actores. Ele próprio, o professor Hector, é realmente a única personagem com alguma densidade psicológica. Fica-lhe bem: um homem enorme a chorar, um físico um bocado desengonçado em parceria com alguns desencontros dos estereótipos que poderíamos esperar, acaba por funcionar. O resto é agitação, uma história em grande medida previsível, um fim de tarde de domingo em mais uma excursão ao teatro que se mostra em Espanha.
The History Boys (Los Chicos de Historia), de Alan Bennett, estreada em Londres em 2004, é a história de um grupo de estudantes de história a preparar-se intensamente para o exame de acesso a Oxford ou Cambridge, sob a batuta de três professores, Hector, Irwin e Lintott, com estilos bastante diferentes, orquestrados por um Director que, claro, quer que o seu estabelecimento suba no ranking.
Hector ama o saber e quer ensinar esse amor na sua pureza – mas lecciona “conhecimentos gerais” e ensina francês nas aulas de inglês. Lintott é limitada e não quer aborrecimentos, é boa pessoa mas nem sempre sabe bem como sê-lo. Irwin é contratado para ser um professor mais realista, mais focado nos resultados do que na educação (que nem sabe bem o que seja), apesar de os seus próprios resultados não terem sido tão bons como ele os afirma. Para Hector, que passa a vida a tentar contagiar os alunos com os vírus da língua, da literatura, do teatro, do cinema e da música, o Holocausto não pode ser reduzido ao objecto de um exercício de malabarismo verbal para surpreender o júri de um exame de história. Para Irwin, num exame a verdade histórica é tão irrelevante como a sede numa prova de vinhos. O medíocre director da escola gere o barco com um manuseamento hábil dos regulamentos, mas o barco é mais a sua carreira do que outra coisa.
Cabe lembrar que esta peça, que já deu um filme, localiza a acção em 1983, nos anos Thatcher, no norte industrial em dificuldades. O professor novo, focado nos resultados, é um cínico: mas isso ia bem com o liberalismo que reinava. A peça não se preocupa em desfazer preconceitos. Oxford e Cambridge é que são a meta, as outras universidades não contam, isso nunca é posto em causa, nunca se desmente que o raciocínio do director seja o raciocínio do autor do texto. Interessante é o questionamento (ou a simples exposição) das práticas sexuais pouco conformes ao regulamento que se desenvolvem entre o herói (o professor interessante) e os seus alunos. Talvez hoje poucos autores metessem esta vertente num espectáculo “para todos os públicos”.
No centro deste espectáculo, numa das salas dos Teatros del Canal, está o catalão José María Pou, actor muito premiado de teatro, de cinema e de televisão, encenador, director do Teatro Goya de Barcelona desde a sua inauguração em 2008, que começou com esta peça que lançou oito jovens actores. Ele próprio, o professor Hector, é realmente a única personagem com alguma densidade psicológica. Fica-lhe bem: um homem enorme a chorar, um físico um bocado desengonçado em parceria com alguns desencontros dos estereótipos que poderíamos esperar, acaba por funcionar. O resto é agitação, uma história em grande medida previsível, um fim de tarde de domingo em mais uma excursão ao teatro que se mostra em Espanha.
26.4.10
para quando o 25 de Abril...
... deles?
Damas de Branco impedidas de protestar em Havana. (Público)
Todas as ditaduras têm o seu povo. Por isso, não enchamos a boca com o povo.
on Peer Reviewing
Dear *** ***:
As you know, only 8% members of the Scientific Research Society agreed that 'peer review works well as it is.' (Chubin and Hackett, 1990; p.192)
"A recent U.S. Supreme Court decision and an analysis of the peer review system substantiate complaints about this fundamental aspect of scientific research." (Horrobin, 2001)
Horrobin concludes that peer review "is a non-validated charade whose processes generate results little better than does chance." (Horrobin, 2001) This has been statistically proven and reported by an increasing number of journal editors.
But, "Peer Review is one of the sacred pillars of the scientific edifice" (Goodstein, 2000), it is a necessary condition in quality assurance for Scientific/Engineering publications, and "Peer Review is central to the organization of modern science…why not apply scientific [and engineering] methods to the peer review process" (Horrobin, 2001).
This is the purpose of The 2nd International Symposium on Peer Reviewing: ISPR 2010 (http://www.sysconfer.org/ispr) being organized in the context of The SUMMER 4th International Conference on Knowledge Generation, Communication and Management: KGCM 2010 (http://www.sysconfer.org/kgcm), which will be held on June 29th - July 2nd, in Orlando, Florida, USA.
Beckett por Lupa
Levámos um murro no estômago, fomos empurrados pela escada abaixo até ao fundo do poço, enfiaram-nos a cabeça numa cloaca cheia de merda da humanidade que somos, ainda por cima obrigaram-nos a olhar-nos ao espelho e contemplar a nossa figura - e, por fim, gostámos. Vimos uma espécie animal com que lidamos todos os dias, mas que só por vezes se revela. Relato de uma brutal experiência de espectador de teatro.
O polaco Krystian Lupa, um encenador teatral de renome mundial, Prémio Europa de Teatro 2009, veio a Madrid dirigir a companhia do Teatro de La Abadia. Matéria-prima: a peça Endgame (Fin de Partida), de Samuel Beckett, escrita nos anos 50 do século passado.
O título aponta para uma situação típica da parte final de certos jogos (como o xadrez), quando já restam poucas peças e a gama de movimentos possíveis para as peças está fortemente limitada. Aqui só há quatro personagens e todas estão em estado de "fim de partida". Sendo uma peça em que não há, propriamente, acção - o que será isso, afinal? - alguns classificam esta obra como pertencendo ao Teatro do Absurdo. Aquilo que, provavelmente, melhor representa o que Beckett disse com esta peça é a frase "Nothing is funnier than unhappiness." Na tradução espanhola proposta pela companhia: "Nada es tan divertido como la desgracia". Neste caso, a desgraça tem um passado (fala-se dele), mas não sinais de que tenha um futuro. Apesar de a um dia se seguir outro.
Nesta peça, as quatro personagens estão tão presas como quatro peças num final de partida num jogo de xadrez. Hamm e Clov estão na relação senhor-servo, mas Hamm não pode pôr-se de pé (paraplégico e cego), apesar de ser o dominador, enquanto Clov, que está sempre de pé (numa espécie de mobilização infinita), não serve apenas como servo, mas também como uma espécie de amigo. Já Nagg e Nell (pais de Hamm), ficaram com as pernas paralisadas num acidente de bicicleta, encontram-se confinados a dois contentores de lixo e estão sempre na horizontal. Que final de partida...
Algumas frases do encenador, Krystian Lupa, ao El País (2 de Abril p.p.):
«No princípio concordei em fazer Beckett desde que fosse uma adaptação muito livre. Mas a minha imposição revelou-se desnecessária, porque o que aprendi aqui é que no mundo de Beckett o não dito é tão vasto, tão livre e tão imenso, que não é preciso saltar nem uma só palavra. (…) Como não podia impor uma mudança na estética teatral do seu tempo, escreveu de uma tal forma que as mudanças foram impostas a partir do próprio texto. (…) Os protagonistas de Endgame a maior parte do tempo ou mentem ou calam. E, mesmo assim, e aí está a genialidade do autor, o que realmente querem dizer está presente em todos os momentos. Basta saber alcançar e compreender.»
«O cinismo representa com frequência a postura do metafísico face ao sentimentalismo omnipresente.»
Lupa com José Luis Gómez, o actor na cadeira de rodas do seu personagem (Foto Uly Martín, El País)
Aos que só acreditam no teatro como exercício de alegria, em geral aos que só gostam de contemplar o que os faz felizes, só posso dar um conselho: mantenham-se afastados desta peça e, em particular, desta apresentação. Ela poderia mostrar-vos o interior do mundo humano - e isso seria uma desgraça para a vossa necessidade de consolo.
***
Uma das práticas que aqui verificamos consiste em algumas companhias teatrais documentarem em vídeo o processo criativo e dá-lo, por esse meio, como fruição complementar ao público. O que também resulta, julgo eu, em compreensão acrescida.
No caso deste espectáculo, o respectivo vídeo-blogue inclui uma série de apontamentos sobre os ensaios onde, designadamente, podemos observar Krystian Lupa a lançar a primeira leitura do texto; a companhia a discutir o tema do sofrimento (a partir da leitura de Lupa: “quem não sofreu, não tem direito a julgar se sou bom ou mau” ) como parte do processo de penetrar na obra; uma inquirição sobre o significado do nome Hamm para uma personagem (em que sentido uma pessoa pode ser como um martelo?); os actores a fazerem-se ao vestuário e aos adereços; o encenador a explicar como quer que seja o olhar de uma dada personagem e a mostrar o que quer dizer com o seu próprio olhar – e depois a interpretar outra personagem; alguns segredos da particular cenografia que Lupa concebeu para este espectáculo e como ela foi tomando forma; dois actores a tentarem acertar com o penteado que convém às personagens que vão incarnar; aspectos da finalização do cenário, onde o seu criador mete a mão directamente na massa; como se fizeram os autênticos sarcófagos que substituem os caixotes do lixo em que normalmente encontraríamos Nagg e Nell, os pais de Hamm – e como se habituam a eles os actores que estarão nesses papéis; uma discussão sobre a importância do cão de trapos, só com três pernas, que aparece na peça; o encenador a construir uma história para além da história que consta do texto, dando-lhe um horizonte que ajuda à sua leitura; Ros Ribas, o premiado fotógrafo de teatro, a cobrir um ensaio; Lupa, perto da estreia, a aconselhar uma certa atitude aos seus actores quanto ao desafio que tudo aquilo constitui.
Deixamos abaixo o clip promocional deste espectáculo.
25.4.10
24.4.10
o cansaço de Manuela
Lê-se no jornal i: «Manuela Moura Guedes foi chamada a apresentar factos que possam contribuir para a investigação do alegado plano do governo para controlar a comunicação social. O Ministério Público já notificou a jornalista, o que, na prática, significa que foi dado seguimento à queixa apresentada [por MMG]em Fevereiro contra o primeiro-ministro.» E mais acrescenta o jornal: MMG «admite sentir-se "cansada" das batalhas judiciais.»
Quando lhe dão a oportunidade de apresentar factos para consubstanciar a sua queixa, a Senhora começa a sentir-se cansada?!?!
justiça, juízes, advogados, democracia
Um diz que não disse, entretanto não tendo ouvido tudo o que o outro disse. Este, confirma a opinião que já tínhamos sobre a sua inteligência e sobre o seu sentido do bem público.
O outro reafirma e explica o que disse, prestando um serviço público.
Um vídeo esclarecedor.
escaravelhos, intencionalidade, robótica e inspiração biológica
Sem entrar na complexa classificação científica que seria necessário usar para ser exacto, há uma espécie de escaravelho ou besouro cujo comportamento caracterizador consiste em recolher excrementos de outros animais, moldá-los em bolas (de tamanho superior ao do próprio corpo do transportador) e depois levar essas bolas para o ninho, onde podem servir de alimento ou de incubadora. O transporte normalmente é feito sem aparente consideração pelos acidentes do terreno, demonstrando uma força física e uma persistência notáveis. Por vezes acontece outro membro da espécie tentar roubar a bola em transporte. O vídeo seguinte dá uma breve ideia de quão interessante é este comportamento.
Uma pergunta para filósofos e outros interrogativos: poderemos falar de intencionalidade no comportamento observado deste escaravelho?
Uma abordagem actualmente muito em voga nas ciências do artificial, nomeadamente na Nova Robótica, é a chamada "inspiração biológica": olhar para criaturas da natureza com o fito de por essa via chegar a ideias de como replicar estruturas e dispositivos em "criaturas" artificiais. O vídeo seguinte exemplifica.
Por vezes, a inspiração serve "apenas" para começar, porque depois faz-se o que se pode (com os materiais disponíveis e o engenho disponível) e, mesmo que o resultado seja muito diferente do que se observou na natureza, diz-se ainda que a coisa é "biologicamente inspirada". O vídeo seguinte não tem nada a ver com robótica, mas também ilustra uma desmesurada "inspiração biológica". Ou não será desmesurada? Que dizem?
23.4.10
caro Eduardo Pitta:
Escrever, sobre a falada nomeação de Carlos Costa para governador do Banco de Portugal, que «Não se lhe conhecem ligações partidárias», tem um pequeno problema de português. É o "se" de "não se lhe conhecem". É que esse elemento dá assim um ar, simultaneamente, de vagueza e generalidade. Só que, se há por aí (muito) quem não conheça tais ligações, alguns ainda se lembram dos anos de Carlos Costa como chefe de gabinete de João de Deus Pinheiro, enquanto Comissário Europeu designado por Cavaco Silva (de Janeiro de 1993 a Setembro de 1999). Claro, o PSD faz agora de conta que não o conhece de lado nenhum... Como é sabido, o chefe de gabinete de um comissário europeu é pessoa completamente desligada das vidas partidárias dos titulares que coadjuvam...
(Evidentemente, Eduardo, não é o único a laborar nessa opinião. Só o escolhi a si, para provocar, por simpatia.)
a esquerda da esquerda já tem a sua inquisição
Sobre o silêncio de Rui Pedro Soares na comissão de inquérito TVI, escreve o i: «João Semedo (BE) considerou significativo Rui Pedro Soares considerar "que a procura da verdade o incrimina". Para o comunista João Oliveira, os não esclarecimentos do ex-gestor têm a consequência de validar o que outros digam sobre ele à comissão.»
É esta a noção que esta "esquerda da esquerda" tem das garantias processuais: uma noção comparável à da inquisição. Para esta "esquerda da esquerda", como para a inquisição, há uma "verdade em si" (ou um deus) que garante o apuramento da conclusão necessária, razão pela qual o "culpado" (não o arguido, o culpado) não tem direitos processuais, apenas o dever de se expor à pureza espiritual do inquisidor. Para quem, como o relator João Semedo, já sabe a que conclusões tem de chegar a comissão para ele poder escrever o relatório que quer escrever, isto não espanta. Só está por saber se o deus em que acredita João Semedo é o mesmo em que acreditavam os inquisidores originais (sim, porque estes inquisidores são apenas cópias dos outros).
[Ler, na Terra dos Espantos, "Quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele".]
22.4.10
eu não percebo nada de direito
"Não há a figura do direito ao silêncio" na comissão de inquérito.
Explicita o Público: «Os coordenadores analisaram a lei dos inquéritos parlamentares e concluíram que a justificação do "direito ao silêncio" para recusar responder perante os deputados não é aceitável e quem o fizer incorre num crime de desobediência qualificada, cuja moldura penal será de dois anos de prisão.»
Do trabalho de uma comissão parlamentar de inquérito podem resultar indícios de crime que o Parlamento pode enviar para apuramento judicial. Em tribunal, um arguido pode calar-se para não se incriminar. Uma pessoa chamada ao Parlamento é obrigada a falar, não tendo o direito a não falar para não se incriminar. O Parlamento parece, pois, servir, para minorar direitos que estão protegidos no quadro do sistema judicial.
De facto, eu não percebo nada da direito.
Será que "eles" percebem de justiça?
O Avarento, de Molière
A peça "O Avarento", de Molière, estreada em Paris em 1668, não corresponde exactamente (nem pouco mais ou menos) ao tipo de teatro que mais apreciamos aqui por este lado. Contudo, na medida em que procuramos aproveitar as oportunidades que surgem para ver postos em palco os textos que fizeram a história desta arte, lá fomos ao Teatro María Guerrero, um dos que fazem parte do Centro Dramático Nacional aqui em Espanha, ver "O Avarento" na versão de Jorge Lavelli e José Ramón Fernández, encenada por Jorge Lavelli.
O estilo de representação, com o lado excessivo que parece vir sempre associado a estes textos, vai bem com as cores fortes que tratam de fazer com que "a mensagem" do texto não escape a nenhum espectador eventualmente distraído.
O final é o pior: para resolver a embrulhada em que a história se tinha metido, aparece alguém que serve de pai a toda a gente que estava a precisar de um para se desenrascar de um matrimónio encalhado, sendo que a mesma personagem ainda se encarrega de avançar o dinheiro necessário para que ninguém coloque grãos de areia na engrenagem.
Por outro lado, o momento mais subtil do espectáculo acontece quando a menina Mariane - que o avarento (Harpagon), viúvo sexagenário, quer para sua mulher - faz um discurso de dupla chave: parecendo estar a repreender Cléante (filho do avarento) por ele não aceitar aquele casamento dela com o pai dele, ela está na verdade a assinalar-lhe que é dele (filho) de quem ela gosta, e não do noivo oficial (o avarento pai). Para prazer do filho, que é isso mesmo que quer ouvir; e do pai, que gosta do que ouve, por não o entender.
O elenco, dentro do género, defende bem o texto. E, na verdade, dá gosto ver pessoas normais, de todas as idades e aparentemente de diferentes estratos sociais, que investem uma tarde de domingo no teatro, aplaudir com gosto no final. Sinal de que tiraram prazer da experiência.
Inserimos abaixo um vídeo de promoção do espectáculo. A companhia disponibiliza ainda uma série de vídeos dos ensaios, que são interessantes por nos mostrarem aspectos do processo a que normalmente não temos acesso.
oh, Joaquim...
... não achas que isso seria pedir demais?
«(...) não será bem uma crítica, mais um desabafo. O que eu gostava de ler era Mário Vieira de Carvalho (e outros ex-governantes, claro) a reflectir, o mais despojadamente que lhe fosse possível, sobre as razões e os contextos que levaram a que, no seu entender, o seu exercício de poder governativo (que atravessou quase uma legislatura) não tenha conseguido mudar nada de substancial no sector das artes do espectáculo.»
Isto escreveu JPN, Variações sobre o pensamento estratégico para a cultura, no respirar o mesmo ar.
o problema não é ser do PS ou não ser
Henrique Neto declara que não percebe nada de energia, mas meteu-se num manifesto sobre a coisa e vai à TV falar daquilo que confessadamente não sabe. É assim este país, pela vaidade do "achismo". Henrique Neto podia ter ouvido Carlos Pimenta antes de ir para a TV dizer disparates. Só que, se ouvisse sistematicamente aqueles que sabem antes de falar, há muito tempo que estaria fechado longe da comunicação social: e isso deveria ser um sacrifício do caneco para o senhor. É verdadeiramente triste que haja tanta cabecinha dedicada ao desporto de destruir o que se faz em Portugal, ainda por cima quando se vê que, como neste caso, essa atitude está fundada no atrevimento da ignorância.
(via Câmara Corporativa)
20.4.10
trinta anos depois...
... há quem tenha memória. Eduardo Pitta tem. É só para não andarmos com a merdosa desculpa do costume, de que não nos lembrávamos. Se não se lembram, estudem, ora a porra. Não venham é fazer de conta que no pasa nada. É só questão de não sermos cúmplices das palavras dúbias.
será sério...
... perguntar ao Ministro da Justiça pela decisão de um tribunal?
Será que qualquer carne pode servir de pasto à demagogia?
moedas
Excerto do texto de José Pedro Castanheira, na última edição da Revista Actual (do Expresso), sobre o encontro da Associação Socialista Portuguesa que fundou o actual Partido Socialista, nos dias 17 a 20 de Abril de 1973:
Fala depois Francisco Ramos da Costa. O economista sediado em Paris diz que se está a formar na Europa "uma corrente monetária cujo objectivo" é o de se organizar em "potência que faça face ao dólar e possivelmente até constituir uma moeda europeia". A seu ver, "a América não terá as mãos livres para continuar como tem feito até ao presente, uma intervenção e exploração imperialista, uma exportação da guerra como fez no Vietname".Quem tinha os olhos abertos compreendia qual devia ser o papel da Europa no mundo e como é que isso estava relacionado com dotar a "CEE" de uma moeda comum. Hoje em dia há muita gente que faz por esquecer essa ligação. Os que mexem os cordéis, esses, não estão distraídos. O jornal i titula hoje: Bruxelas acusa bancos de empurrar Portugal para a falência. E continua:
«"Há neste momento duas verdades, duas metades do problema. A primeira: nós temos culpa porque nos pusemos a jeito com a evolução da situação económica nos últimos anos. Mas há outra: os inimigos do euro andam aí e há muitas pessoas que estão interessadas no fim da moeda única", constata Filipe Garcia, economista da consultora IMF.»Enquanto isto, alguns dos que são sempre capazes de deitar o interesse do país para trás das costas, desde que essa operação pareça ser-lhes conveniente tacticamente, fazem de conta que a culpa é sempre... do suspeito do costume.
El Balcón, Genet
Jean Genet publicou a primeira versão de Le Balcon em 1956. Fomos agora ver representada, pelo Teatro Español, no Matadero de Madrid, a versão de Ángel Facio.
El Bálcon é um bordel. De luxo, mas um bordel. Os tipos que gostam de se disfarçar de bispo, de general e de juiz quando vão às "meninas", passam a ser o bispo, o general e o juiz do novo regime, quando a "revolução" derruba a grã-duquesa e a "Madame" se torna a nova grã-duquesa, a soberana daquela pequena monarquia em nenhures. A metáfora não tem nada que saber: o mundo da política é uma grande casa de putas, os "aparelhos ideológicos do Estado" uma farsa pegada e deliberada. O capitalismo é um grande bordel e a "revolução social" é facilmente iludida com uma nova camarilha de "actores políticas" que ocupam o vazio deixado pelos derrotados.
Ver esta peça em Espanha, nesta altura em que todos os confrontos voltam a ser possíveis, não necessariamente na forma de guerra civil mas certamente de aspereza ideológica, política e cultural numa miríade de frentes, obriga necessariamente a lembrar que o primeiro título que Genet pensou para esta peça foi "Espanha". Voilá.
Entremos agora na parte da confissão pessoal. Começo (comecei há muito tempo) a não achar grande graça a esta filosofia política de pacotilha, para a qual a revolução é o próprio milagre, embora sempre destinada a ser traída - talvez apenas para se poderem continuar a fazer mais revoluções que vinguem as anteriores versões, "traídas" em sucessão, claro está. Continua a haver quem não perceba que o grande problema com as revoluções não é fazê-las - é o que fazer com elas. Este estado de espírito leva-me a bocejar um bocado com esta conversa da política como bordel e dos papéis sociais como fingimento e artifício. Estou sempre com o revólver pronto a disparar a pergunta: e o que é que essa conversa foi alguma vez capaz de construir?
O elenco, embora esforçado, parecia sentir no fundo do seu poço este mesmo afogamento pela artificialidade daquele texto hoje em dia. Estávamos mesmo ali na segunda fila, a respirar o mesmo ar dos actores, e não vimos convicção de espécie alguma na interpretação. Tudo "plano", como quem está a limpar o pó aos móveis e a fazer de conta que acaricia braços rechonchudos a anjinhos. Algum brilho só quando a grandiloquência revolucionária escorrega para a palhaçada. Muita parra e pouca uva. Os ventos da revolução estão manifestamente carregados de poeiras vulcânicas: mas isso não excita ninguém, a sério. A retórica, às vezes, não pode com uma gata pela cauda.
Os actores e demais membros da equipa representam melhor a suposta convicção quando falam do espectáculo, como se pode ver no vídeo abaixo.
19.4.10
Crónica das mortes amnistiadas
(Um texto de Adelina Barradas de Oliveira, Juíza Desembargadora, autora do blogue Ré em Causa Própria, um blogue do Expresso.)
Baltazar Garzón foi ouvido em Tribunal na passada sexta feira – 16/Abril -devido a uma decisão que está longe de não ser polémica, do Juiz Luciano Varela, do ST [Supremo Tribunal], segundo a qual Garzón terá de responder pelas acusações, da organização franquista "Falange" e da organização de extrema-direita "Manos Limpias", relativas à sua decisão de investigar os desaparecidos da Guerra Civil e do franquismo, à revelia da lei de amnistia geral aprovada em 1977, dois anos após a morte de Franco.
Balatazar Garzón tinha começado, em 2008, a investigar execuções e desaparecimentos, atribuídos às forças do general Francisco Franco, e os crimes que ocorreram durante a Guerra Civil (1936-39) e nos anos seguintes, cobertos por uma lei de amnistia geral decretada em 1977.
Ainda em 2008 a ONU tinha pedido ao Estado Espanhol que abolisse ou revogasse esta Lei da Amnistia. Ou seja, ela não foi entendida, como alguns querem fazer crer, como uma pacificação de um Estado numa época conturbada em que a ETA preocupava a Espanha.
Baltazar Garzón não pode ser acusado de revanchismo porque pretende agora (não discuto se mal se bem), investigar o que aconteceu às vitimas da guerra civil espanhola.
Não podemos esquecer que este Juiz, mediático ou não (não é o que está em causa), já é conhecido por ter emitido uma ordem de prisão contra o ex-presidente do Chile, Augusto Pinochet pela morte e tortura de cidadãos espanhóis. Utilizou como base o relatório da Comissão Chilena da Verdade (1990-1991).
Reiteradas vezes manifestou o seu desejo de investigar o ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, pela sua relação com a denominada Operação Condor.
Trabalha também num processo em que são acusados de genocídio diversos militares argentinos pelo desaparecimento de cidadãos espanhóis durante a ditadura argentina (1976-1983).
Em 2001, solicitou permissão ao Conselho da Europa para processar o Primeiro Ministro italiano Silvio Berlusconi, então membro da Assembleia Parlamentar do Conselho.
Em Dezembro desse mesmo ano, investigou, por suspeitas de lavagem de dinheiro, contas no exterior (off-shore) do conglomerado financeiro BBVA (segundo maior banco da Espanha).
Em Janeiro de 2003, criticou enfaticamente o governo dos EUA pela detenção ilegal, na base de Guantánamo (Cuba), de suspeitos de pertencerem ao grupo terrorista Al Qaeda. Nesse mesmo ano, participou em campanhas contra a guerra no Iraque, não dando tréguas contudo ao terrorismo.
Em Espanha, deu seguimento às investigações do caso GAL (Grupos Antiterroristas de Libertação), grupo de extermínio que, conforme ficou comprovado, foi criado durante o primeiro governo do PSOE, ainda nos anos 1980, com a finalidade de assassinar membros e simpatizantes da ETA. Várias autoridades foram condenadas em virtude do caso, inclusive o ex-Ministro do Interior José Barrionuevo. Posteriormente, foram todos indultados no governo de José Maria Aznar.
Actuou também contra os terroristas bascos da ETA. Em 2002, conseguiu suspender o funcionamento, por 3 anos, do partido Batasuna, ao demonstrar as suas relações com o grupo terrorista. Dessa acção resultou também o encerramento dos jornais Egin e Egunkaria, além da rádio Egin Irratia. Angariou com isso o ódio dos nacionalistas bascos, que consideram que atacou a cultura basca e não o terrorismo.
Em Março de 2003, Garzón suspendeu as actividades do Partido Comunista de Espanha Reconstituido (PCE-r), em função de suas actividades ilícitas de apoio ao GRAPO.
Não estou preocupada com Garzon, estou preocupada com a tendência que os Estados têm para amnistiar crimes praticados contra os direitos Humanos.
Garzón não dorme e não se cala. Temos de reconhecer.
E os crimes que investiga agora são crimes que não deviam ser alvo de leis de clemência. Na sua maior parte, são crimes contra os Direitos Humanos, Convenções Internacionais que os protegem e, muitas vezes, são crimes de sangue.
E há que não esquecer que, há vários anos, associações de familiares das vítimas pedem ajuda estatal para as procurar. Organizações de direitos humanos e associações de igrejas entregaram a Baltasar Garzón uma lista com os nomes de 130 mil desaparecidos.
É isto que me preocupa, não é Garzon que, pelo supra referido não pode ser acusado de tendências de esquerda ou de direita.
Parece-me que a preocupação dele é mesmo a defesa dos direitos humanos. Se algum dia não os respeitar, deverá ser tão condenado como este tipo de leis.
E se tivermos em conta que logo em 1988 o comité dos direitos humanos da ONU tinha exigido à Espanha que abolisse a lei da amnistia, que impede milhares de familiares das vítimas da guerra civil de recuperar corpos das fossas comuns, talvez cheguemos à conclusão de que esta lei da amnistia e outras tantas como esta são leis aberrantes.
É por isso que nos devemos bater. Não por Garzón.
Não sou contra ou a favor do franquismo, não contra ou a favor de posições políticas mas, por todos os que foram vitimas de actos que a meu ver têm na sua base causas fúteis, porque políticas e inconstitucionais. Porque, se ninguém pode ser prejudicado pela sua tendência política, não pode ser morto por ela.
Proteger os estados em atitudes como estas é alimentar este tipo de crimes que se repetirão no tempo e, que num Mundo que se quer globalizado, serão tratados de forma diferenciada de acordo com as politicas governamentais no momento, é condenar-nos a todos a democracias apodrecidas e amorfas.
É intolerável que assim se pense e que tal se admita.
Garzón entende que os crimes de sequestro, por serem delitos continuados, não se sujeitam à prescrição, nem são passíveis de amnistia. Entendimento que vai ao encontro das Convenções da ONU sobre direitos humanos.
Sejamos honestos. Sejamos verticais. As vítimas ou os seus familiares podem ser amanhã... - Nós.
Queremos que leis como estas continuem a ser "fabricadas" e entrem em vigor?
Independentemente de ter ido ou não além do que poderia, a censura vai segura e directamente do meu ponto de vista para a Lei de amnistia de 1977.
É Garzón que está a dividir a Espanha ou é quem acusa este desejo de saber o destino dos familiares mortos de revanchismo cego e ilegalidade?
Uma coisa é certa: os Direitos Humanos são aplicáveis a todos os Homens e, assim sendo, quem não os respeita deve ser punido e não amnistiado.
Há sangue nas mãos dos dois lados, resultante de uma luta entre irmãos por um poder político sem continuação. Vamos permitir que volte a acontecer e permitir que uma lei os apague?
Então deixemos de falar no Holocausto. Não se julguem as brutalidades e genocídios da guerra da Bósnia, era desnecessário terem apurado as responsabilidades de Sadam, e as de Pinochet, e as dos responsáveis na Argentina...continue-se a manter Guantánamo...
Fechemos os olhos e deixemos que todos pensem que mais tarde ou mais cedo matar, sequestrar, estropiar e torturar o seu semelhante é amnistiável.
Adelina Barradas de Oliveira
(A Autora é Juíza Desembargadora e este texto foi redigido para publicação concertada no Ré em Causa Própria, o seu blogue no Expresso, e, como post convidado, aqui no Machina Speculatrix. Estamos agradecidos por ter aceite o convite.)
"Assassinado pelo céu,
entre as formas que vão para a serpente
e as formas que buscam o cristal,
deixarei crescer meus cabelos. "
Garcia Lorca
Baltazar Garzón foi ouvido em Tribunal na passada sexta feira – 16/Abril -devido a uma decisão que está longe de não ser polémica, do Juiz Luciano Varela, do ST [Supremo Tribunal], segundo a qual Garzón terá de responder pelas acusações, da organização franquista "Falange" e da organização de extrema-direita "Manos Limpias", relativas à sua decisão de investigar os desaparecidos da Guerra Civil e do franquismo, à revelia da lei de amnistia geral aprovada em 1977, dois anos após a morte de Franco.
Balatazar Garzón tinha começado, em 2008, a investigar execuções e desaparecimentos, atribuídos às forças do general Francisco Franco, e os crimes que ocorreram durante a Guerra Civil (1936-39) e nos anos seguintes, cobertos por uma lei de amnistia geral decretada em 1977.
Ainda em 2008 a ONU tinha pedido ao Estado Espanhol que abolisse ou revogasse esta Lei da Amnistia. Ou seja, ela não foi entendida, como alguns querem fazer crer, como uma pacificação de um Estado numa época conturbada em que a ETA preocupava a Espanha.
Baltazar Garzón não pode ser acusado de revanchismo porque pretende agora (não discuto se mal se bem), investigar o que aconteceu às vitimas da guerra civil espanhola.
Não podemos esquecer que este Juiz, mediático ou não (não é o que está em causa), já é conhecido por ter emitido uma ordem de prisão contra o ex-presidente do Chile, Augusto Pinochet pela morte e tortura de cidadãos espanhóis. Utilizou como base o relatório da Comissão Chilena da Verdade (1990-1991).
Reiteradas vezes manifestou o seu desejo de investigar o ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, pela sua relação com a denominada Operação Condor.
Trabalha também num processo em que são acusados de genocídio diversos militares argentinos pelo desaparecimento de cidadãos espanhóis durante a ditadura argentina (1976-1983).
Em 2001, solicitou permissão ao Conselho da Europa para processar o Primeiro Ministro italiano Silvio Berlusconi, então membro da Assembleia Parlamentar do Conselho.
Em Dezembro desse mesmo ano, investigou, por suspeitas de lavagem de dinheiro, contas no exterior (off-shore) do conglomerado financeiro BBVA (segundo maior banco da Espanha).
Em Janeiro de 2003, criticou enfaticamente o governo dos EUA pela detenção ilegal, na base de Guantánamo (Cuba), de suspeitos de pertencerem ao grupo terrorista Al Qaeda. Nesse mesmo ano, participou em campanhas contra a guerra no Iraque, não dando tréguas contudo ao terrorismo.
Em Espanha, deu seguimento às investigações do caso GAL (Grupos Antiterroristas de Libertação), grupo de extermínio que, conforme ficou comprovado, foi criado durante o primeiro governo do PSOE, ainda nos anos 1980, com a finalidade de assassinar membros e simpatizantes da ETA. Várias autoridades foram condenadas em virtude do caso, inclusive o ex-Ministro do Interior José Barrionuevo. Posteriormente, foram todos indultados no governo de José Maria Aznar.
Actuou também contra os terroristas bascos da ETA. Em 2002, conseguiu suspender o funcionamento, por 3 anos, do partido Batasuna, ao demonstrar as suas relações com o grupo terrorista. Dessa acção resultou também o encerramento dos jornais Egin e Egunkaria, além da rádio Egin Irratia. Angariou com isso o ódio dos nacionalistas bascos, que consideram que atacou a cultura basca e não o terrorismo.
Em Março de 2003, Garzón suspendeu as actividades do Partido Comunista de Espanha Reconstituido (PCE-r), em função de suas actividades ilícitas de apoio ao GRAPO.
Não estou preocupada com Garzon, estou preocupada com a tendência que os Estados têm para amnistiar crimes praticados contra os direitos Humanos.
Garzón não dorme e não se cala. Temos de reconhecer.
E os crimes que investiga agora são crimes que não deviam ser alvo de leis de clemência. Na sua maior parte, são crimes contra os Direitos Humanos, Convenções Internacionais que os protegem e, muitas vezes, são crimes de sangue.
E há que não esquecer que, há vários anos, associações de familiares das vítimas pedem ajuda estatal para as procurar. Organizações de direitos humanos e associações de igrejas entregaram a Baltasar Garzón uma lista com os nomes de 130 mil desaparecidos.
É isto que me preocupa, não é Garzon que, pelo supra referido não pode ser acusado de tendências de esquerda ou de direita.
Parece-me que a preocupação dele é mesmo a defesa dos direitos humanos. Se algum dia não os respeitar, deverá ser tão condenado como este tipo de leis.
E se tivermos em conta que logo em 1988 o comité dos direitos humanos da ONU tinha exigido à Espanha que abolisse a lei da amnistia, que impede milhares de familiares das vítimas da guerra civil de recuperar corpos das fossas comuns, talvez cheguemos à conclusão de que esta lei da amnistia e outras tantas como esta são leis aberrantes.
É por isso que nos devemos bater. Não por Garzón.
Não sou contra ou a favor do franquismo, não contra ou a favor de posições políticas mas, por todos os que foram vitimas de actos que a meu ver têm na sua base causas fúteis, porque políticas e inconstitucionais. Porque, se ninguém pode ser prejudicado pela sua tendência política, não pode ser morto por ela.
Proteger os estados em atitudes como estas é alimentar este tipo de crimes que se repetirão no tempo e, que num Mundo que se quer globalizado, serão tratados de forma diferenciada de acordo com as politicas governamentais no momento, é condenar-nos a todos a democracias apodrecidas e amorfas.
É intolerável que assim se pense e que tal se admita.
Garzón entende que os crimes de sequestro, por serem delitos continuados, não se sujeitam à prescrição, nem são passíveis de amnistia. Entendimento que vai ao encontro das Convenções da ONU sobre direitos humanos.
Sejamos honestos. Sejamos verticais. As vítimas ou os seus familiares podem ser amanhã... - Nós.
Queremos que leis como estas continuem a ser "fabricadas" e entrem em vigor?
Independentemente de ter ido ou não além do que poderia, a censura vai segura e directamente do meu ponto de vista para a Lei de amnistia de 1977.
É Garzón que está a dividir a Espanha ou é quem acusa este desejo de saber o destino dos familiares mortos de revanchismo cego e ilegalidade?
Uma coisa é certa: os Direitos Humanos são aplicáveis a todos os Homens e, assim sendo, quem não os respeita deve ser punido e não amnistiado.
Há sangue nas mãos dos dois lados, resultante de uma luta entre irmãos por um poder político sem continuação. Vamos permitir que volte a acontecer e permitir que uma lei os apague?
Então deixemos de falar no Holocausto. Não se julguem as brutalidades e genocídios da guerra da Bósnia, era desnecessário terem apurado as responsabilidades de Sadam, e as de Pinochet, e as dos responsáveis na Argentina...continue-se a manter Guantánamo...
Fechemos os olhos e deixemos que todos pensem que mais tarde ou mais cedo matar, sequestrar, estropiar e torturar o seu semelhante é amnistiável.
Adelina Barradas de Oliveira
(A Autora é Juíza Desembargadora e este texto foi redigido para publicação concertada no Ré em Causa Própria, o seu blogue no Expresso, e, como post convidado, aqui no Machina Speculatrix. Estamos agradecidos por ter aceite o convite.)
post convidado
Ainda hoje vamos aqui publicar um post convidado sobre as questões suscitadas pelo procedimento do juiz espanhol Baltazar Garzón no que toca às vítimas do franquismo - e à questão mais geral, a de devermos ou não aceitar formas de "esquecimento" de crimes contra os direitos humanos. A autora é uma Juíza Desembargadora com conhecida actividade na blogosfera. Título do post: Crónica das mortes amnistiadas.
17.4.10
bravo, Rui Pedro Soares
Escrever isto é contra todo o politicamente correcto. Politicamente correcto, hoje em dia, é cuspir para cima de Sócrates e de todos os que o apoiem, usando nisso todos os meios; propalar que os administradores de grandes empresas, se forem do PS, só lá chegaram por favor, sendo incompetentes por definição e vampiros pelo dinheiro que ganham; aplaudir todo e qualquer prima facie atropelo à legalidade, desde que seja usado para achincalhar o PM e/ou o PS e/ou algum ministro e/ou algum amigo de algum desses. Mesmo assim, não conhecendo Rui Pedro Soares de lado nenhum, nem directa nem indirectamente, aplaudo que ele persiga judicialmente aquela gente do semanário Sol, pelas razões que ele explica.
É dos livros, e da lógica do funcionamento dos colectivos, que dar os passos necessários para fazer com que as regras sejam respeitadas tem um custo para os indivíduos que se metem nisso. Tem um custo, porque pode correr mal, porque a litigação é incerta quanto ao resultado, porque o insucesso da demanda afecta os cofres próprios e a reputação. Se correr bem, ganhamos todos, ganha a sociedade, porque os prevaricadores não se ficaram a rir. Mas, segundo as predições dos mais pessimistas, ninguém se mete nisso, porque o ganho potencial é para todos (preservar as regras do viver em comum) e a ameaça de perdas é apenas para quem toma a iniciativa. Contudo, por razões várias, nem todos se deixam amedrontar por esse risco e avançam. Esses merecem aplauso.
16.4.10
onde apanham as galinhas
Louçã, a intervir no Parlamento, chama "manso" a Sócrates. Sócrates, em comentário para o lado, sem microfone, sem estar no uso da palavra, apenas reconstituído pelas câmaras de televisão, diz "manso é a tua tia". (Aposto que o sr. Fernandes pediu para o deixarem escrever esta notícia no Público.) Louçã pede a Sócrates que não baixe o nível. A comunicação social inicia mais um festival contra o dito de Sócrates.
Bendita hipocrisia. Aquele que nunca disse "vai apanhar [aqui entra o título deste post]" que lance a primeira pedra. É que já não há pachorra.
Aditamento. O vídeo mostra: até é preciso escolher a imagem, porque na primeira não há nada. Mas mesmo na imagem escolhida, é preciso colocar legendas para convencer o auditório. O bispo vermelho pode dizer o que lhe passa pela cabeça, mas o PM, para esta comunicação social, esse é tratado como se fosse o único a não ter direito a ser tratado com dignidade institucional.
um problema de tolerância (de ponto)
Infelizmente não escrevo com tanta facilidade e de forma tão escorreita como f. - coisa que, obviamente, é mérito dela e defeito meu. Não vou, por isso, alimentar a conversa, do que só não peço (lhe peço, a f.) desculpa por achar que não vem a propósito. Do lado de f. saiu este post, deste lado saiu este, f. responde com mais este e mais este. Como, na verdade, não vejo que f. acrescente algo à discussão (salvo valer-se das interpretações da conferência episcopal para fazer a hermenêutica da decisão do governo sobre a tolerância de ponto, o que tem alguma graça); como não tenho apetite por estar a explicar a f. qual é o ponto do meu argumento (pela razão simples de que ela o compreende, desde que queira); porque acho que não devo abusar da publicidade imerecida que poderia advir de polemizar com f.; porque antes de f. já milhares de "intelectuais de esquerda" tentaram o mesmo tipo de abordagem à religião e os resultados foram sistematicamente desastrosos - por tudo isso apenas lhe digo: a "guerra da religião" tem coisas muito mais importantes do que estas guerrilhas recuadas sobre tolerâncias de ponto. Quer um exemplo? Leia este post de Joana Lopes (o qual, aliás, eu já sublinhara).
Ah, f., já me esquecia: as partes mais psiquiátricas dos remoques dão-me vontade de rir: nessa matéria eu sou um doente sem médico, um doente em autogestão.
Portas (Paulo) prepara regresso ao governo
Portas diz que recusa da EDP em cortar prémios, apesar da proposta do accionista Estado, é desrespeito por Sócrates.
Segundo o Público, PP terá declarado, dirigindo-se ao PM: “Estão a fazer pouco de si não como pessoa mas como primeiro-ministro”.
Afinal, Portas o que quer é mesmo empresas obedientes ao governo. Peça a peça. Caso a caso. Debaixo do olhar atento da Sra. Agenda Mediática. E a tempo do seu regresso ao governo da nação.
um post estalinista
Tenha-se a opinião que se tenha sobre o envolvimento do Estado na visita do chefe da ICAR a Portugal, essa opinião não devia empurrar pessoas inteligentes para o extremo disparate.
No excelente jugular, f. sugere que a declaração de tolerância de ponto por ocasião da visita de um líder religioso colide com a seguinte disposição da Lei de Liberdade Religiosa:
Ninguém pode ser obrigado a professar uma crença religiosa, a praticar ou assistir a actos de culto, a receber assistência religiosa ou propaganda em matéria religiosa.E até dá a referência concreta e tudo: Lei nº 16/2001 de 22 de Junho, artigo 9º, 1 a.
Foi com raciocínios deste tipo que o estalinismo conduziu a sua campanha de extirpação da religião no país dos sovietes. Com os "efeitos colaterais" conhecidos. E com a eficácia também conhecida: basta ver como as religiões fervilham lá nesse espaço. Só um exemplo da aplicação desta interpretação: deviam proibir as manifestações comunistas, dado o meu direito a não ser obrigado a receber propaganda comunista e, andando pela rua, se der de caras com uma manifestação comunista, acabo por "ser obrigado" a isso. Foi com argumentos desse tipo que regimes totalitários com uma boa dose de esperteza saloia proibiram qualquer manifestação religiosa que não fosse "privada" (fechada em casa ou fechada na "consciência").
Fico fulo com certos campeonatos, em que cada um procura dizer a maior barbaridade para ser o mais berrega numa dada tribo. E, na minha qualidade de agnóstico adverso a sonhos de engenharia social, lamento profundamente o simplismo com que uma certa esquerda lida com a questão religiosa.
[Sobre as coisas sérias do actual momento da ICAR: O longo caminho de Joseph Ratzinger, de Joana Lopes, no Entre as brumas da memória.]
15.4.10
eu ando mesmo a ver coisas
Eu juraria que, no local onde o Público em linha agora tem o título Rui Pedro Soares teve conhecimento prévio de elogios de Figo a Sócrates, esteve antes o título PS teve conhecimento prévio de elogios de Figo a Sócrates. Mas devo ser eu que ando a ver coisas. Para até o Público perceber que aquele título era uma f****-da-p*****, é porque a coisa era demasiado escandalosa. O fantasma do sr. Fernandes continua nas prateleiras do supermercado do dono daquela coisa.
danças de carácter
Sabem o que é? "Danças de carácter"? Eu não sabia. Vão lá, não tenham medo, a autora só escreve sete vezes por ano. Mas, ao ritmo médio, o post Arqueologia corporal qualquer dia deve estar a ser substituído. (Que preguiçosa, aquela rapariga tão trabalhadora.) É de Uma alfacinha em Paris.
Hans Küng, teólogo
Miguel Gomes Coelho, e muito bem, chama a atenção para as palavras do teólogo Hans Küng acerca da situação actual da Igreja Católica. Que é para não verem conspirações externas onde há principalmente "conspiração" dos pecados próprios.
(Não se escandalizem com a expressão "pecado": é fazer algo que vai ferir alguém, que vai fazer dano, que vai causar mal. Irrita-me o primitivismo dos que se escandalizam muito com o uso de palavras que, embora tomadas basicamente pelo pensamento religioso, são capazes de significado para pensar de modo geral.)
14.4.10
que credibilidade têm as palavras de Barroso como presidente da Comissão?
Barroso sobre o PEC de Portugal a 15 de Março passado:
Durão Barroso: PEC português é "credível, ambicioso e exequível". [Jornal de Negócios]
Barroso diz que PEC português é "credível", "ambicioso" mas "exequível". [RTP]
Durão Barroso: "PEC português é ambicioso, mas credível". [Expresso]
Olli Rehn, Comissário responsável pelos Assuntos Económicos e Monetários, declarou : "O programa de estabilidade português é ambicioso e bastante concreto para o período compreendido entre 2011 e 2013. No entanto, poderão ser necessárias medidas suplementares de consolidação orçamental, em especial para o corrente ano, caso se materializem os riscos que pesam sobre a evolução macroeconómica e orçamental. A consolidação orçamental é igualmente indispensável, atendendo à necessidade de reduzir os grandes desequilíbrios externos». (Press Release da Comissão Europeia, com data de hoje, menos de um mês depois, falando do mesmo documento a que se referia Barroso)
A diferença é grande. O comissário, talvez, naturalizando-se português, ainda possa candidatar-se a ministro das finanças cá do burgo. Em bruxelês, um subdialecto do linguajar diplomático, o que Rehn diz é "se correr bem, correu bem; se correr mal, como pode acontecer, não poderão dizer que nós não avisámos".
Barroso, como presidente da Comissão Europeia, fala de cor? Fala em Portugal por razões internas? Estará em campanha? E isso justifica que venha para cá dizer coisas que depois não têm sequência nem consequência? Ou, afinal, aquilo que ele diz não conta nada em Bruxelas?
(A parte em itálico foi acrescentada numa revisão deste post, depois de ler outros blogues com leituras mais positivas da posição da Comissão.)
linguagem e realidade no Público
O Público titula: «Administradores do Taguspark acusados por comprarem apoio de Figo a Sócrates.»
Isto significa que o jornal sabe que os tais administradores compraram o apoio de Figo e que, por isso, por essa ser a realidade, estão a ser acusados. Isso é o que quer dizer "acusados por comprarem". Se o jornal quisesse dizer que há uma acusação, que ainda terá de ser provada, escreveria: "administradores acusados de comprarem..." . Como se trata do Público, nunca se pode saber ao certo se é o prontuário do senhor Fernandes que ainda por lá anda - ou se é a deontologia que permanece a mesma.
inovações / robots / madrid / santander
«Chegar a uma empresa e ser conduzido a uma sala de reuniões por um robô é, no mínimo, invulgar. Mas no centro de visitas da 'cidade' do grupo Santander em Boadilla del Monte, a 18km de Madrid, os pequenos autómatos vermelho-ferrari são as estrelas da megaprodução tecnológica montada pelos portugueses da YDreams.» (Ler mais no Expresso online.)
os indigentes administradores
Eu tenho uma opinião negativa sobre a elevada disparidade salarial no nosso país. Pode haver bons, muito bons, muitíssimo bons salários para gestores de topo - sem que seja preciso haver uma diferença tão grande entre os mais altos e os mais baixos salários num mesmo país. E não colhe o argumento "os privados pagam o que querem a quem querem, o dinheiro é deles e ninguém tem nada a ver com isso". Esse argumento não colhe pela simples razão de que essa disparidade afecta negativamente a coesão de uma comunidade que tem de fazer esforços para dar a volta a uma situação estruturalmente difícil. O espectáculo da exibição dessas disparidades alimenta a raiva dos que têm menos, demasiado menos. Afecta, assim, a legitimidade do sistema na sua globalidade, por a legitimidade também depender da adesão das partes. Claro, essa raiva nem sempre é justificada: há por aí muita gente que não mexe o cu para fazer nada a que não seja obrigado por um pelotão do exército, continuando, no entanto, a achar que os administradores e os deputados é que não fazem mais do que preguiçar o dia todo.
Mesmo assim, os discursos demasiado simplistas acerca dos salários de topo são, muitas vezes, simplesmente tolos. Ainda hoje, comentando (noutro sítio) o meu post sobre a entrevista do presidente do BIG, alguém falava logo a correr de "indigentes administradores". Mas que raio de créditos acham esses "comentadores" que têm para se darem licença de insultar quem quer que seja administrador ou coisa parecida? Esse "varrer" por uma bitola indiferenciada tudo o que cheire a "alto quadro bem pago" é que é indigência.
O ponto é que o mérito conta. Não há-de ser indiferente que António Mexia tenha sido considerado o melhor CEO da Europa na área da energia. Ou que Zeinal Bava tenha sido eleito o melhor CEO da Europa na área de telecomunicações. Isso há-de querer dizer alguma coisa, ou não? É que, bem vistas as coisas, os salários dessa malta até podem valer a pena na óptica do bem comum. Sem prejuízo do que disse a começar, acho que o demasiado simplismo com que "a praça pública" enxovalha as pessoas pertencentes a certos grupos, por um ódio atávico ao "privilégio", não passa disso mesmo. Demasiado simplismo.
13.4.10
são uns esquerdistas, estes banqueiros
Carlos Rodrigues, presidente do BIG (Banco de Investimento Global), ao Público:
«Ninguém pede à Alemanha que salve a Grécia, mas que assuma as suas responsabilidades, porque as regras não foram feitas nem pelos gregos, nem pelos portugueses. O momento exige alguma unidade de actuação e impõe a criação dessa infra-estrutura. Caso contrário será o princípio do fim.»São uns esquerdistas, estes banqueiros.
«Os reguladores e os legisladores ainda não fizeram uma coisa fundamental que é criar um sistema de supervisão das entidades que operavam antes da crise, e continuam a operar, sem regulação, como os hedge funds, os auditores e as agências de rating. Quem manda neles? Ninguém.»
um problema de seminaristas
“Número dois” do Vaticano relaciona pedofilia com a homossexualidade. Acrescenta o Público: «“Muitos psicólogos e psiquiatras demonstraram que não há relação entre o celibato dos padres e a pedofilia, mas muitos outros demonstraram, e disseram-me recentemente, que há uma relação entre homossexualidade e pedofilia”, afirmou [o cardeal] Bertone.»
A Igreja Católica tem lidado com o problema da pedofilia dos padres de uma forma absolutamente desastrada. Infelizmente, a forma às vezes denuncia um problema de conteúdo. Tentar iludir as consequências nefastas de uma "justiça especial" que permite fugir à justiça da cidade, quando isso cria facilidades para os criminosos, é pura cegueira. E, inevitavelmente, dá argumentos aos partidários da "ciência como religião" que vêem nas igrejas a própria incarnação do mal ou, pelo menos, da estupidez humana. (Visão que, repito, não é a minha.)
Mas não é disso que quero agora falar. A citação acima aponta para outro aspecto da questão. O mencionado cardeal, numa tentativa de usar as mesmas armas dos seus adversários, ou talvez mesmo inimigos, tenta entrar numa batalha de "teorias científicas" acerca da pedofilia, da homossexualidade, do celibato. E parece que cita (não, menciona vagamente) estudos de psicólogos e psiquiatras. Um ensaio, portanto de resolver o assunto com pretenso rigor científico. Será que o homem não percebe que pretender usar as armas do adversário, especialmente em versão armas de brinquedo, pode querer dizer que já só lhe resta tentar escolher o tipo de derrota que lhe caberá? Será que o cardeal pensa que o "debate científico" depende lá da sua Cúria (ou de umas coisas que "lhe disseram")?
Afinal, que gaita de estudos fizeram estes cardeais para lidarem deste modo com a relação entre ciência e religião?
a fotografia fantástica de Li Wei na Beijing Time
12.4.10
europas
13 e 14 de Abril (amanhã e depois), em Madrid, reunião informal de ministros da educação da UE, sob presidência espanhola (coisa que já nem se sabe bem o que é, com um presidente permanente do Conselho Europeu).
Na Faculdade de Filosofia da Complutense, de 8 a 14 de Abril, uma "contra-cimeira de ministros da educação", com uma manifestação de rua no dia de hoje. Vi por lá, no átrio, um cartaz do português BE. (Quem será o "contra-ministro" do BE, para estes efeitos?) Slogans anti-Bolonha (onde, como de costume, deve caber tudo, incluindo a massa à bolonhesa) e anti-capitalistas (pelo menos é o que se lê).
10.4.10
Baltasar Garzón
"Es asombroso que los genocidas persigan al juez". (...) «Familiares de víctimas del franquismo aplauden a Garzón en un homenaje a los 3.000 fusilados en la tapia del cementerio de La Almudena.»
Garzón recurre su proceso, en el que ve motivaciones ideológicas. (...) «Con estas pruebas, el magistrado pretende demostrar que cuando decidió investigar los crímenes del franquismo lo hizo "con la ley en la mano", amparado por normas como el Convenio Europeo de Derechos Humanos (suscrito y vigente en España) que aplica, por ejemplo, el Tribunal Europeo de Derechos Humanos cuando impone la interpretación restrictiva de las leyes de amnistía.»
vai nascer mais uma teoria
Da conspiração.
No Público: «Avião que transportava Presidente polaco despenhou-se na Rússia.O Presidente Lech Kaczinski dirigia-se para Smolensk para participar nas cerimónias fúnebres em memória das vítimas do massacre de Katyn, em 1941, quando os russos mataram milhares de polacos.»
do tempo e da paisagem
Do Tempo e da Paisagem. Manual para a leitura de paisagens. De Henrique Pereira dos Santos (também bloguer, no ambio). Na Principia.
Eu não recebi convite, que isso é só para pessoas importantes, mas informo: sessão de lançamento no auditório da Feira do Livro de Lisboa, no dia 30 de Abril às 18:30 horas, com apresentação de Humberto Rosa.
olhá novidade
Lê-se no i: Existe uma federação de futebol de robôs e a presidente é portuguesa.
Quem diria?!?! Diria, diria: claro que diria.
E mais.
E mais.
E mais.
E mais.
E mais.
E mais.
tecnologia da equidade
A crítica ao "pensamento único" (que usualmente é uma crítica à pretensão da ortodoxia neoclássica a ser aceite como única forma de pensar a economia, bem como à pretensão de reduzir as escolhas de sociedade ao quadro mental desenhado pela econometria) também tem os seus escolhos. Um desses escolhos é iludir o facto de que dois "pensamentos únicos" (cada um deles candidato a ser bitola exclusiva) não constituem um horizonte mais saudável só por si, na medida em que continuem a fechar as portas de procura de soluções. Este confronto de "pensamentos únicos em dose múltipla" está muitas vezes presente na questão do Estado, com alguns a quererem "mais" e outros a quererem "menos" Estado, assim "simplesmente", como se essa alternativa não fosse - como é - insuficiente e redutora.
Elinor Ostrom (Prémio Nobel da Economia em 2009), uma das pensadoras que têm a vantagem de perceber que a ciência económica não é a "teoria de tudo" para as sociedades, mas "apenas" parte de um conjunto de disciplinas que têm de colaborar para compreender os colectivos humanos, tem um (já velhinho) livro (Governing the Commons, 1990) em que procura perceber algumas das questões atinentes à acção colectiva e onde estuda alguns casos concretos de "design institucional" que dão que pensar.
Ostrom estuda nesse livro vários casos de organização dos próprios interessados para gerir um bem natural escasso vital para as suas vidas, sem recurso ao Leviatã exterior e sem crença na bondade universal da propriedade privada. Um dos casos são as Zanjera, organizações comunitárias tradicionais de uma região do norte das Filipinas, que gerem a água para os terrenos agrícolas. Sem entrar agora em pormenores, um dos pontos interessantes deste trabalho de Ostrom é o sublinhado da importância de que as soluções institucionais sejam adequadas às condições concretas do problema e das pessoas, assentes no conhecimento dos que realmente se confrontam com aquela realidade e em condições de serem reconhecidas como respostas justas pelos próprios. Assim se auto-legitima o desenho institucional, de forma essencial à sua própria eficiência. Para que isso aconteça é precisa uma certa capacidade para desenhar "expedientes" que na prática resultem apropriados ao problema e aos valores capazes de suportar uma comunidade. Vejamos um detalhe interessante da organização das Zanjera, a mostrar isso mesmo.
Citemos Ostrom (p. 83):
A área é dividida em três ou mais grandes secções. Cada agricultor recebe um lote em cada secção. Todos os membros estão, portanto, em posições fundamentalmente simétricas uns em relação aos outros. Não apenas têm o direito de explorar quantidades iguais de terra, mas todos eles cultivam algum terreno na localização mais vantajosa perto da parte superior do sistema e algum terreno na parte inferior. Nos anos em que a precipitação não é suficiente para irrigar todas as parcelas, uma decisão sobre a partilha do ónus da escassez pode ser tomada rapidamente e de forma equitativa, simplesmente decidindo não irrigar a secção inferior do lote.Valeria a pena darmos alguma atenção ao desenho da equidade. Que, claro, não é tecnologia.
isto não vai acabar bem
Jorge Bateira, no Ladrões de Bicicletas:
Também eu estou convencido (por muito que isso me desagrade) que esta crise vai ter graves consequências sobre a 'moeda única', ou seja, sobre a vida de todos nós. Por isso, entendo que as esquerdas devem dar início a um diálogo tendo em vista preparar uma alternativa política e um programa de governo à altura do que nos espera. Esse passo significaria um grande salto qualitativo na vida política portuguesa e revelaria um grande sentido de responsabilidade que a generalidade dos cidadãos saberia valorizar. Será isto uma miragem?Integral: "Isto não vai acabar bem".
8.4.10
"¡España al revés: corruptos y fascistas juzgan al juez!"
O espanhol do El País não é assim tão difícil de ler: consultar aqui.
Nem todos perceberam ainda que os crimes contra a humanidade não prescrevem moralmente - e que, juridicamente, já não é tão fácil atirá-los para debaixo do tapete como em outros tempos. Em Espanha, claro, ainda há quem, em alto cargos, se aborreça com o juiz Baltasar Garzón por ele mexer nos crimes do franquismo, os quais, segundo certas almas, deviam estar quedos e em descando. Ou será que se aborrecem por isso e por ele mexer na grossa corrupção ($$$$$, sim) dos "populares"?
Entretanto, na blogosfera portuguesa, alguns (ex-)observadores "atentos" da "decadente Espanha socialista" não se dão por achados...