2.7.24

"Conversa" com o chatGPT sobre aquilo que Diogo Costa chamou “instinto” na defesa dos penáltis



Ontem, 1 de julho de 2024, a seleção nacional de futebol enfrentou a equipa eslovena num dos jogos dos oitavos de final do Euro 2024. A intervenção dos guarda-redes foi decisiva. O guarda-redes esloveno (Jan Oblak) defendeu uma grande penalidade a cargo de Cristiano Ronaldo quase no fim da primeira parte do prolongamento, evitando que a sua equipa ficasse numa desvantagem mortal a poucos minutos do fim da partida. O guarda-redes português (Diogo Costa) conseguiu travar uma avançada eslovena onde ele era o único obstáculo entre o ataque e a baliza e, depois, no desempate por grandes penalidades, defendeu os três remates da marca dos onze metros dos jogadores eslovenos e assim, já que os três portugueses chamados à função concretizaram, a equipa portuguesa passou a eliminatória e os espetadores tiveram a oportunidade de ver algo raríssimo (não posso afirmar que seja inédito): um guarda-redes defender três penaltis no mesmo jogo.


Em declarações no final do jogo, Diogo Costa afirmou ter seguido cegamente o seu instinto (sem prejuízo, claro de ter treinado muito e de ter estudado os adversários). É aquilo que a maior parte das pessoas diria sobre tal situação: quando não sabemos explicar o nosso comportamento, dizemos que foi por instinto. Pelo menos, dizemos isso quando o comportamento deu o resultado esperado (é raro atribuirmos ao instinto uma decisão que deu um resultado que consideramos mau).


Tive uma “conversa” com o chatGPT acerca do que possa existir de investigação científica acerca da forma como guarda-redes defendem pontapés da marca de grande penalidade. O programa respondeu-me em vários planos: os guarda-redes estudam o histórico de execução dos seus oponentes e preparam respostas que consideram apropriadas; estudam posicionamentos iniciais que podem melhorar genericamente a sua velocidade de resposta ao remate; adotam estratégias que não dependem especificamente do que o marcador vai fazer naquele momento, mas que estatisticamente aumentam a probabilidade de ter a reação adequada; usam técnicas (movimentos corporais, gestos ou palavras) para distrair o jogador que vai executar o penalti; e os guarda-redes também podem melhorar a sua capacidade de antecipar o lado para o qual aquele jogador, naquele caso concreto, vai rematar.


Perguntámos, depois, especificamente, sobre investigação existente acerca do último tópico: capacidade do guarda-redes para antecipar o lado para onde será dirigido o remate. Essa capacidade é, por vezes, referida como “antecipação visual”, quer dizer, como é que o guarda-redes capta e interpreta pistas corporais e comportamentais do marcador que denunciam o lado para onde vai rematar. Mais uma vez segundo o chatGPT, há investigação sobre as seguintes questões: como é que os guarda-redes identificam e interpretam pistas corporais no momento da marcação, tais como a posição dos pés e a posição dos quadris, ou o ângulo de aproximação ao remate; onde é que os guarda-redes focam a sua atenção para ter essas pistas: pé de apoio do jogador ou orientação do corpo; como é que os guarda-redes fixam o olhar (mais ou menos longamente) em certos pontos críticos do corpo do rematador, de molde a focarem o que lhes possa dar mais indicações.


A questão seguinte foi esta: a capacidade do guarda-redes de antecipar o lado para o qual o rematador vai chutar pode ser descrita como decisão ou instinto (ou intuição)? A resposta foi: uma mistura de ambos. O estudo do histórico daquele rematador em concreto, o estudo das pistas corporais (pé de apoio, posição dos quadris, dos ombros e da cabeça, corrida de preparação), fornecem elementos para uma decisão. Contudo, há elementos que levam o guarda-redes a uma determinada resposta e que o próprio não consegue racionalizar: dizer que é a experiência que o ensina a reagir de determinada maneira é uma maneira de dizer que há um processamento não consciente da situação, das pistas, da comparação com casos anteriores, a que chamamos instinto por não sermos capazes de interpretar como funciona realmente esse mecanismo.


Nesta fase da conversa, foi preciso clarificar uma questão: é mais apropriado falar de “instinto” ou falar de “intuição” para nos referirmos à parte do comportamento do guarda-redes que não é propriamente decisão racional consciente? Lembramos que se começou aqui por falar de instinto por ter sido essa a expressão usada por Diogo Costa para explicar como determinou as suas defesas, mas que deve ser feita uma reserva a essa uso: instinto aponta para um comportamento inato (com o qual nascemos), regido por um certo automatismo, algo herdado e que não depende da experiência ou da aprendizagem. Não parece apropriado falar de instinto num caso em que, evidentemente, o guarda-redes estudou e treinou para modificar o seu comportamento. É mais apropriado falar de “intuição”, porque também se refere a comportamos que espoletamos sem recorrermos a um processo de raciocínio consciente (muitas vezes não somos capazes de explicar porque fizemos aquela opção), mas a intuição desenvolve-se com a experiência acumulada e com conhecimento adquirido, mesmo que a aplicação posterior dessa experiência e conhecimento seja um processo que não somos capazes de explicitar ou de consciencializar. O guarda-redes desenvolve a intuição com muito trabalho específico: treinando muitas vezes uma gama variada de situações, de tal modo que incorporou informação que depois vai usar muito mais rapidamente do que consegue pensar explicitamente, tomando decisões que são tão rápidas e não conscientes que até parecem automáticas. A intuição pode ser melhorada, com mais experiência e mais conhecimento, não é fixa – ao contrário do instinto.


Um outro tópico seria este: o que distingue a inteligência racional da inteligência intuitiva?


Deixemos isso para outra altura e anotemos as leituras que o chatGPT sugeriu sobre este tópico. O chatGPT sugeriu a consulta de três resultados de investigação sobre esta matéria.

Williams, A. M., & Burwitz, L. (1993). "Advance cue utilization in soccer" 

Este estudo analisou como os guarda-redes utilizam pistas visuais para antecipar a direção do chute. Os resultados mostraram que guarda-redes experientes conseguem identificar e interpretar pistas do movimento corporal do cobrador, como a posição dos pés, quadris e ângulo de aproximação, para prever a direção do chute. Mostraram que a análise consciente de pistas visuais pode ser treinada, mas que a aplicação dessas habilidades em jogo envolve decisões rápidas que muitas vezes se baseiam em instintos refinados. (Para quem tenha acesso, pode consultar aquihttps://doi.org/10.4324/9780203474235 )

 

Savelsbergh, G. J. P., van der Kamp, J., Williams, A. M., & Ward, P. (2005). "Anticipation and visual search behavior in expert soccer goalkeepers". Neste estudo, os investigadores estudaram os padrões de busca visual dos guarda-redes durante os penáltis. Descobriram que os guarda-redes experientes focam a sua atenção em áreas críticas, como o pé de apoio do jogador e a orientação do corpo, o que lhes permite antecipar melhor a direção do remate. Destacaram que os guarda-redes experientes têm padrões de busca visual mais eficazes, uma capacidade que, parecendo instintiva, é desenvolvida através de treino e experiência. (Para quem tenha acesso, pode encontrar aqui https://doi.org/10.1080/00140130500101346 )

 

Rienhoff, R., Tirp, J., Strauß, B., Baker, J., & Schorer, J. (2013). "The 'quiet eye' and motor performance: How skill level influences online and offline performance". Este artigo relata uma investigação sobre a técnica do "olho quieto" (quiet eye), que é o período de fixação visual antes de iniciar um movimento. Guarda-redes de elite mostraram fixações mais longas em pontos críticos (como o pé de apoio do jogador) antes do remate, permitindo uma melhor antecipação da direção. (Não consegui encontrar este artigo, mas há muito trabalho publicado sobre esta problemática.)




Gostariam de dizer algo sobre esta "conversa" com o chatGPT?

Porfírio Silva, 2 de julho de 2024
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