11.7.22

A aparente moção de censura ao governo

 
(Reproduzo aqui, para registo, a minha intervenção parlamentar do passado dia 6 de Julho de 2022, no debate da moção de censura apresentada pelo CH na Assembleia da República.)

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Na aparência, debatemos hoje uma moção de censura ao governo apresentada por um partido que ainda há pouco tempo tinha um programa eleitoral que apontava para a extinção do SNS, para a extinção da escola pública, e contra o Estado social em geral. Depois escondeu esse programa e passou à cosmética, a tentar esconder a sua verdadeira natureza. É nesse jogo de enganos que surge esta moção de censura, que é, na verdade, um mero artifício.

Esta moção não passa de uma pedra que um partido extremista atira contra o PSD. Se o PSD não estivesse pendente da extrema-direita, condicionado pela extrema-direita, se não passasse o tempo a olhar pelo retrovisor, se o PSD verdadeiramente tivesse autonomia estratégica votaria contra este artifício, sem hesitações.

 

É que há, decerto, problemas a resolver no país. Nunca dissemos que está tudo feito, apesar do muito que já fizemos. Queremos continuar a ação reformista que nos caracteriza. Mas seria útil saber se o PSD vai ficar pendente da direita miguelista – que é, desde D. Miguel, uma direita trauliteira, violenta, antidemocrática – ou se vai olhar para o futuro.

 

É que o PSD gosta muito de falar de reformas, mas quando vê uma reforma a passar-lhe à frente não a reconhece.

Quando aprovámos o alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos, o PSD absteve-se. Não percebeu que era uma verdadeira reforma estrutural.

Quando passou pelo governo, o PSD tentou destruir a educação de adultos.

Agora todos aplaudem a obra de Mariano Gago, que colocou a ciência no centro do desenvolvimento do país, mas na altura, à direita, dizia-se que havia doutorados a mais.

Agora, com a guerra, o PSD descobriu a tema da autonomia energética, mas não perceberam isso quando foram contra a aposta nas renováveis, na mobilidade elétrica, no transporte público e no plano de redução tarifária.

Como isto não é cortar salários nem pensões, como isto não é cortar direitos sociais, o PSD não reconhece que sejam reformas de transformação estrutural. 

 

É que não se é reformista por repentes. As reformas sérias levam tempo, exigem estratégia, concertação. Não se fazem reformas sérias com atos únicos. É preciso persistência.

O PSD votou contra o SNS e depois tentou revogá-lo. Também aí não viram uma reforma estrutural. Já o PS não se ficou pela criação, o PS foi continuadamente construtor do SNS, melhorando-o com as reformas dos Cuidados de Saúde Primários, com a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, com a Linha Saúde 24, com a aposta na hospitalização domiciliária, com a Nova Lei de Bases da Saúde e tantos outros avanços. E vamos continuar. Nem a pandemia nos fez desistir. E nem aqueles que quiseram apanhar boleia da pandemia nos fazem desistir. Sabemos que há sempre desafios novos e vamos enfrentá-los.

 

Mas, para o que falta fazer, esta moção de censura nada contribui. Face a tamanha inutilidade superveniente, quem queira continuar com reformas de progresso só pode votar contra. E quem não souber votar contra é porque não sabe aquilo de que o país precisa e aquilo que é preciso fazer.

 
 
 
Porfírio Silva, 11 de Julho de 2022
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9.7.22

Cem dias de governação por uma sociedade decente

 Rosa Arbustiva
 
O jornal Público editou, ontem, um dossier sobre os 100 dias do XXIII Governo Constitucional e convidou-me a escrever um texto. Para registo, deixo-o agora aqui.
 
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Enfrentámos o tremendo desafio da pandemia de Covid-19. Demos, coletivamente, uma extraordinária resposta e desmentimos os profetas da desgraça. Ninguém imaginaria o regresso da guerra à Europa, mas, não sendo possível fechar o país ao mundo e à irracionalidade da guerra, continuam a ser desenvolvidas medidas para contrariar os efeitos da inflação importada: conter o aumento do preço final da eletricidade e dos combustíveis, aliviar o seu impacto nos custos de produção, reforçar a política de rendimentos para proteger as famílias mais vulneráveis.~


Há sempre um demagogo disponível para propalar que seria possível evitar os efeitos desastrosos acumulados de uma pandemia e de uma guerra. Mas o que conta é a diferença que conseguimos fazer com as medidas tomadas. Por exemplo, sem as medidas adotadas, os portugueses pagariam hoje mais 28 cêntimos por litro de gasóleo e mais 32 cêntimos por litro de gasolina.

O que o país poderia ter evitado era uma crise política provocada pela irresponsabilidade de alguns políticos. Andámos meses sem os instrumentos necessários para avançar. O Orçamento do Estado para o ano corrente só entrou em vigor há meia dúzia de dias. Mesmo assim, não abrandou a nossa determinação reformista. Não podendo ser exaustivo, faço apenas quatro destaques.

(1) Foi lançado um desafio à concertação social: o país tem de conseguir, até 2026, aumentar o peso do rendimento do trabalho no PIB para o valor médio da UE (aumentar cerca de 3 p.p., implica aproximadamente aumentar o rendimento médio 20%). Tendo, na última década, aumentado a produtividade mais do que a massa salarial, há de ser possível (e desejável) combinar mais competitividade e mais rendimento. Como isso não se faz por decreto, espera-se o empenho dos parceiros sociais nessa meta. 

 

(2) Decorre o debate parlamentar da Agenda do Trabalho Digno e de Valorização dos Jovens no Mercado de Trabalho. É um instrumento abrangente e ambicioso visando objetivos claros: combater a precariedade laboral, travando abusos de mecanismos que devem ser excecionais e temporários; combater o recurso abusivo ao trabalho temporário; proteger os trabalhadores de plataformas digitais; valorizar os jovens no mercado de trabalho, eliminando práticas abusivas contra quem começa uma vida profissional; promover uma melhor conciliação entre a vida pessoal, familiar e profissional, em relação à partilha de responsabilidades parentais, aos cuidadores informais, e avançando para o estudo e experimentação de novas formas de organização do tempo de trabalho; dinamizar a negociação coletiva e a participação dos trabalhadores, penalizando os imobilistas e premiando as práticas  dinâmicas.

(3) Está para debate no Parlamento a proposta do Governo para alterar o regime jurídico de entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros do território nacional, que, nomeadamente, cria as condições para implementar o Acordo sobre a Mobilidade na CPLP. Nesse âmbito, a promoção da imigração regulada e integrada, e a dissuasão da migração irregular, é importante, quer por respeito às pessoas imigradas, quer pelo contributo que dão ao desenvolvimento do nosso país. A eliminação das quotas para quem quer vir trabalhar, a criação do visto para procura de trabalho, a facilitação do reagrupamento familiar, a possibilidade de residentes para estudo e formação poderem complementarmente ter uma atividade profissional remunerada, a simplificação de procedimentos – são medidas que respondem resolutamente às exigências da sociedade e da economia. 

(4) À hora a que escrevemos, o Governo estará a aprovar o novo Estatuto do SNS. Depois de aumentarmos o investimento e os profissionais, damos, de novo, mais um impulso ao SNS, com medidas de gestão melhorada, já previstas no programa de Governo, para criar melhores condições para os profissionais e aumentar a eficiência nos cuidados de saúde.

Bastam estes exemplos para evidenciar a dinâmica da governação do PS na resposta aos desafios que o mundo nos coloca na construção de uma sociedade decente.

 
 
 Porfírio Silva, 9 de Julho de 2022
 
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