Para esta Páscoa, podíamos voltar a ouvir A Paixão segundo São Mateus, de Bach. Contudo, numa abordagem mais agnóstica, mas suficientemente pós-materialista, podemos sugerir a ópera LIFE, do japonês Ryuichi Sakamoto, estreada em 1999.
LIFE é um olhar global sobre os nossos caminhos no universo, através das palavras de outros - palavras que deixaram marcas na humanidade em momentos importantes de encruzilhada, palavras de guerra, palavras de libertação, palavras poéticas - e um olhar sobre alguns becos sem saída, algumas desgraças auto-infligidas. Sakamoto dizia, há alguns anos, que não tem religião nenhuma, embora se interesse por religiões. Sakamoto vê o planeta como uma espécie de ser vivo global, o que não é precisamente original. Sakamoto é um activista anti-nuclear, o que é compreensível num japonês, mesmo que ele não seja um japonês caseiro. Sakamoto constrói a sua obra com as obras de outros, muitos desses outros sendo ocidentais, recusando fechar-se num só canto do mundo.
LIFE é uma experiência difícil de reproduzir, porque é, no fundo, uma ópera em vídeo, não fazendo muito sentido ouvir sem ver o que ela contém. Ou, antes, fazer sentido faz, mas é outro sentido. LIFE é uma obra que faz tudo para não se exibir. Tenho, vinda do Japão, a caixa de materiais que deve fazer-nos sentir um pouco da experiência. Contém as gravações das performances de Tóquio e de Osaka, tem um álbum com todos os textos usados na ópera, incluindo as transcrições das palavras de Churchil ou de Oppenheimer, e dos outros, tem a partitura, tem o planeamento de todos os sons e imagens que são mobilizadas segundo a segundo, tem uma entrevista com o compositor, tem materiais imagéticos sobre o processo de criação... mas tudo o que é de ler é, as mais das vezes, difícil de acompanhar. Papel imaculadamente branco, letras muitas vezes difíceis de seguir (ou porque são pequenas, ou porque têm uma estranha organização), uma ligação entre diferentes partes que exige uma enorme atenção e procura de caminhos. Ninguém é obrigado a entrar: entrando, que assuma o desafio.
Nada em LIFE se submete ao consumismo reinante. Nada é para ser fácil. Em geral, tudo o que está disponível são fragmentos de uma experiência, aquela experiência que foram as apresentações ao vivo desta ópera, provavelmente impossíveis de reproduzir. Quem quer participar tem de se esforçar.
Mesmo assim, num assomo de espírito pascal, assumi que posso dar folar a pessoas de quem não sou padrinho e deixo-vos as poucas ajudas que se podem dar a quem quer ter uma noção do que é esta obra especial: partes relevantes, em vídeo, da LIFE. Creio que vale a pena fruir e deixar-se questionar pelas interrogações transportadas.
A numeração dos excertos apresentados deixa entrever que são, apenas, partes do conjunto completo.
Aviso: pode acontecer que tenham de sair deste blogue e ir para o youtube para ver alguns dos vídeos.
1-1 War and Revolution
1-2 Science and Technology
3-1 Art
3-3 Light
Porfírio Silva, 3 de Abril de 2021