22.12.20

Responder à emergência sem esquecer o futuro




A Ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, esteve ontem em audição na Comissão Eventual para o acompanhamento da aplicação das medidas de resposta à pandemia da doença COVID-19 e do processo de recuperação económica e social, na Assembleia da República. Coube-me questioná-la, em nome do Grupo Parlamentar do PS. Deixo, aqui, para registo, a minha intervenção. O vídeo, esse, não vale a pena divulgar, já que, por razões técnicas, está imprestável.

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Senhora Ministra, a crise que vivemos não tem precedentes no tempo das nossas vidas.

A Grande Recessão dos anos 2008 e seguintes foi geralmente considerada como a mais grave crise económica e financeira desde os anos 1930. Isso não impediu algumas forças políticas domésticas de falarem como se fosse uma crise só nossa. Mas essa deriva discursiva da direita tinha um fito: aproveitar a crise, como alavanca de Arquimedes, para implementar um programa político radical de destruição de direitos e de rendimentos, de sujeição do trabalho e de enfraquecimento do Estado social – o programa político da austeridade. Vemos, hoje aqui outra vez, que já se esqueceram de tudo isso, mas nós não esquecemos e o país não esqueceu.

O momento que vivemos, hoje, é muito diferente.

É diferente, porque esta crise é mais brutal: todos os nossos parceiros foram atingidos pela epidemia e pela queda abrupta e aguda de atividade que ela arrastou.

Mas este momento também é diferente porque temos outro governo  com outra política: deixámos para trás a ideologia austeritária e apostámos no reforço do laço social, com políticas ativas para proteger o emprego, reforçar a resposta ao desemprego, evitar a destruição duradoura de potencial económico, reforçar as prestações para contrariar a perda de rendimentos e proteger os mais vulneráveis.

É isso que tem vindo a ser feito, muito em particular pelo Ministério que tutela, Senhora Ministra, e que vai continuar a ser feito, com a mesma determinação e com os meios reforçados conferidos pelo Orçamento de Estado para 2021.

E estas políticas têm feito a diferença. Vejamos o caso do mercado de trabalho.

Como compara o terceiro trimestre de 2020, no meio de uma pandemia global e afetados por um confinamento alargado, com o quarto trimestre de 2015, quando o PSD e o CDS diziam que já tínhamos ultrapassado o pior da crise?

Temos agora quase mais 240.000 postos de trabalho, uma população empregada superior em mais de 5%; temos mais 270.000 trabalhadores por conta de outrem, um crescimento superior a 7%; temos mais 405.000 contratos sem termo, um aumento de quase 14%; temos menos 230.000 desempregados; o subemprego reduziu em quase 35%.

 O lay-off simplificado apoiou 850.000 trabalhadores, em mais de 100.000 empresas, mas foi também a desprecarização do mercado de trabalho, que empreendemos nos últimos 4 anos, que impediu o desemprego de escalar de forma descontrolada.  

 

Senhora Ministra, a verdade é que políticas diferentes fazem a diferença na vida das pessoas.

A nosso ver, este não é o momento para tomar como modelo de ação a luta de classes, este é o tempo para trabalhar pela construção de uma sociedade decente.

E isto não é sequer principalmente um remoque para os partidos à nossa esquerda, que partilham uma filosofia política onde a luta de classes é o motor da história.

Isto é mais para aqueles que rejeitam a expressão, mas praticam a luta de classes contra os mais desprotegidos: são aqueles para quem os pobres é que têm culpa da sua pobreza, aqueles para quem os desempregados são os culpados do seu desemprego.

Felizmente para o país, nesta crise já tínhamos afastado essa ideologia da governação.

Senhora Ministra, um vetor essencial da ação do governo tem sido a capacidade de responder à emergência sem perder de vista as transformações estruturais necessárias a um país menos desigual e mais solidário.

Um dos desafios estratégicos assumidos no programa de governo é o desafio demográfico, abrangendo questões como a natalidade e a parentalidade, visando criar condições para que as famílias possam ter os filhos que desejam; a conciliação entre trabalho e vida pessoal e familiar; um envelhecimento ativo e digno, com qualidade de vida; e, claro, o papel dos instrumentos legais, dos serviços públicos e dos equipamentos nesta resposta.

Sendo estratégica, a resposta ao desafio demográfico convoca-nos à convergência com outras forças políticas, cabendo sublinhar, como exemplo, no quadro do reforço da rede de equipamentos de apoio à família, o caminho que tem vindo a ser feito, de ano para ano, com o PCP, no que toca ao alargamento da rede de creches e ao próprio alargamento da gratuitidade da frequência. É um caminho sólido, que tem de prosseguir e que se conjuga com o investimento nas prestações que reforçam a proteção na parentalidade e a proteção das crianças.

A solidez da resposta que temos vindo a dar a esta crise tem uma explicação: o país já tinha as prioridades corretas e isso permitiu uma resposta de emergência e uma ação estrutural coerentes, consistentes e ajustadas à realidade do país. Isto é verdade também para o desafio demográfico e é essa a questão que lhe coloco, Senhora Ministra: como vamos prosseguir, em tempos de crise, a estratégia de mais longo prazo face ao desafio demográfico, que passa pela coesão social nas diferentes fases da vida?


Senhora Ministra,

Tentar encontrar um atraso aqui e uma falha ali, mesmo que seja de poucos dias ou de pormenor, é um trabalho meritório da oposição, sem dúvida. Mas são atrasos e falhas que sempre acontecem a quem faz, principalmente a quem faz em tempos brutais como estes que vivemos – e, além do mais, isso não chega para ter qualquer estratégia alternativa, muito menos para aqueles que nem se atrevem a reeditar a política desastrosa que seguiram na sua governação na crise anterior. Não apresentam, portanto, hoje, verdadeiramente, nenhuma estratégia alternativa – e, até por isso, é tão importante ouvi-la, Senhora Ministra, sobre a estratégia do governo para enfrentar este desafio, mesmo nesta conjuntura de emergência.

 



Porfírio Silva, 22 de Dezembro de 2020
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