Para registo, deixo aqui a Declaração Política que, em nome do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, produzi esta tarde no Parlamento. Sobre o desafio da recuperação social e económica de Portugal.
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Senhor Presidente,
Senhores e Senhoras Deputadas,
O país respondeu de forma determinada às primeiras fases da crise pandémica e da crise social e económica por ela espoletada. Mas falta ainda um longo e duro caminho a percorrer. Ninguém escolheu viver em tempos de pandemia, mas é nossa responsabilidade enfrentar os novos desafios com uma resposta de futuro e não meramente conjuntural.
O Plano de Recuperação social e económica, cuja elaboração tem merecido uma participação alargada da sociedade, e cujo debate pretendemos aprofundar aqui no Parlamento, não será uma mera resposta tecnocrática à crise. Será uma resposta política, no sentido mais nobre da política: promover o bem comum, defender o que é de todos, mobilizando a diversidade dos saberes, das competências e das responsabilidades, e também a diversidade dos pontos de vista.
O país exige essa resposta, seja para proteger a saúde, seja para promover o emprego e reforçar a coesão social e territorial, seja para aumentar o potencial produtivo do país, o que é necessário para dar sustentabilidade ao Estado social e exige uma aceleração da qualificação das pessoas, da qualificação das organizações, da qualificação da Administração, da qualificação dos territórios. Ou seja, ainda, para alinhar as agendas da transição climática e da transição digital com a agenda do trabalho com direitos e com a agenda de uma sociedade decente.
Entretanto, há que assegurar que o plano de recuperação seja dotado dos meios adequados e, aí, a frente europeia é decisiva.
A União Europeia, afinal, aprendeu alguma coisa com os erros cometidos na anterior crise e, hoje, já ninguém responsável assume uma resposta austeritária. Portugal pode orgulhar-se de ter contribuído para essa evolução. Por ter demonstrado, pela prática, que havia outro caminho e que este dava melhores resultados. Mas, também, porque o Governo de Portugal desempenhou um papel relevante na configuração de uma resposta europeia forte e inovadora.
Contudo, a partida não está ainda ganha. Os complexos procedimentos de decisão não estão concluídos. Todas as diferentes correntes políticas com representatividade europeia estão convocadas para a missão de fazer concretizar atempadamente as decisões necessárias.
Temos, também, de assegurar que os meios são utilizados com a máxima eficiência. Temos de combinar produtivamente ferramentas diversas, desde o investimento público ao investimento privado capaz de uma dinamização empresarial que reforce os fatores de competitividade sustentável, passando pelo investimento direto estrangeiro e pela diversificação da economia portuguesa, com um vetor de reindustrialização hoje mais generalizadamente reconhecido como incontornável.
Senhor Presidente, Senhores Deputados,
A democracia torna-nos mais fortes. Mais capazes. Se, no dizer de Luís de Camões, “um fraco rei faz fraca a forte gente”, hoje, que já não há rei e o soberano é o povo, o trabalho de nos fazermos fortes consiste em fazer funcionar a democracia para responder aos problemas concretos dos portugueses.
Temos de pensar no horizonte de uma década. As políticas públicas, nas suas traves mestras, carecem de continuidade para produzirem efeitos. O país precisa de todas as forças democráticas, incluindo aquelas que, hoje na oposição, se preparam para ser governo no futuro. Porque um país se faz de convergências e de divergências, não devemos ter medo nem de umas nem de outras.
A política democrática precisa de ser simultaneamente cooperação e competição: cooperação competitiva, competição cooperativa. No plano político, mas também dinamizando um efetivo diálogo social a todos os níveis, tão urgente, por exemplo, para fazer das novas possibilidades de trabalho remoto um fator favorável à conciliação de vida privada, vida familiar e vida profissional – e não um novo risco para os direitos dos trabalhadores.
No que toca à responsabilidade de garantirmos a estabilidade política necessária à vastidão da tarefa, usarei uma expressão de um conhecido sociólogo português: agir “contra o desperdício da experiência”. Um plano de recuperação não começa do zero. Tal como não faria sentido que o plano de recuperação fizesse tábua rasa das realizações destes últimos anos, seria insensato desperdiçar a experiência de cooperação estruturada acumulada pela maioria parlamentar das esquerdas.
Fizemos uma aprendizagem conjunta, sem ignorar as nossas diferenças, mas fazendo o trabalho de resolver os problemas. Contra o desperdício da experiência, devemos mobilizá-la para fazer o que falta fazer, num rumo claro: melhor economia e uma sociedade decente têm de ir a par. É que a desigualdade e a pobreza, além de fazerem mal à nossa humanidade, também fazem mal à economia.
O país, e aqueles que representamos, não compreenderiam que, nesta encruzilhada, deixássemos a meio o caminho que falta fazer.
No PS, estamos aqui para assumir e continuar a partilhar a responsabilidade desse caminho. Contra o desperdício da experiência.
Porfírio Silva, 10 de Setembro de 2020