19.8.19

Por falar em “novos” sindicatos




Um "novo" tipo de sindicatos apareceu na luta social. Muitos destacam o seu desalinhamento com as centrais sindicais e com as correntes de pensamento tradicionalmente dominantes no movimento dos trabalhadores. Para muitos, a "simpatia" por esses novos sindicatos resulta tão-só de eles não serem da CGTP. São aqueles que, mesmo nas actuais circunstâncias, ainda não compreenderam a vantagem de ter sindicatos que têm uma responsabilidade, perante os trabalhadores e perante o país, que ultrapassa o momento presente. Frequentemente, recrutam-se os entusiastas dos "novos" sindicatos entre os que, regra geral, detestam os sindicatos.

O fascínio por estes movimentos, em geral de curta duração e grande intensidade, costuma ser um fascínio de espectador: enchem a alma dos que não têm nada a perder com as derrotas dos envolvidos, mas vibram com o colorido do confronto. Quando passa o pico da tensão, alguém perdeu na batalha, mas esses ficam para trás e desaparecem da vista dos que aplaudiram por desfastio do sofá. Os revolucionários de conversa e a direita anti-social sentam-se nos mesmos sofás e comportam-se verbalmente da mesma maneira, indiferentes às vidas dos trabalhadores concretos que acabam por ser tratados como despojos das aventuras.

Claro que concordo com aqueles que dizem que o sindicalismo tradicional tem de se repensar, para responder melhor aos novos desafios. Aliás, tudo o que se possa dizer da necessidade de renovação do movimento sindical poderá dizer-se, mutatis mutandis, da necessidade de renovação dos partidos de esquerda, da social-democracia ao trotskismo. Mas, afinal, que sentido haverá de ter uma renovação? Mais democracia interna, maior enraizamento mútuo das velhas e das novas lutas, maior independência entre sindicatos e partidos, juntar os combates de diferentes gerações em propostas coerentes, maior participação, uma ligação mais dinâmica e produtiva entre sindicalizados e não sindicalizados.

Contudo, discordo profundamente dos que defendem que a renovação do sindicalismo passa por eles se tornarem mais "desalinhados", quando isso quer dizer "menos ideológicos". Querer que a luta sindical seja desligada de uma perspectiva mais ampla de transformação social, é cegueira. Um sindicalista comunista ou socialista deve ser livre de agir sem o "patrocínio" de um partido - mas pedir-lhes que só pensem no dia presente, sem estratégia e sem visão política alargada, pedir-lhes que um grupo profissional esqueça os outros grupos profissionais e o país no seu conjunto, será pedir-lhes que se dividam inexoravelmente e que se isolem da sociedade a que pertencem. A luta sindical é uma luta pela transformação social e, nesse sentido, só pode ser uma luta política.

Quem não percebe que a luta sindical é sempre política acaba por empurrar os "novos" sindicatos para as mãos de ideologias que preferem agir longe da luz do dia, na obscuridade que qualquer extrema-direita sempre prefere nos seus dias de germinação.



Porfírio Silva, 19 de Agosto de 2019
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13.8.19

A legalidade democrática ou a lei do mais forte?



O BE diz que a requisição civil foi decretada a pedido dos patrões.
Pelo seu lado, o PS disse hoje que entende a acção do governo como a forma apropriada de compatibilizar o exercício do direito à greve com o exercício dos demais direitos dos trabalhadores e da população em geral. Até porque o governo agiu com proporcionalidade, só nos sectores, nas regiões, nos âmbitos em que se constata efectivamente a necessidade de obviar ao incumprimento dos serviços mínimos. Criticar a requisição civil sem explicar de que outro modo, em concreto, se deveria proteger a compatibilização de direitos de todos os trabalhadores (e não apenas daqueles em greve) e de todos os cidadãos, é exercer a crítica sem a correspondente responsabilidade de apontar alternativas que possam ser apreciadas. Dizer que a requisição civil ocorreu a pedido dos patrões é, apenas, um insulto político, uma provocação – uma afirmação tão irresponsável como fazer de conta que qualquer “sindicalista” que nem sequer é trabalhador do sector pode ser tomado como protótipo do sindicalista de classe (um insulto aos verdadeiros sindicalistas).

No mesmo comunicado, o PS reafirmou o seu respeito pelo direito à greve: “o PS continua a defender o direito à greve e rejeita qualquer tentativa oportunista de tentar aproveitar esta situação para introduzir alterações legislativas que visem atacar o direito à greve ou que pretendam condicionar indevidamente o exercício desse direito.”
Eu próprio já tinha, há dias num programa televisivo, mostrado clara discordância com a tentativa de fazer revisões apressadas da legislação pertinente para enquadrar estas situações – aliás, em linha com as declarações do Tiago Barbosa Ribeiro, coordenador do Grupo Parlamentar do PS para as questões laborais e, também ele, um político claramente empenhado na defesa do mundo do trabalho.

Também hoje, o PS reafirmou a importância do diálogo: “Importante seria que as partes voltassem ao compromisso de manter a paz social para que o diálogo e a negociação tenham a sua oportunidade.” Sim, porque sabemos que nem todos os sindicatos desistiram de conquistar melhorias para os trabalhadores pela via da negociação. (Será que agora também vão chamar “amarelos” aos sindicatos da CGTP que continuam apostados em continuar a obter ganhos pela via negocial?)

É preciso falar claro, especialmente quando o CDS afia as facas a ver se consegue aproveitar esta situação para afunilar os direitos dos trabalhadores e quando Rui Rio ou deixou piratear as suas contas nas redes sociais ou decidiu brincar com coisas sérias, em tom completamente irresponsável.
É preciso dizê-lo sem tibiezas: o desrespeito pelos serviços mínimos determinados de forma legal e de forma legítima é um desrespeito pela própria legalidade democrática. Não podemos ceder aos que apostam na fraqueza dos poderes públicos. Contrariamente ao que alguns parecem pensar, os direitos dos cidadãos (incluíndo os direitos dos trabalhadores) não prosperam no caos e fora da legalidade democrática. Fora da legalidade democrática, o que prevalece é a lei do mais forte. Ora, a protecção dos direitos, de todos os direitos de todos os cidadãos, no quadro de um Estado Social de Direito, é o contrário da lei do mais forte. Os direitos fundamentais têm de ser protegidos por um Estado que assume as suas responsabilidades.
A direita que temos quer um Estado fraco, por ideologia e por interesse. É razoável apelar a que outros não cedam ao oportunismo político e, por incompreensão do mundo em que vivemos (designadamente dos recursos a que deita mão a internacional obscura da extrema-direita), não alinhem na mesma linha subjacente à política da direita. Repito: o desrespeito pela legalidade democrática é o reino da lei do mais forte – e a lei do mais forte é a lei da selva. É contra isso que temos de agir, se queremos proteger o conjunto dos direitos constitucionalizados. Até porque os trabalhadores acabariam por ser os primeiros prejudicadas se deixássemos enfraquecer a legalidade democrática escorada na Constituição.


Porfírio Silva, 13 de Agosto de 2019
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8.8.19

Os democratas e a greve dos motoristas.




Não alinho com aqueles que gritam ó da guarda sempre que há uma greve. É claro que as greves causam incómodos, mas isso faz parte do mecanismo - e aqueles que criticam sempre as greves porque elas causam incómodos, na realidade são contra o direito à greve. Não pretendemos ilegalizar esta greve, nem qualquer greve. Respeitamos o direito à greve.
Mas queremos que seja preservada a proporcionalidade entre fins e meios: querer lançar o país no caos por causa de uma reivindicação salarial para 2022, não é aceitável.
Nenhum direito se exerce isoladamente de outros direitos, nenhum direito pode ser usado como gazua para destruir outros direitos, o direito à greve não pode ser usado para recusar à generalidade dos cidadãos o direito à segurança ou o direito à saúde, por exemplo.

O que fez o governo neste caso? Apesar de ser um conflito entre privados, o que o governo procurou, antes de mais, foi tentar evitar a interrupção das negociações, estimular a continuação das negociações. Precisamos de sindicalismo que seja sindicalismo reivindicativo e também sindicalismo de negociação, porque está demonstrado que os trabalhadores podem obter ganhos de causa pela via negocial. Neste caso dos motoristas, a FECTRANS continua a negociar e tem obtido vitórias. Nem tudo está resolvido, não nego que possa haver reivindicações justas dos camionistas ainda por resolver, mas as negociações já deram e continuam a dar resultados. Em Janeiro do próximo ano, por exemplo, haverá aumentos até aos 18% nesta classe, isso está adquirido pela via negocial.

O problema está naqueles sindicatos que faltaram aos seus compromissos para saltarem forem das negociações, optando por fazer chantagem sobre o conjunto do país. Onde está a exigível boa-fé negocial, quando as partes se comprometeram a manter a paz social até Dezembro próximo, para levar as negociações a bom termo, e alguns interrompem o processo agora, para discutir condições salariais de 2022 ?

Alguém que fala por um sindicato não é necessariamente um democrata e um servidor dos trabalhadores. Sabemos que greves de camionistas já serviram para destruir democracias e instalar ditaduras ferozes de extrema-direita. Os que querem limitar o direito à greve esfregam as mãos de contentes com estes excessos, porque encontram aqui a justificação para atacar o direito à greve.

Está certo o que o governo fez com os serviços mínimos? Vejamos. Primeiro, os sindicatos e os empregadores podiam ter definido os serviços mínimos por acordo entre as partes, mas não o fizeram e deixaram a "batata quente" ao governo. Portanto, ao governo foi-lhe cometida essa responsabilidade por "falta de comparância" das partes.
Em segundo lugar, e decisivo: quem impôs serviços mínimos tão significativos foram os sindicatos que deram um salto para a forma de luta mais extrema: a greve por tempo indeterminado. Sim, esta não é uma greve qualquer: é uma greve por tempo indeterminado, que não afecta apenas os destinatários das reivindicações, afecta o país em sectores vitais, põe em causa a vivência pacífica da comunidade nacional. Podemos tolerar a interrupção de abastecimentos aos bombeiros - por tempo indeterminado? Podemos tolerar a interrupção do abastecimento dos hospitais - por tempo indeterminado? Podemos aceitar a quebra no abastecimento de alimentos - por tempo indeterminado? Não podemos. E as medidas que estão a ser tomadas visam responder a esse perigo.
Este governo não seria um governo de esquerda se ficasse impávido ou inerte perante esta situação.
Agir como o governo está a agir não é contra os direitos dos trabalhadores.
Quem age contra os direitos dos trabalhadores são aqueles que não vêem uma serpente disfarçada de sindicalista, que não reconhecem as lições da história, que esqueceram o Chile, que se colocam ao lado dos extremismos que destabilizam as democracias a favor dos seus inimigos.

E nem vou, para já, entrar pelo passado do Pardal - nem mesmo pelas suas ambições políticas, Porque, quanto a isso, saberemos mais proximamente, estou em crer.

Porfírio Silva, 8 de Agosto de 2019
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