23.6.19

O Império Romano e a União Europeia




O cartógrafo, designer e artista Sasha Trubetskoy representou a rede das principais estradas do Império Romano com os artifícios que hoje se usam para representar redes de metropolitano. O resultado é a ilustração que publicamos e a explicação do trabalho pode ser encontrada aqui: Ancient Rome’s Roads Reimagined as a Modern Subway Map.

Isto lembrou-me um texto que publiquei anteriormente (pela primeira vez, em 2007, aqui no blogue) e que me pareceu candidato a ser lembrado mais uma vez, porque toca um ponto que merece reflexão permanente.


***


I

Muitos creditam à União Europeia (ex-CEE) 50 anos (1957-2007) de paz e prosperidade a benefício dos povos europeus. Contudo, mesmo entre os que foram intensamente financiados por outros mais prósperos (como os portugueses), parece haver uma moda de indiferença ou até desconfiança face a essa “casa comum”. Parece pairar a convicção de que o que temos está garantido e não nos pode ser tirado, mesmo que demos largas aos egoísmos nacionais e cuidemos pouco de participar na construção europeia. Será assim? Procuremos contribuir para uma resposta com um paralelo com o império romano e a sua queda.

Poderíamos sempre tentar uma resposta “cultural”. Por exemplo, lembrando que ferramentas culturais básicas se ressentiram: a capacidade de ler e escrever, muito difundida no império romano devido às necessidades burocráticas e económicas, não apenas entre as elites mas também nas “classes médias”, regrediu no período pós-romano até ao ponto de mesmo grandes reis ocidentais terem sido analfabetos. (O clero foi, em larga medida, uma excepção importante.) Mas nesse campo poderíamos apontar, após a queda do império romano, o florescimento de formas superiores de cultura, por exemplo aquelas que foram protegidas e praticadas nos círculos religiosos. Por exemplo nos mosteiros e nas catedrais. Mas não vamos por aí. Vamos às coisas “menores”, à vida material quotidiana.

No auge da sua extensão o Império Romano incluía quase toda a Europa ocidental, largas faixas em redor do Mediterrâneo, bem como regiões mais orientais, desde os Balcãs à Grécia, Egipto, Ásia Menor, chegando à Síria e fazendo a oriente fronteira com a Pérsia e com as regiões caucasianas. A queda do Império a Ocidente, em 476 d.C., deu lugar a um longo período de retrocesso sócio-económico, como escreve Bryan Ward-Perkins, em “A Queda de Roma e o Fim da Civilização”: “o domínio romano, e sobretudo a paz romana, trouxe níveis de conforto e sofisticação para o Ocidente que não tinham sido vistos anteriormente e que não seriam vistos de novo durante muitos séculos”. Veremos, amanhã, o que quer isso dizer mais em concreto.


II

O que Bryan Ward-Perkins procura mostrar, em “A Queda de Roma e o Fim da Civilização”, é que a queda do império romano do ocidente representou um retrocesso na vida material da maioria da população. Vejamos alguns dos seus exemplos.

Os romanos produziam bens de uso corrente (não apenas de luxo), de qualidade muito elevada, em enormes quantidades, e depois difundiam-nos largamente, sendo por vezes transportados por muitas centenas de quilómetros para serem consumidos por todos os grupos sociais (não apenas por ricos). A existência de “indústrias” muito desenvolvidas, funcionando com trabalhadores razoavelmente especializados, produzindo em grandes quantidades e vendendo para zonas remotas do império, suportadas em sofisticadas redes de transporte e de comercialização, era possível graças à infra-estrutura de estradas, pontes, carroças, hospedarias, barcos, portos de rio e de mar – e à burocracia imperial, incluindo um exército numeroso, para enquadrar e proteger todo esse fervilhar. Exemplos concretos são como seguem.

A cerâmica, utilizada para o armazenamento, preparação, cozedura e consumo de alimentos, era de alta qualidade, tanto em termos práticos como em termos estéticos. O nível de sofisticação da cerâmica romana usada para preparar e servir alimentos só volta a ser observado alguns 800 anos depois, pelo século XIV. Também as artes da construção de edifícios, que os romanos tinham sofisticado quer para casas luxuosas quer para casas vulgares, em vastas regiões do antigo império perderam-se e deram lugar a povoados construídos quase inteiramente de madeira, onde antes se construía de pedra e tijolo (para já não falar das casas mais sofisticadas com aquecimento por baixo do chão e água canalizada). Já a fundição de chumbo, cobre e prata, que permitia a realização de muitos utensílios sofisticados, também entrou em queda com o desabar do império e só nos séculos XVI e XVII terá voltado a atingir os níveis da época romana.

Enquanto no império as moedas de ouro, prata e cobre eram perfeitamente acessíveis e largamente utilizadas nas trocas económicas, o que veio depois foi o desaparecimento quase total da utilização diária da moeda, a par com o desaparecimento de indústrias inteiras e de redes comerciais. Os produtos de luxo continuaram, em maior ou menor grau, a ser produzidos para os mais ricos, mas os produtos de uso mais geral e de qualidade é que escassearam ou desapareceram. Em certas zonas do antigo império, certos aspectos da economia e do bem-estar material regrediram para níveis da Idade do Bronze. Mesmo muitas economias regionais foram destroçadas pela instabilidade política e militar.

Os benefícios do império também se estenderam à agricultura. Um exemplo curioso: até o tamanho médio do gado aumentou consideravelmente no período romano, graças à disponibilidade de pastos de boa qualidade e de forragem abundante no Inverno. O tamanho do gado regrediu, depois da queda do império, para níveis pré-históricos.

E que é que isto tem a ver com a União Europeia?


III

Em que é que a queda do Império Romano do Ocidente pode contribuir para uma reflexão sobre a União Europeia? O que é que interessa que a queda do Império Romano do Ocidente tenha tido como consequência um abaixamento dos níveis de conforto e de sofisticação da vida de largos estratos da população?

A queda do império romano do ocidente não foi, como vimos antes, apenas um abalo para as elites políticas, sociais e culturais. Representou um retrocesso no conforto material da esmagadora maioria da população. Já para não falar de que desapareceu assim o instrumento do maior período contínuo de paz (500 anos) vivido na região mediterrânica. Talvez seja útil reflectir nisto: o progresso e o bem-estar (material e espiritual) não estão nunca garantidos. Podem sofrer atrasos profundos e duradouros se não soubermos preservar e melhorar as formas sociais e políticas que são as suas condições de possibilidade.

O império romano durou muitos séculos e foi finalmente abalado e destruído. E demorou muitos séculos a recuperar o que se perdeu. A “nossa Europa” tem 50 anos e há nela ainda muito por fazer. E também ela não está garantida para todo o sempre, dependendo da sabedoria com que soubermos ajustá-la continuamente às novas necessidades. Estaremos conscientes disso quando alimentamos o cepticismo, ou mesmo a indiferença, face a essa realização comum de paz e de progresso? Estaremos cientes de que nenhuma realização das sociedades humanas pode sobreviver à indiferença dos seus principais beneficiários?

Quererá isto dizer que devemos aceitar a UE como o melhor dos mundos possíveis? Aceitar sem crítica as suas políticas (e os seus políticos)? Não. Quererá isto dizer que a UE é intrinsecamente boa? Que devemos prescindir de tentar torná-la mais útil aos seus povos e aos outros povos do mundo? Não. Isto quer apenas dizer que nada está historicamente garantido e que, se não assumirmos (individual e colectivamente) a nossa quota-parte de responsabilidade pelo futuro comum, as consequências podem ser desagradáveis.



Porfírio Silva, 23 de Junho de 2019
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3.6.19

Homenagem a Carlos Candal, Aveirense – Republicano – Socialista


No passado sábado, 1 de Junho de 2019, passaram 81 anos sobre o nascimento de Carlos Candal. Foi o dia escolhido pelo PS de Aveiro para encerrar um ciclo de homenagem, com uma sessão pública e com a inauguração de uma exposição evocativa no Museu da Cidade. Tive a honra de representar a direcção nacional do Partido Socialista na ocasião. Aqui deixo, para registo, a minha intervenção na sessão de homenagem.




Senhor Presidente da Assembleia Municipal de Aveiro, Luís Souto de Miranda, e demais autarcas presentes,
Senhoras Deputadas e Senhores Deputados à Assembleia da República, Fernando Rocha Andrade, Filipe Neto Brandão, Carla Tavares e Margarida Marques,
Senhor Secretário de Estado Adjunto e das Comunicações, Alberto Souto,
Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados, Guilherme Figueiredo,
Senhor Dr. Afonso Candal, e, em si, toda a família do homenageado,
Senhor Presidente da Comissão Política Concelhia do Partido Socialista, Manuel Oliveira e Sousa,
Senhora Dr.ª Ana Maria Seiça Neves, da Comissão Política Concelhia do Partido Socialista,
Excelências,
Minhas Senhoras e Meus Senhores,

A circunstância de representar a Direção Nacional do Partido Socialista nesta homenagem a Carlos Candal, onde me cabe especificamente falar do socialista Carlos Candal, do camarada Carlos Candal, como lhe dizíamos – esta circunstância é, dizia eu, uma oportunidade de pagar uma dívida, uma dívida de gratidão ao homenageado. Uma dívida que é minha, mas que certamente será também de muitos mais.
É que Carlos Candal foi fundador do PS e membro dos seus principais órgãos deliberativos a nível nacional, encabeçou as listas de candidatos do Partido Socialista pelo Círculo de Aveiro à Assembleia Constituinte e à Assembleia da República, e, em consequência, foi constituinte e deputado ao Parlamento nacional, foi deputado ao Parlamento Europeu, foi dirigente e inspirador distrital do partido, sempre do mesmo partido, o Partido Socialista – mas, não menos importante, foi uma referência para muitos. E nem todos os que passam por aqueles lugares de responsabilidade política chegam a ser uma referência, como Carlos Candal foi.
A dívida que quero pagar, pessoalmente, com este testemunho, contraí-a por ter tido a oportunidade de ter Carlos Candal como uma referência.
Quando comecei a minha vida cívica, aqui em Aveiro, como associativo estudantil, ainda no ensino básico, e quando me dirigi a um edifício aqui do centro da cidade, onde estava então a sede distrital do partido, para me inscrever na Juventude Socialista, nessa altura eu ainda não estava bem ciente de quem era Carlos Candal. Mas rapidamente encontrei nele uma referência: alguém que mobilizava, que transmitia pensamento e ajudava a desenvolver valores, que suscitava dedicação à causa pública e vontade de fazer alguma coisa pelo bem comum, fazer alguma coisa que fosse além do interesse individual de cada um. Inspirando, encorajava; encorajando, responsabilizava; responsabilizando, criava cidadãos e fazia aprofundar a democracia.
É essa energia cívica que Carlos Candal transmitia que perdura. E essa energia cívica é o que, provavelmente, melhor representa a força subjacente a todos os seus contributos para a vida pública da nossa terra e do país.
Carlos Candal foi fundador do PS. O encontro-fundador do Partido Socialista teve lugar entre os dias 17 e 20 de Abril de 1973, na cidade alemã de Bad Münstereifel, porque em ditadura não havia condições para fazer essa reunião em território nacional. A data precisa da decisão de criar o Partido Socialista é 19 de abril de 1973. Festejámos, aqui na cidade de Aveiro, há pouco tempo, o 46º aniversário desse ato fundador.
Carlos Candal não se encontra na histórica fotografia desse encontro, mas é fundador porque o são todos os que estavam ativos na Ação Socialista Portuguesa e tinham participado na preparação e na eleição dos delegados àquele encontro. Carlos Candal, recorde-se, pertencia há vários anos à Ação Socialista Portuguesa, desde 1968.
Esta pertença socialista vinha enraizada numa anterior e sempre sólida luta pela liberdade e contra o autoritarismo então vigente. Carlos Candal foi um destacado dirigente associativo no ensino superior, com múltiplas atividades e funções, sendo de destacar a sua eleição como presidente da Associação Académica de Coimbra em 1960, numa lista que se opunha à situação e cuja vitória assustou o regime. Participou, depois, na organização do 2º Congresso Republicano, em 1969, e foi membro da Comissão Executiva do 3º Congresso da Oposição Democrática, em 1973, ambos realizados aqui em Aveiro.
O PS é um partido intrinsecamente plural. Essa pluralidade está marcada logo no mencionado encontro-fundador do Partido. Efetivamente, dos 27 presentes, idos de Portugal, França, Inglaterra, Itália, Suíça, Alemanha e Suécia, 7 votaram contra a transformação da Associação Socialista Portuguesa em Partido Socialista. Todos esses sete eram delegados idos de Portugal, incluindo Maria Barroso, já na altura casada com Mário Soares, e obedeciam a um mandato expresso das estruturas do interior, que achavam prematura, e até perigosa, essa transformação em partido. Porém, às 18 horas daquele 19 de abril de 1973, quinta-feira, véspera da sexta-feira santa daquele ano, todos aplaudiram a decisão fundadora que acabou por ser claramente relevante para a democracia portuguesa. E não consta que algum dos fundadores se tenha arrependido, mesmo os poucos que mais tarde vieram a escolher outros caminhos – e cujos nomes não deixam de estar inscritos na lápide comemorativa que existe na entrada da sede nacional do Largo do Rato.
Sendo o PS, intrinsecamente e desde o primeiro momento, um partido plural, é evidente que as diferenças de opinião existem no nosso interior. Dentro de uma banda larga característica de um partido como o Partido Socialista, um partido interclassista e que se orienta mais por valores e princípios do que por definições dogmáticas, as diferenças de opinião são frequentes. Carlos Candal participou ativamente dessa dinâmica democrática, tomou posição desassombrada aquando das divergências entre Mário Soares e a chamada corrente do ex-Secretariado, fez as suas opções sempre que o interesse do país e do partido assim o exigiam, tal como nos momentos em que diferentes correntes disputavam a liderança partidária, teve decerto pronunciamento que não fizeram unanimidade – como acontece a todos os que saem do cinzentismo. Isso é o normal na vida de um partido democrático e aberto, disso nos orgulhamos: recordamos com tanta saudade os momentos em que estivemos de acordo como os momentos em que discordámos. Essa liberdade, que assumia e praticava, impregnou continuamente a sua participação nos órgãos máximos de deliberação política do Partido Socialista, designadamente a Comissão Nacional e a Comissão Política Nacional. E, quando foi necessário, aceitou sem hesitar pagar o preço da discordância, designadamente quando escolheu ficar de fora das listas de candidatos a deputados à Assembleia da República por discordar das escolhas que tinham presidido à condução do processo.
Um homem livre, e que vivia bem com a liberdade dos outros, Carlos Candal serviu a democracia com base nas suas convicções e valores do socialismo democrático, aberto ao país e ao mundo, participando em iniciativas e movimentações que estavam muito para lá do espaço partidário: pertenceu à presidência do Conselho Português para a Paz e Cooperação e do Conselho Mundial da Paz, pertenceu ao Movimento Português contra o Apartheid, foi membro do secretariado executivo do Tribunal Cívico Humberto Delgado e foi um dos dois oradores que proferiram alegações finais na sessão pública do “julgamento do fascismo português”. Tomou parte, portanto, em ações que na altura se diziam unitárias, sem nunca deixar de ser inteiramente socialista, um homem do socialismo democrático, que pôs sempre a democracia antes de tudo o resto, em todos esses envolvimentos.

Excelências, Minhas Senhoras e Meus Senhores,
Nesta sessão tem-se falado de Carlos Candal sob várias perspetivas: aveirense e autarca, parlamentar e republicano, advogado. Estou agora a falar-vos de Carlos Candal como socialista. Contudo, na verdade, a sua condição de socialista, e a forma como assumiu essa condição, só se entende olhando para o homem em todas aquelas dimensões.
O modo como Carlos Candal era socialista não se entende na sua inteireza sem pensar que era advogado, na medida em que os advogados lutam por direitos, pelos direitos dos seus constituintes, mas, numa visão mais larga, pelo direito, pelo Estado de direito, por uma comunidade com regras que servem antes de mais para nos proteger, como indivíduos, da arbitrariedade do poder, dos poderes, dos grandes poderes e dos pequenos poderes. O direito é a consagração de que não vivemos sozinhos e de que não vale tudo nas nossas interações. Durante a ditadura, essa função do advogado era talvez mais evidente do que hoje, porque o confronto com a arbitrariedade era mais notório e a resposta mais difícil e mais urgente, os direitos políticos jogavam-se muitas mais frequentemente do que hoje na barra do tribunal, até mesmo em tribunais que não eram tribunais verdadeiros. Contudo, mesmo em democracia, essa dimensão nunca desaparece. Até uma certa verve de polemista, que Carlos Candal também tinha na política, pode ter aí uma raiz, porque o advogado, mesmo no ambiente altamente formalizado do tribunal, pode, para defender o seu constituinte, ter de valer-se de uma linguagem mais aguçada; pode ter de empenhar, além de uma dimensão intelectual do argumento, uma dimensão emocional que sublinhe a vida que ali se joga, para que se lhe possa fazer justiça. E esse empenho nas causas sentia-se, também, no socialista Carlos Candal, nas causas políticas e como as assumia.
O Carlos Candal aveirense, ou mesmo aveirista, que é mais do que aveirense, testemunha outra dimensão que, como socialistas, também valorizamos: a inserção territorial, a pertença efetiva, e afetiva, a um território, a umas gentes, a umas tradições, a uma história de comunidade e de ligações práticas – embora, claro, andemos sempre à procura de que o bairrismo ou o regionalismo não nos torne exclusivistas, mas antes dialogantes com outras regiões e outros bairros.
Também o Carlos Candal republicano testemunha uma dimensão essencial para um socialista, já que o republicanismo, para lá de definir uma forma de regime político (República em vez de Monarquia), constitui também uma adesão a uma comunidade política onde a res publica, a coisa pública, aquilo que diz respeito a todos, é cuidado por todos. E, nesse sentido, a República, a res publica, aquilo que diz respeito a todos, é mais fundamental do que o próprio Estado entendido estritamente como organização. E, olhando assim para as coisas, o Carlos Candal republicano não o podemos desligar do Carlos Candal socialista.
E o Carlos Candal parlamentar, para um partido profundamente ligado à defesa da democracia representativa, como é o PS, pertence ao património da nossa contribuição para essa instituição central da nossa democracia, que a Constituição define como a “assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses”, sendo que o cidadão que hoje homenageamos deu à instituição parlamentar uma contribuição competente e relevante. Quero destacar aqui que Carlos Candal lutou pela causa de Timor-Leste quando muitos, cá e no resto do mundo, tinham desistido desse povo e da sua independência. Acreditou quando poucos acreditavam, embora algumas descrenças se escondessem atrás da retórica diplomática. Em 1982, participou na criação da Comissão Parlamentar Eventual para Timor-Leste e, mais tarde, já no Parlamento Europeu, espoletou as primeiras ações chamando a atenção para a causa timorense.

Deste modo, Excelências, Minhas Senhoras e Meus Senhores, sublinho aquilo que verdadeiramente vos queria dizer nesta homenagem. Carlos Candal, como socialista, foi a síntese produtiva das suas múltiplas facetas. O socialista Carlos Candal foi o ponto de encontro do dirigente associativo que criou espaços contra a situação no tempo da ditadura, do oposicionista ativo e relevante nos Congressos de Aveiro, do advogado que exerce uma função essencial ao Estado de direito, do aveirista e autarca que assume uma responsabilidade pela sua terra, do parlamentar que assume a representação do conjunto da cidadania a partir do seu enraizamento num território, do lutador por causas de liberdade e paz no plano internacional, do parlamentar europeu que representa Portugal sem esquecer o mundo mais vasto, incluindo o território mais distante daquilo que é hoje a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
O que vos proponho, para terminar, é que nos demos conta de que tudo isto continua a ser relevante no mundo de hoje. Todas estas frentes continuam a pedir a nossa disponibilidade cívica, a nossa inteligência, as nossas emoções democráticas bem afinadas – e a nossa ação. As plurais dimensões que se cruzam no socialista Carlos Candal devem continuar a inspirar-nos. Para mim, que tive em Carlos Candal o primeiro homem público relevante com quem pude aprender de perto alguma coisa da vida política, a verdadeira homenagem é nunca desistir do povo que somos, do país que temos para construir, da democracia que nunca está garantida, porque a diversidade e o pluralismo dão muito trabalho. Porque, com maior ou menor alinhamento de posições em assuntos concretos, é nessas grandes linhas de rumo que o seu exemplo fazia sentido. Fazia sentido e continua a fazer sentido.





Porfírio Silva, 3 de Junho de 2019
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