Neste sábado, 19 de Janeiro de 2019, participei no Encontro de Estruturas Sectoriais do Partido Socialista, em Lisboa, organizado pela Direcção Nacional e pela Federação da Área Urbana de Lisboa. Intervindo no painel sobre Educação, na qualidade de Secretário Nacional responsável por essa área, transmiti um conjunto de ideias que ficam registadas, agora, neste texto. O que se pretende é, tão-somente, estimular a aceleração de um debate necessário e importante, transpondo para círculos mais alargados reflexões que vamos fazendo nos inúmeros encontros de socialistas na educação que temos vindo a realizar, a par com sessões de trabalho com escolas e estruturas militantes por todo o país. Afinal, estas ideias serão apenas mais um contributo para a obra coletiva de construir uma proposta sobre educação que possa ser avaliada pela cidadania por alturas das próximas eleições.
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Caras e Caros Camaradas,
Hoje, falamos das políticas públicas de Educação do Partido Socialistas. Não vou usar o meu tempo de intervenção para analisar o que se fez nesta legislatura, que foi muito. Limitar-me-ei a elencar algumas linhas do que julgo que devemos propor-nos fazer na próxima legislatura. Não vou, nesta ocasião, pormenorizar nem entrar em grandes justificações; limitar-me-ei a elencar, para estimular os futuros aprofundamentos deste debate acerca das prioridades dos socialistas na próxima legislatura.
(1) Durante esta legislatura tem estado a decorrer uma (r)evolução tranquila no ensino, nas questões pedagógicas. A definição do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, que deu uma coerência que faltava a toda escolaridade obrigatória de 12 anos, e que orientou as chamadas Aprendizagens Essenciais, para combater a obesidade curricular, os programas demasiado longos e impossíveis de cumprir com qualidade, e que se tem feito sem mudanças precipitadas dos próprios programas (embora tenhamos de chegar lá). A autonomia e flexibilidade curricular, para permitir às escolas adaptarem aos seus alunos concretos as metodologias de ensino, os tempos e os espaços escolares, permitindo maior colaboração entre professores e disciplinas, bem como dar relevo a conteúdos localmente significativos. A evolução da Educação Inclusiva, que vai levar um ano ou dois a implementar completamente, como aconteceu com as anteriores evoluções, mas que segue o caminho necessário da integração. A valorização do Ensino Profissional, que, por exemplo, deixou de ser discriminado no acesso ao ensino superior. Também a revalorização da educação física, da educação artística e da educação para a cidadania. A aposta na promoção do sucesso escolar. Essa (r)evolução tranquila, que foi preparada com tempo e ponderação, em diálogo com muitos professores, especialistas, associações científicas das diferentes áreas disciplinares, deverá continua a ser consolidada na próxima legislatura.
(2) Nesta legislatura, voltámos a investir no edificado. Como disse o nosso Primeiro-Ministro no último debate quinzenal no Parlamento, “o investimento em escolas públicas até 2020 ascende a 735 milhões de euros”. Muitas obras se fizeram, muitas escolas estão excelentes, muitas escolas precisam apenas de pequenos melhoramentos, mas também há um número não desprezível de escolas em más condições, que precisam de investimentos mais pesados no edificado. Na perspectiva da próxima legislatura, precisamos planear o que falta fazer em termos de edificado e, também, de equipamento das escolas. O equipamento e as infraestruturas tecnológicas atrasaram-se, depois dos grandes investimentos que governos socialistas fizeram no passado. Há escolas que se equiparam bem, mas com receitas próprias, com patrocínios privados ou investimentos autárquicos. Mas as escolas que ficaram dependentes apenas dos investimentos do Estado central, estão com equipamentos obsoletos. Isto cria uma inaceitável situação de desigualdade, que requer uma resposta articulada: modernizar as máquinas, o software e o acesso à Internet, para facilitar o uso de novas tecnologias educativas. E, nesse horizonte, começar a pensar como nos libertamos de uma tão grande dependência dos manuais em papel, com maior recurso a ferramentas digitais.
(3) A escolaridade obrigatória de 12 anos ainda não está completamente consolidada na sociedade portuguesa. Apesar das melhorias, continuamos a ter no ensino secundário um nível preocupante de abandono precoce e repetência. E o actual regime de acesso ao ensino superior também cria uma pressão sobre o secundário que não facilita, na medida em que os exames relevantes para o acesso ao superior se tornam o alfa e o ómega de todo o trabalho, em prejuízo da globalidade das aprendizagens que devem caracterizar o secundário como culminar da escolaridade obrigatória. Temos de concentrar esforços na promoção do sucesso no ensino secundário e em introduzir melhorias no sistema de acesso ao ensino superior, sem acabar com o concurso nacional de acesso, que continua a ser importante para garantir equidade ao nível nacional. Temos de apostar mais na consolidação do ensino secundário, e em fazer do regime de acesso ao superior um amigo deste objectivo.
(4) Temos de renovar a aposta do país no corpo docente. O grupo profissional dos professores está envelhecido, com consequências negativas na dinâmica do sistema. Precisamos de rejuvenescer e refrescar a classe docente, sob pena de, em poucos anos, termos uma crise aguda de escassez de professores na escola pública. Hoje, em certas disciplinas, já é difícil substituir os professores em falta. O discurso contra os professores, como classe profissional, é um discurso errado e ignorante. Temos de reconhecer que há situações que penalizam os professores de uma forma sem paralelo em outros trabalhadores da Administração Pública, como é o caso da deslocação para centenas de quilómetros da residência para ocupar uma vaga. Ao mesmo tempo, há abusos de certos mecanismos de colocação. Temos de repensar globalmente o sistema. Temos de dar estabilidade ao corpo docente, as escolas e os projectos educativos precisam de estabilidade. Não há inovação educativa que resista à rotação constante dos professores. Temos de tornar a profissão docente mais atractiva para jovens altamente qualificados e motivados. Precisamos de um novo regime de selecção e recrutamento de docentes e precisamos de voltar a pensar no Estatuto da Carreira Docente.
(5) A descentralização de competências para as autarquias, no sector da educação, pode beneficiar muito a escola, mas, para isso, é preciso que as autarquias usem com forte intencionalidade as novas possibilidades abertas. Temos de cruzar duas histórias de sucesso da nossa democracia: a escola pública e o poder local. Ao mesmo tempo, para as competências que continuarão no Ministério da Educação, precisamos desconcentrar: em vez de todas as competências-chave estarem nas estruturas centrais, em Lisboa, muitas vezes sem capacidade para responder com prontidão a uma escola da Guarda ou de Beja – ou mesmo de Lisboa! –, precisamos de estruturas com mais proximidade às escolas, com competências e capacidade para conhecerem e resolverem muitos problemas de forma célere e desburocratizada. Não digo necessariamente que voltemos às antigas Direcções Regionais, mas alguma coisa dessa natureza tem de ser pensada.
(6) A descentralização foi pensada para criar melhor contexto para as escolas, não pode servir para comprimir a autonomia das escolas. Pelo contrário, precisamos de apostar em aumentar significativamente a autonomia administrativa e financeira das escolas, por essa via reforçando a sua autonomia pedagógica e cultural. Temos de dar condições às escolas para que sejam verdadeiras instituições dinamizadoras das suas comunidades locais. Em muitos sítios, os intelectuais da terra, o grupo de pessoas mais bem preparadas culturalmente, são os professores da escola. Temos que lhes dar mais margem de manobra para fazerem das escolas instituições de futuro das suas comunidades – e para isso é necessária mais autonomia. Essa autonomia será mais rica se melhorarmos os mecanismos de gestão, aumentando o grau de participação e cor-responsabilização de professores e técnicos especializados, dando mais protagonismo às lideranças intermédias, sem negar o papel congregador dos directores, que terão de continuar a assumir pessoalmente certas funções vitais de gestão das escolas e agrupamentos.
(7) Finalmente, é tempo de encarar a tarefa de uma revisão da Lei de Bases do Sistema Educativo. Algumas modificações só podem ser feitas com essa revisão. É o caso, por exemplo, se quisermos modificar o formato específico da divisão do ensino básico em ciclos. Então, temos de começar a definir os critérios para essa revisão. Uma nova Lei de Bases não pode diminuir a centralidade da escola pública, nem aligeirar a exigência quanto ao seu papel no desenvolvimento do país. Mas uma Lei de Bases não pode ser a Lei da maioria do momento. Eu estou confortável com esta maioria, até podemos ter uma maioria só do PS, mas uma Lei de Bases não pode ser a lei de bases da maioria do momento: tem de ser mais abrangente, para dar mais estabilidade e mais segurança. Temos de lançar este debate.
Porfírio Silva, 20 de Janeiro de 2019