11.2.18

A Alemanha, o SPD e nós.



Os nossos debates nunca são só nossos. Quando defendemos que os partidos socialistas, social-democratas e trabalhistas têm obrigação de dar aos seus povos uma escolha, oferecer uma alternativa que permita que os cidadãos possam escolhar entre programas políticos diferentes, defendemos isso porque consideramos que o pensamento único mata a democracia. Ser alternativa não é apenas um direito de um partido político, é um dever de quem serve a democracia. Em coerência, isso leva-nos, em princípio, contra "blocos centrais" ou "grandes coligações". Digo "em princípio", porque não se pode descartar essa solução em momentos particularmente desafiantes da vida de um país, se for mais urgente a unidade do que a diversidade. Mas, excluídos esses casos, a construção de uma alternativa é uma tarefa democrática que não deve ser suplantada pela retórica dos consensos.

Em Portugal, colocando-me agora na óptica dos socialistas, esta linha leva-nos para longe do bloco central. Olhando à volta, na Europa, vemos que a desgraça da social-democracia tem residido, amiúde, na indiferenciação que resulta dos socialistas e social-democratas terem, em certos casos,  deixado de mostrar com clareza o que os distingue das políticas propostas pela direita. O meu apoio à Esquerda Plural, que sustenta a actual solução política de governação de Portugal, passa, também, por esse raciocínio. Ora, como é que este raciocínio nos posiciona face às opções que enfrenta o SPD na Alemanha, neste momento?

O SPD não se deu bem com a cooperação com a direita alemã, facto cujas razões não podem ser escrutinadas neste breve texto, mas que radicam essencialmente na plasticidade de Merkel, capaz de adaptar infinitamente o seu discurso às circunstâncias, tornando ainda mais curta a capacidade do SPD para deixar marcas distintivas na governação. Daí que tenha sido relativamente pacífico para esse partido tomar a decisão de não reincidir. Só que o mundo não pára de abrir e fechar portas: a "coligação Jamaica", que metia a CDU/CSU no mesmo barco dos Verdes e dos Liberais, fracassou no ovo, deixando abertas as portas ao regresso do SPD ao governo ou de novas eleições. O medo da extrema-direita tornou estreita a porta da repetição imediata de eleições, deixando o SPD em estado de necessidade. E agora?

O debate continua aceso na Alemanha, e o seu resultado é incerto, mas não estou certo de que o SPD tenha conseguido galvanizar o país (ou o seu eleitorado potencial) em torno do valor acrescentado que a sua presença no governo poderia significar. Não seria fácil, nunca. O facto é que pode não ser fácil, para um alemão "médio", entender o que é que o SPD levaria para o governo que a direita "pragmática" não fosse capaz de fazer. A novela dos nomes, que está em pleno desenvolvimento, também por culpa dos que se opõem ao acordo com a CDU, agiganta esse erro.

Entretanto, do ponto de vista de um português europeísta - favorável ao nosso compromisso com a UE, mas consciente da necessidade de mudar tanta coisa na política da UE -, a questão alemã tem aqui outros reflexos. É que, se os Liberais tivessem ido para o governo e tivessem conseguido fazer vencer a sua agenda europeia, claramente germano-egoísta, trariam um enorme potencial de dano para os nossos interesses europeus, agravando o peso dos que continuam a retórica austeritária. Pelo contrário, o acordo com o SPD levaria a senhora Merkel para mais alguma abertura a posições mais capazes de coincidir com os interesses portugueses e com a ideia de uma Europa que tem de resgatar o ideal da prosperidade partilhada.

Estamos, pois, aqui, perante um dilema egoísta. Por um lado, duvido que seja bom para o SPD um regresso à grande coligação, a menos que fosse evidente, no plano interno, que diferença fariam os social-democratas num futuro governo. Por outro lado, como português, estou convencido de que o SPD levaria para o governo da Alemanha uma posição muito mais construtiva no debate europeu, maior abertura a uma União Europeia visando a convergência de todos (e não apenas o predomínio dos que já dominam), com consequências positivas para as pretensões do nosso país. E, mais curioso, o SPD poderia levar essa orientação para o governo alemão... apesar da fraca popularidade entre o povo alemão dessa visão que nós achamos mais europeísta.

Isto revela, claro, as dores da construção europeia. Mas, para o bem e para o mal, essas dores não são só dos outros. O debate em curso na Alemanha interessa sobremaneira a Portugal. Embora nessa matéria não tenhamos voto. Isso não nos deve levar, no entanto, para a crítica fácil, razão pela qual devemos reconhecer dois factores que encurtam a corda ao SPD: primeiro, não há outras maiorias possíveis no actual quadro parlamentar, pelo que a escapatória à grande coligação só pode ser a repetição de eleições; segundo, a repetição imediata de eleições pode ser uma prenda suplementar para a extrema-direita, o que é um risco a não desprezar.


Porfírio Silva, 11 de Fevereiro de 2018
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8.2.18

Os "rankings" das escolas, o problema das meias verdades.


«Os rankings dizem meias verdades, e meia verdade pode ser uma mentira, mas devem ser analisados.»
Grande parte do que penso sobre a questão dos "rankings" de escolas pode resumir-se na frase anterior. Tive oportunidade de a explicar melhor, ontem, na Assembleia da República, onde me coube fazer a declaração política do Partido Socialista sobre esta matéria. Deixo, abaixo, o texto de base da minha intervenção.






O país debateu, nos últimos dias, mais uma edição do chamado “ranking” das escolas. Os rankings dizem meias verdades, e meia verdade pode ser uma mentira, mas devem ser analisados. Os rankings são ocasião para um confronto de ideologias, mas isso não nos incomoda, porque é assim a democracia. Não defendemos que se deixem de divulgar os dados que originam os rankings, o que queremos é que se melhore o trabalho de análise desses elementos.

Infelizmente, ainda há quem use os rankings como propaganda, ou como arma de arremesso, por exemplo das escolas privadas contra a escola pública. Há muito quem caia na armadilha de ignorar a diferença entre dados, informação e conhecimento. E digo “armadilha”, porque só obtemos informação a partir de dados se eles forem estruturados, interpretados, contextualizados. E só chegamos ao conhecimento se formos capazes de mobilizar dados e informação para compreender, para construir respostas a desafios bem identificados, para tomar decisões relevantes. Por isso importa sublinhar que ao longo dos anos muito tem sido feito para melhorar os métodos de análise e para evitar simplificações perigosas em torno dos rankings.

Um bom exemplo é o indicador “Percursos Directos de Sucesso”, construído com base em informação disponibilizada pelo Ministério da Educação desde há dois anos, indicador que não valoriza só as notas positivas nos exames, mas também os percursos sem retenções, indicador robusto porque combina avaliação interna e externa, que leva em conta a situação dos alunos que cada escola recebe à entrada do ciclo, indicador que não premeia a retenção. E importa sublinhar isto, porque o Ministério da Educação não se limita a recusar um ranking cego de exames; o Ministério da Educação trabalha para acrescentar inteligência a este exercício público, para que os rankings não reforcem práticas pedagógicas erradas e, isso sim, promovam a missão educativa global das escolas.
E temos de reconhecer que há sinais interessantes nessa direção.

Por exemplo, um conhecido sítio de notícias em linha, além do ranking dos exames, elaborou, com os dados fornecidos pelo Ministério da Educação, um “ranking do sucesso”, inspirado nos Percursos Diretos de Sucesso.

Neste “ranking do sucesso” permitem-nos fazer observações na lista interactiva. Por exemplo, para o Secundário, pedimos as vinte primeiras escolas no ranking dos exames. São todas privadas. Pedimos, depois, as vinte primeiras no “ranking” do sucesso. Dez são públicas, dez são privadas. Fazemos o mesmo exercício para o 9º ano. Pedimos as vinte primeiras no ranking dos exames: são todas privadas. Pedimos as vinte primeiras no “ranking” do sucesso: quinze são públicas, cinco são privadas. Significativo.
Verificamos que há um número importante de escolas bem colocadas no ranking dos exames e cujo retrato é muito menos favorável no ranking do sucesso. E isto é sistematicamente ignorado em alguns dos títulos gordos que se fazem por estes dias. Isto tem de ser dito, porque as métricas não são neutras. Escolher olhar preferencialmente para os exames é desvalorizar a maior fatia da avaliação, que é a avaliação interna, e também é olhar exclusivamente para a dimensão cognitiva, desvalorizando as dimensões de valores e atitudes.

Repito: as métricas não são neutras. Não queremos métricas que ignorem o trabalho das escolas a favor da inclusão dos alunos com deficiência, nem métricas que desvalorizem o trabalho com migrantes e minorias, nem métricas que menorizem as escolas que remam contra as desigualdades injustas. Não queremos eliminar completamente os elementos de competição que existem na avaliação, porque a competição também faz parte da vida, mas fazer comparações que se limitam a exacerbar a competição… é pouco educativo.

Não queremos métricas míopes. Os estudos, realizados há algum tempo pela Universidade do Porto, que concluíam que as escolas privadas preparam melhor para os exames, mas preparam pior para um bom desempenho no ensino superior, devem fazer-nos pensar. Porque não aceitamos que os rankings sejam um instrumento de facilitismo, nem um olhar curto e imediatista sobre matérias tão sérias.
Tal como, sabendo-se que há uma clara associação entre pertencer a um meio socialmente desfavorecido e ter mais insucesso escolar, não aceitamos que uma tipologia de escolas continue a negar ao escrutínio público os indicadores de contexto.

Porque importa que nada neste exercício seja propaganda.

O que precisamos é de tirar lições para o futuro. Precisamos de saber porque é que a escola pública ainda não consegue vencer as desvantagens socioeconómicas e culturais de partida. Precisamos de saber porque é que tantos alunos não concluem o Secundário na idade de referência. Precisamos de pensar se será preciso mudar o modelo de acesso ao ensino superior, para dar outra respiração ao Secundário. Precisamos de saber porque há escolas que têm sucesso a enfrentar contextos adversos e a dar o melhor do mundo aos seus alunos, e o que é que as diferencia, e como é que podemos multiplicar as lições que essas escolas nos dão.

E, claro, precisamos de continuar a reforçar as políticas certas para que todos possam concretizar o direito a aprender.
Precisamos de continuar a aplicar o modelo de avaliação ao serviço das aprendizagens, em vez da avaliação ao serviço da selecção; continuar com a aferição, confiando nas escolas, que estão a saber adaptar as suas estratégias e planificações aos resultados dos relatórios da aferição.
Precisamos de continuar o programa de promoção do sucesso escolar, porque esse tem de ser o nosso rumo fundamental.
Precisamos de continuar com a autonomia e flexibilização curricular, para que os professores e toda a comunidade educativa tenham mais margem para fazer o que sabem fazer tão bem.

Dar informação pública sobre as aprendizagens? Sim! Sim, mas respeitando o trabalho que é feito pelos alunos como pessoas, não apenas como examinandos; respeitando o que se faz em todas as dimensões da aprendizagem e não apenas nas disciplinas com exame.

Trabalhamos para que seja esse o foco de todo este exercício.




Porfírio Silva, 8 de Fevereiro de 2018

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