7.12.17

Refeições escolares.




O plenário da Assembleia da República debateu hoje a questão das refeições escolares.

Que posição tomou o PS? Acho que vale a pena explicar, porque anda por aí muito simplismo na abordagem destas questões (e os 3 minutos que a Deputada Sandra Pontedeira tinha para a sua intervenção eram curtos para a importância e complexidade do tema).

Em primeiro lugar, o tema é relevante: as refeições escolares, a qualidade e a quantidade do que comem as nossas crianças e jovens, e a promoção de hábitos alimentares saudáveis – merecem todo o cuidado e atenção. E respostas apropriadas.
Ora, o governo não está – nunca esteve – a dormir sobre isto. O programa de governo incluía já esta preocupação, articulando as áreas da saúde, ação social e educação. O Orçamento de Estado para 2018 inclui disposições relativas a esta questão e o Governo não esperou para 2018 para agir de acordo com o que aí ficou consagrado.

Então, o que está a fazer o governo?
O Ministério da Educação já completou (e estará publicado dentro de poucos dias) o Plano Integrado de Controlo da Qualidade e Quantidade das Refeições Servidas nos Estabelecimentos de Educação e Ensino Públicos. Trata-se de um plano muito concreto, abrangente e completo. Cobre todas as questões relativas às ementas, à adequação nutricional, à confecção, ao controlo e avaliação da qualidade e da quantidade.
São criadas novas equipas de fiscalização por todo o país, com controlo a nível de escola, com a participação das próprias escolas, das equipas regionais da DGEstE, com as associações de pais. Equipas essas que podem aparecer de surpresa nas cantinas, para atingirmos um objectivo bem definido: fiscalização apertada e atempada, capaz de garantir que as empresas cumprem o caderno de encargos, que foi definido de forma exigente em parâmetros nutricionais. O que há é que ser mais efectivo a garantir o seu cumprimento. Com registo diário de funcionamento de cada refeitório, com análises microbiológicas pelo menos cinco vezes por ano, com controlo dos equipamentos, dos materiais, do pessoal.

É verdade que o PS votou contra as propostas apresentadas por outros partidos (BE, PCP e CDS). Porquê? Porque temos de resolver os problemas que existem, mas não enveredar por falsas soluções. Cabe explicar.
Votámos contra as propostas do CDS, porque carecem de base legal, porque ignoram legislação sobre concursos públicos, porque fazem de conta que é exequível um caminho que sabem bem que não leva a lado nenhum. Em muitos sectores há dificuldades com o peso que tem o factor preço na escolha do vencedor do concurso – mas fechar os olhos aos escolhos legais não é a boa maneira de tratar de um assunto sério. Além do mais, o CDS queria resolver em sede de formação dos contratos problemas que respeitam apenas à sua execução – e é no controlo da execução que podemos rapidamente obter resultados.
Votámos contra as propostas do BE e do PCP porque elas assentam num pressuposto errado: o pressuposto de que todos os problemas ficariam resolvidos se os refeitórios e cantinas fossem todas geridas directamente pelas escolas, quando sabemos que a gestão directa não garante a resolução universal do problema. (Já vimos casos de escolas que quiseram a gestão directa e depois recuaram, porque não conseguiram a qualidade que era pretendida e porque havia queixas, como agora há.) E também porque essas propostas “esquecem” que acabámos de votar o Orçamento de Estado para 2018, o qual não inclui a enorme dotação orçamental extra que seria necessária para custear as rescisões contratuais unilaterais massivas que seriam necessárias para cancelar universalmente os contratos de concessão. O governo está a agir para fazer cumprir os contratos e, se persistir o incumprimento, pode ter motivos para os resolver – mas sem os brutais custos que teria acabar com os contratos todos, como regra geral, por uma decisão política que não estivesse sustentada no controlo da execução e na verificação eventual de incumprimento.
Não aprovámos propostas que invadiam as competências dos municípios, até nos muitos casos onde não há problemas assinalados, como fazia, por exemplo, o projecto do PCP.
Não aprovámos propostas que impunham às escolas a gestão directa de cantinas e refeitórios, porque não faz sentido impor novas cargas administrativas e burocráticas às escolas, mesmo onde tudo corre bem.
E não aprovámos as propostas do PAN, pelas seguintes razões. O PAN queria recomendar ao governo a elaboração de recomendações sobre os bufetes escolares – mas elas já existem e estão em vigor e a ser cumpridas. O PAN queria a contratação de 5 nutricionistas por cada serviço regional da DGEstE, numa abordagem meramente burocrática, sem nenhuma atenção às realidades diferenciadas dos territórios (porquê 5? Porquê 5 para todas as situações, tão diferentes entre si?) e sem qualquer ligação com os mecanismos de especificação das refeições que existem para regular o sistema. O PAN preconizava a proibição radical da distribuição nas escolas de qualquer subespécie de leite achocolatado, desequilibrando as orientações existentes, que já atendem aos limites dentro dos quais são aceitáveis certas quantidades que não prejudicam hábitos alimentares saudáveis – sem partir para uma “guerra sem quartel” para impor absolutamente apenas leite branco-só-branco. Por isso dissemos, não votamos por abordagens meramente burocráticas, sem noção das diferentes realidades, nem votamos por critérios nutricionais sem base científica.

Na globalidade, o debate deu-nos razão. Vejamos.
O PSD só diz mal, passemos adiante (até porque os demais intervenientes, sem necessidade de uma palavra do PS, destruíram as suas teses).
O CDS reconhece que os cadernos de encargos são adequados (desmentindo o PSD), dizendo que o único problema é o preço ser tão baixo. (Há aqui, de facto, o problema do peso do factor preço na decisão dos concursos…)
Mas o BE diz que os exemplos das escolas mostram que o preço, por si só, não é o problema, porque há cantinas das escolas que dão boas refeições a preços tão bons ou melhores que os das concessionárias – e citou exemplos.
O PAN diz que a fiscalização está a falhar – e, aí, dá razão ao PS, quando dizemos que é preciso apostas na fiscalização: estamos a tratar com concursos novos, que podem ser postos a funcionar como deve ser.
O PCP diz que as concessões são desresponsabilização do Estado: é coerente ideologicamente, mas o PS não acha que seja uma tarefa estratégica do Estado fazer refeições, embora o Estado deva garantir que se respeitem os critérios das refeições servidas às pessoas perante as quais tem responsabilidades. O PS acredita que as empresas podem fazer esse serviço, o PS acredita no papel da economia privada em muitos sectores – será isto uma novidade?
O PEV, além de encarreirar com o argumento geral do PCP (está no seu direito), defende que o pessoal das cozinhas das escolas não devia contar para o rácio dos Assistentes Operacionais das escolas e agrupamentos, para não prejudicar as escolas que optam pela gestão directa. Tem todas a razão: desde a recente portaria dos rácios sobre pessoal não docente, publicada por este governo, é mesmo assim: o pessoal das cozinhas não conta para o rácio geral, pelas razões apontadas pela deputada dos Verdes. Vê, senhora deputada, como o governo trata adequadamente as escolas que fazem essa opção?

A conversa já vai longa, mas por vezes, em matérias importantes e complexas, convém não cedermos à tentação da facilidade e do imediatismo. Afinal, não foi só o debate parlamentar que sublinhou a justeza das nossas razões. Também a votação o fez: cruzando os votos da nossa esquerda e da nossa direita, a maioria deu razão ao PS em tudo o que era essencial.
Mas, claro, ficamos atentos ao que o governo está a fazer, como é nosso dever. Entretanto, uma coisa é certa: é preciso evitar a demagogia em assunto tão sério. Até porque muitas crianças, se há sítio onde podem comer bem – e onde podem aprender a comer bem, contra outras influências negativas - é na escola.



Porfírio Silva, 7 de Dezembro de 2017
Print Friendly and PDF

5.12.17

Centeno, a Europa e a Esquerda Plural




Sobre a eleição de Mário Centeno para a presidência do Eurogrupo, podíamos agora falar dos que o menosprezaram e/ou dos que tentaram atropelá-lo. Não vamos por aí, esses não são originais em tentar a sua sorte a corroer esta solução política (mesmo que com sorrisos na face), não carecem agora de mais comentário. Há outras coisas importantes a merecer consideração - e essas vêm do lado da Esquerda.

Podemos, à Esquerda, ter diferentes posições sobre o euro e sobre as políticas europeias que têm impacto na sustentabilidade das finanças públicas.
Eu, pelo meu lado, sou crítico da linha dominante nas instituições europeias, sou crítico do "pensamento único" que pretende restringir a largura de banda das opções políticas - mas entendo que não devemos virar a cara ao combate político europeu, não podemos desistir de lutar pelas nossas ideias na União Europeia. A Direita não tem mais direitos do que a Esquerda, não podem fazer como se as suas políticas fossem "naturais" e as nossas fossem "contranatura". Temos de agir em conformidade e ocupar o nosso lugar próprio na Esquerda anti-austeritária europeia.

Sabemos que outras Esquerdas acham mais realista retirar do euro, ou até mesmo da União Europeia. Não é a nossa opção, mas aceitamos democraticamente o debate.

O que não aceitamos é que, à boleia dessas diferenças, se cometam excessos e injustiças. Por exemplo, é inaceitável, a propósito da eleição do Ministro das Finanças português para Presidente do Eurogrupo, "meter" Centeno no mesmo "cesto" de Barroso. Pode-se duvidar de que Centeno possa "fazer milagres" no Eurogrupo - aliás, muitos têm duvidado de Centeno, e muitos têm tido de corrigir as dúvidas. Pode-se duvidar e sublinhar as dificuldades, dificuldades que são reais. Mas alinhar Centeno, ministro de um governo socialista que impôs na UE o fim do "não há alternativa", com um Durão Barroso que serviu, no meu entender contra os interesses portugueses, uma ortodoxia "comprada" ao pensamento dominante - fazer esse alinhamento entre Centeno e Barroso não é apenas injusto. É indecoroso.

E isso fica mal a alguma esquerda que deu esse passo.


Porfírio Silva, 5 de Dezembro de 2017
Print Friendly and PDF