11.2.17

O Professor Francisco Louçã.



O Professor Francisco Louçã despende algum do seu tempo e das colunas do Público a partir do mote da minha entrevista no sábado passado, quando defendi que “A esquerda tem de pensar uma agenda para a década" (clicando no título chega lá). Infelizmente, não parece ter-se decidido a gastar o seu precioso tempo em qualquer avanço na conversa, antes tendo preferido um ar professoral que usa sistematicamente quando se dá a essa tarefa pouco estimulante de comentar o que eu digo sobre a esquerda. Assim sendo, também só quero deixar breves notas, todas elas realmente periféricas ao que realmente interessa.

Primeiro, o Professor Louçã é pouco rigoroso. Contrariamente ao que escreve, o PS não levou uma “Agenda para a Década” às eleições. O PS levou às eleições um programa eleitoral, que é a base do programa do atual governo – programa de governo que resultou do nosso programa eleitoral e dos acordos à esquerda. Que, pelos vistos, podiam ser compatibilizados. Embora o Professor Louçã escreva que os acordos do PS com o PCP e o BE se fizeram contra o programa do PS – o que mostra bem a velha técnica de alguns que só vivem bem dando a ideia de que o que é bom na acção do PS só se pode fazer contra a vontade do PS. Mas, repito, não foi a Agenda para a Década que o PS levou às eleições. A Agenda da Década é outro documento, que António Costa levou, em mão, a todos os partidos parlamentares depois da sua eleição como Secretário-Geral do PS, dizendo nessa ocasião que não era “pegar ou largar”, mas, antes, a nossa proposta para um diálogo estratégico para o país que envolvesse objectivos para lá do imediato. Não sei se a falta de rigor do Professor Louçã reside no desconhecimento do documento “Agenda para a Década” ou, menos prosaicamente, na recusa em compreender que o futuro do país não se constrói apenas pensando no curto prazo.

Segundo, o Professor Louçã insiste em se atribuir a si próprio o papel de “guarda fronteira” da esquerda. Fala de uma “articulação entre o centro e as esquerdas” para falar do que há a discutir entre o PS e os outros partidos de esquerda. Para dizer que o PS não é de esquerda, é de centro. Não crendo que o Professor Louçã reivindique a origem divina do seu apanágio de crismar como “esquerda” ou “não esquerda” este ou aquele partido, não consigo entender de onde lhe vem a legitimidade para “expulsar” da esquerda um partido que, como é o caso do PS, foi o principal obreiro do Serviço Nacional de Saúde, da escola pública para todos, da Segurança Social pública, de uma política de ciência progressista… e fico por aqui nos exemplos. Só há uma explicação para essa pretensão do Professor Louçã: sectarismo. E o sectarismo é a pior doença da esquerda – principalmente daqueles que nunca chegaram a entender que a esquerda só não é plural nas ditaduras (ou porque está no poder e suprime totalitariamente as outras esquerdas, ou porque está sob ditadura na oposição e acaba por não ser capaz de diversidade).

Terceiro, o Professor Louçã tem dificuldade em conciliar uns parágrafos com outros. Começa a dizer cobras e lagartos do meu alerta para a necessidade de uma “agenda para a década” da esquerda, e depois vai dizendo que não se pode pensar só no imediato (por exemplo, quando escreve que “reduzir as conversas entre parceiros a uma gestão do dia-a-dia cria instabilidade”). Portanto, se for eu a dizer, o Professor Louçã acha mal; se for o Professor Louçã a dizer, já acha sensato e relevante. Que há necessidade de fazer um debate mais profundo e atempado da política da maioria parlamentar? Claro que há. Como eu e muitos outros já tínhamos dito antes.

Quarto, o Professor Louçã tem dificuldade em reconhecer quando está num debate, preferindo fazer de conta que está a falar sozinho, talvez a dar lições aos demais. Daí que, gastando embora parte do seu texto a falar da União Europeia como questão que tem de ser trabalhada com outra profundidade pelas esquerdas na sua pluralidade, faz de conta que não sabe ou não percebe que eu tinha, precisamente na entrevista em referência, identificado essa como uma das questões centrais a precisar de outro tipo de conversa. Não precisamos de estar de acordo para identificar os pontos que precisam de urgente tratamento. Falar de um ponto que eu identifiquei como uma das encruzilhadas mais precisadas de trabalho à esquerda, e falar como se eu tivesse passado ao lado desse ponto de agenda – é pouco próprio de quem seja capaz de entender que está num debate.

Infelizmente, o Professor Louçã, que já uma ou outra vez decidiu despender tempo com o que eu escrevo ou digo, adopta nessas ocasiões o ponto de vista da superior pureza de quem tem a "verdadeira esquerda", o que, no fundo (e não querendo ser ofensivo para nenhum dos dois), não anda muito longe de uma auto-infligida displicência muito parecida com a forma como Francisco Assis costuma brindar-me na sua saga contra a orientação política da direcção do PS. Francisco Assis é motivado pela sua desconfiança de que eu sou demasiado à esquerda para ser do PS. Francisco Louçã, finalmente, não anda longe: seria mais cómodo para a sua estratégia que não houvesse vozes de esquerda no PS - seria mais fácil, nesse caso, tentar transformar o PS num pequeno partido incapaz de dar um impulso progressista ao país.

Felizmente, o Bloco de Esquerda, como colectivo e como força política, é melhor do que a auto-suficiência de quem quer que seja. É mesmo por essa razão que vale a pena, à esquerda, pensar para além do imediato, pensar para além do anual, pensar para além da legislatura. A esquerda tem de pensar numa agenda para a década.



11 de Fevereiro de 2017