15.4.16

“Há aspectos onde o poder político tem de ficar à porta da escola”




{O Diário de Aveiro publica hoje uma entrevista comigo, sobre Educação. Como, por esse país fora, muitos dos meus amigos não podem comprar o Diário de Aveiro, deixo aqui um registo.}

Entrevista. O deputado do PS Porfírio Silva fala sobre o encontro “Que Escola para o século XXI?” que decorre amanhã, às 9:30 horas, no Conservatório de Música, em Aveiro.
O PS organiza amanhã, em Aveiro (Conservatório de Música, 9:30 horas) o encontro “Que escola para o século XXI?”, com a participação do ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues, e de outros oradores, entre governantes, deputados e especialistas. O Diário de Aveiro falou com Porfírio Silva, o deputado eleito por Aveiro que é o coordenador socialista na Comissão de Educação e Ciência.

Diário de Aveiro – O que irá mudar de mais significativo na educação com este governo?
Porfírio Silva – A principal aposta é a promoção do sucesso escolar. A política educativa do anterior governo esqueceu os combates mais difíceis, como o insucesso escolar e as desigualdades. Agora é preciso focar no essencial: que todos os alunos aprendam mais e melhor, para que a escola seja fator de mobilidade social ascendente e de desenvolvimento do país. Para isso foi criado recentemente o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar, que vai juntar vários sectores para orientar o esforço para combater o insucesso escolar, dar mais conteúdo concreto à igualdade de oportunidades e aumentar a eficiência e qualidade da escola pública. Certamente que esta aposta terá de passar pela universalização da educação pré-escolar a partir dos 3 anos (sabemos como isso faz a diferença no sucesso dos alunos), pelo enriquecimento do currículo, pela valorização de todas as componentes de formação (técnica, tecnológica, artística, física), pela valorização pedagógica do ensino profissional, pela inovação pedagógica, pelo reforço da ação social, pela formação contínua dos profissionais, por um modelo de avaliação virado para apoiar a aprendizagem e não para a seriação dos alunos.

O novo modelo de avaliação no ensino básico é acusado de facilitismo. Não era importante manter os exames?
O PS não tem nenhuma posição radical quanto aos exames: o novo modelo mantém o exame do 9º ano. Mas temos de ser sensatos e distinguir as coisas: Portugal era praticamente o único país do nosso espaço civilizacional com exames no 4º ano. Radicais ideológicos foram os que introduziram esses corpos estranhos no sistema, não por razões pedagógicas, mas por bandeira política. Se, em vez de pensarmos em rankings, que são um instrumento tão mal usado, pensarmos em avaliação que seja útil para ajudar os alunos a aprender melhor, ajudar os professores e as famílias a orientar melhor os alunos, então estamos muito melhor servidos com as provas de aferição. As provas de aferição vão dar indicações acerca do que deve ser corrigido e do que deve prosseguir por estar a correr bem, e isto a nível individual e a meio dos ciclos de estudos, a tempo de corrigir, em vez de deixar para o exame final, quando já é tarde. Portanto, respondo: nada disto é facilitismo.

A redução do número de alunos por turma é apenas uma bandeira, ou vai mesmo ser concretizada?
Em muitos casos seria importante poder trabalhar com grupos mais pequenos, embora haja situações muito diferenciadas. Vamos avançar com isso gradualmente. Mas não se trata simplesmente de encolher as turmas, trata-se de permitir que a nível de escola se façam escolhas finas que respondam à diversidade de situações existentes. Por exemplo, na aprendizagem de uma língua estrangeira, pode fazer falta ter um grupo mais pequeno na componente de prática oral, mas isso não ser importante nas partes mais teóricas. Não devemos, portanto, focar-nos num limiar fixo e universal de alunos por turmas, mas criar condições para, progressivamente, pensando a partir da sala de aula, que é onde as coisas acontecem, se poder responder de forma favorável ao trabalho de alunos e professores.

A ideia de deixar mais decisões às escolas também inclui a chamada descentralização das competências?
Há aspetos onde o poder, qualquer poder político, tem de ficar à porta da escola. Não queremos os municípios a interferir com a pedagogia. Muitas autarquias têm desempenhado um papel muito positivo no apoio às escolas, em termos de meios materiais, humanos, apoio social, racionalização de recursos locais – e isso deve ser incentivado. Só que há domínios onde a autonomia da escola não pode ser beliscada: os aspetos curriculares e pedagógicos, a contratação de professores, bem como a gestão da rede, são vetores da escola que não podem ser tomados pelos poderes exteriores à escola. Delimitados os campos, é positivo o envolvimento das autoridades locais com as escolas.

Quais as prioridades para o Ensino Superior e a Ciência?
O anterior governo tentou fazer-nos crer que empobrecendo Portugal e os portugueses podíamos resolver os nossos problemas de desenvolvimento. Esse caminho estava errado e temos agora de encetar uma estratégia baseada no conhecimento, na qualificação das pessoas, das instituições e dos territórios, na ciência. Para isso, a primeira prioridade é reforçar o investimento em ciência e tecnologia, rejuvenescendo o corpo docente no ensino superior público e reforçando o emprego científico. Este ano devolveu-se às instituições a capacidade para contratar. É preciso avançar decididamente no combate à precariedade dos investigadores: não podemos preencher necessidades permanentes de investigadores com bolsas que se eternizam, os trabalhadores científicos têm de ter contratos dignos. Reforçou-se já este ano a ação social escolar. Depois, é preciso promover o enraizamento do saber nas necessidades dos territórios, designadamente apoiando os Politécnicos para fazerem mais formação avançada relevante para as suas regiões, para fazerem mais investigação ligada às atividades económicas e culturais regionais, para trazerem mais estudantes ao ensino superior. Em terceiro lugar, há que promover articulações mais fortes com áreas de desenvolvimento que têm tudo a ganhar em serem mais intensivas em conhecimento. Depois, há que alargar a base de recrutamento da ciência, por exemplo retomando a promoção do ensino experimental das ciências no ensino secundário. E ainda quero sublinhar a importância da já lançada Política Nacional de Ciência Aberta, que visa generalizar o acesso aberto às publicações e aos dados científicos resultantes de investigação financiada por dinheiros públicos. Trata-se de retomar a estratégia de longo prazo de Mariano Gago, que foi interrompida de forma sectária na última legislatura.

Mas não houve agora um corte de financiamento no Ministério da Ciência e Ensino Superior?
Durante um dia ou dois pensou-se que podia haver uma cativação de verbas que afetarias as instituições de ensino superior, mas tudo foi esclarecido rapidamente. O país não ficou rico de repente, mas há de facto uma aposta em investir nesta área.





11.4.16

Uma geringonça para a Europa.



Após as legislativas de Outubro, partidos de esquerda que costumam divergir em matérias importantes encontraram uma plataforma capaz de uma viragem na governação. Esse entendimento respondeu à necessidade de interromper uma governação PSD/CDS agressivamente apostada numa estratégia de empobrecimento, destruição de direitos sociais e passagem a um país de precários apetecíveis para as formas mais selvagens de capital. Os acordos à esquerda foram possíveis porque eram necessários para travar uma direita política, ideológica, económica e social apostada em dominar absolutamente o país, uma direita para quem valia tudo para desestruturar até à violência a nossa vida colectiva. Os acordos entre o PS, o PCP, o BE e o PEV deram essa resposta – sem deixarem de ser uma geringonça, porque todos os dias têm de procurar respostas não antecipadas para os desafios da realidade. E porque essa procura se faz na heterogeneidade assumida entre parceiros.

É de uma geringonça que precisa a União Europeia para interromper a perigosa deriva em que se encontra há anos: a igualdade entre Estados-Membros e o método comunitário deram lugar a uma hierarquia de devedores e credores; os responsáveis pela promoção do interesse comum cederam o passo aos interesses nacionais mais egoístas; a prosperidade partilhada tornou-se uma miragem; a UE já nem para problemas humanitários prementes consegue construir respostas decentes e eficientes.

Porque é que a resposta à crise da UE tem de vir de uma geringonça europeia? Porque nenhum dos blocos políticos ou geográficos tradicionais tem as forças necessárias para encetar só por si um caminho de renovação. Para dar apenas o exemplo trágico da família socialista e social-democrata: quando temos “camaradas” em lugares de destaque a servir de porta-vozes dos piores aspectos da ortodoxia económica e financeira alemã, quando temos “camaradas” a liderar governos que fazem campanha contra a entrada de muçulmanos na Europa – percebemos que esta família não chega para mudar o rumo europeu.

Temos, pois, de agir para montar uma geringonça europeia. Sinais positivos recentes desse caminho: o primeiro-ministro grego a ser cada vez mais integrado na dinâmica negocial dos socialistas europeus; a iniciativa, partilhada por Mário Centeno, em que oito ministros das finanças, de proveniência geográfica e política diferenciada, identificam a necessidade de mudar o método de cálculo dos défices estruturais, para tornar mais robusta a gestão sustentável das finanças públicas. Temos de alargar a rede, para construir uma geringonça europeia alargada: por exemplo, voltando a dar mais atenção à iniciativa “Triplo A social”, da Comissária Marianne Thyssen, que poderia permitir a construção de uma dimensão de coesão social na União Económica e Monetária. Só uma geringonça para a Europa permitirá construir as alianças necessárias para quebrar a hegemonia de ferro do pensamento único, com os custos pesados que tem feito pagar a tantos.

(Texto publicado originalmente na Geringonça.)