O resultado das eleições legislativas de 4 de Outubro deixou o PS no centro da vida política nacional, com as responsabilidades que só se reconhecem a um grande partido com capacidade para dialogar com todas as forças com representação parlamentar.
Outros estarão acantonados na posição fácil de quererem olhar só para um aspecto do problema, esquecendo, contudo, que esta situação complexa tem de ser vista de vários ângulos. O PSD e o CDS, embora constituindo a candidatura que teve mais votos, esquecem que mais de 60% dos votantes escolheram candidaturas que se opõem claramente à política de austeridade violenta que prosseguiram nestes últimos quatro anos. O PCP e o BE, embora reclamando com razão que o prosseguimento da política de empobrecimento não obteve uma maioria suficiente para governar, não podem ignorar que o país não pode satisfazer-se com uma maioria negativa, ou de bloqueio, porque não podemos somar a uma crise económica e social uma crise política. O PS não pode ignorar nenhum dos lados do problema – e, precisamente por isso, tomou a iniciativa de conversar com todos os demais partidos parlamentares para averiguar das condições de governabilidade no novo quadro político.
Nenhuma das soluções possíveis é fácil, errará quem deposite certezas absolutas em qualquer uma das saídas. Tudo o que pode ser feito nos momentos de importantes encruzilhadas comporta riscos – mas é obrigação dos políticos a sério correr riscos. Não em nome das pequenas glórias transitórias, de cargos ou de facilidades, mas a pensar no país e na evolução da democracia representativa.
Vale a pena correr riscos para impedir a captura do nosso sistema democrático por aqueles que querem sobrepor critérios oportunistas em prejuízo do quadro constitucional. E, aqui, é uma causa nobre dar combate ao argumento central da Direita para tentar impugnar a legitimidade de um governo assente num entendimento à esquerda (entre PS, PCP e BE). O argumento é que o PS não colocou essa questão a debate antes das eleições. Esta teoria já foi abundantemente desmontada por quantos lembraram que António Costa e o PS repetidamente escreveram e disseram, em discurso direto e em textos programáticos (principalmente, a Moção Política sobre as Grandes Opções de Governo apresentada às Primárias do PS e a Moção Política aprovada no XX Congresso Nacional) que recusamos a teoria do arco da governação. Isto é, afirmamos há muito não haver justificação para excluir sistematicamente certos partidos da responsabilidade de governar, e que o afastamento prolongado de sectores significativos do eleitorado da partilha de responsabilidades de governar representa um empobrecimento da democracia. A afirmação de que não governaríamos “com esta direita” foi repetida em vários formatos, teve grande destaque mediático e foi mesmo objecto de campanha dos nossos adversários. Não se pode dizer que o PS tenha escondido a sua abertura a soluções como as que agora estão a ser ponderadas, pelo que este argumento da ilegitimidade é, claramente, insustentável.
Vale a pena correr riscos para trazer um milhão de eleitores para o “arco da responsabilidade”. Se tantas vezes criticámos o PCP e o BE por se comportarem como meros partidos de protesto, e essa crítica era razoável, temos, assim, a noção clara de quão importante seria trazer os eleitores desses partidos para uma partilha de responsabilidades mais exigentes – as responsabilidades inerentes a pensar, já não apenas do ponto de vistas da oposição a certas políticas, mas do ponto de vista da construção de soluções capazes de enfrentar com sucesso o choque da realidade governativa.
Ao longo da sua história, o PS já deu muito à democracia portuguesa. Valeria a pena correr riscos para, quarenta e tal anos depois do 25 de Abril, alargar o “arco da responsabilidade” para além de um “arco da governação” desprovido de qualquer lógica à luz da Constituição e das exigências de uma democracia representativa completa.
(publicado antes no Acção Socialista Digital)