25.10.15

«A esquerda só não é plural nas ditaduras.»


Confesso que estou já um bocado cansado de quantos insistem que o PS não disse X antes das eleições - quando o PS efectivamente disse X - ou, em alternativa, insistem que o PS disse Y - quando o PS efectivamente não disse Y. Concretizando: não é verdade que o PS tenha escondido a sua abertura aos outros partidos de esquerda, não é verdade que o PS tenha negado a possibilidade de se entender com a outra esquerda. Há já suficientes republicações de pertinentes declarações de António Costa sobre a matéria, mas hoje venho relembrar uma entrevista que dei ao DN, em Junho, exclusivamente sobre o tema das nossas relações com a esquerda. Aqueles que estão habituados a usar a mentira como método político, façam um esforço para entender que alguns políticos fazem o que dizem e dizem o que fazem.



Desafio socialista ao PCP e ao BE: “Façam uma coligação".

Entrevista a João Pedro Henriques, Diário de Notícias, 19 de Junho de 2015.

A conversa foi marcada com um único tópico na agenda: o diálogo – ou falta dele – entre o PS e os partidos à sua esquerda. Porfírio Silva, dirigente nacional do PS com o pelouro da Comunicação, apela para que se deixe de lado a “retórica da agressividade”. E sugere ao PCP e ao BE que se coliguem para não competirem entre si “a ver quem bate mais no PS”.


Bloqueios identificáveis no diálogo do PS à sua esquerda?

Há um bloqueio de base que tem que ver com a própria noção de que a esquerda é plural. A esquerda só não é plural nas ditaduras. Ou porque está no poder e suprime as outras esquerdas ou porque está sob ditadura na oposição e acaba por não haver espaço para a diversidade. Em todos os países democráticos onde há esquerda, a esquerda é plural. António Costa expôs um entendimento novo da democracia representativa em Portugal contra a ideia de arco da governação, ou seja, contra a ideia de que o acesso ao poder está limitado a certos partidos. Todos os partidos que estão no Parlamento representam eleitores e têm dignidade para participar nas mais diversas soluções políticas. Isto até dizendo que empobrece a democracia portuguesa que haja vastos setores do eleitorado que nunca tenham tido oportunidade de participar numa responsabilidade governativa. O estranho é que, sendo esta uma mensagem de clara rutura com as razões históricas que explicam diferenças dentro da esquerda, isto não foi entendido assim. Temos manifestações com efigies de António Costa ao lado de Passos Coelho e de Paulo Portas. É inadmissível, não corresponde à verdade.

Essa é uma forma de estar mais vincada no PCP do que no BE, em sua opinião?
Poderia fazer uma análise partido a partido. Mas quando nos dirigimos a este partido ou aquele partido pode parecer que estamos a ser agressivos e eu não quero parecer isso. É verdade que o PS diz que quer maioria absoluta e é verdade que alguns partidos de esquerda veem isso como um problema Mas há uma razão para querermos maioria absoluta: porque o Presidente da República que temos fará tudo até ao fim para beneficiar a direita; e o único seguro que podemos ter para saber que o Presidente da República não pode bloquear uma situação governativa do PS é termos uma maioria absoluta. Mas entendemos a maioria absoluta como uma oportunidade – e isso sempre foi dito – para o diálogo político, designadamente com os partidos à esquerda. O sectarismo à esquerda não dificulta só o diálogo político, também dificulta o diálogo social. Queremos outro papel dos sindicatos, das confederações sindicais, queremos relançar a negociação coletiva e o diálogo social e o bloqueio à esquerda também tem um efeito negativo sobre o diálogo social.

Aparentemente, o bloqueio mais identificável é a relação com o Tratado Orçamental. Que passos podem ser dados para o romper?
Não me ponho na posição sobranceira de estar a dar lições aos outros partidos de esquerda. Não gosto que os outros partidos nos deem lições e também não quero dar lições. O que digo é que temos de nos concentrar no que verdadeiramente importa para o país. Uma questão essencial: o Estado social. Os outros partidos de esquerda dizem que se batem pelo Estado social – e ao mesmo tempo atacam o PS. Há qualquer coisa de bizarro nisto. Quem foi o principal obreiro do Serviço Nacional de Saúde? Quem foi o principal obreiro da escola pública para todos? Quem foi o principal obreiro da Segurança Social pública? Quem criou o rendimento mínimo garantido? Quem generalizou a educação pré-escolar? Quem criou uma política de ciência progressista em Portugal? É um bocadinho difícil compreender que partidos que dizem defender o Estado social ao mesmo tempo ataquem mais o principal obreiro do Estado social do que os partidos da direita. Temos um objetivo que é melhorar e defender o Estado social, torná-lo mais forte e mais útil para os portugueses e vamos trabalhar nisso. Certamente que o BE, o PCP e outros partidos que entretanto surgiram têm opiniões diferentes das nossas e isso é perfeitamente normal - mas temos de encontrar uma forma construtiva de trabalhar.

Parece estar quase a propor uma espécie de não-agressão entre os partidos de esquerda. Como que a dizer que há ideias diferentes mas era importante, para diálogos futuros, que se tirasse a agressividade da retórica…
Aí está um bom ponto, tirar a retórica da agressividade de cima da mesa Dou um exemplo. Uma das questões mais importantes dos próximos anos é a da sustentabilidade da Segurança Social. Uma das propostas mais estruturantes do PS é alargar a base de incidência das empresas para a Segurança Social: não contribuírem só com base na massa salarial, que tem que ver com quantas pessoas empregam, mas também com base nos lucros que geram. Isso é uma solução amiga do emprego, porque se tira um pouco às empresas que criam mais emprego e pede-se mais às empresas que dão mais lucro. Ora, tirando alguns detalhes técnicos, o BE já propôs isto no Parlamento. O PCP votou a favor. A CGTP há vários anos que, tirando detalhes técnicos, defende uma solução que é basicamente a mesma. E quando o PS a apresenta vêm dizer que isto é de direita. É incompreensível. Eliminar a retórica de agressividade na esquerda era um bom princípio.

A ideia com que se fica é que o PS já descartou a possibilidade de entendimentos permanentes à esquerda e já só aposta em entendimentos parciais…
Pessoalmente, não descarto nada Mas a vantagem da maioria absoluta é que permitiria entendimentos de geometria variável. Se precisamos de um entendimento firme para garantir um governo, temos um tipo de obrigação; mas se a base mínima estiver garantida, isso até permitirá aos outros partidos uma maior liberdade. Para começar a pensar no leque de possibilidades é preciso acabar com a tal retórica de agressividade. Porque parece que há uma espécie de campeonato à esquerda a ver quem ataca melhor o PS. É estranho, mas até certo ponto compreensível: quer o PCP quer o BE têm receio de dar um passo no diálogo com o PS – e depois serem atacados pelo outro, acusados de trair ou fraquejar. Mas se o problema é esse, então façam qualquer coisa juntos, uma coligação, uma frente, um acordo, e depois, como já não têm medo da concorrência entre si, então depois, se calhar, conseguem falar connosco mais facilmente. Agora, esta situação em que o campeonato é para ver quem bate mais no PS já deu maus resultados no passado e a direita é que beneficiou muito com esta má relação entre diferentes partidos de esquerda.