28.7.15

a retórica como política, não, obrigado.



Caro Viriato (a propósito deste artigo), um pedido: política da dura, sim; retórica, não.

Eu também discordo da proposta de Hollande.

Mas é absolutamente deslocado escrever que ela é "vazia" ou que revela "ausência de pensamento estratégico consistente".

Essa proposta é a retoma do essencial da posição tradicional da França (e de outros). E tem um rationale muito estratégico e muito pensado. É o rationale da Europa a duas velocidades, que não é novo, nem vazio, nem ingénuo.

Já agora, convém lembrar que a principal motivação política dos maiores partidos portugueses para aderir ao Euro foi não ser Portugal marginalizado em caso de um dia avançar a tal "Europa a duas velocidades". Ou seja, não sermos apanhados fora do núcleo duro. Mesmo que a adesão tivesse custos económicos, ficar de fora, para um pequeno país, também teria custos políticos. Convém não esquecer agora essa equação, porque "prognósticos depois do jogo" é fácil.

Em resumo: discordo da proposta, não por ela ser vazia (que não é), mas por ela NÃO ser vazia. E, em política, tenho tão pouca simpatia pela retórica simplista como pelo vazio. Por serem essencialmente a mesma coisa e o mesmo defeito.

20.7.15

Hollande e Valls sobre o governo económico do Euro.


A proposta de Hollande sobre um governo económico da zona euro retoma a posição tradicional da França para instituições separadas (duplicadas) para a zona euro, incluindo uma Comissão para a Eurozona que seria um irmão gémeo da Comissão Europeia. Em geral, esta proposta não recolhe grandes apoios noutros países europeus. Convém lembrar que o Tratado Orçamental já prevê uma assembleia parlamentar da zona euro, coisa que o Parlamento Europeu abomina, porque enfraquece o único órgão eleito directamente pelos europeus.
Contudo, Schauble até poderia gostar da ideia de um núcleo duro do Euro, avançada por Valls (não pelo próprio Hollande), mas com uma composição diferente da proposta pelo francês: não com os 6 fundadores da CEE, como propôs Valls, mas com outro grupo, que poderia deixar de fora a Itália e incluir a Áustria e a Finlândia.
Parece-me evidente que não podemos aceitar esta ideia de excluir países do governo económico do Euro, que criaria um Euro 1 e um Euro 2 dentro da zona monetária, aumentando a confusão e agravando as assimetrias.
O problema destas propostas é que poluem a ideia de um governo económico do euro, que é necessário, mas que não é aceitável baseado num esquema de exclusões. As cooperações reforçadas são para deixar avançar quem quer avançar, mesmo que alguns queiram arrastar os pés. A proposta de Valls seria uma espécie de cooperação reforçada de pernas para o ar, impedindo de se juntar quem o quisesse fazer. Com os actuais tratados isso seria ilegal... embora às vezes pareça que já ninguém se preocupa muito com a legalidade.

13.7.15

A Grécia não foi expulsa do Euro.



Está alguém feliz com o acordo com a Grécia? Não me parece.

Teria sido melhor ter deixado que expulsassem a Grécia do euro? Não me parece. A seguir à Grécia outros se seguiriam. E olhem que esteve perto.

Os socialistas europeus estiveram sempre bem ao longo deste processo? Não, não estiveram. Mas acabaram por ser os socialistas que impediram que pregassem os gregos na cruz. E - disto tenho orgulho - o SG do PS teve uma influência positiva na evolução da posição dos socialistas europeus, que, depois de alguns terem dito alguns disparates, se afirmaram claramente contra empurrar a Grécia borda fora.

Faz sentido dizer que os gregos não deviam ter aceitado este acordo? Acho que não. Não nos compete dar lições aos gregos, dizendo que eles não deviam ter aceitado o que aceitaram. Isso seria muita arrogância nossa face aos gregos. É fácil fazer revoluções com o sangue dos outros...

11.7.15

A Grécia, depois do referendo.




Ainda não sei se vai haver acordo. Ainda não analisei extensivamente a comparação do velho acordo falhado com o acordo que se prepara. Mas já vejo voltar um coro de simplismos que me estranha.

O tom agora é "afinal, aceitaram a austeridade".

A direita diz "afinal, aceitaram a austeridade" querendo dizer: "não serviu para nada terem resistido, sempre têm de engolir tudo".
Alguma esquerda diz "afinal, aceitaram a austeridade" querendo dizer "traíram, renegaram".

Caramba, por uma vez a senhora Merkel tem razão, quando diz que um plano de reformas para libertar uma tranche de cerca de 7 mil milhões de euros de um empréstimo antigo NÃO pode ser o mesmo que um plano de reformas para uma nova ajuda multilateral de mais de 70 mil milhões de euros. Comparar os dois planos de reformas, como se falássemos da mesma coisa, é falacioso. Merece, da parte dos gregos, ceder em algumas coisas para ganhar mais tempo e não estarem todos os dias a ter de renegociar tudo e mais alguma coisa. Perceber isto pede que se perceba a armadilha em que estaremos a cair se dissermos "afinal o referendo grego não serviu para nada".

Contudo, o que agora está a acontecer assinala algo muito importante: a relevância do referendo grego esteve menos no resultado e mais no próprio facto de se ter realizado. Tanto o Sim como o Não poderiam ter sido interpretados de várias maneiras quanto ao caminho a seguir, mas, só o facto de se ter realizado, colocou o povo grego no centro do debate: todos assumiram que não era problema do governo, mas problema do país, problema de todos. E isso, em democracia, é essencial. Se a Europa não assumir que a democracia precisa ser aprofundada, isto ainda pode acabar mal. E não só para os gregos.

Isto quer dizer que os gregos conseguiram o que idealizavam? Não. E tenho feito algumas críticas ao modus operandi do governo grego, que acabou por justificar, aos olhos da opinião pública, algumas diatribes das instituições europeias, que podiam ter sido entaladas por mais alguma precaução grega. Como já disse outras vezes, mesmo quando um país tem razão, ninguém pode querer vencer sozinho contra todos numa Europa multifacetada. Sendo isto verdade, os gregos disseram algo muito importante à Europa: os devedores não são escravos, continuam a ser povos de uma Europa que deve ser de povos iguais em direitos e em deveres. É preciso voltar a uma Europa de cooperação e virar a página de uma Europa baseada nas categorias credor/devedor - porque não é isso que está nos tratados.

Também na Europa se aplica o problema do "arco da governação". Tal como em Portugal alguns acham que só alguns partidos podem governar (à esquerda do PS, segundo esses, só se pode fazer oposição), também na Europa alguns acham que os governos só podem vir das famílias políticas tradicionais. O problema do actual governo grego passa, em parte, por aí: muitos o viram como um corpo estranho que tinha de ser "extirpado", para evitar "contágios". Ora, essa visão é profundamente antidemocrática. E, de todo este processo, devemos aprender pelo menos isto: sem democracia, a Europa definha e morre.