25.2.15

Costa, os chineses e Miguel de Vasconcelos.


A direita trauliteira e a esquerda-twitter/FB estão muito espantadas porque António Costa não é Miguel de Vasconcelos.
Ainda me lembro quando a oposição de direita se levantava cedo para denegrir a imagem de Portugal no estrangeiro.

Não se lembram? Vejam aqui um exemplo: Miguel de Vasconcelos: as notícias de que foi defenestrado em 1640 são manifestamente exageradas.

Só que, de facto, os políticos não são todos iguais. Não, António Costa não iria dirigir-se à comunidade chinesa para dizer que não valia a pena investirem em Portugal. Não contem com o SG do PS para fazer essas cenas.

22.2.15

a Grécia e o canto das sereias.



Depois da reunião do Eurogrupo na sexta-feira passada (20/FEV/15), Varoufakis, para explicar o por quê de terem moderado a sua posição, recolheu à grande mitologia grega: "Por vezes, como o fez Ulisses, temos de nos amarrar a um mastro para chegarmos onde pretendemos e evitar as sereias". (Assim conta o Expresso.)

Recapitulemos.
Homero, no Canto XII da Odisseia, apresenta o episódio do canto das Sereias.
As Sereias, na sua ilha, atraíam com um canto irresistível os marinheiros que navegavam ao largo, que assim se deixavam conduzir a uma armadilha mortal. Ulisses, avisado por Circe, sabendo que também ele e os seus companheiros não resistiriam à tentação, preparou-se para a ocasião explicando a situação à sua tripulação, tapando com cera os ouvidos dos seus marinheiros e ordenando-lhes que o amarrassem ao mastro do navio e que o prendessem ainda com mais cordas quando ele pedisse para o soltarem.
Ulisses não expôs os seus companheiros à tentação e garantiu que ele próprio, concedendo-se a oportunidade de experimentar a situação, seria impedido nessa ocasião de tomar a má decisão que nesse momento haveria de querer tomar: aceder ao armadilhado convite das Sereias.
Passou com sucesso a prova, seguiu o seu caminho e conseguiu afinal voltar a casa.

É importante perceber a actualidade desse perigo, que Ulisses contornou com inteligência da situação: as sereias de hoje pertencem a duas sub-espécies. A primeira é a sereia da submissão: "obedecemos e calamos, qualquer que seja o preço". Essa sereia foi evitada quando o povo grego votou contra o empobrecimento como programa. A segunda é a sereia do maximalismo: "fixamo-nos um destino e um caminho e só aceitamos a nossa própria via e os nossos próprios meios". Essa sereia ataca facilmente os partidos que, na oposição, nunca pensam muito nas realidades da governação. Se a Grécia tivesse cedido a essa sereia teria mantido os objectivos iniciais do Syriza e teria chocado de frente com a Europa - e teria sido deixada sózinha. O governo grego percebeu que isso não traria nada de bom para o seu povo e aceitou negociar. Continuando a trabalhar para atingir os seus objectivos essenciais (aliviar a austeridade e começar a recuperação), tenta manter uma rede europeia que lhe faz naturalmente falta.

Aplaudo esse "pragmatismo com princípios" do governo grego. E insisto: se, por cá, o PS fizesse o mesmo, porque quer inverter o ciclo de empobrecimento mas não acredita que isso se possa fazer sem a Europa, há toda uma "esquerda da esquerda" que bramaria "traição" apontando o dedo acusador ao PS. Era bom que a nossa "esquerda da esquerda" se libertasse das sereias do maximalismo e aproveitasse para aprender alguma coisa com o actual governo grego.

20.2.15

e que tal um Erasmus na Grécia para Passos?



Houve um acordo no Eurogrupo, do qual pouco se sabe por enquanto. Mas algo se pode já dizer.

Primeiro, o meu optimismo estava certo: valeu a pena afrontar o pensamento único; foi possível abrir uma fresta no nevoeiro do "não há alternativa"; nunca me assustei com os radicais que pensavam poder correr a Grécia a golpes de "contos de crianças", porque esses radicais estavam cegos ao fundamental e teriam de ceder perante a realidade. Infelizmente, o governo de Portugal foi o mais ridículo de todos no espectáculo de disparates que têm sido ditos por estes dias.

Segundo, até um governo da "esquerda da esquerda" é capaz de encontrar um caminho que não passe necessariamente por uma fórmula mágica qualquer. Neste caso, a solução não vai, pelo menos para já, passar pelo corte ou perdão da dívida. Aqueles que pretendem que não é possível conceber nenhuma saída sem passar por essa porta terão, a partir de agora, de aceitar que têm razão os que mantêm em aberto um leque mais vasto de opções. Como vem dizendo António Costa, há meses, o que importa é que o peso da dívida não impeça o cumprimento das obrigações constitucionais e não obstaculize o investimento necessário para crescer e criar emprego. E, com 28 Estados à mesa, não podemos prometer que a saída será exactamente esta ou aquela: precisamos é de sabermos o que queremos e encontrar o caminho até lá.

Terceiro, e muito importante para o futuro, é que o governo grego terá de dizer que reformas vai fazer para melhorar a situação do país. E, aqui, a direita acha sempre que sabe quais são as reformas: destruir os serviços públicos, cortar salários e precarizar trabalhadores, privatizar. Mas a esquerda tem que ter outra visão das reformas. Por exemplo, no caso da Grécia, é claro que é importante combater a enorme evasão fiscal, tal como é necessário promover a eficiência do Estado e combater a corrupção. E o governo grego quer fazer isso. E é de esquerda fazer isso. Parte importante das próximas batalhas está mesmo aí: promover uma ideia alternativa de reformas estruturais, para acabar com o mito de que as reforma da direita é que fazem bem à economia e aos povos - porque não fazem, como vemos.

Em suma: os profetas da desgraça estão a perder a guerra. E os ridículos profetas do empobrecimento mostraram ao mundo como é triste estarem fechados na sua bolha ideológica.

deixo à vossa consideração.


Retrato de uma Europa possível se deixarmos andar.



Sun Yuan e Peng Yu, Old Persons Home, 2007.
Treze esculturas em tamanho natural, movendo-se em cadeiras de rodas eléctricas com dinâmica autónoma.

17.2.15

a Europa a ver-se grega.




Não estou pessimista: era costume, quando ainda havia debate na Europa comunitária, que estes grandes choques fossem o prelúdio dos acordos inevitáveis. Nos últimos anos perdemos esse hábito... Ainda creio, contudo, que o grande braço-de-ferro com a Grécia pode ser resolvido de forma satisfatória. Claro que os donos do jogo podem pensar: se cedemos, vai haver outros povos a pensar que podem fazer escolhas democráticas - que atrevimento! - e estragar a estória inscrita nos anais do pensamento único. Mas, se há ainda algum juízo na Europa, os que mais ganham com o Euro não podem correr o risco de lançar os 28 num turbilhão de efeitos imprevisíveis. Imprevisívies para todos.

O aspecto mais perturbador desta crise, para um socialista como eu sou, é a cobardia política de muitos partidos da social-democracia europeia. Perante a narrativa, muitas vezes infantil (há cidadãos alemães, por exemplo, que pensam que o seu país dá dinheiro à Grécia - e estou a falar de relatos directos destas convicções), pode ser impopular explicar ao eleitorado que um mito é um mito, não uma realidade. Mas, se os dirigentes políticos não servem para explicar o que é difícil de explicar, servem para quê? Quando os partidos se acomodam ao estreito horizonte desta semana ou da próxima, para não terem más sondagens e não terem de explicar ideias difícieis de entender - quando os partidos renunciam a cumprir o seu papel de terem e defenderem uma proposta em que acreditam, a democracia torna-se um saco cheio de ar. E um saco cheio de ar é coisa para rebentar com estrondo.

Não se trata de legitimar qualquer resultado eleitoral só por ser um resultado eleitoral. Se Marine Le Pen vencer em França, não vou aplaudir o resultado como uma vitória da democracia. Mas se desprezarmos a opinião de um povo que não aguenta mais o "ajustamento" pelo método esmagamento, a Europa vai caminhar, em poucos anos, para vitórias "à Le Pen" em muitos outros países. Se a Europa não ouvir os seus povos, esta Europa implodirá. Mais cedo do que tarde. Isso é o que está em causa.

Gostava era de ver os ministros que tratam o governo grego com tanta displicência (e mesmo com total falta de sentido de Estado) a levar a sério a ameaça que consiste em termos na Hungria um governo que funciona como comissão instaladora do fascismo. Por que será que isso não preocupa esta camada de anões da política europeia? Será por, ao governo húngaro, já o acharem competente?!


15.2.15

um ensaio sobre "postura corporal".


Tecnicamente, esta postura de Passos Coelho chama-se "de joelhos".


11.2.15

O presidente do PS vs. um presidente que era para ser de todos os portugueses.


Carlos César a tentar evitar que Passos embarque o PR no "conto de crianças".



conversa de blogues.



Chamaram-me a atenção para o facto de Maria João Marques, hoje no Observador, se referir a um post meu sobre as relações entre partidos de esquerda. Fui ver e não me espantei. Quando uma pessoa quer tresler o que outra pessoa escreve faz uma pseudo-citação e NÃO facilita a vida ao leitor para ir verificar. É o que faz Maria João Marques, que poderia ter dado o link do meu post... mas não deu. Percebe-se: estaria a facilitar ao leitor a constatação do grau de seriedade do texto que ela assina.

Nem dou muita importância ao facto de a articulista escrever que o meu texto é de 2014, quando ele na verdade é de 2012. Não mudo facilmente de opinião em questões essenciais, embora o indício revele o "cuidado" com o que se escreve.

Valeria a pena tentar explicar a Maria João Marques que, tendo eu escrito dezenas de textos sobre o tema das relações entre o PS e outras forças de esquerda, a escolha de uma frase tirada do contexto para "representar" o meu pensamento é um procedimento demasiado gasto?
Não; não vale a pena; não vale a pena pela simples razão de que, mesmo a frase que escolheu para me "incriminar" (!!!) não autoriza nada das suas elocubrações supostamente baseadas nas minhas palavras.

Enfim, como acredito na inteligência dos meus leitores, deixo os links para os textos em causa. O texto de Maria João Marques. O meu texto.

(Imagem: Cloud formations by Alex Antas.)

8.2.15

também na Europa, os políticos não são todos iguais.



Houve um tempo em que os governantes portugueses conheciam a necessidade de negociar na Europa para defender os interesses do país. E não faltarão diplomatas competentes para isso se tiverem mandato para tal.

Excerto da entrevista de Stuart Holland, hoje no Público:


Público: Depois, tornou-se num conselheiro externo de Guterres?

Stuart Holland: Sim. Eu só conheci Guterres quando ele foi eleito primeiro-ministro, mas a recomendação para que nos encontrássemos partiu de Jorge Sampaio, que eu conheço desde os anos 70. Os meus conselhos beneficiaram de trabalhar com o primeiro-ministro um assessor [diplomático] excepcional, o embaixador José Freitas Ferraz. Costumava ligar-me sempre, antes dos Conselhos Europeus, pedindo-me sugestões. Havia muitas, que Delors não conseguiu levar adiante. Aconselhei Guterres que devíamos clarificar o âmbito do BEI, que era vago, “o interesse geral da Europa”, para que investisse em projectos relacionados com Saúde, Educação, reconversão urbana, novas tecnologias e Ambiente. Tudo são áreas sociais, semelhantes às do New Deal de Roosevelt. Freitas Ferraz disse-me: “Stuart, renovação urbana… Nós vivemos em sociedades urbanas. Isso pode significar qualquer coisa, não é?” Era precisamente o que eu queria dizer [risos]. Exactamente, respondi. Nesta questão demorou três reuniões do Conselho para ganhar. Helmut Kohl [ex-chanceler alemão], opunha-se. Dizia que os contribuintes alemães já pagavam demais. Ou seja, não percebia que um título do BEI não seria pago pelos contribuintes alemães, e não precisa de transferências orçamentais da Alemanha. Freitas Ferraz sugeriu que devíamos escrever um memorando para Kohl. Eu sei algum alemão, mas não me atrevi. Escrevi em inglês e pedi para traduzirem. “Caro chanceler, aproxima-se o conselho de Amsterdão [Junho de 1997] e, sem dúvida, o primeiro-ministro português vai, mais uma vez, levantar a questão dos investimentos do BEI…” Kohl aceitou.


7.2.15

postal para Pedro Santos Guerreiro.



Pedro Santos Guerreiro escreve hoje no seu espaço no Expresso: «Sobre a questão grega, Passos Coelho não muda de opinião: está sempre com Merkel. António Costa também não muda de opinião: está sempre do lado de onde sopra o vento.»

Pelo respeito que este jornalista me merece, acho-me no dever de enviar este postal a Pedro Santos Guerreiro.

O seu diagnóstico sobre Passos Coelho está basicamente certo, mas incompleto. PPC só tem uma ideia sobre Portugal na Europa e essa é "seguir Merkel". Mas, mais grave ainda, Passos Coelho é, também em matéria de Europa, muito esquecido: passa a vida a dizer que não disse aquilo que repetidas vezes afirmou antes. E isso é um defeito que toca mais fundo do que o erro político de não ter uma visão patriótica da nossa pertença à Europa.

Já o seu diagnóstico sobre António Costa está completamente errado. Por quê? O ponto essencial foi cristalinamente explicado pelo próprio António Costa ainda esta semana. Para quem quis ouvir. Ou ler. Em entrevista ao Público, António Costa diz a certo ponto:

«Sempre tenho dito que numa Europa a 28 ninguém pode antecipar ou prometer um resultado. (...) O que tem sido a involução das posições do Syriza desde o início da campanha eleitoral até às eleições e das eleições até ao dia de hoje demonstra bem que temos sido bem avisados em não nos amarrarmos a uma única solução, porque quando se vai para uma mesa de negociações tem que se ter claro qual é o objectivo, mas tem que se ter a disponibilidade de trabalhar com as diferentes variáveis e encontrar as melhores soluções para alcançar esse objectivo.»

Quer dizer: António Costa não alinha nessa visão "heróica" da política que consiste em pedir aos políticos posições definitivas, com todas as arestas bem marcadas, tudo ou nada. Essa visão "heróica" está profundamente arreigada quer na política tradicional quer no "comentarismo" tradicional. A política tradicional prefere dizer que o mundo é a preto e branco, porque essa mensagem simplista supostamente rende mais votos. O "comentarismo" tradicional compra mais audiências se passar por cima dos pormenores e se focar apenas nos contrastes fortes, porque as estórias parecem mais picantes. Mas tudo isso está longe do que Portugal precisa hoje nesta Europa.

O que António Costa diz - assume contra os ventos da facilidade e dos discursos simplistas - é que seria errado fazer exigências demasiado concretas e definitivas quando o quadro é incerto, dinâmico, e a negociação a 28 exige que tenhamos objectivos claros sem sermos dogmáticos nas modalidades concretas de eventuais soluções. E mais: um futuro primeiro-ministro tem de saber que jogar em tom de promessa, agora, as cartas negociais de um futuro governo seria irresponsabilidade e falta de atenção ao interesse nacional.

Assim, caro Pedro Santos Guerreiro, talvez António Costa não corresponda ao seu modelo "heróico" de político: aquele que se considera o centro do mundo e continua a julgar que o Sol gira à nossa volta. Ainda bem que António Costa não corresponde a esse modelo de "velho político" e, pelo contrário, define uma meta mas não desdenha vários caminhos possíveis para lá chegar. Como explica, na mesma entrevista que já mencionei: «E sempre insisti na mesma formulação: o que é fundamental é assegurar um equilíbrio entre as condições de pagamento da nossa dívida, de cumprimento das obrigações constitucionais, designadamente com os pensionistas, e a necessidade de termos meios financeiros para realizar os investimentos para o futuro.»

Se isto é estar atento ao vento, ainda bem que António Costa está atento ao vento. Ou o Pedro Santos Guerreiro pensa que as velas dos grandes veleiros são fixas e aguardam que seja o vento a ajustar-se ao barco? Quem quereria seriamente navegar em mar revolto num veleiro assim tão mal construído?


6.2.15

deliberar.



Para usar uma expressão de Varoufakis que ressoa muito a coisas que digo há muito cá no meu modesto canto: a Europa chegou a um ponto em que precisamos de radicais moderados. Radicais, no sentido de irmos à raiz dos problemas, em vez de adiarmos e agravarmos a situação com disfarces e paliativos. Moderados, no sentido de sermos capazes de construir compromissos realistas que tenham em conta a diversidade de interesses nacionais existentes na UE.

O que se está a passar com a Grécia mostra que vale a pena estudar os problemas em profundidade, ter objectivos claros e ser flexível na procura de uma solução. Como o secretártio-geral do PS tem andado a dizer há meses, a 28 não se pode garantir qual será o desenho exacto de uma solução no seio da União Europeia. O que temos é de saber o que queremos e lutar pelos nossos interesses. Mas é preciso flexibilidade para trabalhar com as diferentes componentes da equação.

Não é só a direita austeritária e dogmática que tem a aprender com este processo. À esquerda também há lições a tirar. Se fosse o PS em Portugal a fazer o que o Syriza está a fazer, há uma certa esquerda por cá que já estaria a acusar os socialistas de cedências. É que estar disposto a assumir responsabilidades governativas exige que consideremos mais opções do que faríamos se quiséssemos apenas ser oposição. Que haja gente de esquerda a bater palmas à capacidade negocial do governo grego e, ao mesmo tempo, continue no seu discurso de "tudo ou nada" - é bem a prova de que seria útil que também a esquerda, designadamente a "esquerda da esquerda", aceitasse pensar em conjunto e não se ficasse pelas proclamações revolucionárias para mero uso retórico.


(Imagem by Gouwenaar (Own work) [CC0], via Wikimedia Commons)

algo que nem chega a ser uma polémica.




Neste artigo, o meu camarada Francisco Assis (FA), numa reflexão sobre a forma como em Portugal se tem acompanhado o processo grego, afirma, a dado passo, o seguinte:

«Na verdade, seria trágico para o país que uma parte do Partido Socialista se afastasse de uma linha até aqui historicamente prevalecente, inscrita numa tradição de compromisso europeu, quer no plano doutrinário, quer no âmbito político. »

Fico a pensar: a quem se referirá FA? Para dizer a verdade, não tenho visto nenhum responsável do Partido Socialista a afastar-se da tradição de compromisso europeu. Parece que FA segue aquela técnica de inventar um adversário para depois esgrimir com ele argumentos. O que resulta patético quando o suposto adversário só existe precisamente na invenção de quem quer argumentar contra um fantasma, em lugar de argumentar com o que realmente existe.

Busco no artigo qualquer coisa que me possa esclarecer acerca do que realmente estará FA a querer dizer. E leio que FA encontra no Partido Socialista traços de "demonização do PASOK, que alguns levaram a cabo com uma leviandade assustadora". Começo a perceber: tal como alguns "internacionalistas" ortodoxos de outras correntes queriam, em tempos, obrigar os seus partidários a defender, contra tudo e contra todos, e contra os factos, "a pátria do socialismo", mesmo quando em nome do "socialismo" se cometiam barbaridades, como assassínios em massa ou invasões de outros países - agora há quem julgue sensato que defendamos o Pasok, como, digamos, partido irmão, apesar de acharmos que ele seguiu uma política contrária aos interesses do seu povo. Francamente, isto parece-me obsoleto: os partidos valem por aquilo que realmente se põem a representar, não por aquilo que deveriam representar em teoria e em abstracto. E os tempos de submeter o pensamento e a acção política a relações esclerosadas de "família política", sem outras considerações,... é um tempo que passou. Ou ainda devemos estar solidários com os socialistas de Craxi?! Aliás, a querer ser assim tão fixista nas suas solidariedades, FA teria que dividi-las entre o Pasok e o novo partido de George Papandreou, que, tendo saído do Pasok, continuou a ser presidente da Internacional Socialista. Estes esquematismos simples têm destes problemas...

FA termina o artigo com um apelo: «não sucumbamos à tentação do imediato e do efémero; permaneçamos fiéis a uma visão mais estruturada e de mais longo prazo da nossa vida colectiva.»
Concordo.
Uma "visão mais estruturada e de mais longo prazo da nossa vida colectiva" não deve ignorar as necessidades políticas da Europa, que não sobreviverá como força de progresso se não voltar a ser entendida como espaço democrático, onde todos os povos de todos os Estados Membros são respeitados nas suas escolhas democráticas.
Para que "não sucumbamos à tentação do imediato do efémero" importaria não querer levar debates ideológicos sérios à boleia de acusações simplistas e burocráticas, quando tanto precisamos de equacionar a vida concreta dos povos nas nossas reflexões políticas. É que, se esquecermos isto, seremos varridos por esses mesmos povos. Por termos abandonado a nossa obrigação democrática, que é a de apresentarmos alternativas políticas, em vez de nos acomodarmos ao pensamento único.
Mesmo quando alguns parecem julgar que só o pensamento único é decente.
Mesmo quando alguns parecem esquecer que o movimento social-democrata, socialista e trabalhista sempre se caracterizou, precisamente, pela diversidade e pluralidade.

(Aproveito para aconselhar a leitura da entrevista de António Costa ao Público sobre a actualidade europeia: “Sempre recusei que a renegociação da dívida fosse a única e a necessária solução”.)

5.2.15

Com a Grécia, ressuscitar o método comunitário.




O novo governo da Grécia fez regressar à Europa os bons velhos tempos do método comunitário. Não no sentido estritamente institucional, com a Comissão Europeia a propor em nome do interesse comum da União, o Conselho de ministros a pesar as diferentes interpretações nacionais do bem comum, o Parlamento Europeu a fazer de representante directo do soberano. Mas "regresso ao método comunitário" num sentido mais amplo: o método da proposta e contraproposta, do escrutínio das alternativas, da negociação dura, do debate público a acompanhar o processo político nas instituições, do compromisso com cedências mútuas. E digo "fez regressar à Europa" porque a União Europeia é o único espaço onde isso é possível.
Alguns parecem chocados porque a Grécia fala grosso. Outros sentem-se ultrajados porque a Alemanha não recebe hoje de braços abertos o que nunca quis. Esquecem-se que o eleitorado alemão e o eleitorado grego têm, ambos, como os demais, direito a ter as suas opções próprias. O BCE faz-se duro e alguns profetizam o dilúvio. Varoufakis modula as suas propostas e levanta-se um coro de vozes "cedeu! cedeu!". Será assim tão difícil perceber que a Europa só pode ser democrática se funcionar assim? Se houver debate, propostas e contrapropostas, alguma esgrima onde os interesses parcialmente coincidentes e parcialmente divergentes possam ser equacionados? Sim, também pressão, até chantagem: haverá negociações cruciais que não tenham esses ingredientes, já que estamos no mundo real?
As mentalidades autoritárias sempre acharam terrível que as divergências sejam assumidas para que possam depois ser resolvidas. As mentalidades pré-democráticas preferem que alguns príncipes se reúnam em salas discretas a compor narrativas suaves que depois se vendam aos povos. Os herdeiros do corporativismo pensam a política como expressão da unicidade orgânica, contrariamente à pura realidade de que só há democracia assumindo a pluralidade. Assumindo que o todo é composto de partes diferentes, que o acordo é uma composição mais ou menos sábia de desacordos vários evoluindo dinamicamente no tempo.
A Grécia volta a dar-nos lições de democracia, uma coisa em que são bons há milénios. É claro que, também há milénios, a Grécia ensina-nos o melhor e o pior. Daí que a lição grega seja: a última lição está sempre por chegar. De cada vez chega quando nos dispomos a aprender com a realidade, em lugar de nos fecharmos nas altas torres das ideologias rígidas.


[Na imagem, Porfírio Silva no papel de "sombra de Sócrates", no espectáculo "Ilusão", encenado por Luis Miguel Cintra, Cornucópia, 2014]

2.2.15

a Grécia não é Portugal.



O novo governo grego veio dizer e mostrar que não pode deixar de ouvir o seu povo. Não foram eleitos para ignorar o que disseram em campanha eleitoral.

O novo governo grego não veio fazer exigências radicais a ninguém: veio dizer que há um problema e que ele tem de ser resolvido e que quer negociar para que essa solução seja aceitável para todos.

O novo governo grego tem procurado atender às preocupações dos seus interlocutores: tem dito que quer cumprir as suas obrigações, que quer uma solução que lhe permita realmente cumprir, que não quer viver à custa dos contribuintes dos outros países europeus. Não veio fazer de conta que poderia pagar se tudo continuasse na mesma, porque não poderia.

O novo governo grego tem dito que sim, tem de fazer reformas, por exemplo acabar com a evasão fiscal massiva. E, certamente, quer uma função pública que funcione. Não se colocou na posição, que seria insustentável, de negar a necessidade de reformas. Mas, ao aumentar o salário mínimo, travar privatizações em curso e travar despedimentos na função pública, mostrou que nem todas as reformas são iguais. Há reformismos progressistas e há reformismos que só fazem recuar.

O novo governo grego não quer lá a "troika", quer dizer, aqueles funcionários que aparecem a fazer vistorias, e explica por quê: eles aparecem só para executar o passado e o governo grego quer discutir uma mudança de política, coisas que aqueles senhores de fato técnico não têm poder para discutir. Eles sabem que a discussão política se faz entre representantes eleitos e que burocratas não são interlocutores válidos para este efeito.

O novo governo grego pôs-se a caminho: o primeiro-ministro e o ministro das finanças sairam de casa para negociar com os seus parceiros, por toda a Europa.

Por tudo isto, a Grécia não é Portugal. Porque em Portugal temos um governo que, na Europa, se faz de morto. Temos um governo incapaz de perceber que, afastado do combate político europeu, Portugal nunca terá a sua própria voz. Temos um governo incapaz de um sobressalto patriótico. É, pois, verdade: a Grécia não é Portugal.

o problema da biografia.



o problema da biografia

(para o Luís Quintais, a ler O Vidro)


Na noite fresca do jardim,
crendo-se a coberto da desarrumação do mundo,
o anjo mete as mãos por baixo da camisola
sobre os seios quentes da rapariga
e os beijos são lentos e sinceros.
Tudo desacelera.
Tudo o que importa na história universal
contempla com benevolência essa pausa.
A eternidade é uma avaria do instante.

(Imagem e texto © Porfírio Silva)