Um estabelecimento prisional não permite que um livro chegue a um preso preventivo que se encontra nas suas instalações.
Eu, como muitos outros, escandalizo-me, por ver nisso uma limitação de direitos cuja justificação não alcanço. Ainda para mais, tratando-se de um preso preventivo.
Há quem destaque imediatamente que o regulamento cuja aplicação teve esta consequência restritiva tem cobertura legal publicada durante um governo de que o tal preso preventivo era primeiro-ministro.
Este conjunto de circunstâncias provoca-me a seguinte reacção.
É bem verdade que a colocação de figuras públicas em situações a que normalmente só são submetidos "os de baixo" permite (efeito puramente epistemológico) um olhar que de outro modo talvez não fossemos capazes. Os presos corporizam, em geral, uma das condições mais desprotegidas nas nossas sociedades. É bom que, em vez de sermos egoístas e particularistas, aproveitemos estes casos para alargar a nossa perspectiva sobre estas situações. Entretanto, a invocação da responsabilidade política genérica de um governante para lhe dizer "é bem feito", demonstra, não qualquer lucidez, mas apenas mesquinhez.
Se quem assim aponta o dedo tivesse, na altura do agora invocado acto legal, protestado ou de outro modo chamado a atenção para o problema, poderíamos, razoavelmente, reconhecer que tinha visto mais longe do que outros. Não tendo sido o caso, o método do "é bem feito", como método político, revela apenas uma coisa: para algum argumentário político, os adversários não têm direitos. Ou, o que é o mesmo, a discussão substantiva dos direitos fica sempre abaixo da guerrilha político-partidária. Ora, isso, quando estamos a lidar com direitos humanos, ainda para mais de pessoas que continuam a merecer a presunção de inocência, parece-me simplesmente indecente. (Mas, claro, isto faz perceber o afã com que alguns se dedicaram a ridicularizar a presunção de inocência, porque essas "miudezas" atrapalham estes modos de vergar a justiça aos pequenos interesses.)
Provavelmente, o meu olhar sobre este caso é influenciado por esta percepção muito pessoal: eu morreria seco se me tirassem o acesso aos livros. Não posso fugir a essa percepção pessoal, reconheço.
A política não deve misturar-se com casos de justiça.
Mas quem não esquece que a polis é a forma humana de estar no mundo... não pode ignorar que pela justiça a cidade vive ou a cidade morre.