Realmente, os políticos não são todos iguais. Os melhores não mudam de princípios consoante as circunstâncias. Nem escolhem enunciar ou não enunciar os princípios de acordo com as conveniências.
António Costa foi convidado do programa “Bloco Central” (TSF), na edição que pudemos ouvir no passado sábado de manhã (22/11/14). O programa, como o jornalista Paulo Tavares salientou no início, foi gravado de véspera, antes dos acontecimentos em torno de José Sócrates.
Nesse programa, interrogado sobre o caso dos “Vistos Dourados”, António Costa expressou a sua opinião de forma clara, considerando que os “julgamentos populares por via mediática” representam uma "regressão civilizacional". Andamos tão desconfiados de pessoas que opinam consoante os seus interesses de momento, que temos de valorizar muito positivamente que certas pessoas tenham princípios e os defendam sem oportunismos de circunstância. Pronunciando-se sobre o caso dos “Vistos Dourados” sem pinga de demagogia, António Costa deu uma lição de verticalidade. É bom saber que hoje, depois do episódio da detenção de José Sócrates, um ex-PM que foi também SG do PS, podemos continuar a subscrever inteiramente as justas palavras do novo líder socialista, proferidas antes desses acontecimentos. De facto, os políticos não são todos iguais: nem todos dizem uma coisa hoje e outra coisa amanhã. E, de facto, a justiça - a qualidade da justiça, uma justiça que sirva a liberdade - é uma questão política, no mais nobre sentido da política.
Transcrevo a parte do programa relevante para este assunto.
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Paulo Tavares – Preocupa-o que possamos estar perante mais um daqueles casos em que há condenações na praça pública que depois não se justificam, não se confirmam?
António Costa – Qualquer cenário é preocupante. Primeiro, é preocupante, obviamente, se houver um caso de corrupção a este nível do Estado. Que eu me recorde, seria a primeira vez que a este nível da alta administração e envolvendo uma força de segurança com a importância do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras teríamos um caso de corrupção desta natureza, o que, a verificar-se, é altamente preocupante e chocante. E a mim choca-me particularmente, porque além do mais conheço as pessoas envolvidas. Em segundo lugar, se não é assim, é também igualmente preocupante, é pelo menos tão preocupante. Há muitos anos que eu tenho sublinhado que esta nova forma de fugas constantes de informação, sempre, do lado da defesa ou do lado da acusação, sempre orientadas, é uma versão moderna dos julgamentos populares.
Paulo Tavares – O que é que se deve fazer para alterar esse estado de coisas?
António Costa – Eu acho que é preciso repor um grande rigor ético no tratamento das investigações e também no tratamento jornalístico, porque também é preciso fazer o filtro relativamente às fugas de informação. As fugas de informação nunca são inocentes. Uma fuga de informação a dizer que toda a acusação se baseia em duas garrafas de vinho, visa obviamente desacreditar a acusação. A fuga de informação a dizer “era conhecido pelo Senhor 10%” visa obviamente credibilizar uma acusação. Quem não conhece o processo não sabe se a acusação se baseia nos 10% ou nas duas garrafas de vinho. O que é terrível do ponto de vista civilizacional é a regressão que isto constitui: regressamos no fundo a um “julgamento popular” por via mediática. Hoje, todos, à mesa ao almoço ou ao jantar discutimos em família se são culpados ou se não são culpados, com base nesta informação que não é uma informação objectiva, do conhecimento do processo, da prova que está recolhida, dos indícios que estão recolhidos e dos comportamentos efectivos. E, portanto, estas antecipações de julgamento a mim deixam-me sempre obviamente inquieto, mas temos que aguardar e esperar que a justiça funcione tão rápida quanto possível, no apuramento cabal de todas estas responsabilidades e, se houver alguém que seja culpado, que não possa ficar impune, e se for inocente que essa inocência tenha também igual destaque público. O que sabemos que não tem, porque sabemos como as acusações abrem mais facilmente os telejornais do que as absolvições.
Paulo Tavares – Falou de um maior rigor no tratamento das fugas de informação…
António Costa – Não é aceitável. As fugas de informação acontecem necessariamente por quem intervém nos processos. Todos. Não sabemos se é o magistrado, qual magistrado, qual funcionário, qual advogado, qual testemunha, qual arguido. Agora, alguém é. Os senhores não têm escutas, com certeza, nas salas de interrogatório, não têm câmaras para filmar o que está nos processos, portanto, alguém dá a informação. E isso acho que é uma quebra de ética inqualificável.
Paulo Tavares – É necessária uma alteração legislativa?
António Costa – O problema não é da lei. O problema é de uma alteração de comportamentos. A lei diz tudo o que há para dizer. As pessoas é que têm de alterar os comportamentos.
[O programa gravado pode ser ouvido aqui.]