22.9.14

Seguro e as inverdades com rabo de fora.




Está a decorrer um jantar de socialistas apoiantes de António José Seguro e, segundo relata em directo um amigo meu que lá está (apoiante de Seguro), o mandatário nacional, Manuel Machado, terá dito há pouco: "O golpe palaciano que Antonio Costa desencadeou no dia a seguir às eleições ... permitiu à direita disfarçar a derrota que sofreu...".
Caramba, ainda não largaram a narrativa de reduzir a magna questão política da alternativa a "um golpe"? Ainda não perceberam que "golpe" seria o que o PS receberia se continuasse a fazer de conta que tudo estava bem? Ainda não entenderam que agora é que a direita está com medo do PS que aí vem?
Faz-me confusão que seja difícil de entender o seguinte: António Costa chegou-se à frente porque muitos socialistas, muitas pessoas dentro e fora do PS, entendiam que o PS como estava não dava a resposta que o país espera. Pode estar certo ou pode estar errado, é legítimo ter opiniões diferentes. O que não é aceitável é confundir essa questão política com um "golpe", muito menos um golpe palaciano. Afinal, o discurso da "traição" e da "deslealdade" continua.

Esta forma de colocar as coisas não é obra dos apoiantes de Seguro. É orientação do próprio secretário-geral do PS. Mas é uma hipocrisia. Uma versão recente dessa hipocrisia tem a seguinte forma: Seguro pergunta a Costa porque não se candidatou no congresso anterior, Seguro pergunta a Costa porque "rasgou o acordo" contido no chamado documento de Coimbra. Ora, a resposta é o próprio comportamento de Seguro: foi ele que desprezou os esforços feitos para alcançar a unidade.

Quando, no princípio de 2013, o descontentamento com a prestação do PS levou António Costa a ponderar candidatar-se a secretário-geral, tudo acabou naquilo que geralmente foi entendido como um acordo para manter as hostes unidas até às próximas eleições legislativas. António Costa, perante os alertas de que uma disputa interna poderia fragilizar eleitoralmente o partido, assumiu o ónus de optar pelo apaziguamento e dar o seu apoio a Seguro. Para se conseguir esse acordo foi preciso negociar, isto é, essa coisa singela de se trocarem propostas à procura de um texto que pudesse ser largamente aceite como base da futura estratégia. Esse processo resultou naquilo que veio a chamar-se “documento de Coimbra”, apresentado numa reunião da Comissão Nacional realizada naquela cidade a 10 de Fevereiro de 2013.

O que se passou, então, foi realmente premonitório. Seguro, em lugar de anunciar ao país o que se tinha realmente passado, valorizando o acordo alcançado entre dirigentes que tinham antes discordado; em lugar de valorizar a negociação e a aproximação de posições, coisa positiva num partido plural; em lugar de dar o devido destaque ao contributo de António Costa para esse acordo, porque Costa foi realmente o apaziguador naquele processo – em vez disso, Seguro veio fazer de conta que tudo aquilo era um processo centrado na sua pessoa, uma espécie de soberano individual que tivera a amabilidade de ouvir uma pluralidade de vozes, de dentro e de fora do PS, e que escrevera por sua alta recreação um texto com as conclusões da sua reflexão magnânima.

Seguro disse mais ou menos isto: Acordo? Isto não resulta de acordo nenhum. Negociação? Não, eu não negociei com ninguém. Eu ouvi várias pessoas, tive conversas sobre a vida do partido e tirei estas conclusões que aqui tenho. O documento é a expressão da minha convicção e do que eu considero melhor para o PS. Ah, sim, também o António Costa deu contributos, pois.

Esta “explicação” tinha, desde logo, um problema: era mentira. Mas, politicamente, este desempenho teria consequências desastrosas na vida política do PS. Porque a direcção do PS continuou a afunilar a sua intervenção focada na meta propagandística de projectar Seguro como um grande líder, que apenas aceitava rodear-se de quem não parecesse fazer-lhe sombra, em manifesto prejuízo de um alargamento das vozes que dessem expressão à pluralidade do partido e provassem ao país que ali havia um núcleo de uma alternativa de governo.

O vídeo que deixo no início denuncia directamente a hipocrisia com que AJS tem tratado deste assunto.

Para apreciarem melhor como AJS, afinal, criou todo este problema com a sua atitude arrogante, deixo-vos um vídeo desse dia 10 de Fevereiro de 2013. Na altura, expressei neste blogue o meu desagrado com esta actuação. Eu tinha razão: esta actuação de António José Seguro prenunciava um estilo de soberano individual cercado de vozes que ele se dispõe a ouvir de modo mais ou menos inorgânico. O problema é que esse estilo talvez seja útil noutro tipo de organizações, mas não num grande e plural partido da esquerda democrática como é o Partido Socialista. Assim, uma “Moção Política Grandes Opções de Governo” apresentada no modo “Eu”, não é afinal tão inesperada como isso. Vinda de quem vem, é um estilo que estava prometido.