15.9.14

postalito ao "Sobe e Desce" do Público.


Na última página do Público de hoje, secção Sobe e Desce, apresentam-nos uma seta vermelha, para baixo, sobre Costa e Seguro. A acusação a António Costa é: "tinha por hábito recusar o anúncio de promessas, mas ontem fez o salário mínimo disparar para 522 euros". E depois escreve-se, em tiro contra ambos os candidatos: "As eleições aproximam-se e nota-se no ar a ansiedade. O que, como se sabe, não é augúrio de sensatez."
Ora, vejamos.
O "anúncio" de começar a discutir o salário mínimo na base de 522 euros para 2015 não foi feito por AC ontem, como escreve o jornalista que redige a nota. Essa proposta foi tornada pública, por escrito, a 12 de Agosto, quando AC apresentou, em conferência de imprensa no Largo do Rato, a sua moção de Grandes Opções de Governo. Esteve um jornalista do Público nessa ocasião. Passado mais de um mês, parece que a redacção ainda não assimilou a informação.
Talvez a dificuldade maior (de compreensão) esteja, não no montante, que é um número com apenas três algarismos, mas na razão dessa proposta. A benefício de quem tem de escrever apressadamente sobre coisas que não teve tempo de perceber, transcrevo o excerto da moção de António Costa que explicita e explica essa proposta:

O reforço da concertação social deve permitir definir uma política de rendimentos numa perspetiva de Trabalho Digno - e, em particular, garantir a revalorização do salário mínimo nacional. É urgente recuperar a capacidade política de diálogo social que permitiu a um governo socialista celebrar em 2006, pela primeira vez em Portugal, um acordo tripartido sobre o salário mínimo. Este acordo, que garantiu uma subida histórica em termos reais, previa que o salário mínimo atingisse os 500 euros em 2011.

Em 2010, a crise económica impediu o cumprimento integral do acordo, pelo que ao longo de todo o programa de ajustamento o salário mínimo manteve-se congelado nos 485 euros. Mesmo depois da saída da Troika, o governo PSD/CDS tem recusado juntar-se ao consenso que existe entre parceiros sociais sobre a necessidade de aumentar o salário mínimo.

É urgente recuperar o tempo perdido e garantir aos trabalhadores uma valorização progressiva do seu trabalho, conciliando o objetivo de reforço da coesão social com o da sustentabilidade da política salarial. Se o salário mínimo nacional tivesse sido aumentado para 500 euros em 2011, e posteriormente ajustado a evolução da inflação desde então, seria de 522 euros em 2015. O Partido Socialista defende, por um lado, que 522 euros deve ser o valor de referencia para o aumento do salário mínimo no próximo ano e, por outro lado, que é fundamental construir com os parceiros sociais um novo acordo de médio prazo que defina os critérios e uma trajetória para o aumento do salário mínimo nos próximos anos.

Portanto, e em resumo: a proposta não é de ontem, é pública e por escrito há mais de um mês. A proposta tem uma razão básica: recomeçar a negociação na base do respeito por um acordo que foi negociado livremente pelas partes e que foi ignorado (indevidamente) nos últimos anos. A proposta tem um fundamento claro: temos de passar a funcionar numa perspectiva de Trabalho Digno - e o salário mínimo é um elemento dessa orientação. Trabalhar tem de valer a pena.

Claro que, se fosse possível dar melhores condições de trabalho aos jornalistas, talvez todos tivessem tempo de reflectir melhor no que têm de escrever. Também os jornalistas devem ter direito a Trabalho Digno. Precisamos todos disso, até para termos menos "pérolas" nos jornais que pagamos para ler.