26.8.14
postal para João Miguel Tavares.
Um certo sector do comentarismo político nacional, não tendo coragem para defender Seguro, opta por cavar em torno de António Costa. É o caso de João Miguel Tavares neste texto: O triplo salto de António Costa. Eu compreendo: a vida de comentador deve ser muito difícil, especialmente em Agosto. Compreendo tão bem que até lhe vou fazer o favor de lhe explicar duas coisas simples a propóstio do texto em referência.
Primeiro - e começamos pelas amenidades. João Miguel Tavares acusa Costa de só dizer banalidades. Que bela retórica de comentador: o comentador repete o que outros comentadores já disseram e escreveram milhares de vezes, sobre esta pessoa e sobre dezenas de outras, porque é fácil de dizer e parece bem - mas não reconhece a sua banalidade enquanto acusa os outros de banalidades.
João Miguel Tavares devia pensar no seguinte: um candidato a PM, por um partido que aspira a ser governo, tem a noção dos tempos e não gasta o seu latim pesado numa campanha prévia, numa disputa interna, um ano antes das eleições. Até porque um programa de governo não se faz só com as pessoas que aceitam entrar numa disputa interna a um partido, por mais "aberta à sociedade" que seja uma eleição primária. Talvez compreender isto não fosse uma banalidade e fosse útil ao comentador. Se o comentador lesse as propostas de AC e as criticasse, percebia. E, aí, alguma coisa haveria de ser possível discutir. Como isso dá trabalho, saca do revólver da banalidade e dispara... fumo.
Segundo - e aqui mais a sério. João Miguel Tavares acusa António Costa de, falando de Rui Rio como fala, desrespeitar os eleitores do PS, os do PSD - e o próprio processo democrático! Gorda acusação, feita com ar grave. Vejamos.
Costa fala de Rio por quê? Anote, João Miguel Tavares, a frase que devia ter compreendido. É quando AC diz: "É preciso que a vida política e o grau de relacionamento entre as pessoas se tenham degradado muito para que baste duas pessoas não se insultarem e até terem estima mútua para já serem parceiros de coligação! O que é necessário é que o PS seja capaz de corporizar a grande maioria do contra (que já existe) numa maioria absoluta, mas não cometa erros do passado e não entenda maioria absoluta como autosuficiência. O país precisa de compromissos políticos."
João Miguel Tavares não compreende que AC usa a sua relação com Rui Rio para batalhar contra o método político do conflito permanente e para castigar o abuso de linguagem agressiva dirigida aos adversários. António Costa já vem fazendo este movimento desde há bastante tempo, tendo repetidamente sinalizado o significado deste seu comportamento. Mas o comentador ainda não percebeu. Não satisfeito com não compreender, João Miguel Tavare ignora olimpicamente as declarações expressas de AC e acusa-o de arrogância. Mal vai o comentador quando tem de NÃO ler o que comenta para conseguir escrever o seu comentário.
25.8.14
“Se a contratação colectiva desaparece, a conflitualidade vai aumentar”.
O Público publica hoje uma interessante entrevista com Luís Gonçalves da Silva, professor da Faculdade de Direito de Lisboa, sobre a importância da contratação colectiva e a gravidade do que se está a passar nesse domínio.
I - Destaques da entrevista
«Um autor francês fala na contratação colectiva como tendo as vantagens da roupa feita à medida. Há interesses do empregador e dos trabalhadores, eles sentam-se a uma mesa, dentro do espaço que o quadro legal lhes confere, e conseguem fazer um acordo, resolvendo os problemas da empresa e dos trabalhadores. É um instrumento que levou séculos a ser conquistado e é o único em que as partes estão, em regra, numa posição de igualdade, ao contrário do que acontece no contrato de trabalho. Isto é demonstrativo da sua importância.»
«Imaginemos o caso de um empregador que demonstra que está em graves dificuldades financeiras, mas deixa a garantia de que quando a crise passar os trabalhadores também serão premiados e isso fica no acordo. Pede um sacrifício conjunto, mas garante que quando o problema for ultrapassado os trabalhadores vão crescer com a empresa. Este raciocínio raramente é feito. No momento do aperto, a empresa quer partilhar o sacrifício, no momento do crescimento já não. Falta também imaginação para resolver alguns bloqueios e problemas.»
« O desaparecimento da contratação colectiva deixaria as empresas e os trabalhadores regulados em regra pela lei que não está pensada para as especificidades regionais e de cada sector de actividade. Era desbaratar um capital de séculos. A última vez que vi números estávamos a falar de 85 a 90 convenções novas por ano, não conheço nenhum país, daqueles com que normalmente nos comparamos, que tenha algo parecido. Não estamos na fase da agonia, já estamos na fase do funeral da contratação colectiva.»
«A contratação colectiva é o instrumento que permite a mediação entre a lei distante, geral e abstracta e os problemas concretos das empresas e dos trabalhadores. Por outro lado, a contratação colectiva é um importante contributo para a paz laboral é uma forma de prevenir problemas e de resolver os existentes. Se esse instrumento desaparece a conflitualidade vai aumentar.»
«A primeira pergunta a que devíamos responder é como vamos inverter a questões do associativismo. E falo em associações sindicais e patronais. O problema central é revitalizar um associativismo sindical pujante que, ao contrário do que se possa pensar, é muito importante para a democracia.»
«Acho que pode haver convenções colectivas celebradas por comissões de trabalhadores, desde que seja assegurada a primazia das associações sindicais. São órgãos que deviam ter intervenções separadas e complementares e não de conflito.»
II - O que dizem as 80 medidas apropriadas por Seguro sobre contratação colectiva
Último dos 6 itens da Medida 33: «Valorização da contratação coletiva, como quadro adequado para a promoção da melhoria da produtividade nos diferentes setores.»
III - O que diz a moção de António Costa sobre contratação colectiva
Na moção MOBILIZAR PORTUGAL, a negociação colectiva é entendida como parte do Programa de Recuperação da Economia, porque a recuperação económica não pode ser desligada de uma sociedade decente, onde os trabalhadores são respeitados como cidadãos. É nesse quadro que se escreve:
É fundamental relançar a negociação coletiva por contraponto à política sistemática de desvalorização e desgaste a que esta tem sido submetida. Em poucos anos, o número de trabalhadores cobertos por instrumentos coletivos de negociação coletiva diminuiu drasticamente. Será necessário atuar no curto prazo, em articulação com os parceiros sociais, para reverter a situação de rutura da contratação coletiva provocada por uma instabilidade da legislação laboral e por uma despromoção da negociação coletiva através de normas imperativas.
É preciso combinar a lógica de extensão da contratação coletiva através de portarias com uma efetiva promoção da expansão da negociação coletiva em articulação com os parceiros sociais, incentivando ativamente a implementação de estratégias negociais de ganhos para todas as partes.
A dinamização da negociação setorial (em certas condições combinada com negociação ao nível das empresas) é importante como quadro de melhor proteção para mais trabalhadores. Mas ela é importante também para as empresas, na medida em que contraria a competição baseada no dumping social, a qual penaliza principalmente as empresas com boas práticas de gestão dos recursos humanos e com sentido de responsabilidade social. A definição de normas setoriais pode reduzir a conflitualidade ao nível da empresa sobre salários e condições de trabalho, permitindo que as empresas centrem os seus esforços na perspetiva de promover a flexibilidade interna, isto é, na melhoria da organização do trabalho e da qualificação dos recursos humanos, como fatores- chave de competitividade e produtividade. Há, ainda, que ter em conta que a negociação setorial constitui um método de coordenação que pode prevenir a depressão salarial e a deflação e, por essa via, favorecer a procura interna indispensável ao crescimento económico.
A moção de António Costa pode ser lida na íntegra aqui.
23.8.14
António Costa e o Espírito Santo.
Gosto de respeitar as pessoas, mas não gosto de meias palavras. E coisas que me cheiram a esturro obrigam-me a falar.
A manipulação jornalística tem uma das suas principais armas naquilo que é apenas sugerido: não dito, mas sugerido. Quem se pode defender de uma sugestão, de uma impressão, de algo que não é posto preto no branco?
O Expresso publica hoje uma entrevista com António Costa. Um dos destaques desse trabalho faz título com uma citação de AC: "É crime almoçar com Salgado?" Este título sugere - a meu ver sugere - que António Costa se justifica de algum almoço com Salgado atacando a ideia peregrina de que isso seja em si mesmo criticável. E isso não é em si mesmo criticável. Mas... entretanto, o facto de AC explicar que nunca almoçou ou jantou com Salgado passa para segundo plano. Em primeiro plano ficou a sugestão de uma certa complacência com o homem do Espírito Santo. Muito conveniente, especialmente quando se sabe o ror de calúnias que têm sido espalhadas nas ruelas escuras das redes sociais para tentar enlamear AC com inventadas conivências com o Espírito Santo.
Um jornalista nunca pode ser tomado por ingénuo. Certas coincidências são ou falta de profissionalismo ou um exercício de manipulação. Não quero dizer-vos neste momento qual é o meu diagnóstico neste caso.
20.8.14
Combater a precariedade no mercado de trabalho.
O agravamento da precariedade no mercado de trabalho é um dos efeitos sociais mais dolorosos das políticas deste governo PSD/CDS. A dizer a verdade, esse problema não começou nestes últimos três anos e há muito que se vinha a sentir uma certa impotência dos poderes públicos para travar esse flagelo. Mesmo assim, o governo da direita criou as condições para piorar e fazer alastrar o fenómeno. Aliás, a precariedade é apenas um aspecto de uma política mais geral: promover a incerteza.
A promoção da incerteza é aquilo a que chamo uma política do espírito: não interessa propriamente se já te cortaram alguma prestação, se já foste despedido, se já te cortaram o salário; o que interessa é que tenhas medo de que isso aconteça, que tenhas medo que isso aconteça ao teu filho ou ao teu pai, que olhes para o que se passa à tua volta e comeces a fazer contas para verificares que se te fizerem o mesmo que já fizeram aos outros estás metido em sarilhos. O que importa é que tenhas medo – e que, tendo medo, te cales, não protestes, aceites. O medo é uma arma política que funciona para lá das condições materiais já instaladas, o medo é uma arma de dominação porque rouba o futuro – a incerteza destrói a confiança no futuro para controlar as pessoas no presente.
A precariedade é uma das armas desse método político de promoção da incerteza. Dada a importância (negativa) desse fenómeno, interessa saber o que propõem sobre isso os dois candidatos a primeiro-ministro pelo PS.
A moção de António José Seguro não diz nada sobre isso. Aliás – até tenho pena de ter de dizer isto – mas a moção de AJS não diz praticamente nada sobre nada (pode ser lida aqui). A moção, embora se reclame como um documento sobre as grandes opções de governo, é apenas uma introdução de política geral (muito geral) a documentos anteriores do PS, de que o secretário-geral se apropria para remeter para lá na sua moção.
Assim sendo, e para termos alguma coisa para comparar, temos de ir ao Contrato de Confiança (incluindo as famosas 80 medidas) que o PS apresentou em Maio passado, antes das eleições europeias, e que AJS diz que é como se fosse a sua moção. Aí, então, o que temos sobre precariedade?
Para começar, nenhuma das 80 medidas (que Seguro diz agora que são suas) menciona sequer a precariedade no mercado de trabalho. No Contrato de Confiança (mais um documento do PS, que Seguro diz agora que é seu), onde há já um louvável esforço para dar alguma articulação à lista de medidas, constam três palavras sobre o assunto: “controlo da precariedade”. A frase completa é: “Promover a política de emprego elevando o perfil da procura de recursos humanos pelas empresas com estímulos à contratação e controlo da precariedade, exigindo melhor formação e reforçando os serviços de emprego para apoio mais ativo à colocação.” Para meu gosto, dada a importância social do problema, parece-me vago.
Puxando a brasa à sardinha do candidato que eu apoio, queria deixar-vos o que diz a moção Mobilizar Portugal, apresentada por António Costa, sobre a precariedade no mercado de trabalho:
***
A tendência de precarização do mercado de trabalho não é nova, mas acentuou-se fortemente nos últimos três anos, em especial entre os jovens, estando em crescendo também noutras gerações de trabalhadores.
As chamadas formas atípicas de trabalho (dos contratos a termo e por via de agências de trabalho temporário, ao abuso dos estágios e do trabalho independente) são instrumentos de flexibilidade que podem, no entanto, ser lesivos do bem-estar e dos projetos de vida individuais e familiares. E, também, das finanças públicas, pela sobrecarga que representam para a proteção social devido às transições mais frequentes para períodos de desemprego. Acresce que o trabalho formalmente independente (“recibos verdes”), além de implicar uma situação de desproteção relativa de quem se encontra nessa situação, corresponde não raramente a situações de trabalho dependente mascarado.
As mudanças das leis laborais nos últimos anos, que aproximaram Portugal da média europeia no que toca ao indicador da Legislação de Proteção do Emprego da OCDE, diminuíram, e muito, a rigidez da nossa legislação, incluindo nos custos de despedimento. Torna-se, por isso, ainda mais desaconselhável o uso sistemático de formas precárias de contratação. É ainda mais inaceitável e injustificável o recurso fraudulento a trabalho independente quando estamos perante verdadeiros postos de trabalho, que têm de ser reconhecidos como tal.
Neste sentido, é fundamental traçar prioridades políticas claras para uma regulação do mercado de trabalho equilibrada e modernizadora:
- Tornar menos atrativo para os empregadores, nomeadamente via diferenciação da TSU, o recurso às formas precárias de trabalho, por comparação com as formas mais estáveis, encarecendo as primeiras e bonificando as segundas (como aliás chegou a ser acordado em concertação social, com efeito financeiro neutro no sistema de segurança social, tendo o atual governo “rasgado” o acordo).
- Avançar para uma revisão da legislação laboral, de forma negociada com os parceiros sociais, de modo a tornar mais expedito o combate à precariedade ilegal, por exemplo afinando os mecanismos legais de verificação da dependência nas relações de trabalho e de agilização do seu reconhecimento.
- Introduzir nas regras de contratação pública e de acesso aos apoios públicos a apresentação por parte das empresas de garantias de verificação da conformidade com os princípios da legislação laboral em vigor.
Do ponto de vista da regulação do mercado de trabalho, a existência de regras equilibradas, estáveis e reconhecidas por todos é essencial. E é também fundamental, como em qualquer mercado, que as regras sejam efetivamente cumpridas, quer pelos agentes empresariais, quer pelos trabalhadores, o que requer o reforço dos meios inspetivos existentes, aproximando Portugal do rácio recomendado pela OIT.
***
Se este problema vos parece importante, deixo à vossa consideração a forma como ele é tratado em cada uma das moções. Claro que estas moções não podem tratar de tudo, são moções de grandes opções, os programas de governo virão mais tarde. Mas tem de ser dada uma leitura política à inclusão ou não de certas questões no elenco dos problemas prioritários.
Sim, porque a recuperação da economia não pode ser desligada da construção de uma sociedade decente, uma sociedade de cidadãos com direitos, onde se promove a igualdade de oportunidades e se combatem as desigualdades excessivas e injustas, onde se promove a autonomia das pessoas e se trabalha na perspetiva de uma comunidade de cidadãos. Assumindo que é preciso acabar com a incerteza que tem instabilizado a vida das pessoas nestes últimos anos, que é preciso restabelecer a confiança, o Programa de Recuperação da Economia, que faz parte da moção apresentada por António Costa, aposta na revalorização profunda da concertação social, no relançamento da negociação coletiva sectorial, em políticas de emprego que apostem nos mais qualificados e nos mais jovens sem esquecer os menos jovens e menos qualificados, na revalorização e dignificação do trabalho, no combate decidido à precariedade no trabalho, na recuperação da trajetória de subida real do salário mínimo, na recuperação da estabilidade das prestações sociais, numa estratégia de combate à pobreza infantil e juvenil. Deste modo, assume-se que a Dignidade das pessoas e do trabalho não pode ficar de fora da resposta de emergência ao retrocesso social – e isso traduz-se num programa concreto e articulado.
Julgo que esta é a forma adequada para atacar o problema.
(A moção Mobilizar Portugal, apresentada por António Costa, pode ser lida aqui.)
19.8.14
Eu... Eu... Eu...
A “Moção Política Grandes Opções de Governo” apresentada por António José Seguro às primárias do PS é um documento cuja substância me dispenso aqui de comentar (tenho-o feito noutros momentos). Acho que vale a pena ler (aqui) e ajuizar; creio que ninguém terá muitas dúvidas acerca do valor deste documento na sua função de “grandes opções de governo”. Pelo menos não perderão muito tempo: são cinco páginas e meia com espaçamento duplo entre as linhas.
De qualquer modo, como documento de “grandes opções de governo”, tem uma característica notável: é um documento na primeira pessoa do singular. Eu fiz, eu faço, eu farei, eu penso, eu isto, eu aquilo. Se a moda pega, ainda acabaremos por ter programas de governo assinados pelo primeiro-ministro e com frases do género: “Eu darei ordens ao Ministro dos Negócios Estrangeiros para ir a Bruxelas levar recados meus aos Comissários competentes.”
Dirão que brinco com coisas sérias. É verdade: isso resulta, francamente, de quão triste fico com esta exibição de uma espécie de monarquia-mais-ou-menos-constitucional num partido republicano, socialista, com tradições fortes de valorização do colectivo. E um colectivo democrático não é uma multidão a quem o chefe ouve com bonomia para depois fazer o que bem entende. A ideia de que “o líder ouviu muita gente e depois falou” não é a concepção de cooperação, de trabalho político partilhado, de construção comum que costuma estar associada às organizações políticas da esquerda democrática.
Uma “Moção Política Grandes Opções de Governo” escrita na primeira pessoa do singular é estranha à cultura do Partido Socialista e denota uma cedência ao “espectáculo” que por vezes substitui a substância e a consistência. Estamos cansados dessa confusão lamentável entre as instituições e as pessoas que devem servir as instituições. A pessoa, o indivíduo, o ser humano concreto, são muito importantes e não são meras peças do colectivo – mas isso não deve fazer-nos esquecer que a política democrática é servida por instituições e que os papéis que as pessoas desempenham na boa política ganham o seu sentido no quadro das instituições, nunca em vez das instituições.
Ah, pensará o leitor, isto não tem importância nenhuma; se o secretário-geral fala como parte do colectivo ou fala no modo “eu”, isso é apenas uma questão de estilo. Pois, o problema é que isso não é indiferente. Neste caso, mostra uma atitude política que acaba por ter consequências graves. Lembro, apenas, um episódio.
Quando, no princípio de 2013, o descontentamento com a prestação do PS levou vários dirigentes a ponderar a necessidade de uma alternativa ao rumo que Seguro imprimia ao partido, tendo-se até falado que António Costa poderia ser proposto como candidato a secretário-geral, tudo acabou naquilo que geralmente foi entendido como um acordo para manter as hostes unidas até às próximas eleições legislativas. Já nessa altura muitos militantes pensavam que Costa estaria em melhores condições para travar a receita de empobrecimento que a direita estava (e está) a aplicar ao país, bem como estaria mais habilitado para construir uma alternativa mobilizadora. Embora muitos militantes já naquela altura não acreditassem que Seguro pudesse fazer melhor do que tinha feito até então, António Costa assumiu o ónus de optar pelo apaziguamento, defendendo que se conversasse para encontrar uma linha estratégica onde todo o partido se pudesse reconhecer, de tal modo que não fosse necessário questionar o secretário-geral. Para se conseguir esse acordo foi preciso negociar, isto é, essa coisa singela de se trocarem propostas à procura de um texto que pudesse ser largamente aceite como base da futura estratégia. Esse processo resultou naquilo que veio a chamar-se “documento de Coimbra”, apresentado numa reunião da Comissão Nacional realizada naquela cidade a 10 de Fevereiro de 2013.
O que se passou, então, foi realmente premonitório. Seguro, em lugar de anunciar ao país o que se tinha realmente passado, valorizando o acordo alcançado entre dirigentes que tinham antes discordado; em lugar de valorizar a negociação e a aproximação de posições, coisa positiva num partido plural; em lugar de dar o devido destaque ao contributo de António Costa para esse acordo, porque Costa foi realmente o apaziguador naquele processo – em vez disso, Seguro veio fazer de conta que tudo aquilo era um processo centrado na sua pessoa, uma espécie de soberano individual que tivera a amabilidade de ouvir uma pluralidade de vozes, de dentro e de fora do PS, e que escrevera por sua alta recreação um texto com as conclusões da sua reflexão magnânima.
Seguro disse mais ou menos isto: Acordo? Isto não resulta de acordo nenhum. Negociação? Não, eu não negociei com ninguém. Eu ouvi várias pessoas, tive conversas sobre a vida do partido e tirei estas conclusões que aqui tenho. O documento é a expressão da minha convicção e do que eu considero melhor para o PS. Ah, sim, também o António Costa deu contributos, pois.
Esta “explicação” tinha, desde logo, um problema: era mentira. Mas, politicamente, este desempenho teria consequências desastrosas na vida política do PS. Porque a direcção do PS continuou a afunilar a sua intervenção focada na meta propagandística de projectar Seguro como um grande líder, que apenas aceitava rodear-se de quem não parecesse fazer-lhe sombra, em manifesto prejuízo de um alargamento das vozes que dessem expressão à pluralidade do partido e provassem ao país que ali havia um núcleo de uma alternativa de governo.
Deixo-vos um vídeo desse dia 10 de Fevereiro de 2013. Na altura, expressei neste blogue o meu desagrado com esta actuação. Eu tinha razão: esta actuação de António José Seguro prenunciava um estilo de soberano individual cercado de vozes que ele se dispõe a ouvir de modo mais ou menos inorgânico. O problema é que esse estilo talvez seja útil noutro tipo de organizações, mas não num grande e plural partido da esquerda democrática como é o Partido Socialista. Assim, uma “Moção Política Grandes Opções de Governo” apresentada no modo “Eu”, não é afinal tão inesperada como isso. Vinda de quem vem, é um estilo que estava prometido.
18.8.14
As políticas e o método.
Permito-me transcrever aqui um texto de minha autoria publicado no site Mobilizar Portugal - António Costa, no passado dia 13 de Agosto, na qualidade de coordenador da moção política sobre as grandes opções de governo.
***
António Costa apresentou ontem (12 de Agosto) a Moção Política sobre as Grandes Opções de Governo, portadora da sua mensagem central “Mobilizar Portugal”. O documento está disponível na íntegra e é na íntegra que merece ser apreciado e discutido. Contudo, entendo ser útil deixar alguns sublinhados.
Como António Costa reafirmou, a construção da Agenda da Década é o primeiro pilar da visão que propõe para o país. Depois de três anos de um governo que adotou como método político a divisão entre portugueses e o conflito institucional, a Agenda da Década deverá ser um instrumento de compromisso duradouro e frutuoso na sociedade portuguesa. Não estamos a falar de apelos a consensos ocos e opacos, que têm sido instrumentalizados para tentar perpetuar a atual política governamental. A Agenda da Década visa outra cultura política para o nosso país: deverá envolver compromissos mais profundos do que as naturais divergências entre governo e oposição numa dada legislatura; deve permitir uma larga congregação de esforços em objetivos estratégicos de longo prazo que não estejam sempre a mudar quando muda o governo – porque transformações estruturais importantes e difíceis requerem tempo, persistência, coerência. Não deve ser apenas um compromisso entre agentes político-partidários, envolvendo profundamente também os parceiros sociais. Talvez nem todos tenham ainda medido o alcance desta visão, que representa, na verdade, uma proposta de mudança profunda do clima e das práticas até agora dominantes na política portuguesa. E, o que é mais, António Costa tem demonstrado ao longo da sua vida pública que quer, sabe e consegue fazer essa transformação positiva na qualidade da luta política. Bem precisamos disso.
Outro pilar da visão que António Costa propõe ao país é uma resposta de emergência ao estado a que Portugal chegou: o Programa de Recuperação da Economia. Aí se apresentam desde já propostas concretas, que não podem ser aqui resumidas, e que convido a ler na versão integral da Moção. Mas cabe sublinhar, desde já, a sua arquitetura fundamental.
Por um lado, pretende mobilizar a iniciativa e o potencial de investimento empresarial, dando os sinais certos à iniciativa privada. Primeiro, identificar atividades económicas e sectores prioritários, selecionados pela sua elevada capacidade de promoção direta e indireta do emprego, por contribuírem para um impacto positivo nas relações económicas com o exterior (aumentando exportações e/ou substituindo importações), por reforçarem uma economia ambientalmente sustentável. Depois, criar condições para concentrar os esforços nessas atividades priorizadas, onde um “Estado promotor” combina bem com a iniciativa empresarial privada e assume claramente o seu papel na promoção do desenvolvimento, designadamente sendo capaz de incrementar fatores de competitividade empresarial efetivos (como um ambiente de negócios desburocratizado e com custos de contexto reduzidos), assumindo funções estratégicas na ligação entre a investigação científica e tecnológica e a inovação empresarial, implementando uma política industrial que acrescente visão do bem comum à (legítima) procura de valor por parte dos privados.
Por outro lado, o Programa de Recuperação da Economia não encara a economia como uma máquina onde as pessoas são meras peças. A recuperação da economia não pode ser desligada da construção de uma sociedade decente, uma sociedade de cidadãos com direitos, onde se promove a igualdade de oportunidades e se combatem as desigualdades excessivas e injustas, onde se promove a autonomia das pessoas e se trabalha na perspetiva de uma comunidade de cidadãos. Assumindo que é preciso acabar com a incerteza que tem instabilizado a vida das pessoas nestes últimos anos, que é preciso restabelecer a confiança, o Programa de Recuperação da Economia aposta na revalorização profunda da concertação social, no relançamento da negociação coletiva sectorial, em políticas de emprego que apostem nos mais qualificados e nos mais jovens sem esquecer os menos jovens e menos qualificados, na revalorização e dignificação do trabalho, no combate decidido à precariedade no trabalho, na recuperação da trajetória de subida real do salário mínimo, na recuperação da estabilidade das prestações sociais, numa estratégia de combate à pobreza infantil e juvenil. Deste modo, assume-se que a Dignidade das pessoas e do trabalho não pode ficar de fora da resposta de emergência ao retrocesso social – e isso traduz-se num programa concreto e articulado.
Espero que estes “destaques” chamem a vossa atenção para o interesse de ler na íntegra a Moção Política sobre as Grandes Opções de Governo apresentada por António Costa. E, nessa base, fica o apelo: participem! Enviem os vossos comentários, propostas, contributos. Mobilizar Portugal é um movimento que temos de continuar a alargar e a aprofundar. É que não estão em causa apenas os conteúdos das políticas. Está em causa também o método: a democracia faz-se com melhor participação, com instituições democráticas mais vivas, com partidos que sejam plataformas de diálogo e de cooperação entre cidadãos ativos. Por isso, todos somos necessários para Mobilizar Portugal!
17.8.14
Círculos uninominais ?
Consigo ainda espantar-me com a falta de vergonha de quem acha que a deturpação é uma arma admissível no debate público.
Leio por aí que António Costa propõe círculos uninominais e, por isso, uma força com 49% dos votos não elegeria ninguém. A ignorância é muito atrevida.
Aquilo que se escreve na Moção Mobilizar Portugal:
«No caso do Parlamento, proporemos ao país a reforma do sistema eleitoral no sentido de uma representação proporcional personalizada, introduzindo círculos uninominais que, numa adequada composição com círculos plurinominais, garantam uma relação mais próxima, personalizada e responsabilizante entre o eleito e o eleitor-»
Estamos entendidos ou é preciso fazer um desenho ?
15.8.14
as moções às primárias do PS.
Se António Costa tivesse apresentado no processo das primárias, como Moção Política sobre as Grandes Opções de Governo, um texto tão pobre como aquele que apresentou António José Seguro (pode ler-se aqui), é certo que se levantaria um clamor de comentadores e jornalistas a bramar contra o vazio de ideias do candidato a Mobilizar Portugal.
Mas não: António José Seguro força primárias no PS para candidato a primeiro-ministro e depois oferece como moção uma "introdução" de 6 páginas vagas e populistas, numa demonstração de falta de respeito pelo PS e pelo país, e os comentadores acham normal.
Claro, há uma espécie de desculpa (esfarrapada, mas desculpa) para isso: Seguro diz que aquelas esquálidas seis páginas são apenas a "introdução" do Contrato de Confiança, que o PS já apresentara em Maio passado. Ninguém lhe pergunta se o candidato Seguro tem direito a apropriar-se de um documento do Partido no seu todo, transformando-o num documento de facção. Ninguém lhe pergunta, aparentemente, pela razão de haver poucos comentadores que se preocupam com essa coisa das regras da democracia, tipo "não abuses dos lugares institucionais para as tuas candidaturas". E nós temos de nos conformar?
De qualquer modo, como este é o país que temos - e uma batalha sempre em aberto é democratizar a democracia - temos de avançar. E, então, perguntamos: mas podiam, pelo menos, fazer o trabalho de comparar os textos, não é? Já percebemos que a moção de Seguro não pode ser comparada com a moção de Costa (se alguém duvida, leia a de Costa aqui). Mas, se ele diz que o Contrato de Confiança, incluindo as tais 80 medidas, são a sua moção - podiam, pelo menos, comparar esse documento com a moção de Costa. Dá trabalho? Talvez dê - mas era capaz de ser revelador. Revelador de que andar por aí sugerir que "é tudo mais ou menos igual" é uma conversa desleixada.
Para entusiasmar quem de direito a fazer o trabalho de casa, deixo hoje um exemplo: a lusofonia e a CPLP.
As últimas 5 das "famosas" 80 medidas (que agora Seguro tomou para si) são um elenco de "opções geoestratégicas" para Portugal. Somos membros das Nações Unidas, membros da União Europeia e da Zona Euro, membros da CPLP, país aberto ao mundo, membros da NATO. Não se vê muito bem onde está a novidade de tais "medidas", mas, enfim... Vejamos a "medida 78", que reza assim:
« Membro da CPLP promovendo um aprofundamento e dinamização da lusofonia como espaço de excelência para a afirmação da Língua Portuguesa e potenciador de trocas comerciais entre Estados iguais, em quatro continentes, que mantêm entre si relações estreitas de amizade e cooperação.»
Para comparação, eis o que se diz na moção Mobilizar Portugal, apresentada por António Costa, num dos dois momento onde se fala de lusofonia:
«A lusofonia constitui um legado histórico com grande significado e enorme alcance futuro. A sua valorização passa pela língua portuguesa, por saber mobilizar esse extraordinário recurso que é a rede da diáspora das comunidades portuguesas no Mundo. Mas não se esgota aí. Passa também pela construção em comum de novas parcerias com espaços e países onde se fala português que possam ser ganhadoras para todos os participantes, especialmente com base e ou a partir dos países da CPLP. Um novo impulso para este espaço comum deve assentar no desenvolvimento social e económico; na partilha de conhecimento com vista à participação plena na sociedade global; na cooperação sobre o mar; na construção de comunidades na ciência e na educação; num espaço de intercâmbio de pessoas e de partilha de cidadania, constante de uma carta de cidadania lusófona, com igualdade de direitos, garantia de mobilidade, incluindo as condições de fixação de residência e de prestação de trabalho, e o reconhecimento das qualificações profissionais e de portabilidade de direitos adquiridos.»
Deixo à inteligência de quem lê a comparação.
Face ao momento a que chegámos na CPLP, com Portugal encurralado ao ponto de ter de aceitar um país onde nem o presidente fala escorreitamente o português, precisamos de tomar iniciativas para tirar o país desse beco diplomático e político. Temos de avançar com outra visão da CPLP, baseada numa compreensão realista do que podemos ser nesse espaço, deixando de uma vez por todas a ilusão de que podemos comportar-nos como a ex-potência colonial. Não vamos conseguir fazer isso apenas repetindo que é bela a língua portuguesa (embora seja verdade), nem repetindo vagas referências à dimensão comercial das relações. A moção Mobilizar Portugal apresenta novas ideias para retomar essa questão em novas bases, assumindo aquilo que podem ser trunfos nossos na CPLP, aqueles trunfos que podem fazer evoluira a situação por interessarem aos outros países.
O exemplo está dado. Não custaria muito, a quem supostamente tem o trabalho de fazer estas comparações, fazer o seu trabalho. Mas, claro, Agosto é um mês que convida a conversas superficiais e comparar textos é uma trabalheira.
14.8.14
a moção de Seguro às primárias.
António José Seguro forçou primárias no PS e agora oferece como moção uma "introdução" de 6 páginas vagas. É falta de respeito pelo PS e pelo país.
Acho que vale a pena comparar as moções de António Costa e de António José Seguro às primárias do PS.
A de Costa encontra-se aqui: http://www.mobilizarportugal.pt/s/Moco-Politica-MOBILIZAR-PORTUGAL-2f89.pdf
A de Seguro encontra-se aqui: http://www.seguro2015.com/wp-content/uploads/2014/08/mocaoAJS.pdf
Assim para começar, ainda chocado pela leitura das tais seis páginas, que prometo analisar mais tarde, anoto que a moção de AJS está na primeira pessoa do singular: EU isto, EU aquilo, EU aqueloutro. Também isso não é novidade.
13.8.14
Em defesa dos Artistas Unidos.
A Universidade de Lisboa deixa-me triste.
Transcrevo o depoimento de Luis Miguel Cintra, hoje no Público.
Junto-me ao grupo de colegas, amigos e espectadores que, contra a decisão da Reitoria da Universidade de Lisboa, sem qualquer espécie de hesitação, apoiam a permanência dos Artistas Unidos no Teatro da Politécnica, e se escandalizam se esse Grupo de Teatro se vir forçado a abandonar aquele espaço.
Nem outra coisa seria de esperar de mim, ainda à frente da companhia do Teatro da Cornucópia, desde há muito com Cristina Reis, mas que foi fundada em 1973 com o fundador e director dos Artistas Unidos, Jorge Silva Melo. Creio que ambos temos a noção de que o trabalho que cada um de nós tem desenvolvido ao longo da vida à frente de cada uma das companhias, com as desejáveis e conhecidas divergências estéticas que as separam, assenta sobre critérios semelhantes e que elas se completam na função que têm exercido no teatro português. E será por certo com alguma curiosidade que tomarei conhecimento da descoberta pela Universidade de Lisboa de um melhor destino, de um ponto de vista cultural, para aquele simpático espaço a que os Artistas têm conseguido dar vida.
Só posso admitir que quem decidir, agirá dentro da legalidade, mas sei que, como infelizmente se vai tornando regra, cada vez mais se confunde legalidade com liberdade. Se a decisão for no sentido de se impedir que os Artistas lá continuem a trabalhar, será mais um acto de vandalismo da parte de uma sociedade que deixou de acreditar em seja o que for, e sobretudo naquilo que mais a humanizaria: uma prática cultural que tem vindo a formar gerações e a generosamente contribuir para uma responsabilização pública. Aqui fica a minha solidariedade.
Luis Miguel Cintra
Ler ainda: Carta aberta em defesa do projecto cultural dos Artistas Unidos
6.8.14
Mobilizar Portugal.
Reproduzo aqui a minha intervenção na Convenção Nacional MOBILIZAR PORTUGAL, realizada em Aveiro, no passado dia 26 de Julho de 2014, na sessão final, na qualidade de coordenador da moção Mobilizar Portugal.
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Caras Amigas e Caros Amigos,
Caras e Caros Camaradas,
É com um prazer muito especial que participo nesta Convenção em Aveiro, onde iniciei a minha participação cívica, quando aos 14 anos subi as escadas de um prédio aqui do centro da cidade para me inscrever na Juventude Socialista, nesta cidade onde fui ativista e dirigente associativo.
Este é um regresso que me sabe muito bem. Mas, estar aqui nesta Convenção representa para mim um regresso mais fundamental: o regresso à esperança de que ainda vamos a tempo de celebrar os 50 anos do 25 de Abril num Portugal mais desenvolvido, mais eficaz e mais eficiente, e, ao mesmo tempo, com mais equidade e com direitos mais efetivos para todos. E estamos muito precisados dessa esperança, uma esperança realista que seja capaz de se dotar dos instrumentos para a sua concretização. Uma esperança que só será possível se formos capazes de Mobilizar Portugal.
Para Mobilizar Portugal, o nosso candidato a primeiro-ministro lançou um desafio: construir uma Agenda para a próxima Década.
Tivemos, hoje, nesta Convenção, um momento forte de impulso na construção da Agenda da Década.
Pelo que pudemos ver e ouvir, pelas conclusões apresentadas pelos coordenadores dos painéis, começou bem a construção desta Agenda da Década.
Algumas vozes queixaram-se de que este movimento para Mobilizar Portugal veio aqui discutir a lusofonia, o interior e as cidades, o mar, a modernização das empresas e do Estado, a ciência, a cultura, o combate às desigualdades – e, queixam-se essas vozes, não discutimos o défice e a dívida.
O défice e a dívida são temas importantes, não tenhamos dúvida, e falaremos deles nesta campanha.
Mas é preciso saber em nome de que país queremos resolver esses problemas.
Seria uma enorme tragédia que se atacasse o problema da dívida e do défice só para, depois, voltar a esquecer quais são os estrangulamentos fundamentais que adiam sempre a prosperidade económica e social do País. O PS não quer resolver esses problemas à custa dos que pagam sempre as crises quando a direita governa. Notem que o lema deste movimento que somos é “Mobilizar Portugal”.
Ora, para mobilizar os portugueses para um caminho, entusiasmante mas exigente, não basta caminhar: é preciso saber para onde vamos. A questão fundamental é, exatamente, que País queremos ser daqui a dez anos. E por isso esta construção da Agenda da Década é tão importante. Este processo não é um processo de tecnocratas ou ideólogos a querer experimentar mais umas receitas à custa do país. Isso já sabemos o resultado que dá e não queremos repetir. Como também não é um processo meramente voluntarista.
É que “Mobilizar Portugal” não é só questão de conteúdo das políticas, não é coisa que se faça com uma série de decretos, é também o modo de fazer as coisas, o método: respeitar as pessoas, respeitar as instituições, mudar as representações e as aspirações, envolvendo os atores económicos e sociais na identificação das questões relevantes e na apropriação dos objetivos e dos instrumentos. É colocar em marcha a negociação séria, o compromisso que não apaga as diferenças. E tudo isso só é possível se soubermos levantar os olhos e olhar para a frente.
Por isso estamos empenhados nesta construção da Agenda da Década.
Pensar em comum e pensar estrategicamente é um grande desafio. Ainda mais quando esse exercício tem de ser feito no quadro de uma Europa que tem ela própria de ser repensada.
A Europa foi enfraquecida por seis anos de crise.
Enfraquecida economicamente, pela recessão.
Enfraquecida socialmente, pelo desemprego massivo e pelas desigualdades.
Enfraquecida politicamente, porque perdeu legitimidade aos olhos dos cidadãos pela forma desordenada e incompetente como reagiu às crises.
A Comissão Europeia enfraqueceu-se a si própria, e foi enfraquecida pelo regresso de um intergovernamentalismo agressivo.
A ideia de governação económica europeia foi capturada por uma visão ideológica da disciplina orçamental, que usa o estribilho das reformas estruturais para impor a desregulação dos mercados, a compressão salarial e o recuo nos direitos sociais.
A ideia de reforço da coesão perdeu a centralidade política que já teve e que precisa de voltar a ter.
A crise lembrou, a quem o tivesse esquecido, que a Europa não se legitima apenas politicamente. A construção europeia requer igualmente um continuado processo de legitimação económica, já que a Europa só faz sentido se for também um projeto de prosperidade partilhada.
Contudo, a tentação de virar as costas à Europa seria um erro grave.
Por quê? É importante responder, de novo, a esta pergunta: por quê a Europa?
Certamente que, hoje, não basta repetir, embora seja verdade, que esta comunidade deu ao continente um período de paz sem precedentes.
Mas isso já não basta. Metade da Europa a empobrecer não vai sequer ser capaz de garantir a paz.
Para os nossos valores de justiça social e progresso, o mundo está difícil.
Essa combinação sagaz de progresso económico e de progresso social a que chamamos modelo social europeu está ameaçado por transformações económicas reais: a liberalização financeira desregulada a nível global, em prejuízo da economia produtiva, diminuiu drasticamente a autonomia dos poderes democráticos.
Não podemos perder de vista que a Europa avançou para a criação do euro para proteger os países face aos perigos da globalização financeira – e ter presente que esses perigos aumentaram, não diminuíram.
É certo que, afinal, o euro não estava preparado para nos proteger do potencial de desestabilização da finança global liberalizada, como alguns alertaram atempadamente.
Mas também é certo que, fora da Europa, ou numa Europa mais fraca, estaríamos ainda mais expostos aos riscos da globalização. O caminho não passa, pois, por desistir da Europa ou por regressar a qualquer ideal de autarcia. O caminho passa por renovar o nosso empenhamento na Europa, em trabalharmos para fazer da moeda comum um vetor de prosperidade e convergência.
Mas para isso precisamos de uma nova atitude de Portugal na Europa.
Porque é preciso trabalhar para transformar promessas de convergência em realidade efetiva.
Porque é preciso trabalhar para eliminar fatores de distorção do funcionamento da zona euro que são prejudiciais ao nosso desenvolvimento. Não podemos achar normal que, no seio da mesma zona monetária, uma empresa de um país do Sul se financie a taxas de juro 2 pontos percentuais acima da taxa a que se financia uma empresa de um país do Norte.
É preciso voltar a colocar os direitos das pessoas no centro da construção europeia. Por exemplo, não é que a solução para o desemprego esteja na emigração – como disse António Costa, a liberdade de circulação não pode ser confundida com necessidade de circulação – mas aqueles que vão trabalhar fora das fronteiras nacionais não podem ser penalizados por uma portabilidade insuficiente das qualificações e dos direitos sociais.
Há, pois, muito trabalho a fazer na Europa.
Desde logo, trabalhar pelo objetivo de completar a arquitetura do euro a tempo de o salvar. Alguns passos já foram dados, mas há ainda muito a fazer.
A união económica e monetária tem de reforçar as políticas de convergência, a Europa tem de se dotar de mecanismos permanentes de redução das assimetrias entre Estados-Membros. Várias propostas e estudos têm sido avançados em vários países, nós não podemos fazer de conta que não sabemos de nada, como tem feito o atual governo. Portugal tem de ter uma voz audível nesse processo.
É claro que o caminho não está em sermos um Estado Membro que falha as suas obrigações europeias. Mas a verdade é que, se o Pacto de Estabilidade e Crescimento e o Tratado Orçamental reconhecem que a política orçamental deve assumir, em regra, um cariz contracíclico, quer dizer, deve permitir estimular a atividade económica em períodos de recessão e deve funcionar como contenção em situações de crescimento, o que tem sido aplicado não é esse lema sábio e prudente de “poupar nos tempos bons para utilizar nos tempos difíceis”. O que tem sido aplicado, com a colaboração, com o quase entusiasmo ideológico do governo PSD/CDS, é uma leitura parcial deste enquadramento europeu, que prejudica o crescimento económico e a criação de emprego. Nós não queremos ser um país incumpridor, queremos é que os instrumentos europeus sirvam a convergência e não a divergência. E temos de saber, técnica e politicamente, mostrar que é possível uma aplicação inteligente dos tratados e dos pactos.
Temos, primeiro, de saber criar compromissos internos tão alargados quanto possível que nos deem mais força na negociação europeia. E, depois, temos de ser capazes de estabelecer alianças, de geometria variável, com outros Estados Membros, que reforcem as nossas posições, percebendo que outros países, devido à sua situação económica e social, têm interesses convergentes com os nossos. O que não podemos é fugir dessas convergências no concerto europeu, como tem feito o atual governo.
É preciso negociar, negociar sempre, procurar sempre aliados, manter as alianças, argumentar, persuadir. Quem já teve experiência de negociação europeia sabe que nada está nunca ganho à partida e nada está nunca perdido à partida, mas é preciso saber o que se quer e trabalhar constantemente em todos os planos para o alcançar.
Mas para isto ser possível, não podemos enganar-nos no diagnóstico das nossas debilidades estruturais, para não as agravar ainda mais com estratégias de desvalorização interna. A economia portuguesa não ganhará competitividade reduzindo o preço dos bens e serviços que já produz, mas produzindo bens e serviços diferentes, mais intensivos em conhecimento. Portugal não pode desperdiçar os seus recursos, nomeadamente os fundos estruturais, a atolar-se em visões de curto prazo.
Por isso precisamos desta Agenda para a próxima Década. Uma agenda que mobilize os Portugueses em torno de objetivos nacionais comuns, de longo prazo, sustentáveis. Para que não estejamos sempre a desfazer o que de bom conseguimos fazer, apenas por causa da pequena guerrilha política imediatista.
Portugal precisa, agora, de uma viragem. Vista a forma ideológica e insensível como o atual governo lidou com a crise – mudar de políticas, de métodos, de protagonistas, é uma urgência. Agora, não basta a alternância, Portugal exige uma alternativa. Cair agora numa espécie de rotativismo, apenas criaria mais desilusão, mais descrença, mais desconfiança. E agravaria a crise da representação.
Por isso faz falta um PS forte. Só um PS forte será capaz de Mobilizar Portugal.
Sejamos claros: uma maioria absoluta no Parlamento dará ao PS as melhores condições para Mobilizar Portugal. Mas nem uma maioria absoluta deverá desviar o PS da procura dos compromissos alargados que deem mais amplitude e mais profundidade à mudança necessária.
Seria desejável que outras forças políticas, que não estejam comprometidas com a atual governação, quisessem contribuir para a nova maioria política, tal como contamos que os parceiros sociais se empenhem na construção de uma nova Agenda.
O tão abusado conceito de “arco da governação” não pode servir para justificar a exclusão sistemática de certos partidos da responsabilidade de governar. É na sua pluralidade que o Parlamento representa o país e não há qualquer razão para o PS ignorar as aspirações dos eleitores representados pelos partidos que no parlamento se sentam à sua esquerda.
Mas a esquerda que no Parlamento se senta à esquerda do PS não pode voltar a enganar-se de adversário, porque no passado cometeu erros de avaliação que ajudaram a alçar ao poder o atual governo.
Também apelamos a essa esquerda para que reconheça que a contestação e a oposição, por si sós, não resolvem os problemas dos portugueses. É preciso aceitar o desafio de construir uma alternativa.
O país não precisa de consensos artificiais e opacos. O que o país precisa é de compromissos transparentes, onde as diferenças são assumidas e servem de cimento para convergências mais sólidas e mais relevantes, sabendo que os compromissos podem tomar formas diversas.
Quem terá coragem de aceitar o desafio?
Nós estamos aqui para isso.
A construir um programa de recuperação da economia e do emprego, para a próxima legislatura.
A construir uma visão estratégica para o país para a próxima década.
Inspirados pelo próximo primeiro-ministro de Portugal, António Costa, respondendo “presente” ao desafio que ele nos lançou para Mobilizar Portugal.
Viva o PS!
Viva Portugal!
Hiroshima, 6 de Agosto de 1945.
Aqui ganha sentido a ideia de pecado original. Não o pecado original na versão ortodoxa, com Adão e Eva, a serpente e a maçã; não o pecado original da sede de conhecimento (comer a maçã para saber o que são as coisas), mas um pecado original que não tem nada de mítico, que não parou num qualquer princípio do mundo. Aqui ganha sentido a ideia do pecado original que tem lugar na história concreta da humanidade e que é, portanto, um pecado original infelizmente em dinâmica renovação. O pecado original como ofensa (enquanto pecado) e "original" por ter nascido para nós com a nossa entrada na humanidade. Partilhamos o pecado original de uma civilização sem nada termos contribuído individualmente (muito menos pessoalmente) para ele, mas por sermos parte da sociedade que pecou, porque somos do mundo que gerou o mal e que continua, estruturalmente, igualmente capaz de repetir o mesmo dano. Não metemos as mãos, nossas, de carne, nesse pecado, mas fazemos parte de uma lógica que pode repetir, com mais ou menos variação, o mesmo mal. Somos culpados de querer esse mal? Decerto não. Mas o que está implicado no pecado original, neste entendimento, não é culpa individual e eficiente de um dano concreto e particular. Nesta forma de entender o pecado original, sem qualquer mitologia e assumindo o peso de herdar uma história de mal, sem ter força nem engenho para mudar o mundo, sem ser capaz de o impedir de repetir a destruição - neste sentido de pecado original, entrar hoje em Hirochima é vir tomar pessoalmente em mãos a minha parte desse dia de mais uma expulsão do paraíso. Vir tomar em mãos a minha quota deste pecado original.
Hiroshima, 10 de Agosto de 2013
(publicado originalmente na cidade de Hiroshima, aqui)
5.8.14
breve.
Para que conste: para efeitos de compreensão da sociedade, tendo a desconfiar de predicações grupais do tipo "os banqueiros são X", "os políticos são Y", "os judeus são Z". Essa amálgama impede que se distingam os honestos dos desonestos, os competentes dos incompetentes, os lobos dos cordeiros. E, em geral, tais amálgamas servem para esconder defeitos da organização política - de que todos somos mais ou menos co-responsáveis - atrás do biombo dos pecados pessoais.