Cavaco Silva (não, o tema não é o desfalecimento, não é a primeira vez que ele desfalece em público, isso não tem nada a ver com política, não falo da pessoa privada) e o cavaquismo, se alguma coisa têm como linha duradoura da sua narrativa de sempre, é o discurso anti-política. Cavaco Silva, um dos políticos que mais tempo ocuparam funções da mais alta responsabilidade política em Portugal, andou décadas a tentar vender a sua imagem como sendo ele um não-político. Para essa operação de combate político ser rentável, tinha de vir acompanhada de uma recorrente crítica "aos políticos". Para ele ser melhor que os outros, os outros tinham que ser, genericamente, uns canalhas. Essa operação tem raízes no mais profundo do que ficou do salazarismo: devem mandar os que servem "o bem" (a Pátria, talvez Deus), nunca "os políticos". Quem quer atacar a democracia, se o quer fazer em profundidade, ataca os políticos: porque sem políticos não há democracia (embora fosse desejável que a política fosse mais feita por todos e menos feita por alguns). Esta guerra aos políticos, além de ser um estratagema de propaganda essencialmente anti-democrático, é instrumental noutra direcção fundamental: facilita a tentativa de desqualificar as diferenças programáticas e de diabolizar os interesses diferentes: se eu "interpreto o bem", quem se me opõe é, por definição, um defensor do mal.
Felizmente, poucos políticos têm tentado replicar esta estratégia entre nós.
Felizmente, nunca nenhum dos maiores partidos da esquerda portuguesa tentou a cartada anti-políticos.
Infelizmente, a campanha de António Seguro por uma vitória no PS está a lançar mão da cartada anti-políticos. Como se a política fosse um mundo de porcaria e António Seguro fosse uma ilha de honestidade neste mundo. Infelizmente, essa cartada, sendo radical, serve apenas para justificar o radical apego à cadeira: quer dizer, o uso de todo o tipo de expedientes (designadamente, truques pseudo-legalistas) para evitar um debate político em campo aberto e sem armas escondidas.
A tentação de alguns políticos para se fazerem passar por uma espécie de maravilhas do universo, insubstituíveis e indiscutíveis, ainda não morreu. Infelizmente.