7.4.14

a emboscada.


Não vi "a opinião de José Sócrates" ontem na TV, mas já li por aí o suficiente para perceber o que se passou. Quero dizer: entre os relatos indiferentes (raríssimos, neste caso), os relatos moderada ou ferozmente a favor de Sócrates, e os relatos vibrando mais ou menos intensamente com Rodrigues dos Santos, julgo que não fica nada por perceber. Podem dizer-me que devia ver e ouvir para ajuizar. Discordo: também não preciso ver a cara dos jogadores numa partida de xadrez para perceber o jogo; basta-me ler a notação da própria partida. Sim, porque estamos perante uma partida de um jogo.

A melhor descrição desse jogo deu-a a Zélia M.M. no Facebook: "José Sócrates está a deixar-se cair numa emboscada". Na emboscada há deslealdade (falta de força, moral que seja, para atacar de frente o alvo), malícia (disfarce, faz-de-conta) e um isco (alguma coisa que se deixa colocar no caminho) - e uma dança com a psicologia do atacado. Neste caso, a dança com a psicologia de Sócrates consiste em explorar o facto de ele nunca querer desistir, de nunca querer premiar o infractor. A emboscada está toda na deslealdade da televisão pública, que o convidou para comentador e o trata como um político no activo a abater - usando armas que não emprega para escrutinar nenhum dos governantes de turno. O isco é um qualquer, vestido de jornalista, que se presta à encenação - de preferência, bem escorado numa série de truques, chegando ao cúmulo de meter a rubrica a seco, sem separador nem nada, como se isso evitasse que se soubesse que aquilo era "a opinião de José Sócrates", embora agora se tenha tornado em "a opinião de Rodrigues dos Santos, com um tipo qualquer que apanhámos na rua para bombo da (nossa) festa".

Se Sócrates fosse um tipo como eu, que não suporto fracos convívios, vinha-se embora. Mesmo que fosse com estrondo. Entretanto, Sócrates não gosta de dar a mão à garotada, que, por alguma razão, gosta toda de se aproximar dele para experimentar uma dentada. Sócrates gosta de os obrigar a ir até ao fim. Mesmo que o cálice, afinal, lhe toque a ele. Nisso consiste a emboscada: se Sócrates fosse um fraco, a RTP não precisava de montar esta cena de deslealdade, malícia e isco. Infelizmente, isto não é apenas um retrato de quem serve os actuais senhores: isto é um triste retrato do estado deste país.