19.12.13

muitas unidades à esquerda.



Multiplicam-se as iniciativas para "unir a esquerda". "Livre", "3D", pelo menos. Uns querem unir a esquerda toda, outros querem unir alguns: a julgar pelo que dizem, porque tenho dúvidas sobre o que quer dizer a palavra "unidade" em cada um desses casos. Não sou dos que criticam essas iniciativas por serem, como alguns dizem, "divisionistas". Dividida já a esquerda estava antes de aparecerem estes novos rebentos, não vale a pena castigar por isso os que chegam agora. Embora, chegados de novo, não são novos: quase todos andam por aí há muitos anos e partilham das mesmas responsabilidades que os demais pela desunião.

E aí é que a porca torce o rabo: não é por tocarem mais na nota da unidade que farão mais pela unidade. Não há unidade possível, pela positiva, sem uma convergência básica sobre o que fazer pelo país em termos de governação. Unidade de oposição, a mim, não me interessa nada. Interessa-me unidade para fazer. Interessava-me que o "arco da governação" incluisse toda a gente e não apenas o PS e a direita; interessava-me que a "maioria constitucional" fosse do PS com a esquerda, pelos menos às vezes, em ver de ser o PS mais a direita, como tem sido (apesar do passos-coelhismo ter esquecido isso repentinamente); interessava-me que os sindicatos tivessem outro relevo na concertação social e nas lutas socias; interessava-me um sistema político menos partidarizado, sem ser contra os partidos; e interessava-me que tudo isto servisse para trazer mais gente à democracia, tanto ao voto como à participação mais activa.

Ora, sendo nós membros da União Europeia e participantes no sistema Euro, não é possível nenhuma unidade em torno da governação que não passe, ou não assente, numa convergência substantiva acerca da posição de Portugal na Europa. Portugal governa-se, em grande parte, pela nossa partilha de responsabilidades no quadro europeu. Acabou a autarcia. O nacionalismo é pão para tolos. Podemos empobrecer sozinhos, não podemos prosperar isolados na jangada de pedra. Da mesma maneira que, no tempo da Guerra Fria, os comunistas não entravam nos governos ocidentais por uma questão geostratégica global, concordasse-se ou não com esse enquadramento, também agora é impossivel um governo europeu ser bem sucedido como governo se não tiver uma ideia clara e definida sobre o seu lugar na UE.

Portanto, se alguém quer mesmo unidade à esquerda, tem por onde começar: gizar um debate de convergência sobre a política europeia de Portugal. É um debate difícil, crucial, estratégico. Talvez seja, por isso, a morte do artista tentar entrar por aí. Mas deixar de colocar esse debate no centro do jogo é confessar que a retórica da unidade é apenas conversa. Nesse caso, muitas unidades à esquerda não farão mais unidade da esquerda.