29.6.13

dêem mais dois anos a Barroso e ele será tão amado no mundo como Cavaco em Portugal.



Steve Bell, no The Guardian

Declarações de Durão Barroso:

"Vamos ser muito claros. As soluções para os problemas não estão nestas reuniões do Conselho Europeu e não se deve ter expectativas exageradas em relação ao Conselho Europeu, nem em relação à União Europeia. O essencial da resposta está ao nível nacional."

Segundo o Expresso,
Para Barroso "não se deve pedir ao nível europeu aquilo que o nível europeu não tem meios para dar", sublinhando que as políticas sociais, de emprego, a educação e a legislação laboral são "responsabilidade dos países" e que aquilo que se pode fazer ao nível da União é "encontrar alguns instrumentos complementares".

Quer dizer: as políticas sociais?! Não temos nada a ver com isso! "Coisas" financeiras e afins, sim senhor, aí nós somos os polícias; agora, o social... o social está fora de moda... Já houve tempo em que "a Europa" foi essencial no progresso social, mas isso agora não interessa nada.

Aquelas palavras passa-culpas são declarações do presidente da Comissão Europeia, supostamente aquele órgão da arquitectura institucional da UE que devia promover o interesse comum; precisamente aquilo que, atendendo ao futuro, ultrapassa o interesse específico no momento actual de cada Estado-Membro. Um homem que, depois de tanto se mexer na cadeira, perdeu de facto toda a credibilidade junto dos líderes com mais força na UE e perdeu o genuíno respeito de toda a gente. Não foi capaz de reforçar o papel da Comissão na União (bem pelo contrário, o seu trocatintismo e cobardia descredibilizaram-no), nem foi capaz de reforçar os meios da União para cumprir as suas tarefas (bem pelo contrário) e agora desculpa-se com a falta de meios.

Uma das principais "faltas de meios" da UE é ter um presidente da Comissão que tem uma estratégia para a sua carreira pessoal (e nota-se, basta analisar com algum cuidado a colocação de peões por todo o mundo), mas não tem ideia nenhuma do que deveria o ocupante do seu cargo fazer para melhorar o estado da União. Agora que se soltaram as línguas (apesar da complacência da maioria dos socialistas nas instituições europeias), é apenas uma questão de tempo: dêem mais dois anos a Barroso e ele será tão amado no mundo como Cavaco em Portugal.

28.6.13

eu e as minhas reaccionarices.


Sobre um assunto que anda por aí a indignar muito boa gente, quero esclarecer o seguinte.

Sempre fui (quer dizer, não me lembrei disto agora no tempo destes moinantes, sempre fui) contra o corte de estradas, linhas de comboio e de outras comunicações, etc. - contra o uso de meios ilegais para protestar. Mesmo quando, em certos casos, possa perceber o desespero das pessoas (e já me aconteceu perceber esse lado subjectivo).

Se se quer fazer uma revolução, desmantelar a legalidade vigente, paralisar o país para deitar a mão às autoridades, instalar outro regime e outra legalidade: pronto, concorde-se ou não, quem o quer fazer que vá por aí. Não aceito é que se confunda isso com as vias legais para manifestar opinião, protesto, desagrado, indignação - porque não falta como protestar, o nosso problema não é esse.

Até poderia acrescentar o problema da eficácia do protesto - e essas "revoluções de pacote ao fim da tarde" só prejudicam a eficácia possível dos protestos suportados em estruturas com alguma representatividade social (como são as centrais sindicais, apesar de tudo). Ainda há, contudo, quem bata palmas a quem, uma vez a seguir a outra, faz o que agrada ao governo, que é dar a ideia que, sempre que há protestos, há tolices.

Até poderia ir buscar exemplos de lutas estapafúrdias, ou mesmo que me repugnam, que recorreram a esses métodos, só para impressionar os que pensam que esses cortes são sempre muito progressistas. Mas nem me vou dar essa desculpa: sou contra a quebra da legalidade por dá cá aquela palha, ainda por cima quando isso se faz às cavalitas de protestos que tentam agregar. E sou contra por princípio. É que com coisas sérias - o protesto, tanto como a legalidade democrática - não se brinca.

Bem sei que os moços do governo são os primeiros a dar o exemplo de falta de respeito pela legalidade, a começar pela lei número um. Só que, precisamente, não aprecio nada que se usem esses mesmos tiques (desrespeitar a legalidade) que estão em moda nos "de cima".

26.6.13

os americanos são óptimos a dar lições.



John Kerry, chefe da diplomacia dos EUA, escolheu um bom cenário para cantar cantigas de amigo acerca do seu grande desejo de que lhe entreguem em bandeja o homem (Edward Snowden) que denunciou mais uma massiva ilegalidade dos poderes do seu país. A Arábia Saudita, como cenário, é um grande sinal da escandalosa falta de coerência dos States: como se pode ir encher a boca de coisas bonitas de braço dado com uma das ditaduras mais fechadas e ferozes que há no mundo? Aliás, os sauditas, comparados com a Coreia do Norte, oferecem uma diferença, que é dinheiro, e pouco mais. Uma vergonha.

24.6.13

por que é que a Europa só agora descobriu o que os portugueses sabiam há tanto tempo?


Que Barroso anda por lá só a tratar do seu pastoreio?


Deixa lá esse cenário reaccionário e lê este: é mais divertido!

23.6.13

a clarividência política do tijolo.


Leio por aí que João Ribeiro, porta-voz do PS, afirmou na Convenção Nacional Autárquica, o seguinte:
Sei bem que a situação nacional nos concentra no combate à direita ultraliberal que nos governa, mas quero ser franco e entendo que o combate ao PCP é tão ou mais importante do que esse combate à direita, porque é um combate pela liberdade política. Combatemos a direita que ignora direitos constitucionais, mas também combatemos a esquerda que atropela direitos civis e políticos.

Até percebo que João Ribeiro, candidato a presidente de câmara, tenho as suas tácticas locais, que podem passar por sublinhar mais esta ou aquela parte da mensagem global. Mas baralhar tudo e todos, como se o PCP fosse hoje um perigo para a liberdade, afirmando que pode ser mais importante combater o PCP do que combater o governo, parece de uma absoluta falta de entendimento do país e da resposta política de que ele precisa.

Tenho as minhas (duras) críticas ao PCP, como já muitas vezes escrevi. Só que para fazer certas críticas é preciso ter autoridade política para o efeito. E, quanto a atropelamentos de direitos civis e políticos, também mencionados pelo porta-voz do PS, não me esqueço que este mesmo João Ribeiro foi um dos que, na perspectiva de uma candidatura de António Costa a secretário-geral do PS, mais vivamente participaram na diabolização de uma eventual candidatura alternativa, designadamente com inflamadas e despropositadas acusações de deslealdade.
São estas pessoas que, mais fiéis ao dono do que o próprio dono, fazem dos partidos políticos lugares onde se respira mal - e que depois, pretendendo dar lições de democraticidade, mostram que, para lá do seu umbigo (político), têm uma canhestra visão do mundo.

20.6.13

suspeita de última hora.


Acho que a JSD vai fazer um requerimento a perguntar quanto custa o Tribunal da Relação de Lisboa.

Simplex promulgação.


Depois de Cavaco ter promulgado o diploma dos subsídios de férias no Natal em menos tempo do que o diabo esfrega um olho (24 horas), percebemos o que Paulo Portas queria dizer quando há semanas defendeu a necessidade de um novo Simplex. Referia-se ao "Simplex promulgações", com posto de atendimento perto dos pastéis de Belém.

19.6.13

a JSD em luta. sem surpresa, afinal.



Deputados da JSD querem saber quanto custam os sindicatos de professores.

Oito deputados da JSD querem saber quanto custam os sindicatos dos professores. Uma pergunta que ilustra bem o desprezo destes jovens pela democracia. Mas qual é a surpresa? Não foi a JSD que apresentou ao congresso do PSD uma moção que teve a feliz ideia de ilustrar com a palavra de ordem "Estamos em luta contra os direitos adquiridos"? Bem, a mesma JSD que participou numa manifestação dos indignados - ah, mas isso foi no tempo de Sócrates, agora é diferente. Podia ir à procura de documentação aqui no Machina Speculatrix, mas acho que posso mesmo dar-vos os links para o blogue de Pacheco Pereira: aqui e aqui.

este post podia valer muito mais que 1300 euros.




Um Presidente da República que prefere receber a pensão, em vez de receber o que lhe caberia como Presidente, e que depois vem dizer que "se criou uma cultura de proteccionismo social do Estado", merecia que lhe chamasse um nome que não vou chamar por não ter dinheiro disponível para pagar a multa.

17.6.13

em dia de greve dos professores.


Em dia de greve de professores, embora não esqueça que o direito à greve pode ser bem ou mal usado e que os cidadãos têm direito a esse juízo, sempre quero dizer o seguinte: estranho imenso que haja tantos democratas que lamentem o prejuízo dos alunos (que é um facto, tal como é um facto que o Ministro não fez nada por essa preocupação, apenas a usou demagogicamente) e passem tão "como cão por vinha vindimada" sobre o prejuízo que é para toda a comunidade nacional (incluindo para os alunos) que o Ministério da Educação se tenha transformado numa mera peça de uma guerra ideológica contra o serviço público, querendo fazer dos professores da escola pública as vítimas propiciatórias dessa guerra ideológica.
Dizem alguns, a título de argumento, que só há greves na função pública e que o "grevismo" não tem adesão no privado. Pois, se calhar queriam exigir aos precários e aos precários e aos precários (porque há muitas precariedades) que fizessem as greves exemplares. Em vez de apoiarmos os que ainda podem fazer greve, atiramos para cima deles a "culpa" de já poucos trabalhadores terem efectivo direito à greve? A inversão de valores mostra como a selvajaria deste particular capitalismo já nos entrou pela pele dentro.
É que - e, por favor, não me venham com confusões - esta greve não é contra o progresso da escola pública; porque o que o nacional-cratismo está a fazer não é pelo progresso da escola pública, mas pelo seu esmagamento. A legitimidade de uma greve não se mede em abstracto, mede-se pelas circunstâncias e, em especial, por aquilo que combate. E isso faz desta greve uma greve legítima. E, por mor da ceguinha, metam na cabeça que o risível Mário Nogueira (que também não admiro, para dizer o menos) não pode ser desculpa para estarmos sempre contra qualquer greve dos professores.

16.6.13

a revolta dos burocratas.

A chamada “revolta dos burocratas” é um acontecimento político da história do México. Em 1968, uma centena de burocratas, que participavam, na praça Zocalo, numa manifestação a favor do governo, tiveram um gesto de rebeldia com humor: viraram as costas à tribuna oficial e começaram a balir como ovelhas.



O artista belga Francis Alÿs, que vive no México há mais de vinte anos, realizou uma instalação na mesma praça Zocalo (1997-1999), onde, em parceria com o pintor mexicano Rafael Ortega, evoca aquele acontecimento. O pequeno pedaço de vídeo que aqui se apresenta é um excerto do vídeo que era uma das componentes dessa instalação. Encontrava-se (quando foi registado, Agosto 2011) na exposição das aquisições recentes no Museu Nacional de Arte Moderna (Centro Pompidou), Paris.

(republicação)

14.6.13

à atenção do senhor cuja política é a mentira.


"É curioso que o programa eleitoral que nós apresentámos no ano passado e aquilo que é o nosso Programa do Governo não têm uma dissintonia muito grande com aquilo que veio a ser o memorando de entendimento celebrado entre Portugal, a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional", disse Passos Coelho.
Segundo o presidente do PSD, por esse motivo, "executar esse programa de entendimento não resulta assim de uma espécie de obrigação pesada que se cumpre apenas para se ter a noção de dever cumprido".
"Por isso, não fazemos a concretização daquele programa obrigados, como quem carrega uma cruz às costas. Nós cumprimos aquele programa porque acreditamos que, no essencial, o que ele prescreve é necessário fazer em Portugal para vencermos a crise em que estamos mergulhados", reforçou.

Que não vos falte água: fonte + fonte + fonte + fonte + fonte + fonte.

13.6.13

Tem chovido muito este ano…


(Deixo aqui uma transcrição da minha coluna de opinião no último número - de Maio - da "Eiffel", Revista da Cooptécnica Gustave Eiffel, para a qual escrevo a cada "fornada" há alguns anos.)



É daqueles temas de conversa que fazem o seu aparecimento em qualquer lugar ou circunstância: “nunca mais acaba o inverno”, “não há maneira de chegar a Primavera”, “li no jornal que há não sei quantas décadas que não chovia tanto por cá”… Mais ou menos incómoda, essa situação tem uma característica boa: sabemos que a chuva não é culpa nossa.

Convém lembrar que nem sempre foi assim. Lembremo-nos do terremoto, seguido de maremoto, de Lisboa, em 1755. Esses acontecimentos não abalaram apenas a cidade, nem o abalo foi apenas físico. Abalaram também o pensamento: desencadearam uma crise tremenda no pensamento teológico e filosófico da época. Foi um assunto discutido por essa Europa fora, por grandes figuras da intelectualidade de então. A questão estava na dificuldade de compreender como pode acontecer o mal num mundo bem ordenado criado por Deus. Como pode um Deus bom deixar que aconteçam coisas más? Como pode Deus, ainda por cima, deixar que sejam vítimas dessas coisas más aqueles que são bons, tais como as criancinhas e demais inocentes? Se Deus é benevolente, se Deus é todo-poderoso, como poder haver todo este mal no mundo? Claro que hoje, independentemente das nossas posições sobre o papel de Deus no mundo, percebemos mais facilmente uma diferença fundamental: uma coisa pode ser “má” (no sentido de causar sofrimento) e não ser provocada pelo “mal” (pela maldade); uma coisa pode ser “boa” (no sentido de ser agradável) e não ser sinal de “bem” (de bondade). Quer dizer: o prazer ou desprazer (uma coisa ser boa ou má) não estão necessariamente ligados à sua qualidade moral (o bem e o mal). Em particular, os acontecimentos naturais não são acontecimentos morais: o terremoto é mau se causa sofrimento ou estrago, mas não é um sinal do mal, da maldade.

Depois do terremoto de 1755, houve entre nós quem tentasse explorar essa antiga confusão entre a natureza e a moral. Os que acreditavam no significado moral das coisas da natureza encararam os acontecimentos como castigo divino pelos pecados dos lisboetas e de quantos aqui partilhavam a grandeza, a riqueza e o brilho do melhor que havia no mundo dessa época. Os boatos de que o terremoto se repetiria num aniversário do primeiro "castigo divino", e então de forma mais determinante, iam no sentido de confirmar a interpretação moral do facto natural. Os jesuítas foram considerados responsáveis pelo boato e pela tese – que o padre Malagrida corporizou, desafiando numa série de sermões o intento prático do Marquês de Pombal (que desempenhava o cargo equivalente ao de primeiro-ministro no actual sistema). O Marquês de Pombal achava que preciso era deitar mãos à obra, "enterrar os mortos e alimentar os vivos", aproveitar a oportunidade para refazer a urbe. Pretendia Malagrida, ao contrário, que a reconstrução era um assunto banal, que não devia distrair os portugueses do assunto realmente relevante, que era o arrependimento dos seus pecados. Em hora tão fatídica, construir e distribuir não eram as prioridades relevantes, mas antes jejuns e flagelos.

Malagrida deu-se mal com a teoria, tendo sido condenado e morto. Mas entre nós na “capital do reino” continua a haver quem tenha um errado sentido das prioridades. Há quem esteja mais interessado em encontrar culpados “fáceis” para as nossas dificuldades, por vezes recorrendo a teorias fantasiosas, em vez de fazermos o que é necessário: encontrar maneira de minorar o sofrimento dos que são afectados nos seus direitos básicos pela crise que atingiu o nosso país. Para isso precisamos de muitos “Marqueses de Pombal”, que tratem de encontrar soluções para os problemas em vez de fazer sermões castigadores, como preferia Malagrida. Mas, por outro lado, a crise não é como a chuva: a chuva não é culpa nossa, esse é um assunto da natureza; mas, nos assuntos da nossa vida em comum, a responsabilidade é de todos nós, colectivamente. Temos de perceber o que nos trouxe até aqui: que Europa é esta que esquece os seus apregoados valores da solidariedade face aos países em dificuldades; que governos são estes que pensam em “resolver a crise” à custa de abandonar as pessoas à sua sorte. O que a natureza nos dá de mau não é por maldade, porque natureza e moralidade são coisas diferentes. Mas o sofrimento causado pelos outros homens e mulheres em sociedade não é como a chuva ou o terremoto: desse há mesmo uma responsabilidade moral, que tem de ser assumida e compreendida. Só assim lhe poderemos fazer frente.



12.6.13

isto, sim, é a falência.


Governo dá instruções aos serviços para que mantenham corte no subsídio de férias.

Uma instrução aos serviços da administração central, emanada do Conselho de Ministros e assinada por PPC, diz que o Orçamento do Estado para 2013 “não prevê os meios necessários e suficientes para garantir” o cumprimento do acórdão do Tribunal Constitucional, “existindo uma inconsistência entre a obrigação legal de pagar os subsídios e os limites orçamentais” existentes. Ainda segundo o Público, «O Governo determina que os serviços “procedam conforme estabelecido desde o início do ano, garantindo a necessária estabilidade financeira e orçamental”, o que na prática significa que os dirigentes devem ignorar a lei que está em vigor (o contrato de trabalho em funções públicas) e que determina o pagamento dos subsídios em Junho».

Isto, sim, é a falência do Estado. A falência pura e simples, se de facto não há dinheiro para cumprir os compromisso básicos (apesar da "ajuda" externa), ou, alternativa ou cumulativamente, a falência do Estado de Direito, na medida em que o governo delibera desrespeitar a Lei Fundamental e quem está legalmente incumbido de a fazer respeitar. Governar o país dentro da legalidade está acima das possibilidades desta gente.

terrorismo.


O governo grego (parte do governo grego, porque há dois partidos da maioria que se opõem à medida) fechou a televisão pública. "Fechou" é isso: desligou a ficha e deixou de haver emissão. Coisa simples, mera gestão, portanto - acham "eles". Dizem que vão reabrir qualquer dia, com menos trabalhadores - uma empresa "modernizada", como eles dizem. Devem estar já a vasculhar no lixo para encontrar os "modernos" que darão carne ao novo corpo moderno da TV pós-pública.

Só desejo que o povo grego parta os dentes aos terroristas de Estado. Quero dizer: literalmente. Até porque, se não for assim, estes de cá, que já preparam há tempo a sua justificação para agirem fora da lei, vão achar que podem fazer o mesmo. É preciso resistir ao terrorismo: defender na rua o Estado de direito, essa pode ser a revolução necessária.


10.6.13

a condição partidária.




Quem me conhece (politicamente) sabe que tenho uma posição sobre o papel dos partidos na democracia que é uma forquilha com dois dentes.
Primeiro dente: os partidos são essenciais a uma democracia estruturada, porque organizam propostas de governo e forças para as defender, numa lógica de uma certa continuidade que permite dar profundidade temporal ao juízo sobre o desempenho e sobre os protagonistas. (Isto evita aqueles magníficos independentes que surgem no firmamento como estrela dos Magos e logo que podem pegam no baú e fogem com o que conseguem arrebanhar do tesouro político entretanto amealhado, enquanto as pessoas de partido criam uma história que pode ser consultada e não os deixa falar sem confronto com o seu percurso anterior.) Neste primeiro dente da forquilha incluo uma característica geralmente mal compreendida: quem participa num partido engole, às vezes, opções de que não gosta, porque assim tem de ser num colectivo: se cada um faz o que bem lhe apetece em cada momento, não há sentido em que se esteja num colectivo. Segundo dente da forquilha: não faz sentido que um cidadão renuncie em todas as circunstâncias à sua opinião e à sua responsabilidade pessoal em nome da adesão ou simpatia para com o partido. Nesse caso, o cidadão partidário torna-se uma marioneta do colectivo.
Nem sempre é fácil andar com a forquilha equilibrada nestes dois dentes, em tensão. Mas cada pessoa, pelo menos se tem esta mesma visão sobre os partidos, tem de saber ir compondo esse equilíbrio, em plena responsabilidade pessoal. Vejamos como, pessoalmente, aplico esta "teoria" às eleições autárquicas.
Em princípio, como tendo a estar mais em sintonia com o PS do que com qualquer outro partido, olho para uma eleição autárquica com um preconceito: inclino-me, à partida e em abstracto, para o candidato do PS. Mas isso não me leva logo de mãos atadas e olhos vendados para a urna de voto, pronto a riscar no apropriado quadradinho. Tenho, posto o preconceito, de o analisar. E, em certos casos, terei de ir contra o preconceito e votar diferente do que propõe o partido que colhe o meu pré-juízo favorável. Se a minha análise mo ditar, terei mesmo de contrariar a minha simpatia de partida. É que, sendo pró um dado partido que já confessei, não posso ser menos cidadão por causa disso. Felizmente, neste caso, voto em Lisboa e estou confortável com o que o meu preconceito me sugere. Mas há, por esse país fora, casos diferentes. Felizmente, só voto num concelho em cada eleição autárquica. Embora isso não me faça esquecer o significado de certos "tiros" que por aí foram dados...
Claro, é muito mais fácil ser supremamente independente e olhar de alto para estas ninharias de quem tem compromissos, como se os "independentes" tivessem a cabeça cheia de "consciência" e os "outros" fossem comandados por uns botões virtuais. Que não é o caso, nem por um lado nem pelo outro.


as tolices ditas longe de casa parecem menos graves, é?!


Hollande em Tóquio: “A crise na Europa acabou”.

Segundo o Público, "O Presidente francês, François Hollande, afirmou neste domingo, em Tóquio, que a crise na Europa acabou e acrescentou que os tempos duros que a região atravessou, em vez de a fragilizarem, vão torná-la mais forte".

Logo dizer isto aos japoneses, que sabem bem que uma crise pode perfeitamente durar, durar, durar.

9.6.13

de Maduro a verde em pouco tempo.


O Ministro Maduro rapidamente se tornou verde (de imaturo, impreparado). Apesar de saber que a filosofia existe, e que Paris existe, continua a não saber o que é uma "narrativa". Aparentemente, de "narrativa" só conhece o significado de "historieta" ou "conto". Anda distraído, há décadas, sobre o uso do termo "narrativas" para designar interpretações globais do mundo e da história. Que não são "realidade alternativa", como ele diz, mas fazem parte de qualquer abordagem global e prospectiva à realidade. Mas alguma coisa aprendeu depressa: quando não sabe, inventa. É uma pena ver que a política, que devia ser nobre, consegue em tão pouco tempo transformar um académico num fala-barato sem vergonha de dizer disparates.

ainda a caridade.


Papa Francisco: "a política é uma das formas mais altas de caridade".

Julgo que aqueles que elegem a "caridade" como "a" forma prática, directa e imediata de cuidar do próximo, poderiam com proveito meditar nesta afirmação. Deixo de lado as conotações várias do termo "caridade", porque admito que várias tradições sentem de forma diferente certos termos.

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Papa salta discurso "aborrecido" e revela porque não quis "luxos"

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um dia eternidade.


Um poema de Luís Quintais.


UM DIA ETERNIDADE

Um cavalo fala,
profetiza a morte
de Aquiles.

Depois o dom da fala
escapa-lhe, e o mundo
arrasta-se,
de ira e desespero
contaminado.

Ao instante
entre a fala
do animal
e a mudez
irremovível,
chamámos-lhe
um dia eternidade.

Daqui.

6.6.13

O elogio de um animal portentoso.


Durão “é um trunfo largamente por explorar”, afirma o chefe da diplomacia de Santana Lopes.

O elogio de um animal portentoso: uma mistura de centopeia e de camaleão, que levou para a Comissão Europeia o que há de pior em Portugal. Nomeadamente, o servilismo de quem devia defender o interesse comum e se agacha face aos grandes, sem medo das curvas; e o controlo partidário-pessoal da administração, sem noção visível de "interesse do serviço" e manifesta noção do "interesse do patrão". E sempre com os olhos todos apontados ao próximo "job". Mas continua a espalhar megafones da sua campanha pessoal para qualquer emprego novo, por todo o lado, literalmente.

5.6.13

reinventar a indignação.




Ontem envolvi-me, lá para os lados do Facebook, numa conversa que começou a propósito dos boicotes aos aparecimentos de membros do governo em público. Eu, pela milésima centésima vez, desde os tempos do anterior governo até hoje, opinei contra esses boicotes. A minha razão é simples: embora não se catalogando esses boicotes no capítulo das restrições à liberdade de expressão (os membros do governo e outros dignitários têm diversos meios para fazer ouvir a sua opinião), esses boicotes têm, no espaço da cidadania, a simbologia de retirar a palavra ao adversário. Coisa que, como democrata, não suporto. E, como sou também um institucionalista, não aprecio que o governo do meu país seja fechado à chave no seu palácio e não possa andar por aí a fazer o seu papel, por muito que eu ache odioso esse papel. E acho.

A resposta básica a esta minha posição é dizer que temos de dar voz à nossa indignação. E, depois, como sempre que discuto este assunto, vêm os outros adereços: basicamente, tratar-me como se eu fosse um menino de coro que não percebe a gravidade da situação, que pactuo com os malandros do momento e que me atrevo, oh deuses!, a criticar uma forma de resistência que é insubstituível.

Então, quero reiterar e explicar a minha posição, uma vez mais e no momento actual.

Em primeiro lugar, o argumento de que estamos numa espécie de pré-revolução, em que teriam deixado de valer as garantias normais em democracia, não me convence. Basicamente por não acreditar, como nunca acreditei, que as garantias democráticas devam alguma vez ser suspensas a pretexto de qualquer revolução. (Sem sequer chegar a discutir a alegação de que estaríamos num clima pré-revolucionário.) Mesmo um governo como este, que a meu ver perdeu legitimidade por ter chegado ao poder com base na ocultação propositada e estratégica do seu programa, não aboliu a democracia – embora tenha mostrado que a democracia pode ser colocada num beco (embora num beco mais duradouro esteja a democracia na Madeira, sem grande comoção continental). E, se critico o governo por estar a destruir aspectos do nosso ambiente institucional que demoraram anos a construir, e que será penoso reconstruir, não vou aplaudir que outros aspectos da nossa ecologia institucional sejam maltratados em nome da indignação.

Em segundo lugar, num plano de mero pragmatismo político, não acredito minimamente na eficácia desse tipo de protestos. O governo, no essencial, até está a viver muito bem com este estado de coisas: toda a gente está contra, mas o governo continua a fazer mais do mesmo. E não são estes episódios de protesto que o impedem. Aliás, o protesto de aparência radical, quando não alarga o apoio ao protesto, só contribui para estreitar a base de apoio à contestação. Creio que está estabelecida uma rotina de protesto que não cria nada de novo.

Em terceiro lugar, acho que está chegado o tempo de pensar mais nas alternativas do que na indignação. O que é preciso para empurrar o governo e os seus esteios não são mais boicotes só por si: aquilo que verdadeiramente pode derrubar este governo será o aparecimento de uma alternativa concreta e clara, com um programa básico claramente especificado, mais o elenco das forças disponíveis para o aplicar. É que, se estamos todos muito satisfeitos porque JPP escreve cartas a Soares e este lhe chama camarada, as festas da unidade não vão levar-nos a lado nenhum enquanto não se vir, preto no branco, qual é o programa de governo de quem está contra e pode/deve fazer diferente. E, nesse aspecto, o clima tem mudado pouco, apesar das aparências. E acho que há hoje uma grande descrença acerca da capacidade das oposições para montar qualquer coisa de diferente que possa resultar seriamente.

E, finalmente, a própria indignação tem de se reinventar. Se se diz, e eu concordo, que a democracia não é votar de quatro em quatro anos; se se apregoa a necessidade de participação, de uma cidadania mais presente, cabe perguntar: não podemos fazer mais para dar um contributo menos exclusivamente protestativo e mais construtivo à indignação? É preciso, além de contestar, democratizar e aprofundar o debate – ou já se esqueceram da Islândia, que voltou rapidamente a escolher os partidos que a levaram à crise, depois de um curto interregno de esquerda? É preciso fazer o caminho de enfrentar o governo no seu próprio plano, nos fundamentos da sua ideologia. Dou apenas um exemplo. Este governo ataca o Estado na pessoa do funcionalismo público. Sejam quais forem os argumentos em cada momento, o jogo passa sempre pela ideia de que tirando recursos ao Estado e à Administração não se perde nada de importante, porque há muito desperdício. Ora bem: não deveríamos – não deveriam os cidadãos – entrar no exercício de avaliar os serviços do Estado? Não o conjunto do aparelho, mas, concretamente, escolher este centro de emprego, aquele serviço educativo, aquele centro social, ou mesmo aquela direcção dentro daquele ministério – e avaliar a sua missão, o que deveria fazer, que meios materiais e humanos tem e se são suficientes, porque lhe falta o que lhe falta. Isso serviria para quê? Para travar a batalha da compreensão do que são os serviços públicos em Portugal, saber porque são necessários, porque nem sempre cumprem as suas missões, em que condições trabalham os funcionários públicos e como tantas vezes se fazem omeletas sem ovos, etc. – não deixando esse debate para os que pressupõem que tudo está mal no Estado, nem para os que pressupõem o contrário, nem para números globais que acabam por não dizer muito à generalidade das pessoas acerca daquilo que se passa realmente nesse animal mítico que dá pelo nome de Estado. Quer-me parecer, apenas por exemplo, que teríamos aqui uma pista para uma mobilização da indignação mais produtiva do que o boicote às falas deste ou daquele membro do governo. É isto que quero dizer quando digo que a indignação tem de se reinventar.



3.6.13

Atenção aos "matemáticos de formação".


Atenção aos "matemáticos de formação": não se metam em "assuntos jurídicos", não venha algum "polícia das zonas de especialidade" mostrar-vos o cartão amarelo.

Falo disto. Eu não devia meter-me em assuntos de família, ainda por cima famílias onde não tenho sangue nenhum, mas faz-me uma certa confusão que alguém tenha a lata de implicar com a formação académica de uma pessoa para "apelar" a que não se pronuncie sobre um assunto de cidadania. Sim, porque um assunto de cidadania não deixa de o ser lá por ter passado a constar dos trabalhos dos tribunais.

2.6.13

um retrato da nossa vida comum.


Arquitecto do Rossio vê justiça feita 11 anos depois de ter sido dispensado.

Esta história, cuja leitura integral aconselho, diz muito do que somos. Da falta de cuidado com que os responsáveis públicos tratam as pessoas e o trabalho das pessoas; da precariedade como cultura; da facilidade com que certos políticos esmagam quem não lhes faz as vontadinhas todas; da entrega ao trabalho, que também existe mas tende a não ser premiada. Vale a pena ler e meditar.